Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 757/2019-T
Data da decisão: 2020-06-26  IRS  
Valor do pedido: € 13.168,91
Tema: IRS de 2018 – Mais-valias resultantes de alienação onerosa de imóveis. Discriminação de não residente. Desconformidade face ao artigo 65.º do TFUE. Artigos 43.º-2 e 72.º do CIRS.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

a)            Em 13 de Novembro de 2019, o Requerente, A..., casado com B..., NF..., residente em..., ..., ..., ..., ..., França, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral (PPA), ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia  sobre a legalidade parcial da liquidação nº 2019... de 24.07.2019, documento nº 2019..., do ano de 2018, resultando um valor a pagar de € 26.337,83, ou seja impugnando a liquidação na parte de 13 168,91 euros.

b)           É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

c)            O Requerente formula ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) um pedido de pronúncia arbitral (PPA) no sentido de ser “anulada parcialmente a liquidação correspondente ao seu excesso, no montante de 13.168,91 Euros e este montante restituído ao ... Requerente”.

 

d)           O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 13-11-2019.

e)           Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 06.01.2020, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

f)            O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 05 de Fevereiro de 2020, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).

 

g)            A fundamentar o pedido, o Requerente alega a seguinte factualidade:

i               Era em 2018, não residente em Portugal e residente em França.

ii              É casado sob o regime de comunhão de adquiridos com B... e até 2011 residia com o seu agregado familiar, com permanência em território nacional, mas nesse ano mudou a sua morada fiscal para França.

iii             Em Março de 2019 reuniu-se com a esposa em França, pelo que esta mudou a sua morada fiscal, nesta data, para França.

iv            Actualmente ambos são residentes em França e não residentes em Portugal.

v             Em 29/06/2019 procederam à entrega, em separado, das respectivas declarações de IRS — Modelo 3, quanto aos rendimentos do ano de 2018, incluindo o Anexo G, referente aos rendimentos de mais-valias imobiliárias obtidos com a alienação de bens imóveis realizadas em Setembro e Outubro de 2018, indicando a situação pessoal de casados em comunhão de adquiridos e a condição de não residente do Requerente.

vi            Em Setembro e Outubro de 2018, o Requerente, no estado de casado com a esposa, venderam dois imóveis situados em Portugal, com mais-valias, tendo declarado o Requerente a sua quota-parte (50%) do valor de realização resultante das duas alienações, que se traduz num rendimento total de € 200.000,00, ao qual foi subtraída a soma da sua quota-parte dos valores de aquisição (obtida após aplicação do coeficiente de desvalorização da moeda) de € 97.481,71 e as despesas e encargos no montante € 8.454.60.

vii           Resultado um valor apurado pela AT, na proporção de 50% para si e 50% para a sua esposa, a título de mais-valias, de € 188.127,38, ou seja, € 96.063,68 para cada.

viii          Quanto à sua esposa, entende o Requerente estar bem apurada a liquidação do imposto a pagar, porquanto foram-lhe aplicados os valores progressivos constantes no artigo 68º CIRS, aplicados sobre 50% do valor apurado, ou seja, € 47.031 ,84.

ix            Quanto ao Requerente, procedeu a Autoridade Tributária ao cálculo do imposto, nos termos do disposto no artigo 43º-1 do CIRS, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano e aplicando uma taxa fixa de 28% à totalidade das mais-valias.

x             Deste modo, aplicou a AT uma taxa de 28% ao rendimento global do Requerente de €96.063,68, tendo o Requerente sido notificado para pagar o imposto apurado, o qual ascendeu a € 26.337,83.

xi            Entende o Requerente que esta liquidação se encontra ferida do vicio de violação da lei, na medida em que constitui uma discriminação negativa dos não residentes face aos residentes em Portugal, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, como tal, contrária ao Direito da União Europeia, em especial das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

h)           Notificada a AT, respondeu em 09.03.2020 e não juntou PA porque inexiste, mas aderiu aos documentos juntos pelo Requerente, como elementos de prova do processo.

 

i)             A AT refere essencialmente o seguinte:

 

i               Reconhece que o TJUE, no acórdão C - 443/06  (acórdão Hollmann), decidiu que o artigo  56.° do TCE (actual artigo 63.º do TFUE) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado membro, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.

ii              No entanto, o actual quadro legal já não é o vigente à data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, tendo em conta que, na sequência dessa jurisprudência, foi efectuada uma alteração legislativa mediante o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que passaram a prever que os residentes noutro Estado membro da União Europeia podem optar, relativamente aos rendimentos prediais, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º do CIRS, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, admitindo igualmente que, para efeitos de determinação da taxa aplicável, são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.

iii             Sendo que as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes passaram a conter um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68.º do Código do IRS, opção que a Requerente não utilizou, limitando-se a assinalar a sua condição de não residente.

iv            Requer, a final, o reenvio prejudicial para o TFUE por se desconhecer jurisprudência do Tribunal de Justiça que se debruce sobre a questão com as mesmas características factuais do caso dos autos.

 

j)             O TAS, por despacho de 25 de Junho de 2020, dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.

 

k)            Ao contrário do referido no segundo parágrafo do despacho do TAS atrás referido, a AT tomou posição sobre o PA, pelo que se rectifica, em conformidade, esse erro material, que não influiu, em nada, no exame e na decisão da causa, como flui da segunda parte do seu referido segundo parágrafo.

 

II – SANEAMENTO

 

a)            As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

b)           Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 13 de Novembro de 2019. O Requerente impugna parcialmente a liquidação nº 2019 ... de 24-07-2019, documento nº 2019..., correspondente à liquidação de IRS de 2018, resultando um valor a pagar de € 26.337,83, na parte de 13 168,91 euros, com data limite de pagamento de 04.09.2019.

c)            A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do pedido. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.

d)           O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

III - MÉRITO

 

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

a)            O Requerente é cidadão português com residência, em 2018, em França – conforme artigo 7º do PPA e artigo 6º da Resposta da AT;

b)           O Requerente e o seu cônjuge, por escritura pública de 27/06/2003, pelo preço de € 79.807,66 compraram a fração autónoma designada pela letra "B", inscrita na matriz sob o artigo..., registada na Conservatória do Registo de ... sob o número..., do prédio urbano sito em..., em Vilamoura, freguesia de ..., concelho de Loulé – conforme artigo 19º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;

c)            Por escritura pública de 28/09/2018, pelo preço global de € 200.000,00 venderam a fração autónoma de prédio urbano atrás identificada - conforme artigo 20º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;

d)           Da alienação onerosa referida em c), resultou para o Requerente e para o seu cônjuge, após aplicação de coeficiente de desvalorização, no caso de 1,23, nos termos da Portaria nº 317/2018, de 11 de dezembro, e respectivas de deduções, uma mais-valia de € 92.999,25 - conforme artigo 21º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;

e)           O Requerente e o seu cônjuge, por escritura pública de 16/03/2004, pelo preço de € 80.000,00,  compraram a fração autónoma designada pela letra "D" do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo ...º, registada na Conservatória do Registo de ... sob o número ..., do prédio urbano sito em ..., em ..., freguesia de ..., concelho de Loulé - conforme artigo 22º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;

f)            Por escritura pública de Outubro de 2018, pelo preço de € 200.000,00 venderam a fração autónoma de prédio atrás identificada - conforme artigo 23º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;

g)            Da venda referida em f), resultou para o Requerente e cônjuge, após aplicação do coeficiente de desvalorização, no caso de 1,21, nos termos da Portaria nº 317/2018, de 11 de dezembro, e respectivas de deduções, uma mais-valia de € 95.128,13 - conforme artigo 24º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;

h)           O Requerente e o seu cônjuge apresentaram, em 29/06/2019, em separado, as respectivas declarações de IRS — Modelo 3, respeitantes ao ano de 2018, juntamente com o anexo G, onde declararam as mais-valias imobiliárias atrás referidas – conforme nº 10º do PPA e documento nº 3 em anexo ao PPA;

i)             O Requerente, no quadro 4 do Anexo G do Modelo 3 do IRS, declarou 50% do valor de aquisição das duas fracções autónomas € 79 903,83); 50% do valor de realização das duas fracções autónomas (€ 200 000,00) e ainda 50% das despesas e encargos (€ 8 454,60) – conforme nº 10º do PPA e documento nº 3 em anexo ao PPA;

j)             Quanto ao Requerente, a AT procedeu ao cálculo do imposto devido, nos termos do disposto no artigo 43º-1 CIRS, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano e aplicando uma taxa fixa de 28% à totalidade das mais-valias, no valor de € 96.063,68 – conforme artigos 29º e 30º do PPA e artigos 4º e 5º da Resposta da AT;

k)            O Requerente foi notificado da liquidação nº 2019..., documento nº 2019..., correspondente à liquidação de IRS de 2018, resultando um valor a pagar de € 26.337,83, o que pagou em 27.08.2019 – conforme artigos 1º, 2º e 3º do PPA e documentos nºs 1 e 2 juntos com o PPA;

l)             Em 04 de Outubro de 2019 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral (PPA).

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

 

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

A)           Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.

 

Sobre a questão de fundo em discussão neste processo, existem várias decisões do CAAD, nomeadamente a decisão arbitral colectiva, presidida pelo Exmo. Senhor Conselheiro Carlos Cadilha, adoptada no Processo CAAD nº 846/2019-T, onde o signatário desta decisão, foi árbitro vogal.

 

Em declaração aposta no final da decisão arbitral atrás referida, o signatário desta decisão, expressou as razões que o levaram a alterar a sua posição sobre o reenvio prejudicial para o TJUE, que foi requerido pela AT e que antes tinha adoptado.

 

No Processo CAAD nº 846/2019-T acima referido, o que estava em causa, eram situações de facto e de direito idênticas às deste processo, apenas com a diferença de que a Requerente era uma pessoa singular residente no Brasil e não em Franca.

 

No sentido de contribuir para a uniformização das decisões adoptadas, este TAS adere, na totalidade, ao decidido no Processo CAAD nº 846/2019-T que passamos a transcrever, com as alterações relativas ao facto de se tratar de processos com Requerentes e articulados diferentes:

 

“Como se depreende do alegado nos artigos 31.º a 37.º do pedido arbitral, a título de questão prévia, a Requerente não pretende discutir a desconsideração, para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária, dos encargos incorridos com a realização de obras, no montante de € 157.465,49, mas unicamente a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.

 

                A Autoridade Tributária defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (actuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, e que na determinação da taxa se tenham em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português, concluindo assim que a legislação nacional se mostra agora conforme com o direito europeu.

 

                É, pois, esta a única questão que está em debate.

 

                Essa questão foi já analisada, em situação similar, no acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T, na linha do também já decidido em diversas outras decisões arbitrais, e, não havendo motivo para alterar esse entendimento, passa aqui reproduzir-se a parte mais relevante da sua fundamentação.

 

“Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...”.

 

 Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (CIRS, art. 18.º, n.º1, al. h), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (CIRS, arts. 13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2).

 

Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código. 

 

O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n. º1, do citado Código.

 

No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral, o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”.

 

Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.

 

Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.

 

A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28-09-2006, Proc.439/06).

 

Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que

“O artigo 56º CE   deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”

 

Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16-01-2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que “O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”

 

A orientação referida tem vindo a ser invariavelmente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo conforme se pode verificar dos acórdãos de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012, Proc. 0533/12, de 30 -04-2013, Proc. 01374/12, de 18-11-2015, Proc. 0699/15, de 03-02-2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019, Proc. 0901/11.

 

Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:

 

“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.

10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”

 

Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.

 

Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.

 

Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, nº2, conforme, aliás, em vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.

 

Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes, insuscetível de excluir a discriminação em causa.

 

Nesse sentido, pode ler-se na decisão arbitral de 22-05-2019, Proc.74/2019-T:

 

 “Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.

                De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:

i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e

ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.

Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.

Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.

Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:

a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.».

b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49. ° TFUE em razão do seu carácter discriminatório».

c) O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.

 

 No mesmo sentido, considerou-se, em decisão arbitral de 14-05-2013, Proc. 127/2012-T que

 

 “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário”.

 

É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só nas decisões acima citadas, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T,583/2018-T, 596/2018-T 600/2018-T e 613/2018-T, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do atual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TFUE.

 

Também dúvidas se não suscitaram ao Supremo Tribunal Administrativo que, em acórdão de 20-02-2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 – reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, portanto já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 - se pronunciou sobre a matéria em causa nos seguintes termos:

 

“12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi nºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.

13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.

14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.

15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.

16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Proc. 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.

17. Concluindo que a aplicação do nº 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra”

                Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e o acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T que aqui se transcreveu, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas à liquidação aqui impugnada.

...

 

***

Face ao acima exposto, forçoso será que, também neste processo, se adira à decisão aí adoptada no Processo CAAD 846/2019-T:

 

“Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE.

 

Consequentemente, o acto de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontra-se ferido de ilegalidade. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, deve esse acto ser parcialmente anulado”.

 

B) Reenvio prejudicial

 

Também neste aspecto se adere ao decidido da decisão arbitral colectiva acima transcrita, impondo-se uma decisão em conformidade:

 

“A Autoridade Tributária solicitou o reenvio prejudicial para o TJUE por considerar que não existe jurisprudência aplicável a um caso com idêntica situação de facto.

 

No entanto, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça que foi mencionada, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência aplicável à liberdade de circulação de capitais, não se afigurando que o caso dos autos ofereça qualquer especificidade, no plano dos factos, que recomende uma nova intervenção em reenvio.

 

Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial”.

 

C) Direito ao reembolso do valor do IRS pago a mais

 

Na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação controvertido, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia de € 13.168,91, correspondente a 50% de € 26.337,83, que foi pago em 27.08.2019, conforme alínea k) dos factos provados.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, pelo que, consequentemente:

 

1.            Anula-se parcialmente o acto tributário de liquidação nº 2019... de 24.07.2019, documento nº 2019..., correspondente à liquidação de IRS de 2018, resultando um valor a pagar de € 26.337,83, na parte impugnada de 13 168,91 euros.

2.            Condena-se a AT a proceder ao reembolso da quantia de € 13.168,91.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em € 13.168,91, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 918,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Junho de 2020

 

Tribunal Arbitral Singular,

Augusto Vieira