DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Arlindo José Francisco e Jónatas Machado (árbitros vogais), designa¬dos, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. Relatório
1. A..., S.A., (doravante abreviadamente designada por "Requerente"), titular do número de identificação fiscal ..., com sede na ..., n.º..., ..., ..., ...-..., Carnaxide, veio, a 28.12.2019, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e n.os 1 e 2 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.° 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária ou "RJAT") e dos artigos 1.o e 2.o da Portaria n. 112-A/2011, de 22 de Março, requerer. a constituição de tribunal arbitral para se pronunciar sobre a legalidade do ato tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI), com referência ao ano de 2019, no montante global de € 124.508,38.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 30.12.2019, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida).
2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 17.03.2020.
2.4. À luz do disposto nos artigos 16º-c), do RJAT e do princípio da proibição da prática de atos inúteis, o tribunal arbitral acordou dispensar a reunião com as partes, por se tratar de processo não passível duma definição de trâmites processuais específicos e não haver exceções ou questões prévias a apreciar e decidir nesta fase processual, bem como dispensar alegações finais , escritas ou orais, das partes (artigo 18º-2, do RJAT), considerando suficiente tudo quanto já foi alegado nos respetivos articulados e ponderando ainda que o objeto do processo tem sido abundantemente tratado pela Jurisprudência do CAAD.
3. Serviram de base ao presente litígio jurídico-tributário os seguintes factos;
a) A Requerente tem como objeto social a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários, sendo proprietária de um vasto acervo de imóveis;
b) Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação de AIMI n.2019..., referente ao ano 2019, no montante de € 124.508,38;
c) A liquidação de AIMI sub judice contabilizou, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pela Requerente, o valor patrimonial tributável dos seguintes terrenos para construção:
d) A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, da respetiva liquidação de AIMI;
e) Não obstante ter procedido ao pagamento, integral e atempado, do ato tributário em análise, num montante global de € 124.508,38, a Requerente não pode concordar com o mesmo.
4. A fundamentar o presente pedido, a Requerente vem aos autos aduzir, em síntese, os seguintes argumentos:
a) A Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 previa, na sua versão inicial, que seria aditado ao Código do IMI, "o capítulo XV, com a epigrafe "Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis", que integra os artigos 135.º-A a 135.º-L" – cf. artigo 168.º da Proposta de Lei n.37/XIII/2.4;
b) Neste documento preliminar, o n.º 2 do proposto artigo 135.º-B do Código do IMI dispunha o seguinte: “São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados na espécie "industriais", bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino";
c) Na sequência da apresentação da Proposta de Lei em apreço, o Ministério das Finanças elaborou, no mês de outubro de 2016, o Relatório relativo a este Orçamento do Estado para 2017 - "Relatório OE2017"., onde se referia que, o AIMI "introduz na tributação do património imobiliário um elemento progressivo de base pessoal, tributando de forma mais elevada os patrimónios mais avultados", mencionando expressamente que "para evitar o impacto deste imposto na atividade económica, excluem-se da incidência os prédios rústicos, mistos, industriais e afetos à atividade turística";
d) O Parecer da Comissão Parlamentar de Orçamento, Finanças e Modernização Administrativa de 31 de Outubro de 2016, pronunciou-se sobre a criação deste adicional, afirmando, igualmente, que a supra referida exclusão visava "evitar o impacto deste imposto na atividade económica";
e) A disposição normativa em apreço viria, porém, a sofrer significativas alterações quando da aprovação da Lei do Orçamento do Estado para 2017 (Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro), resultando as alterações adotadas das propostas apresentadas pelo Grupo Parlamentar do Partido Socialista (“PS”) que, através da "Proposta de alteração à Proposta de Lei n.º 37/XIII/2.4 «Orçamento do Estado para 2017»>" de 18 de novembro de 2016, aprovada em Plenário da Assembleia da República, que estabeleceu que o n.º 2 do novo artigo 135º-B do Código do IMI passaria a ter a redação atualmente em vigor - i.e. "São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código";
f) A Exposição de Motivos daquela proposta de alteração, referiu expressamente o Grupo Parlamentar do PS que as "Alterações ao Adicional do IMI decorrentes do debate público desde a apresentação da proposta, assegurando a ausência de impacto na atividade económica, maior progressividade do imposto e o reforço da tributação dos patrimónios imobiliários detidos por entidades residentes em paraísos fiscais”, revelando-se, assim, a intenção expressa de o AIMI representar um efetivo imposto sobre a fortuna imobiliária;
g) Face aos trabalhos preparatórios, é claro que o legislador visou garantir que os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estariam sujeitos a tributação em AIMI, reconhecendo que a mera detenção desses imóveis não constitui (e não pode constituir) um fator demonstrador de riqueza, nem um indicador suficiente de capacidade contributiva dos titulares desses imóveis, à semelhança do que sucedia com a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo, simultaneamente revogada com a aprovação do AIMI;
h) Resulta evidente que a ratio legis que esteve na génese da regra de exclusão de incidência objetiva, consagrada no n.º 2 do artigo 135º-B do Código do IMI, assentou, essencialmente, na intenção de não sobrecarregar fiscalmente os sujeitos passivos que, por força das suas atividades económicas, detêm imóveis para a prossecução do respetivo objeto social;
i) Das disposições relevantes do Código das Sociedades Comerciais resulta que normalmente a noção de sociedade comercial se decompõe, em termos genéricos, em vários elementos caracterizadores, a saber, pessoal, que implica a intervenção de um agrupamento composto por duas ou mais pessoas constituído de forma voluntária; patrimonial, que pressupõe a obrigação dos sócios contribuírem com bens e serviços para um fundo patrimonial próprio para efeitos de prossecução da atividade económica; finalístico, o qual configura o fim imediato a sociedade, o propósito do exercício em comum de determinada atividade; e teleológico, associado ao intuito de obtenção de lucros a distribuir pelos sócios, em face do desenvolvimento da atividade económica que integra o objeto social, sendo precisamente na definição do objeto social que se concretiza o âmbito e os limites da atividade económica desenvolvida por determinada sociedade, i.e. que se define o seu substrato;
j) O objeto social da sociedade comercial deve ser especificamente determinado pelos sócios, devendo ser "indicadas no contrato as atividades que os sócios propõem que a sociedade venha a exercer", nos termos estipulados pelo n.º 2 do artigo 11.º do CSC.
k) Existem atividades económicas cujo objeto essencial assenta nos próprios imóveis detidos pelas entidades que desenvolvem estas mesmas atividades – i.e. as atividades referentes a compra, venda, construção, promoção e arrendamento de imóveis, assumindo a sua detenção uma função essencial na prossecução da atividade económica destas sociedades, pois que tais imóveis são necessários ou imprescindíveis à realização do objeto social das mesmas, consubstanciando o substrato da atividade da sociedade em apreço, jamais se podendo presumir que o portfólio de imóveis detidos por esta entidade seja demonstrador de riqueza ou um indiciador da capacidade contributiva da mesma a considerar para efeito de tributação em AIMI;
l) Na Classificação Portuguesa de Atividades Económicas ("CAE") elaborada pelo Instituto Nacional de Estatística – são referidas, na generalidade, as "atividades imobiliárias" classificadas na secção L, classe 68 da CAE, que compreendem a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários, a mediação e avaliação imobiliária e a administração de imóveis;
m) A Requerente é proprietária de bens imóveis para que possa exercer a sua atividade, visto que os imóveis detidos por entidades que exerçam atividades imobiliárias, principalmente atividades de compra, venda, promoção, construção e / ou arrendamento, constituem os verdadeiros elementos do processo produtivo destas entidades, enquanto meras mercadorias (para compra e venda), inventários destinados a transformação futura (na construção) e / ou bens objeto de serviços de arrendamento, e, desta forma, são bens destinados exclusivamente à prossecução da(s) atividade(s) económica(s) das mesmas, nunca podendo ser comparados com meros elementos demonstrativos de riqueza, não podendo a AT pretender fazer incidir sobre o património destas sociedades um imposto que, conforme acima demonstrado, não incide (ou não devia incidir) sobre atividades económicas;
n) No que diz respeito ao destino dado aos terrenos para construção sobre os quais recaiu o pagamento do AIMI objeto do presente pedido - imóveis inscritos sob os artigos matriciais ... e ..., das freguesias da ... (...) e do ... (...), respetivamente - , importa referir que, apesar da sua qualificação enquanto terrenos para construção parcialmente afetos a "serviços", no caso do primeiro, e a "habitação" no caso do segundo, afigura-se pertinente reforçar que os mesmos se destinam à prossecução da atividade de prestação de serviços de saúde, razão pela qual se afigura viciado de ilegalidade o ato de liquidação de AIMI em apreço;
o) Na certidão permanente do registo predial de Lisboa do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., é referida a autorização da constituição "de 2 lotes de terreno para construção urbana, designados pelos n.os ... e ... com 1 número máximo de blocos, destinados a habitação, comércio, restauração, serviços e estacionamento privado, sendo autorizada a construção de 13 pisos acima do solo, 2 abaixo do solo, 1 piso vazado e 3 pisos do embasamento, em cada um";
p) O referido terreno para construção foi projetado para a instalação e funcionamento do Hospital ..., uma das mais modernas e reconhecidas unidades hospitalares de Portugal, dedicada à prestação de serviços de cuidados de saúde de excelência, tendo as obras necessárias à projeção do mesmo licenciadas em dezembro de 2016.
q) O Alvará de utilização n.º .../... /2018, emitido em 29.06.2018, autorizou a utilização do imóvel em apreço para equipamento coletivo, não restando dúvidas de que o imóvel está efetivamente afeto a serviços, não se reconduzindo à afetação habitacional que legitima a incidência do AIMI;
r) A afetação a serviços é confirmada pela Declaração entregue pela Requerente no dia 30.10.2019, com vista à atualização do imóvel em apreço na matriz como prédio em propriedade total sem andares nem divisões de utilização independente;
s) No mesmo sentido, a respeito do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial..., cumpre referir que as obras de construção com demolição que nele incidiram foram objeto de licenciamento através do correspondente alvará n.° .../... /2017, datado de 29.06.2017;
t) A "potencial afetação futura" de "serviços", conforme referida na petição inicial, acabou por concretizar-se mediante a projeção do Hospital ..., cujo término da instalação e início da respetiva operacionalização se perspetiva que se finalize a breve trecho, em concreto em 2020;
u) A liquidação de AIMI sub judice, emitida face aos imóveis detidos pela Requerente, afigura-se manifestamente ilegal, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo ser prontamente anulada, com todos os efeitos legais;
v) Para o apuramento do AIMI (alegadamente) devido pela Requerente, a AT contabilizou, para efeitos de determinação do valor tributável deste imposto, o valor patrimonial de um "terreno para construção" destinado à edificação de prédios destinados a serviços, o que não pode ser aceite;
w) Tendo sido clara a intenção do legislador em excluir, através do n.º 2 do artigo 135.9-B do Código do IMI, a aplicação do AIMI a prédios afetos a atividades económicas, deve entender-se necessariamente que os "terrenos para construção" afetos àquelas mesmas atividades estão igualmente incluídos nessa regra de exclusão, que não deixam, por esse facto, de estar destinados ao (futuro) exercício de atividades económicas;
x) Esta tributação não resulta das normas constantes do Código do IMI, é manifestamente contrária aos princípios que estiveram na génese deste regime e, de resto, atenta contra o princípio da igualdade, pelo que o ato tributário de AIMI sub judice, ao incidir sobre "terrenos para construção” destinados ao fim de "serviços" está inquinado de manifesta ilegalidade, por erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo o mesmo ser anulado.
y) Sendo procedente o presente pedido, a Requerente pretende, igualmente, que sejam pagos os respetivos juros indemnizatórios, nos termos do artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o que faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida.
4.1. Em face do exposto, vem a Requerente pedir que este Tribunal Arbitral se pronuncie sobre a ilegalidade do ato tributário de liquidação de AIMI sub judice, e da correspondente restituição do montante indevidamente pago, num montante de € 124.508,38.
5. Na Resposta, a Requerida respondeu, por impugnação, defendendo que o presente pedido deve ser julgado improcedente, com os seguintes argumentos
i) O adicional ao imposto municipal sobre imóveis (AIMI) criado pelo artigo 219º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro que aprovou o Orçamento do Estado para 2017, mediante o aditamento ao Código do IMI dos artigos 135- A a 135º K, passando a constituir o capítulo XV do respetivo código, surge como uma tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social
ii) O AIMI enquanto tributação especial de património de valor elevado destinada a assegurar o financiamento da Segurança Social incide “sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular”. [vide o n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI]Na medida em que a modelação do quantitativo a pagar se abstrai da dimensão económica das entidades, designadamente a qualificação como pequena, média ou grande empresa, bem como, por não atingir a totalidade do património líquido das entidades, pode afirmar-se que, no que o adicional ao IMI incidente sobre os prédios urbanos de que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários pessoas coletivas e estruturas equiparadas assume a natureza de imposto real (n.º 2 do artigo 135.ºA do CIMI);
iii) Ao contrário do que se visava primacialmente com a verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, não se pretende onerar a tributação de imóveis de luxo, pois o património imobiliário de valor avultado pode ser constituído por uma pluralidade de imóveis de reduzido valor;
iv) O artigo 6.º do Código do IMI clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os prédios classificados como “habitação", e isto independentemente da afetação que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência. A sujeição dos prédios classificados como habitacionais na matriz predial à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação, bem como da natureza e especificidades do seu titular;
v) Apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção, não garantindo, nem pretendendo garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”;
vi) Não obstante a alegação feita pela Requerente quanto à prova documental apresentada quanto à afetação “serviços”, constata-se que esta não apresenta os alvarás, ou as licenças de utilização para fins turísticos emitidas pela Câmara Municipal, respeitantes às frações autónomas em questão, documentos estes que permitem identificar a espécie de prédios urbanos, nos termos do número 2 do artigo 6º do CIMI;
vii) A liquidação impugnada mostra-se efetuada de acordo com as normas legais em vigor, em sede de tributação de AIMI do ano 2019, ou seja, com base na soma dos seus valores patrimoniais tributários à data de 1 de janeiro de 2019, nos termos do número 1 do artigo 135º-B e do nº 1 do artigo 135º-G, ambos, do CIMI;
viii) Para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não pode ser assacado aos serviços da AT qualquer erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, se não estava na disponibilidade da AT decidir de modo diferente daquele que decidiu por estar sujeita ao princípio da legalidade (art. 266.º, n.º 2, da CRP e art. 55.º da LGT).
5.1. Em face do acima exposto, a Requerida conclui que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado e, assim, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.
II. Saneamento
6. O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
7. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
8. Junta aos autos, em 28/04/2020, a resposta da ATA, o Tribunal proferiu despacho em 05/05/2020 no qual considerou dispensável a reunião prevista no artigo 18º do RJAT, considerando não haver trâmites processuais diferentes dos seguidos habitualmente pelo CAAD, não haver exceções ou questões prévias a apreciar e dispensando as alegações finais escritas ou orais, por considerar suficiente tudo o que foi alegado pelas partes nos seus articulados e que o objeto do processo tem sido abundantemente tratado pela jurisprudência do CAAD e fixou a data para a prolação da decisão final (até ao dia 12/06/2020). Foi ainda a Requerente notificada para proceder ao prévio pagamento do remanescente da taxa arbitral, nos termos do artigo 4º-nº 3, do Regulamento das Custas da Arbitragem Tributária.
9. Tudo visto e não enfermando o processo de nulidades cumpre decidir.
III. Do Mérito
III.1. Factos provados
10. Consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente tem como objeto social a compra, venda e arrendamento de bens imobiliários, sendo proprietária de um vasto acervo de imóveis;
b) Requerente foi notificada do ato tributário de liquidação de AIMI n.º 2019..., referente ao ano 2019, no montante de € 124.508,38; (Documento 1);
c) A liquidação de AIMI sub judice contabilizou, para efeitos de determinação do valor tributável e do correspondente montante de AIMI a pagar pela Requerente, o valor patrimonial tributável dos seguintes terrenos para construção; (Documento 2)
d) Na certidão permanente do registo predial de Lisboa do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ..., é referida a autorização da constituição "de 2 lotes de terreno para construção urbana, designados pelos n.os ... e ... com 1 número máximo de blocos, destinados a habitação, comércio, restauração, serviços e estacionamento privado, sendo autorizada a construção de 13 pisos acima do solo, 2 abaixo do solo, 1 piso vazado e 3 pisos do embasamento, em cada um"; (Documento 3)
e) As obras necessárias à projeção do Hospital ... (em funcionamento no prédio urbano inscrito sob o artigo matricial ...) foram devidamente licenciadas, em dezembro de 2016, pelo Alvará de obras de construção n.º .../... /2016 que se junta aos autos; (Documento 5)
f) O Alvará de utilização n.º .../... /2018, emitido em 29.06.2018, autorizou a utilização do imóvel em apreço para equipamento coletivo, não restando dúvidas de que o imóvel está efetivamente afeto a serviços, não se reconduzindo à afetação que legitima a incidência do AIMI; (Documento 6)
g) A 30.10.2019 a Requerente entregou uma Declaração com vista à atualização do imóvel em apreço na matriz como prédio em propriedade total sem andares nem divisões de utilização independente; (Documento 4)
h) As obras de construção com demolição que incidiram do prédio urbano inscrito sob o artigo matricial... foram objeto de licenciamento através do correspondente alvará n.° .../... /2017, de 29.06.2017; (Documento 7)
i) A Requerente procedeu ao pagamento, integral e atempado, da respetiva liquidação de AIMI;
III.2. Factos não provados
11. Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.
III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto
12. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
13. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
14. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, e as provas documentais apresentadas, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III.4. Matéria de direito
15. Pela Lei 42/2016 de 28 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2017, foi criado o AIMI, regulado pelos artigos 135º- A a 135º- K do CIMI , inseridos o aditado capítulo XV deste Código.
16. A incidência subjetiva consta do artigo 135º-A, interessando-nos para o caso concreto, os seus nºs 1,2 e 3, que se transcrevem:
1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.
2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pela cabeça de casal.
3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.
17. O artigo 135º-B trata da incidência objetiva e que também transcrevemos, a redação ao tempo aplicável:
“Artigo 135.º-B (*)
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código”.
De notar a exclusão dos prédios urbanos a que aludem as alíneas b) e d) do nº 1 (que se transcreve) do artigo 6º do CIMI:
“Artigo 6.º
Espécies de prédios urbanos
1 – Os prédios urbanos dividem-se em:
a) habitacionais;
b) comerciais, industriais ou para serviços;
c) terrenos para construção;
d) outros.”
18. Sendo este o quadro legal, sintetizamos que o entendimento de ilegalidade apontado pela requerente quanto ao ato de liquidação praticado pela ATA, assenta essencialmente, como já se viu, em considerar que o ato tributário de liquidação de AIMI em causa é violador da legalidade na medida em que tributa imóveis de uma empresa cuja atividade económica implica a detenção de imóveis, ao mesmo tempo que tributa terrenos para construção cuja potencialidade de utilização coincide com fins comerciais, industriais, serviços, ou outros. Com vista a sustentar o seu ponto de vista a requerente começa, por fazer uma apreciação sobre o regime do AIMI, aditado ao Código do CIMI, considerando inquestionável, que o legislador salvaguardou os prédios afetos a atividades económicas detidos pelos sujeitos passivos na prossecução do seu objeto social, e no caso concreto tratando-se de terrenos para construção a ATA, não teve em conta que a sua potencial utilização não é a habitação, o que desrespeita o preceituado no nº 2 do artigo 135º- B do CIMI, retirando a conclusão que o legislador pretendeu criar um imposto sobre a fortuna imobiliária, em que os prédios urbanos afetos às atividades económicas não estarão sujeitos a tributação em AIM, razão pela qual a liquidação deverá ser anulada com a consequente restituição do valor indevidamente pago acrescido dos respetivos juros indemnizatórios.
19. Por sua vez a requerida considera não assistir razão nem qualquer fundamento à pretensão da requerente, começando por fazer o enquadramento jurídico do AIMI, concluindo que a lei é clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os '' terrenos para construção", independentemente da afetação potencial que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência. Cita várias decisões proferidas pelos Tribunais Arbitrais e jurisprudência do TC que sustentam o ponto de vista por si propugnado, concluindo que os atos tributários em causa deverão ser mantidos na ordem jurídica por não padecerem dos vícios apontados.
20. Apreciadas, sucintamente, a posição das partes e considerando que o Tribunal entende que o AIMI é um adicional ao IMI , que foi criado, como já se viu, pela Lei 42/2016 de 28 de Dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2017 e que a receita ficou consignada ao Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, satisfazendo, deste modo, um objetivo do programa do governo de alargar a base de financiamento da Segurança Social, ao mesmo tempo que se introduz um imposto que recai sobre os detentores de maiores patrimónios imobiliários, reforçando a progressividade global do sistema, ao tributar de forma mais elevada os patrimónios mais avultados e que o artigo 135º- B do CIMI, não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afetos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica, será nesta ótica que avaliaremos a questão concreta. Na verdade, o critério de exclusão do AIMI, utilizado no nº 2 do citado artigo 135º-B, não foi o da atividade económica a que estão afetos os imóveis, mas tão só o critério do tipo de prédios estipulado no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ao funcionamento dos respetivos titulares do património a tributar.
21. Acompanhamos o plasmado na decisão proferida no Pº 420/2018 sobre esta matéria, que, com a devida vénia, se transcreve na parte respeitante ao critério de exclusão referido:
“A redacção do artigo 135.º-B do CIMI que veio a ser aprovada não afasta a incidência do AIMI sobre imóveis afectos à habitação e terrenos para construção utilizados pelas pessoas colectivas no âmbito da sua atividade económica.
22. A preocupação legislativa de «evitar o impacto deste imposto na atividade económica» foi anunciada na Proposta de Lei do Orçamento do Estado para 2017 e era concretizada, em alguma medida, através da exclusão do âmbito de incidência dos «prédios urbanos classificados na espécie “industriais”, bem como os prédios urbanos licenciados para a atividade turística, estes últimos desde que devidamente declarado e comprovado o seu destino» e da dedução ao valor tributável do montante de «€ 600 000,00, quando o sujeito passivo é uma pessoa coletiva com atividade agrícola, industrial ou comercial, para os imóveis diretamente afetos ao seu funcionamento». No entanto, não foi com base na actividade a que estão afectos os imóveis que veio a ser definida a exclusão de incidência, pois na redacção que veio a ser aprovada definiu-se a não incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afectação ao funcionamento das pessoas colectivas.
23. São conceitos distintos a afectação de um imóvel, que pressupõe uma utilização, e o fim a que está destinado, o «destino normal», subjacente às classificações dos imóveis, a que se refere o n.º 2 do artigo 6.º do CIMI. Se tivesse sido mantida, na redacção final do Orçamento, a intenção legislativa de afastar a incidência sobre os imóveis diretamente afectos ao funcionamento das pessoas colectivas, decerto teria sido mantida a referência a esta afectação que constava da proposta e que expressava claramente essa opção legislativa. Assim, tendo sido suprimida essa alusão à afectação dos imóveis, não há suporte legal para concluir que os prédios habitacionais e os terrenos para construção afectos à actividade das pessoas colectivas não relevem para a incidência do AIMI.
24. Por isso, é de concluir que a afectação dos imóveis às actividades económicas de pessoas colectivas não afasta a tributação em AIMI (fora dos casos em que se trate de prédios que no anterior tenham estado isentos ou não sujeitos a tributação em IMI, que não são contabilizados para efeitos de AIMI, nos termos do n.º 3 do artigo 135.º-B do CIMI). A detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afectação ou não a actividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva, superior à que é de presumir existir quando seja detido património de valor reduzido ou quando ele não exista, pelo que, em princípio, tem justificação a limitação da tributação às primeiras situações”.”.
25. Aderindo à jurisprudência transcrita, o Tribunal, não perscrute qualquer ilegalidade na tributação de AIMI dos terrenos para construção em causa, na verdade a titularidade de património de valor elevado, seja o titular pessoa singular ou coletiva, independentemente da atividade exercida, evidencia uma especial capacidade económica que lhe permite contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, ao qual está adstrita a receita de AIMI e que corresponde ao objetivo do programa do governo.
26. E, como se alcança do artigo 135º-B não ficou afastada a tributação dos terrenos para construção utilizados pelas pessoas coletivas no âmbito da sua atividade económica, a exclusão da incidência apenas teve por base, como já se viu, a espécie de prédios a que alude o artigo 6º do CIMI, precisamente os referidos nas alíneas b) e d) do seu nº 1 e não outros.
27. Também uma eventual violação do princípio da igualdade está fora de causa, tendo em conta o decidido no recente Acórdão do Plenário n.º 299/2019, proferido no âmbito do processo n.º 752/2018, que declarou não inconstitucional a norma extraída do artigo 135.°-B, n° 2, do CIMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do AIMI, os «terrenos para construção» com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, concluindo assim que os atos impugnados deverão ser mantidos na ordem jurídica, absolvendo-se, em conformidade, a requerida do pedido.
III.5. JUROS INDMNIZATÓRIOS
28. Quanto ao pedido de juros indemnizatórios fica prejudicada a apreciação dada a conclusão a que se chegou anteriormente.
IV. DECISÃO
Com base nos fundamentos de facto e de direito acima enunciados e, nos termos do artigo 2.º do RJAT, decide-se declarar inteiramente improcedente o presente pedido de pronúncia arbitral, absolvendo-se a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.
Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 124.508,38 (cento e vinte e quatro mil, quinhentos e oito euros e trinta e oito cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
Custas
Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 3 060.00 (três mil e sessenta euros), a pagar pela Requerente conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de maio de 2020
Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
Árbitro Vogal
(Arlindo José Francisco)
Árbitro Vogal
(Jónatas Machado)