DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 20 de dezembro de 2010, A..., Lda, NIPC..., com sede na Rua ..., n.º..., em ..., doravante designado por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) n.º .../2009, de 30.10.2019, no montante de € 17.525,60, sendo que € 13.288,00 correspondem ao imposto e € 4.237,60 a juros compensatórios, e n.º .../2009, de 30.10.2019, no montante de € 659,45, sendo que € 500,00 correspondem a imposto e € 159,45 a juros compensatórios, tudo num total de € 18.185,05 (dezoito mil, cento e oitenta e cinco euros e cinco cêntimos), por caducidade do direito à liquidação e consequente ineficácia da respetiva notificação. Sustenta, a Requerente, o seu pedido na verificação do instituto da caducidade, considerando que foram «intempestivas as notificações de liquidações adicional de IMT subjudice,», ocorridas em 06-11-2019, ou seja, após os 8 anos previstos no artigo 35.º, n.º 1 do Código do IMT, contados da data em que a isenção do imposto ficou sem efeito (07-10-2011).
2. O Requerente é representado, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária Dr.ª B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelas juristas, Dr.ª C... e Dr.ª D... .
3. Verificada a regularidade formal do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro, o signatário.
4. O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal Arbitral sido constituído no dia 12 de março de 2020, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
5. No mesmo dia 12 de março de 2020, o Tribunal notificou o dirigente máximo do serviço da Autoridade Tributária e Aduaneira, para, no prazo de 30 dias, apresentar resposta, juntar o processo administrativo, e caso o pretenda, solicitar a produção de prova adicional, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 17º. do RJAT.
6. A Requerida não apresentou resposta.
7. No dia 19 de março, foi publicada a Lei n.º 1-A/2020, no âmbito da fase excecional de emergência causada pela situação epidemiológica provocada pelo Coronavírus SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, procedendo à ratificação dos efeitos do Decreto-Lei n.º 10-A/2020, de 13 de março, à data da sua aprovação, ou seja, a 13 de março de 2020.
8. A Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, foi posteriormente, alterada pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, tendo implementado diversas medidas excecionais e temporárias, designadamente, a suspensão dos prazos para a prática de atos processuais e procedimentais a ser praticados no âmbito de processos e procedimentos a correr termos - ao que aqui interessa - nos tribunais arbitrais «até à cessação da situação excecional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infeção epidemiológica» (artigo 7.º do referido diploma).
9. No dia 18 de maio de 2019, a Requerente apresentou um requerimento mediante o qual solicita a extinção da instância arbitral por inutilidade superveniente da lide, em virtude da revogação dos atos sindicados nos presentes autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
10. No dia 20 de maio de 2020, o presente Tribunal notificou a Requerida, para, em cumprimento do princípio do contraditório, se pronunciar sobre o pedido de extinção da instância formulado pela Requerente identificado no ponto 9 supra.
11. No dia 29 de maio de 2020, foi publicada a Lei n.º 16/2020, que procede à revogação parcial da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, na redação concedida pela Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, que revoga a suspensão de prazos judiciais e administrativos extraordinária que se encontrava em vigor, com efeitos a partir do dia 3 de junho de 2020.
12. No dia 3 de junho de 2020, a Requerida em resposta ao despacho identificado em 10 supra, informou os autos que nada tem a opor ao requerido pela Requerente, em 18 de maio de 2020, ou seja, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
IV. SANEAMENTO
O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
V. MATÉRIA DE FACTO
Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes no pedido de constituição arbitral e requerimento da Requerente de 18.05.2020 e requerimento de 13.06.2020 da Requerida e à prova documental junta aos autos consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a. FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. No dia 20 de dezembro de 2010, a Requerente solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, com vista à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) n.º .../2009, de 30.10.2019, no montante de € 17.525,60, sendo que € 13.288,00 correspondem ao imposto e € 4.237,60 a juros compensatórios, e n.º .../2009, de 30.10.2019, no montante de € 659,45, sendo que € 500,00 correspondem a imposto e € 159,45 a juros compensatórios, tudo num total de € 18.185,05 (dezoito mil, cento e oitenta e cinco euros e cinco cêntimos).
B. A Requerida notificada para o efeito, não apresentou Resposta.
C. Por despacho de 2020-05-06, da Subdiretora-Geral da Área de Gestão dos Impostos sobre o Património, exarado da Informação n.º ..., os atos tributários impugnados foram revogados. – cfr. Ofício n.º..., de 06.05.2020 da Direção de Serviços – Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto único de Circulação e Contribuições Especiais da Autoridade Tributária e Aduaneira junto com o requerimento apresentado pela Requerente a 18.05.2020 - ;
D. A Requerente foi notificada, através da sua mandatária, da revogação dos referidos atos– cfr. Ofício n.º..., de 06.05.2020 da Direção de Serviços – Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis, Imposto do Selo, Imposto único de Circulação e Contribuições Especiais da Autoridade Tributária e Aduaneira junto com o requerimento apresentado pela Requerente a 18.05.2020 –
E. O ato de revogação ocorreu em momento posterior à constituição do Tribunal Arbitral que ocorreu a 12 de março de 2020.
F. No dia 18 de maio de 2019, a Requerente apresentou um requerimento mediante o qual solicita a extinção da instância arbitral por inutilidade superveniente da lide, em virtude da revogação dos atos sindicados nos presentes autos pela Autoridade Tributária e Aduaneira.
G. No dia 20 de maio de 2020, o presente Tribunal notificou a Requerida, para, em cumprimento do princípio do contraditório, se pronunciar sobre o pedido de extinção da instância formulado pela Requerente identificado em F. supra.
H. No dia 3 de junho de 2020, a Requerida em resposta ao despacho identificado em G supra, informou os autos que nada tem a opor ao requerido pela Requerente, em 18 de maio de 2020, ou seja, a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide.
b. FACTOS DADOS COMO NÃO PROVADOS.
Não existem factos dados como não provados, porque todos os factos relevantes para a apreciação do pedido foram dados como provados.
VI- DO DIREITO
1. A Requerente vem requerer a apreciação de legalidade dos atos de liquidação adicional de Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (IMT) n.º .../2009, de 30.10.2019, no montante de € 17.525,60, sendo que € 13.288,00 correspondem ao imposto e € 4.237,60 a juros compensatórios, e n.º .../2009, de 30.10.2019, no montante de € 659,45, sendo que € 500,00 correspondem a imposto e € 159,45 a juros compensatórios, tudo num total de € 18.185,05 (dezoito mil, cento e oitenta e cinco euros e cinco cêntimos).
2. A Requerida não apresentou Resposta.
3. Atendendo à matéria de facto dada como provada, por despacho de 2020.05.06 da Subdiretora-Geral da Área de Gestão dos Impostos sobre o Património, exarado da Informação n.º ... veio a revogar os atos tributários em crise nos presentes autos.
4. Deste modo, a revogação dos atos impugnados foi efetuada na pendência da presente ação, perdendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral o seu objeto principal, inexistindo, por consequência qualquer utilidade na pronúncia solicitada.
5. Com efeito, a referida revogação foi dada a conhecer ao presente Tribunal, através do requerimento apresentado pela Requerente, no dia 18 de maio de 2019, no qual solicita a extinção da instância arbitral, por inutilidade superveniente da lide.
6. Notificada a Requerida para se pronunciar sobre a requerida extinção da instância, por inutilidade superveniente, veio informar os autos que nada tinha a opor.
7. Ora, a inutilidade superveniente da lide é, nos termos do disposto na alínea e) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT, uma causa de extinção da instância, a qual ocorre quando, «por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.» - cfr. Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0875/14, de 30.07.2014, o qual sumariamente, explica que:
«I – A inutilidade superveniente da lide (que constitui causa de extinção da instância - al. e) do art. 277º do CPC) verifica-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a solução do litígio deixe de interessar, por o resultado que a parte visava obter ter sido atingido por outro meio.»
8. Aduz, em complemento a esta questão, o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 07433/14, de 10.04.2014, que:
«1. Entre as causas de extinção da instância do processo declarativo, as quais são aplicáveis à execução supletivamente, conforme dispõe o artº.551, nº.1, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, vamos encontrar a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (cfr.artº.277, al.e), do C.P.Civil).
2. Esta causa de extinção da instância contém dois requisitos que necessitam estar verificados para a sua aplicação. São eles, a inutilidade da lide, e que essa inutilidade decorra de facto posterior ao início da instância, para poder dizer-se que é superveniente, a qual dá lugar à mesma extinção da instância sem apreciação do mérito da causa.
3. Também neste sentido segue a doutrina e a jurisprudência, ao referirem que a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide se dá quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo ou, por outro lado, porque encontra satisfação fora do esquema da proveniência pretendida. Num e noutro caso, a causa deixa de interessar - além por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por ele já ter sido atingido por outros meios.
4. Só se verifica a inutilidade superveniente da lide quando essa inutilidade for uma inutilidade jurídica. A utilidade da lide correlaciona-se, assim, com a possibilidade da obtenção de efeitos úteis da mesma pelo que a sua extinção só deve ser declarada quando se conclua que o seu prosseguimento não poderá trazer quaisquer consequências vantajosas para o autor/recorrente.»
9. Ora, considerando que a pretensão da Requerente se encontra satisfeita, em virtude da revogação dos atos tributários impugnados e a sua consequente anulação, e não se vislumbrando a utilidade ou interesse na manutenção da pronúncia arbitral, por ter operado a inutilidade superveniente da lide, deve a decisão do presente Tribunal ser no sentido de declarar extinta a instância por inutilidade superveniente da lide relativamente ao pedido de pronúncia realizado, em conformidade com o previsto no disposto na alínea c) do artigo 277.º do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
VII. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se declarar a extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, em virtude da revogação dos atos tributários sindicados e a sua consequente anulação.
VIII. VALOR DO PROCESSO:
Fixa-se o valor do processo em € 18.185,05 (dezoito mil, cento e oitenta e cinco euros e cinco cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
IX. CUSTAS:
Custas a cargo da Requerida, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros), em virtude de ter sido a AT quem deu causa à declaração de extinção da instância, face à revogação dos atos tributários impugnados na pendência do processo arbitral
Notifique-se.
Lisboa, 24 de junho de 2020.
O Árbitro
Jorge Carita