Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 586/2019-T
Data da decisão: 2020-06-23  IVA  
Valor do pedido: € 733.987,36
Tema: IVA – Requisitos das faturas; direito à dedução; artigos 19.º, n.ºs 1 e 2, alínea a), 20.º, n.º 1 e 36.º, n.º 5, b) todos do Código do IVA.
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 DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

Os árbitros Conselheiro Carlos Fernandes Cadilha (árbitro presidente), Profª. Doutora Leonor Fernandes Ferreira e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

 

I. RELATÓRIO

1. No dia 3 de setembro de 2019, a sociedade comercial A..., S. A., NIPC..., com sede em ... – ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:

- Declaração de ilegalidade e anulação parcial da liquidação adicional de IRC n.º 2019 ... e das liquidações de juros compensatórios n.ºs 2019 ... e 2019 ..., referentes ao ano de 2016 e que, em conformidade com a respetiva demonstração de acerto de contas, resultaram no montante a pagar de € 370.587,36;

- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IVA n.º 2019 ..., referente ao período de tributação de 2016.09M e que, em conformidade com a respetiva demonstração de acerto de contas, resultou no valor a pagar de € 137.227,57; e

- Declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IVA n.º 2019 ..., referente ao período de 2016.11M e que, em conformidade com a respetiva demonstração de acerto de contas, resultou na quantia a pagar de € 224.988,06.

 

A Requerente juntou 2 (dois) documentos e arrolou 4 (quatro) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas.  

 

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação do ato tributário controvertido, sumariamente, no seguinte:

A Requerente está integrada num grupo empresarial que inclui, além de outras, as empresas “B..., Lda.” (doravante, B...) e “C..., Lda.” (doravante, C...), tendo todas por objeto a produção de moldes e estando especializadas em função da dimensão dos moldes, cabendo ainda à Requerente a área de comercialização dos moldes e de todos os contactos com clientes, por ser a que tem a imagem corporativa no mercado dos moldes.

Assim, a Requerente interage com o mercado como produtora de qualquer tipo de moldes e, quando adjudicado o fabrico de um molde, é ela própria que produz os moldes de pequena dimensão, sendo os de média dimensão fabricados pela “B...” e os de grande dimensão pela “C...”.

Os custos suportados por cada uma das outras duas empresas são faturados à Requerente que assume a venda, a cobrança, as garantias e o risco do negócio.

No decurso dos anos de 2015 e 2016, apenas cerca de 8% dos orçamentos apresentados pela Requerente a clientes deu origem a encomendas firmes de produção de moldes; por isso, os gastos com cerca de 92% dos orçamentos, que não deram origem a quaisquer encomendas firmes, foram considerados pela Requerente como gastos do período por, no seu entender, não poderem ser imputados a quaisquer contratos, consubstanciando um gasto necessário para a angariação de clientes e consequente obtenção de rendimentos.  

 Com efeito, a Requerente, de acordo com a normalização contabilística e considerando que os gastos de obtenção do contrato, relacionados com a apresentação de orçamentos, não podem ser mensurados fiavelmente e representam uma parte insignificante do custo do contrato, considera-os como gastos do período.

Nesta conformidade, iniciada a produção do molde, a Requerente utiliza, em obediência à NCFR 19, o método do lucro nulo, para tratamento contabilístico de réditos e custos relativos a contratos de construção de moldes produzidos pela “B...” e “C...”, face à impossibilidade de estimar de forma fiável o desfecho dos contratos. A Requerente entende que resulta claramente do parágrafo 32 da NCRF 19 que os custos devem ser sempre reconhecidos como um gasto no período em que são incorridos, independentemente do desfecho do contrato, ou seja, em caso algum os gastos são capitalizados ou desreconhecidos, apenas o rédito provável do contrato a reconhecer pode ser maior ou menor. Mais alega a Requerente que, de acordo com o parágrafo 21 da NCRF 19, os custos do contrato incluem os custos atribuíveis a esse contrato no período que vai desde a data em que o mesmo é assegurado até à sua conclusão final, isto é, só após a adjudicação do contrato é que começam a ser imputados custos ao contrato. Não obstante, os custos que se relacionem diretamente com um contrato e que sejam incorridos para assegurar o contrato são também incluídos como parte dos custos do contrato se puderem ser separadamente identificados e mensurados fiavelmente e for provável que o contrato seja obtido; caso contrário, são considerados gastos do período. Acrescenta ainda a Requerente que se os custos incorridos para assegurar o contrato forem reconhecidos como um gasto do período em que sejam incorridos, não são incluídos nos custos do contrato ainda que este venha a ser obtido num período subsequente.

                Segundo a Requerente, a AT desconsiderou os gastos que ela suportou com a elaboração de orçamentos porque tendo alguns dado origem à adjudicação de moldes, ainda que em período subsequente, então concluiu que todos os gastos com a elaboração de orçamentos deviam ter sido capitalizados. A Requerente entende que não assiste razão à AT, pois esta primeiro deveria ter provado que era possível mensurar com fiabilidade o custo de apresentação de cada uma das propostas de orçamento e, depois, teria ainda de identificar os gastos com orçamentos correspondentes a cada um dos contratos em curso em 31.12.2016 e os gastos imputáveis a orçamentos que, no termo do período, não tenham dado origem a qualquer contrato. 

                Noutra ordem de considerações, afirma a Requerente que mesmo que se entendesse que os gastos em causa são custos do contrato, a correção a efetuar nunca poderia ser a sua desconsideração, por não serem aceites como gasto fiscal, por força do disposto nos artigos 18.º, n.ºs 1 e 3, 19.º, n.º 3 e 23.º, n.º 1, todos do Código do IRC, como afirma a AT.

                  Porquanto, nos termos da NCRF 19 e do n.º 3 do artigo 19.º do Código do IRC, quando o desfecho de um contrato de construção não possa ser estimado de forma fiável, considera-se que o rédito do contrato corresponde aos gastos totais do contrato; por isso, não são os gastos incorridos que são desconsiderados como gastos fiscais, deve ser o rédito do contrato que deve corresponder aos gastos totais do contrato. Com efeito, a correção a efetuar deveria ser no rédito do contrato e até ao ponto em que fosse provável que os custos do contrato incorridos fossem recuperáveis.

                Por outro lado, afirma a Requerente que também é ilegal a desconsideração do gasto em sede de IRC, com base em alegada falta de indicação da natureza dos serviços prestados, por errada interpretação do n.º 6 do artigo 23.º do Código do IRC.

A Requerente alega que todas as faturas emitidas pela “B...” e pela “C...” têm na sua origem orçamentos que foram apresentados à inspeção tributária e que se encontram anexos às faturas, as quais permitem perfeitamente identificar a natureza empresarial da prestação de serviços, a respetiva taxa de IVA aplicável, possibilitando, por isso, à AT o controlo do pagamento do imposto devido e da existência do direito à dedução do IVA. Ora, diz a Requerente que a AT ignorou a informação adicional que lhe foi prestada, cingindo-se à mera análise da descrição da fatura e fundamentando a correção com base na inobservância da alínea b) do n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA, isto é, falta de indicação da “denominação usual dos serviços prestados”.

Mais alega a Requerente que ainda que se pudesse entender que foi inobservado o alegado requisito formal das faturas, não pode a AT limitar o direito à dedução do IVA invocando, apenas, a inobservância de um requisito formal como se o IVA em causa não tivesse sido suportado para a realização de operações tributáveis. Assim, as liquidações adicionais de IVA controvertidas estão feridas de ilegalidade, por errada interpretação das disposições conjugadas dos artigos 19.º, n.º 2 e 36.º, n.º 5, do Código do IVA.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 11 de setembro de 2019.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 24 de outubro de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 25 de novembro de 2019.

 

6. No dia 14 de janeiro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

7. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:

                A Requerida afirma que a questão que se coloca é o tratamento fiscal a dar aos gastos com a elaboração de orçamentos nas situações em que o molde objeto do orçamento não é produzido, ou quando esse orçamento só é aceite no período seguinte e, por conseguinte, iniciada a produção do molde em período de imposto diferente daquele em que ocorreu o gasto com o orçamento.

                Assim, sustenta a Requerida que se torna imperioso frisar que, em termos contabilísticos, as regras de reconhecimento e mensuração dos ativos, passivos, rendimentos e gastos a serem observadas pelos sujeitos passivos devem ser as que constam da Estrutura Concetual para a preparação e apresentação das demonstrações financeiras e das normas contabilísticas que lhe sejam aplicáveis e, eventualmente, corrigidas no termos da legislação fiscal.  

                No caso concreto, a problemática da periodização fiscal dos réditos/gastos relativos a contratos de construção (construção de moldes), encontra-se contabilisticamente consagrada na NCRF 19 e fiscalmente na alínea c) do n.º 3 do artigo 18.º do Código do IRC, que remete para o disposto no artigo 19.º do mesmo diploma legal.

                Nesta conformidade, diz a Requerida que se se considerar que as faturas em apreço se encontram emitidas em respeito pelos n.ºs 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC, é certo que, no momento em que ocorrem os gastos com a elaboração dos orçamentos, ainda não é possível saber se os clientes vão aceitar o orçamento e adjudicar a construção dos moldes à Requerente. Assim sendo, os gastos incorridos devem ser considerados no período em que ocorreram; sendo que os custos do contrato devem compreender os custos que são elencados no parágrafo 16 da NCRF 19. Ademais, os custos de obtenção do contrato reconhecidos como gastos em períodos anteriores não podem ser levados a custos do contrato quando se ganha o contrato, sendo que o contrato só se encontra assegurado após a sua adjudicação e, como tal, só a partir dessa data é que podem ser imputados custos ao contrato; até lá, os gastos incorridos são gastos do período.

                Noutra ordem de considerações, diz a Requerida que a descrição mencionada nas faturas em apreço é apenas “Prestação de Serviços” (sem mais qualquer descrição e/ou menção), tendo a Requerente, no decurso do procedimento inspetivo, sido notificada para esclarecer e juntar elementos por forma a demonstrar qual a natureza dos serviços que estavam em causa, em virtude de as citadas faturas não reunirem os requisitos exigidos para a elegibilidade do gasto, nomeadamente o disposto nos n.ºs 4 e 6 do artigo 23.º do Código do IRC. Nesse seguimento, veio a Requerente apresentar elementos adicionais referentes a cada uma das faturas, designadamente um conjunto de orçamentos que não fazem qualquer menção à fatura a que se referem, pelo que é pertinente a interrogação porque é um orçamento e não outro, qual o critério utilizado para juntar um determinado orçamento a uma fatura e não a outra qualquer.

                A Requerida refere que não é despiciendo realçar que a “B...” e a “C...”, que são dois dos principais fornecedores da Requerente, durante os períodos de inspeção de 2015 e 2016, emitiram sempre as suas faturas com os requisitos exigidos no n.º 6 do artigo 23.° do Código do IRC (com indicação da natureza dos serviços prestados) e apenas nas faturas em análise e objeto de correção, foram emitidas com uma descrição genérica e imprecisa, isto é, tão somente “Prestação de Serviços”.

Neste conspecto, afirma ainda a Requerida que, embora reconhecendo-se que dada a extensão dos orçamentos não podiam os mesmos constar nas faturas, certo é que estas tinham que permitir conhecer os serviços a que respeitam, o que podia passar por identificar por remissão o(s) n.º(s) do(s) orçamento(s) nas faturas, por forma a permitir aferir que é aquele e não qualquer outro.

                Em síntese, diz a Requerida que os gastos contabilizados com base nas faturas 49, 50, 59, 62 e 68, e que influenciaram a determinação do resultado fiscal do período de 2016, não podem ser fiscalmente dedutíveis, dado que as faturas não se encontram emitidas na forma legal, por não indicarem a natureza dos serviços prestados e porque os elementos juntos no decorrer do procedimento inspetivo são manifestamente insuficientes para comprovar que estão em causa gastos necessários para a obtenção dos rendimentos do sujeito passivo nos termos do art. 23.° do Código do IRC.

                Sendo certo que, se não subsistissem dúvidas quanto à natureza dos serviços prestados, os valores em causa estariam corretamente refletidos como gastos do período, em obediência à NCRF 19 e à alínea c) do n.º 3 do artigo 18.° e ao artigo 19.º, ambos do Código do IRC.

                  No tocante às correções em sede de IVA, a Requerida sustenta que a informação/documentação complementar (orçamentos) que foi junta pela Requerente, no âmbito do procedimento inspetivo, não permite à AT controlar a exata realidade material subjacente (o serviço prestado), não lhe permitem determinar quais os serviços que concretamente estão faturados, qual o valor exato que corresponde a cada prestação concreta e definida; e, nem tão pouco, se os serviços prestados são os que estão a ser faturados e não quaisquer outros. Por isso, conclui a Requerida que bem andou a inspeção tributária ao considerar a informação adicional como insuficiente para colmatar o vício de forma, em violação do disposto no n.º 5 do artigo 36.º do Código do IVA.

                A Requerida acrescenta ainda que, nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do Código do IVA, não ficou clara a aquisição efetiva da totalidade das alegadas prestações de serviços para a aplicação em operações tributáveis, quer pela forma simplista da sua faturação, o que não acontecia com estes fornecedores nas faturas anteriores a setembro de 2016, quer pelas respetivas relações especiais com os mesmos.

                 

8. Por despacho de 21 de janeiro de 2020, foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como para a produção de prova testemunhal.

 

9. No dia 26 de fevereiro de 2020, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido fixado o dia 25 de maio de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à produção de prova testemunhal.

 

10. Por despacho de 5 de março de 2020, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, foi a Requerente notificada para se pronunciar, em aplicação do disposto no artigo 3.º, n.º 3, do CPC, sobre a possibilidade de o Tribunal vir a declarar a ilegal cumulação de pedidos por estar em causa, no ato de liquidação adicional de IRC, o principio da especialização dos exercícios e, no ato de liquidação adicional de IVA, a inobservância dos requisitos formais das faturas.

 

Nessa sequência, a Requerente pronunciou-se nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo pugnado pela «admissibilidade da cumulação dos pedidos dirigidos ao CAAD na presente arbitragem, ordenando o prosseguimento dos autos, sem necessidade da notificação a que se refere o número 6 do artigo 4.º do CPTA por carecer esta de fundamento». 

 

Por despacho de 24 de abril de 2020, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, o Tribunal deliberou que «os pedidos, fundando-se em diferentes causas de pedir, têm também por base diferentes princípios e regras de direito o que torna inviável a cumulação de pedidos à luz do disposto no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT»; sequentemente, foi determinada «a notificação da Requerente para, nos termos do artigo 4.º, n,º 6, do CPTA, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, indicar o pedido que pretende ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos».

 

Por requerimento apresentado em 13 de maio de 2020, a Requerente veio, então, informar «que pretende ver apreciado o pedido relativo ao IVA».

 

11. As partes apresentaram alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.    

***

II. SANEAMENTO

12. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não foram invocadas, nem existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.  

***

                III. FUNDAMENTAÇÃO

 

                III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS               

13. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:

                a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por atividade a produção e comercialização de moldes metálicos (CAE 25734), encontrando-se enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal. [cf. PA]

                b) A Requerente está integrada num grupo empresarial, constituído por empresas com relações entre si e sócios em comum, que tem como sociedade dominante a “D... SGPS”, NIPC ... e que inclui ainda, entre outras, as sociedades “B..., Lda.”, NIPC ... (doravante, B...) e “C..., Lda.”, NIPC ...(doravante, C...). [cf. PA]

c) Tal como a Requerente, também a B... e a C... têm como atividade a produção de moldes, estando as três empresas especializadas em função da dimensão dos moldes, cabendo ainda à Requerente a área de comercialização dos moldes e todos os contactos com clientes, por ser a que tem imagem corporativa no mercado dos moldes. [cf. depoimentos das testemunhas]  

d) A Requerente interage com o mercado como produtora de qualquer tipo de moldes e, quando adjudicado o fabrico do molde, é ela própria que produz os moldes de pequena dimensão, sendo os de média dimensão fabricados pela B... e os de grande dimensão pela C... . [cf. depoimentos das testemunhas]    

e) A produção de um molde, tradicionalmente, passa pelas seguintes fases [cf. depoimentos das testemunhas]:

 

- Fase de orçamentação: o cliente envia toda a informação necessária em termos de material, tamanho e função pretendida e, a partir destes dados, é feito um anteprojeto, onde se realizam os estudos dos materiais e componentes necessários, bem como uma estimativa do preço.

- Fase de conceção e desenvolvimento: nos casos em que é aprovado o orçamento e aceite a encomenda, é executado um desenho preliminar do molde que é enviado ao cliente para aprovação ou comentários e, assim que estiver aprovado, dá-se início ao desenvolvimento do projeto em paralelo com a Produção. 

- Fase da Produção: é feito o planeamento do processo produtivo e encomenda de matéria-prima para o fabrico do molde que, depois de produzido, é enviado ao cliente com toda a documentação e informação necessária relativamente a sistemas e mecanismos inseridos no molde.

- Fase de envio ao cliente.

f) Neste contexto, a Requerente assegura todo o fluxo de trabalho durante a fase de cotações para clientes, competindo também à B... e à C... fazerem os trabalhos de orçamentação – descritos no documento n.º 1 anexo ao PPA e que aqui se dá por inteiramente reproduzido –, que debitam à Requerente, conforme o seguinte esquema [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e depoimentos das testemunhas]:  

 

g) É normal que a mesma estrutura técnica de cada uma das empresas B... e C... possa estar simultaneamente a trabalhar em orçamentos para diferentes clientes. [cf. depoimentos das testemunhas]  

h) A Requerente remunera a B... e a C... pelas prestações de serviços de elaboração de orçamentos. [cf. depoimentos das testemunhas]

i) Os orçamentos, de acordo com a prática da generalidade das empresas e, em particular no setor dos moldes, são feitos gratuitamente, não sendo debitados quaisquer custos aos potenciais clientes. [cf. depoimentos das testemunhas]  

j) Nos anos de 2015 e 2016, a Requerente apresentou os orçamentos, fabricou os moldes e obteve os volumes de negócios seguintes [cf. depoimentos das testemunhas]:  

Ano       N.º de orçamentos         N.º de moldes fabricados             Volume de negócios (M€)

2015      709         64           11.689

2016      548         38           12.273

 

k) Após a obtenção de uma encomenda firme, é atribuído um número de molde e a sua produção pode ser alocada, total ou parcialmente, à Requerente, à B... e/ou à C... . [cf. depoimentos das testemunhas]  

l) Os custos suportados pela B... e pela C... são faturados à Requerente que assume a venda, a cobrança, as garantias e o risco do negócio, conforme o seguinte esquema [cf. depoimentos das testemunhas]: 

 

m) Iniciada a produção do molde, a Requerente utiliza, em obediência à NCRF 19, o método do lucro nulo, para tratamento contabilístico de réditos e custos relativos a contratos de construção de moldes produzidos pela B... e pela C... . [cf. depoimento da testemunha E...]

n) A B... emitiu as seguintes faturas à Requerente [cf. PA]:

(i) Fatura FA 2016/49, datada de 30.09.2016, no valor total de € 221.400,00 (€ 180.000,00 + € 41.400,00 de IVA) e com a descrição “Prestação de serviços”;

(ii) Fatura FA 2016/50, datada de 30.09.2016, no valor total de € 209.100,00 (€ 170.000,00 + € 39.100,00 de IVA) e com a descrição “Prestação de serviços”;

(iii) Fatura FA 2016/51, datada de 30.09.2016, no valor total de € 166.050,00 (€ 135.000,00 + € 31.050,00 de IVA) e com a descrição “Prestação de serviços”;

(iv) Fatura FA 2016/52, datada de 30.09.2016, no valor total de € 141.450,00 (€ 115.000,00 + € 26.450,00 de IVA) e com a descrição “Prestação de serviços”; e

(v) Fatura FA 2016/59, datada de 30.11.2016, no valor total de € 393.600,00 (€ 320.000,00 + € 73.600,00 de IVA) e com a descrição “Prestação de serviços”. 

o) A C... emitiu as seguintes faturas à Requerente [cf. PA]:

(i) Fatura FA 2016/62, datada de 31.10.2016, no valor total de € 418.200,00 (€ 340.000,00 + € 78.200,00 de IVA) e com a descrição “Análise e estudo dos novos moldes do projeto da ... para os projetos ...”; e

(ii) Fatura FA 2016/68, datada de 30.11.2016, no valor total de € 811.800,00 (€ 660.000,00 + € 151.800,00 de IVA) e com a descrição “Prestação de serviços”.

p) A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ..., a coberto das Ordens de Serviço n.ºs OI2018... e OI2018..., relativas respetivamente aos exercícios de 2015 e 2016, visando a análise global das obrigações fiscais e dos elementos declarativos da Requerente nos anos de 2015 e 2016. [cf. PA (RIT)]                 

q) O referido procedimento inspetivo culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que aqui se dá por inteiramente reproduzido (o qual foi antecedido do respetivo Projeto de RIT, devidamente notificado à Requerente e sobre o qual esta não exerceu o respetivo direito de audição) – sobre o qual recaiu despacho favorável do Diretor de Finanças e que foi notificado à Requerente pelo ofício n.º SPGAI-..., de 18.04.2019, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de..., remetido por correio registado com aviso de receção –, no qual foram efetuadas, além de outras, as seguintes correções de natureza meramente aritmética, em sede de IVA, no período e montante e com a fundamentação que seguidamente se transcreve [cf. PA]: 

             Período de 2016

# Em sede de IVA – Imposto:

                - IVA deduzido indevidamente: € 363.687,50

«(…)

III. Descrição dos factos e fundamentos das correções meramente aritméticas

(…)

No ano de 2016, detetamos na contabilidade da A..., S. A., o registo de gastos suportados em faturas emitidas por empresas que integram o mesmo grupo e que têm gerentes comuns, concretamente a B..., Lda., NIF ... e a C..., Lda., NIF ..., em que a descrição refere apenas “prestação de serviços”, As faturas em causa são as seguintes (anexo 3):

 

Está incluída no quadro 5 a fatura 62 que apresenta a descrição “Análise e estudo dos novos moldes do projeto da ... para os projetos ...”.

a) (…), “quando o fornecedor dos bens ou prestador de serviços esteja obrigado à emissão de fatura ou documento legalmente equiparado nos termos do Código do IVA, o documento comprovativo das aquisições de bens ou serviços previsto no n.º 4 deve obrigatoriamente assumir essa forma”, nos termos do disposto no n.º 6 do artigo 23.º do CIRC.

O Código do IVA determina no seu artigo 36.º n.º 5, alínea b) para o caso concreto, que as faturas legalmente emitidas devem indicar “a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”. O facto das faturas em causa apenas referirem genericamente “prestação de serviços”, impede que se conheça efetivamente a natureza dos serviços prestados o que por si só seria motivo para a desconsideração do gasto para efeitos fiscais.

Confrontado com o facto destas faturas não reunirem os requisitos exigidos para a elegibilidade do gasto, o sujeito passivo apresentou posteriormente elementos adicionais referentes a cada fatura, designadamente orçamentos que discriminam a natureza dos serviços prestados (anexo 3).

Além disso, para as situações em que se trata de prestações de serviços realizadas em moldes produzidos e comercializados pela A..., S.A., demonstrou, em alguns casos, que o respetivo gasto foi imputado à produção de cada um dos moldes, influenciando o mapa da percentagem de acabamento, nos moldes em curso no final do ano. Estão nestas condições as seguintes faturas:

 

Nos casos dos moldes identificados no quadro anterior foram todos vendidos e expedidos para os clientes ainda durante o ano de 2016.

Para as situações descritas, entendemos estar demonstrada a relação direta e efetiva do gasto com os rendimentos correspondentes. Nestes termos, aceita-se a elegibilidade fiscal dos gastos em causa, apesar das faturas de suporte à contabilização dos gastos não cumprirem o formalismo legal do n.º 6 do artigo 23.º do CIRC.

b) Nos restantes casos as prestações de serviços respeitam alegadamente a elaboração de desenhos e estudos para clientes da A..., S. A.. Solicitámos informação sobre que trabalhos de desenhos e estudos originaram a produção e comercialização de moldes por parte da A..., S. A.. Nalguns casos fomos informados que os moldes estão parados. Noutros casos, não tendo originado a produção do molde em concreto, permitiu encomendas de outros moldes. Há casos ainda em que a produção do molde objeto de estudo terá efetivamente acontecido. Esta informação foi facultada em post-it em cada uma das faturas como se verifica pela consulta aos documentos em anexo 4. Relativamente a cada uma destas faturas refere-se o seguinte:

Fatura FA 2016/49 de 2016/09/30 – € 180.000,00

Da primeira vez que solicitámos esclarecimentos sobre esta fatura, foi-nos apresentado um orçamento da B..., Lda para a A..., S.A com data de 2016/07/22 referente a “elaboração de desenhos e serviços prestados em codesign em projetos da F... . Serviços prestados nas nossas instalações e nas instalações da F... nas semanas 36, 37 e 38”. Foram ainda apresentadas as seguintes propostas da A... como sendo referentes ao orçamento em causa:

 

Adicionalmente, questionámos o sujeito passivo no sentido de informar quais destes projetos e propostas originaram a produção efetiva dos moldes. Na resposta obtida, foi-nos facultada fotocópia da fatura 2016/49 e da proposta n.º orç280/16 onde foi afirmado em post it que “viemos a fazer este molde com o n.º 2166”. Este molde encontra-se em curso no final do ano de 2016 e não se detetou que tenha sido alocado a este molde qualquer valor de gasto respeitante à fatura em análise. Relativamente às restantes propostas não foi acrescentada qualquer informação, concluindo-se na alegada aquisição de serviços no montante de € 180.000,00, apenas relativa à elaboração de desenhos de projetos, para uma venda de um molde de € 120.000,00, cujos gastos com a sua construção ainda estariam a ser incorridos.

Fatura FA 2016/50 de 2016/09/30 – € 170.000,00

O orçamento da B..., Lda para a A..., S.A. tem data de 2016/06/06 e respeita a “estudo da peça 3D, estudo de factibilidade do fabrico do molde, análise de cálculo de aços para molde e tratamentos térmicos, cálculo do nr de cavidades, estudo do sistema de injeção, estudo dimensional das medidas exteriores, cinemática do mesmo, e elaboração de propostas e orçamentos, para os clientes: G..., H...,  I..., J...t, K..., L..., M..., N..., O..., P..., Q..., R..., S..., T... e U..., durante os meses de junho, julho e agosto”.

Junto com o orçamento foram exibidas fotocópias de 109 orçamentos / propostas elaboradas pela A..., S.A.. Refira-se que diversas das propostas apresentadas (cerca de 40) foram feitas para 2 clientes: I..., Lda. e F... S. A., que não estão identificados no orçamento.

Após solicitarmos a identificação dos moldes a que estas propostas deram origem, foi-nos facultada informação relativamente às seguintes propostas:

 

Dos dados exibidos pelo sujeito passivo refira-se que a proposta n.º orç280/16 foi também apresentada com referência à fatura FA 2016/49 emitida pela B..., Lda..

Das observações averbadas pelo sujeito passivo, e indicadas no quadro anterior, verifica-se que alguns dos moldes terão sido efetivamente produzidos pela A..., S. A. encontrando-se em curso no final do ano de 2016. Contudo, analisada a ficha de gastos de cada um destes moldes não se detetou que tenha sido imputado qualquer gasto referente a esta fatura.

Quanto às restantes propostas apresentadas juntamente com o orçamento, nada mais foi acrescentado desconhecendo-se se originaram a produção de moldes por parte da A..., S.A.

Em conclusão, verifica-se que parte das propostas apresentadas para justificar a necessidade destes gastos para a obtenção dos rendimentos do sujeito passivo, não respeitam ao orçamento exibido para justificar os valores constantes da fatura FA 2016/50, emitida por B..., Lda; os moldes indicados encontram-se em curso no final do período e nos seus centros de custo não consta qualquer imputação desses gastos.

Fatura FA 2016/59 de 2016/11/30 – € 195.000,00

De acordo com o orçamento apresentado pela B..., Lda, que tem data de 2016/10/15, esta fatura respeita a:

- Programação, modelação e execução de elétrodos para os moldes 2123, 2125, 21626, 2127 e 2147, no montante de € 125.000,00, já abordado no neste ponto, alínea a);

- Elaboração de estudo de peças, novamente dos projetos dos clientes J..., T..., K..., M..., no montante de € 80.000,00;

- Desenvolvimento de estudos Moldflow para os orçamentos dos projetos T..., G..., R... no montante de € 115.000,00.

As propostas apresentadas (62 documentos) juntamente com o orçamento respeitam, além dos clientes identificados no orçamento, aos clientes F..., I..., Lda, S..., V..., SA, P..., W..., X... GmbH, Z..., AA..., S.C. BB... . À semelhança do ocorrido para a fatura anterior, também o orçamento e as propostas apresentadas para justificar a prestação de serviços faturadas pela fatura FA 2016/59 não são totalmente coincidentes.

Relativamente a 4 dos orçamentos (429/16, 430/16, 447/16 e 448/16) foi adicionada a seguinte informação:

Proposta 429/16: Não fizemos este molde. Esta peça é uma evolução do molde ...2060 que fabricamos em 2015;

Proposta 430/16: Não fizemos este molde. Esta peça é uma evolução do molde ...2061 que fabricamos em 2015;

Proposta 447/16: Não fabricamos este molde. Esta peça é uma evolução do molde feito em 2015;

Proposta 448/16: Não fabricamos este molde. Esta peça é uma evolução do molde feito em 2015.

Note-se, porém, que de acordo com a informação fornecida em post it, nenhum dos moldes destas novas peças foi feito.

Fatura FA 2016/62 de 2016/10/31 – € 340.000,00

A descrição desta fatura respeita a “análise e estudo dos novos moldes do projeto ... para os projetos ...”. Após esclarecimentos adicionais, o sujeito passivo informou em post it que “este projeto continua parado. Fizemos reunião com cliente em 09/10/18 para analisar alterações de peças. Preço dos 4 moldes: € 2.597.000,00”. O sujeito passivo adicionou as respetivas propostas com os n.ºs orc595/16, orc596/16, orc597/16 e orc598/16, todas de 2016/10/14.

Fatura FA 2016/68 de 2016/11/30 – € 660.000,00

O orçamento da C..., Lda exibido para justificar a prestação de serviços desta fatura refere a “realização de estudos e cedência de pessoal para estudos de factibilidade em projetos dos seguintes clientes: CC... € 180.000,00, F... € 220.000,00 e T... € 260.000,00”.

Juntamente com o orçamento foram apresentadas as propostas nos 500/16, 499/16, 498/16, 497/16, 496/16, 495/16, 493/16, 494/16, 492/16, 491/16, 428/16, 388/16A, 389/16A, 445/16, 443/16, 470/16, 471/16, 486/16, 422/16, 423/16 e 433/16, emitidas pela A..., S A. aos seus clientes.

Destas propostas, as nos 495, 493, 494, 492, 491, 445, 443, 470, 471 e 486 também se encontram como justificação para a fatura FA 2016/59 e a proposta no 428 também se encontra como justificação para a fatura FA 20161/49.

Depois de solicitados esclarecimentos adicionais o sujeito passivo indicou em post it as seguintes informações:

Proposta 428/16: tínhamos fabricado um molde ...2142 e este seria uma versão nova do que estava em construção havendo necessidade de novo projeto”;

Proposta 388/16A: “Este molde foi encomendado posteriormente com base no estudo que havíamos feito. Se não tivéssemos feito o estudo o molde não teria vindo: ...2171”;

Proposta 389/16A: “Igual Angebot 388/16A: ...2172”;

Proposta 486/16: “Tínhamos fabricado o molde ...2167. Este estudo de uma versão da peça mas que não arrancou o fabrico do molde”;

Proposta 422/16: “Este molde não entrou, mas o estudo feito serviu para o cliente nos encomendar o molde ...2180”;

Proposta 423/16: “Este molde não entrou, mas o estudo serviu para posteriormente o cliente nos encomendar o molde ...2199”.

De tudo o descrito, e nos foi possível perceber, os trabalhos associados às faturas emitidas por B..., Lda e C..., Lda, com os n.os 49, 50, 59 (apenas o valor de € 195.000,00), 62 e 68, melhor descritos anteriormente, perfazem um total de € 1.545.000,00 e respeitam à elaboração de projetos e estudos alegadamente conducentes à produção e comercialização de moldes, estando os identificados não iniciados ou em curso a 31.12.2016.

(…)

Refira-se, por fim, que a B..., Lda e a C..., Lda são 2 dos principais fornecedores da A..., Lda enquanto entidades subcontratadas para a produção de moldes comercializados por esta empresa. A análise realizada às faturas emitidas por estes dois fornecedores durante os anos de 2015 e 2016 permite verificar que, com exceção das faturas identificadas nos quadros 4 e 5, estão emitidas na forma legal, identificando o tipo de serviço que é prestado e ainda o número do molde a que esse mesmo serviço respeita.

(…)

III.2. IVA

(…)

III.2.3. IVA deduzido indevidamente – faturas emitidas sem a forma legal

Em setembro e novembro de 2016, o sujeito passivo tem registado na sua contabilidade faturas em que a descrição apenas refere “prestação de serviços” (anexo 3). Trata-se das faturas n.ºs FA 2016/49, FA 2016/50, FA 2016/51, FA 2016/52 e FA 2016/59 emitidas por B..., Lda., NIF ...  e da fatura n.º FA 2016/68 emitida por C..., Lda., NIF ...6, melhor identificadas nos quadros 4 e 5 do ponto III.1.3.

Tendo por base estas faturas, o sujeito passivo deduziu IVA no montante de € 138.000,00 em setembro de 2016 e € 225.400,00 em novembro de 2016, conforme se indica no quadro seguinte:

 

 

Nos termos do disposto no artigo 19.º, n.º 2 do CIVA só confere direito à dedução o imposto mencionado em faturas passadas na forma legal emitidas em nome e na posse do sujeito passivo.

As faturas possuem forma legal quando cumprem os requisitos definidos no artigo 36.º, n.º 5 do CIVA que determina que as faturas devem ser datadas e numeradas sequencialmente e ainda conter os seguintes elementos:

a) Os nomes, firmas ou denominações sociais e a sede ou domicílio do fornecedor de bens ou prestador de serviços e do destinatário ou adquirente sujeito passivo do imposto, bem como os correspondentes números de identificação fiscal;

b) A quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável; as embalagens não efetivamente transacionadas devem ser objeto de indicação separada e com menção expressa de que foi acordada a sua devolução (sublinhado nosso);

c) O preço, líquido de imposto, e os outros elementos incluídos no valor tributável;

d) As taxas aplicáveis e o montante de imposto devido;

e) O motivo justificativo da não aplicação do imposto, se for caso disso;

f) A data em que os bens foram colocados à disposição do adquirente, em que os serviços foram realizados ou em que foram efetuados pagamentos anteriores à realização das operações, se essa data não coincidir com a da emissão da fatura.

Ora, pelo descrito na alínea b) do citado n.º 5 do artigo 35.º, as faturas devem indicar a denominação usual dos serviços prestados. Isto significa, que a descrição genérica “prestação de serviços” não cumpre com o disposto neste normativo legal.

Pelo exposto, o sujeito passivo deduziu indevidamente IVA no montante de € 138.000,00 em setembro de 2016 e € 225.400,00 em novembro de 2016 num total de € 363.400,00.

Importa ainda referir, que nos termos do artigo 20.º, n.º 1 do CIVA não ficou clara a aquisição efetiva da totalidade das alegadas prestações de serviços para a aplicação em operações tributáveis, quer pela forma simplista da sua faturação, o que não acontecia com estes fornecedores, as respetivas relações especiais com os mesmos e o relatado no ponto III.1.3.b).

(…)»

                r) No âmbito do procedimento inspetivo, a Requerente apresentou elementos adicionais referentes às faturas FA 2016/49, FA 2016/50, FA 2016/51, FA 2016/52, FA 2016/59, FA 2016/62 e FA 2016/68, designadamente orçamentos que discriminam a natureza dos serviços prestados (cfr. PA);

s) Os orçamentos relativos às faturas FA 2016/49, FA 2016/50, FA 2016/51, FA 2016/52, FA 2016/59 e FA 2016/68 contêm as seguintes especificações:

i) fatura FA 2016/49 – elaboração de desenhos e serviços prestados em codesign em projetos da F...– serviços prestados nas nossas instalações e nas instalações da F... nas semanas 36, 37 e 38 ….€ 180.000,00;

 ii) fatura FA 2016/50 – Estudo da peça 3D, estudo de factibilidade do fabrico do molde, análise de cálculo de aços para o molde e tratamento térmicos, cálculo do nr de cavidades, estudo do sistema de injeção, estudo dimensional das medidas exteriores, cinematica do mesmo, e elaboração de propostas de projetos e orçamentos para os clientes: G..., H..., I..., J..., K..., L..., M..., DD..., N..., O..., P..., Q..., R..., S..., T... e U..., durante os meses de Junho, Julho e Agosto …. Preço € 170.000,00;

iii) Fatura FA 2016/51 - Elaboração de elétrodos + programas, com fornecimento de grafite para as cavidades dos moldes nr: 2134, 2136, 2138, 2130 e 2132…. Preço € 135.000,00;

iv) Fatura FA 2016/52 – Modelação e fabrico de eletrodos de desbaste e acabamento com grafite incluído, para os moldes nr 2112 e 2117 .…€ 115.000,00;

v) Fatura FA 2016/59 – Programação, modelação e execução de elétrodos para os moldes nr 2123, 2125, 2126, 2127, 2147 …. € 125.000,00; Elaboração de estudos de peças dos projetos dos cliente J..., T..., K..., M... …. € 80.000,00; Desenvolvimento de estudos Moldflow para os orçamentos dos projetos T..., R... .… € 115.000,00;

vi) Fatura FA 2016/68 – Realização de estudos e cedência de pessoal para estudos de factibilidade em projetos dos seguintes clientes: CC... .… € 180.000,00; F... .… € 220.000,00; T... ... € 260.000,00 (cf. PA);  

t) Relativamente às faturas FA 2016/51, 2016/52, 2016/59, os serviços inspetivos entenderam estar demonstrada a relação direta e efetiva do gasto com os rendimentos correspondentes e aceitaram a elegibilidade fiscal dos gastos em causa, apesar das faturas de suporte à contabilização dos gastos não cumprirem o formalismo legal do n.º 6 do artigo 23.º do CIRC (cf. PA);

u) Na sequência do procedimento inspetivo, a Requerente foi notificada, além de outros, dos seguintes atos de liquidação [cf. documentos juntos pela Requerente]:

(i) Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., referente ao período de tributação de 201609 e que, em conformidade com a respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., resultou no valor a pagar de € 137.227,57, com data limite de pagamento em 11.06.2019; e

(ii) Liquidação adicional de IVA n.º 2019..., referente ao período de 201611 e que, em conformidade com a respetiva demonstração de acerto de contas n.º 2019..., resultou na quantia a pagar de € 224.988,06, com data limite de pagamento em 11.06.2019.

s) Em 11.06.2019, a Requerente efetuou o pagamento integral dos montantes referenciados no facto provado anterior [cf. documentos juntos pela Requerente].

t) Em 03.09.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

14. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

15. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja adesão à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.

 

Relativamente à prova testemunhal que foi produzida, importa, desde logo, salientar que as testemunhas depuseram de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto dos factos aos quais foram inquiridas, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade; concretizando, essas testemunhas afirmaram, em síntese, o seguinte:

(a)          EE..., técnico comercial da Requerente – inquirido aos factos constantes dos artigos 9 a 15 e 40 a 44 do PPA –, reiterou o alegado pela Requerente relativamente à organização do grupo empresarial onde esta se insere e à relação entre esta e as empresas “B...” e “C...”, designadamente quanto à forma como está distribuída, entre elas, a produção de moldes e quanto à forma como se apresentam perante o mercado, dizendo que a “A...”, para além de ser a designação da Requerente, é uma marca de referência no mercado, motivo pelo qual é apenas esta quem contacta com os clientes; por isso, segundo disse, apenas existem técnicos comerciais na Requerente, sendo que as outras empresas trabalham para clientes que são angariados pela Requerente.

Também reiterando o alegado pela Requerente, explicou a forma como se processa a elaboração dos orçamentos apresentados aos clientes – tendo descrito detalhadamente o processo de orçamentação e as respetivas fases (estudos de factibilidade e trabalho de co-design), aliás, em total consonância com o vertido no documento n.º 1 anexo ao PPA –, dando conta, designadamente, de que os mesmos são elaborados sem qualquer garantia de adjudicação futura do fabrico dos moldes, sendo os respetivos custos – que representam cerca de 7% a 13% do orçamento final apresentado ao cliente – totalmente suportados pela Requerente.

Ainda quanto aos orçamentos, disse que os mesmos são elaborados pelos técnicos de cada empresa – Requerente, “B...” e “C...” –, consoante a dimensão do molde a ser fabricado, sendo que os respetivos custos são mais ou menos uniformes em todas as empresas (por exemplo, o custo/hora de um engenheiro).

Mais disse que quando há a adjudicação do fabrico do molde e, portanto, é feita a respetiva encomenda pelo cliente, tal tanto pode acontecer um mês após a elaboração e envio do orçamento, como apenas um ano depois, sendo absolutamente aleatório e incontrolável pela Requerente. Para ilustrar esta sua afirmação, deu o exemplo do ocorrido no ano de 2009, em que elaboraram e enviaram cerca de 1.000 orçamentos e apenas fabricaram cerca de 40 moldes.

(b)          E..., contabilista da Requerente – inquirida aos factos constantes dos artigos 16, 17, 94, 95 e 101 do PPA –, relatou em termos idênticos aos da anterior testemunha a organização do grupo empresarial a que pertence a Requerente, a relação entre esta e as empresas “B...” e “C...”, bem como o processo de orçamentação dos moldes.

Salientou que toda a área comercial do grupo está a cargo da Requerente, sendo esta quem corre os riscos do negócio e presta todas as garantias aos clientes.

Relativamente às faturas em causa neste processo, emitidas pela “B...” e pela “C...” à Requerente explicou que as mesmas apenas referem “prestação de serviços” por uma questão de simplificação, atenta a complexidade dos orçamentos que lhes estão subjacentes. Contudo, não explicitou como foi efetuada a correspondência entre os ditos orçamentos e aquelas faturas, tendo dito que essa documentação já chegou assim à sua posse, para efeitos de contabilização.

Mais disse que quando os orçamentos que são elaborados não dão origem a qualquer encomenda por parte dos clientes, os respetivos custos são contabilizados como custos do respetivo exercício; quando aqueles orçamentos dão lugar a encomendas, é aberto um “centro de custos”, identificado pelo número atribuído ao respetivo molde e, a partir daí, todos os custos incorridos com aquele molde são contabilisticamente imputados ao mesmo.

Afirmou que acompanhou o procedimento inspetivo realizado à Requerente e que, nesse âmbito, as únicas questões que lhe foram colocadas pela inspeção tributária foram no sentido de saber se os orçamentos tinham ou não dado lugar à fabricação de moldes e se podiam ou não faturar os respetivos custos aos clientes.

 

                III.2. DE DIREITO

                16. Encontrando-se delimitado o objeto do processo ao direito à dedução do IVA, na sequência do despacho arbitral que, por ilegal cumulação de pedidos, convidou a Requerente a optar por um dos pedidos formulados, a única questão que está em debate é a de saber se as faturas FA 2016/49, FA 2016/50, FA 2016/51, FA 2016/52, FA 2016/59 e FA 2016/68 preenchem os requisitos formais para efeito de dedução do imposto.

A Requerente entende que as faturas em causa não suscitam quaisquer dúvidas quanto à taxa aplicável e à natureza empresarial das prestações de serviços e da sua utilização para a realização de operações tributáveis, alegando ainda que a Administração ignorou a informação adicional que lhe foi transmitida, cingindo-se à mera análise da descrição da fatura.

A Autoridade Tributária sustenta que as faturas contêm a mera descrição genérica "prestação de serviços" e não cumpre com o disposto na alínea b) do citado n.º 5 do artigo 36.º do CIVA, que exige a indicação da denominação usual dos serviços prestados. 

Está assim em causa a recusa do direito à dedução de IVA por inobservância de formalidades a que deve obedecer a emissão das faturas, em aplicação do disposto nos artigos 19.º, n.º 2, alínea a), e 36.º, n.º 2, alínea b), do CIVA. A primeira dessas disposições determina que só confere direito à dedução, quando se baseie em faturas emitidas em nome do sujeito passivo, o imposto mencionado em “faturas passadas na forma legal”, pretendendo remeter para o artigo 36.º, que se reporta ao prazo de emissão e formalidades das faturas. A alínea b) do seu n.º 2, refere especialmente, entre os elementos que devem constar obrigatoriamente das faturas, “a quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados, com especificação dos elementos necessários à determinação da taxa aplicável”.

Este preceito transpõe para o direito interno o artigo 226.º da Diretiva 2006/112/CE, que, referindo-se ao conteúdo das faturas, prescreve o seguinte:

“Sem prejuízo das disposições específicas previstas na presente diretiva, as únicas menções que devem obrigatoriamente figurar, para efeitos do IVA, nas faturas emitidas em aplicação do disposto nos artigos 220.º e 221.º o são as seguintes:

1) A data de emissão da fatura;

2) O número sequencial, baseado numa ou mais séries, que identifique a fatura de forma unívoca;

3) O número de identificação para efeitos do IVA, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual o sujeito passivo efetuou a entrega de bens ou a prestação de serviços;

4) O número de identificação para efeitos do IVA do adquirente ou destinatário, referido no artigo 214.º, ao abrigo do qual foi efetuada uma entrega de bens ou uma prestação de serviços pela qual aquele seja devedor do imposto ou uma entrega de bens referida no artigo 138.º;

5) O nome e o endereço completo do sujeito passivo e do adquirente ou destinatário;

6) A quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados;

7) A data em que foi efetuada, ou concluída, a entrega de bens ou a prestação de serviços ou a data em que foi efetuado o pagamento por conta, referido nos pontos 4) e 5) do artigo 220.º, na medida em que essa data esteja determinada e seja diferente da data de emissão da fatura;

(...)

8) O valor tributável para cada taxa ou isenção, o preço unitário líquido de IVA, bem como os abatimentos e outros bónus eventuais, se não estiverem incluídos no preço unitário;

9) A taxa do IVA aplicável;

(...).

 

A norma de direito europeu que tem correspondência com o falado artigo 36.º, n.º 2, alínea b), do CIVA é a do número 6) desse artigo 223.º que se refere a “quantidade e natureza dos bens entregues ou a extensão e natureza dos serviços prestados”, utilizando uma diferente terminologia consoante as operações tributáveis consistam na transmissão de bens ou na prestação de serviços. Não parece, todavia, que a expressão quantidade, utilizada indistintamente no direito interno como menção obrigatória na emissão de faturas que respeitem a transmissão de bens ou a prestação de serviços, deva ter um sentido significante diverso daquele que resulta da Diretiva IVA.

Interessa reter, entretanto, o que igualmente consta do artigo 168.º da Diretiva quanto aos requisitos materiais do direito à dedução. Esse preceito explicita que, sendo os bens e serviços utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir o IVA devido ou pago em relação aos bens que lhe tenham sido entregues e em relação aos serviços que lhe tenham sido prestados por outro sujeito passivo.

Do ponto de vista objetivo, resulta do artigo 168.º, alínea a), da Diretiva IVA que, por princípio, é dedutível pelo sujeito passivo o imposto incorrido a montante desde que os bens ou serviços adquiridos sejam utilizados para operações tributadas na aquisição de bens ou serviços a outros sujeitos passivos desde que esses bens ou serviços sejam utilizados para operações tributadas.  Essa regra está consubstanciada no artigo 20.º do CIVA que elenca as categorias de operações ativas que conferem o direito à dedução.

Os princípios decorrentes dos artigos 168.º e 226.º da Diretiva IVA têm sido desenvolvidos de modo uniforme pela jurisprudência do TJUE.

No acórdão proferido no Processo n.º C-516/14 (Barlis), o Tribunal de Justiça observa, a título preliminar, que, sem prejuízo das disposições específicas previstas na diretiva, só as menções citadas no artigo 226.º devem obrigatoriamente figurar nas faturas emitidas, para efeitos do IVA, daí decorrendo não ser legítimo aos Estados-membros associar o exercício do direito à dedução do IVA ao preenchimento de pressupostos relativos ao conteúdo das faturas que não estão expressamente previstos nas disposições da Diretiva (parágrafo 25). Sublinhando, a esse propósito, que a “finalidade das menções que devem obrigatoriamente constar da fatura consiste em permitir às Administrações Fiscais a realização de controlos do pagamento do imposto devido e, se for caso disso, da existência do direito a dedução do IVA”, sendo a essa luz que importa analisar se faturas respeitam as exigências do artigo 226.o, n.o 6, da Diretiva (parágrafo 27).

O Tribunal declara ainda que o “princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais”. Por conseguinte, “quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito” (parágrafo 42).

A esse respeito, como também é afirmado, a “Administração Fiscal não deve limitar se ao exame da própria fatura”, mas deve igualmente ter em conta “informações complementares prestadas pelo sujeito passivo”, constatação essa que é confirmada pelo artigo 219.o da Diretiva 2006/112 “que equipara a fatura qualquer documento ou mensagem que altere a fatura inicial e a ela faça referência específica e inequívoca” (parágrafo 44).

Esses mesmos critérios têm sido seguidos em diversos outros arestos, nomeadamente nos acórdãos tirados nos Processos n.ºs C-95/07 e C-96/07 (parágrafos 64, 66 e 67), no Processo n.º C-368/09 (parágrafos 39, 40 e 41) e no Processo n.º C-271/12 (parágrafo 28).

Em resumo, conforme conclui SÉRGIO VASQUES, podemos dizer que o TJUE tem vindo a relativizar de algum modo os requisitos de forma para o exercício do direito à dedução e a função que nisso cabe às faturas. O tribunal admite que a substância das operações prevaleça sobre os vícios da fatura, quando estejam em causa elementos previstos exclusivamente na lei interna dos Estados-membros, e na limitada medida em que a Diretiva IVA permite a sua introdução. E o tribunal admite mesmo que a substância das operações prevaleça sobre os vícios das faturas relativos a elementos tipificados na Diretiva IVA, posto que não se crie com isso risco de fraude.

O objetivo desta abordagem flexível é o de garantir o direito à dedução a qualquer sujeito passivo que efetivamente tenha suportado o pagamento do imposto. A multiplicação de exigências pelos Estados-membros no momento de emissão de faturas pode levar a que se dificulte ou anule o direito à dedução por quem deve exercê-lo em substância, um resultado frontalmente contrário aos objetivos prosseguidos pela Diretiva IVA. Foi assim que o TJUE acabou por desenvolver uma variante do princípio da proporcionalidade ao lidar com estes casos, reiterando  sempre que “as formalidades assim estabelecidas pelo Estado-membro em causa e que devem ser respeitadas pelo sujeito passivo para poder exercer o direito à dedução não pode ultrapassar o estritamente necessário para controlar a aplicação correta do procedimento de autoliquidação” (Imposto sobre o Valor Acrescentado, Coimbra, 2015, pág. 345).

                17. Revertendo ao caso concreto, haverá de ter-se em consideração que a Requerente se encontra integrada num grupo empresarial, constituído por empresas com relações entre si, e que inclui as sociedades B... e C... e todas essas empresas têm como atividade a produção de moldes, estando especializadas em função da dimensão dos moldes.

Como se encontra dado como assente, a produção de um molde passa pelas fases de orçamentação, conceção e desenvolvimento do projeto, planeamento do processo produtivo e envio ao cliente. É, por outro lado, a Requerente que assegura a comercialização dos moldes e os contactos com clientes, e procede ao pagamento dos trabalhos de orçamentação que tenham sido realizados pela B... e a C...(alíneas e) e f) da matéria de facto).

No caso, as faturas tidas como não preenchendo as formalidades previstas no artigo 35.º, n.º 5, alínea b), do CIVA foram emitidas pela B... (FA 2016/49, FA 2016/50, FA 2016/51, FA 2016/52) e pela C... (FA 2016/68). Qualquer dessas faturas tem como descritivo “prestação de serviços”, que, constituindo uma menção meramente genérica, não permite evidenciar, pelo próprio exame do documento, a natureza dos serviços efetivamente realizados. No entanto, como se reconhece no relatório de inspeção tributária, no âmbito do procedimento inspetivo, o sujeito passivo apresentou elementos adicionas referentes a cada fatura, e designadamente, os orçamentos que discriminam a natureza dos serviços prestados (alíneas r) e s) da matéria de facto). O que, aliás, conduziu os serviços inspetivos a considerarem relativamente às FA 2016/51, FA 2016/52 e FA 2016/59, que, apesar de não cumprirem o formalismo do n.º 6 do artigo 23.º do CIRC, é possível estabelecer uma relação direta e efetiva entre os gastos e os correspondentes rendimentos para efeito de dedutibilidade fiscal (alínea t) da matéria de facto).

E, na verdade, não apenas as mencionadas faturas FA 2016/51 e FA 2016/52, como todas as demais relativamente às quais se considerou indevidamente deduzido o IVA por não discriminação dos serviços prestados, encontram-se associadas a orçamentos que foram juntos no decurso da ação inspetiva a título de informação adicional e que especificam os serviços efetivamente prestados.

                Sublinhe-se a esse propósito que, em situação similar, o acórdão Barlis considerou que o artigo 226.º da Diretiva 2006/112 deve ser interpretado no sentido de que faturas que só contenham a menção «serviços jurídicos prestados desde determinada data até ao presente» não respeitam, em princípio, as exigências previstas no n.  6 deste artigo (parágrafo 35). Mas igualmente concluiu que a Administração Fiscal não pode recusar o direito à dedução do IVA pelo simples facto de a fatura não preencher os requisitos exigidos por esse preceito se dispuser de todos os dados para verificar se os requisitos substantivos relativos a este direito se encontram satisfeitos, devendo para esse efeito ter em conta informações complementares prestadas pelo sujeito passivo (parágrafos 43 e 44).

Não pode deixar de reconhecer-se, neste contexto, que, embora a menção “prestação de serviços” não respeite as exigências previstas no artigo 36.º, n.º 5, alínea b),  do CIVA - que exige, em conformidade com a Diretiva, a indicação da quantidade e denominação usual dos serviços prestados -, as autoridades tributárias não podem recusar o direito à dedução do imposto quando através de outros documentos de suporte podem obter a informação necessária sobre os requisitos formais a que deve obedecer a fatura.

É, aliás, incongruente que a Autoridade Tributária tenha reconhecido relativamente a duas das faturas em causa que o gasto aí mencionado é dedutível para efeitos fiscais mas não já para   efeito do exercício do direito à dedução do IVA incorrido na operação económica quando a elegibilidade fiscal do gasto evidencia que se encontram cumpridos os requisitos materiais do direito à dedução, ou seja, a aquisição de serviços a um outro sujeito passivo para serem utilizados nas suas operações tributadas. Sendo também certo que a informação complementar que justificou a dedutibilidade do gasto relativamente às FA 2016/51 e FA 2016/52 foi também fornecida, em idênticos termos, em relação às restantes faturas que se considerou não terem sido emitidas sem a forma legal.

Não ocorre, por conseguinte, motivo para a desconsideração das faturas para efeito do direito à dedução do IVA, pelo que o pedido arbitral se mostra ser procedente.

                Juros indemnizatórios

 

                18. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

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IV. DECISÃO

                Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral e declarar a ilegalidade das liquidações adicionais em IVA;

b)           Absolver a Autoridade Tributária da instância quanto ao pedido referente às liquidações adicionais de IRC;

c)            Condenar a Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios desde data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 733.987,36 (setecentos e trinta e três mil novecentos e oitenta e sete euros e trinta e seis cêntimos).

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CUSTAS

Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 10.710,00 (dez mil setecentos e dez euros), que fica a cargo da Requerente  e da Requerida na proporção 50,50% e 49,50%, respetivamente.

 

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Notifique.

 

Lisboa, 23 de junho de 2020.

 

Os Árbitros,

 

(Carlos Fernandes Cadilha)

(Leonor Fernandes Ferreira)

(Ricardo Rodrigues Pereira)