Requerente: Herança de A...
Requerida: Autoridade Tributária e Aduaneira
Imposto do Selo (“IS”)
O árbitro Dra. Maria Antónia Torres, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o Tribunal Arbitral Singular, constituído em 5 de Maio de 2014, acorda no seguinte:
1. RELATÓRIO
1.1. A Herança de A..., contribuinte fiscal n.º …, representada pela Cabeça de Casal B..., doravante denominada “Requerente”, residente na Rua ..., requereu a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10.º, ambos do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (adiante “RJAT”[1]).
1.2. O pedido de pronúncia arbitral, e o subsequente pedido de alargamento do objecto do litígio, têm por objecto a ilegalidade, e consequente anulação, dos actos tributários de liquidação de IS, ao abrigo da verba 28 da TGIS, no valor de €13.225,80, referentes ao ano de 2012, e em igual valor, €13.225,80, referentes ao ano de 2013 (conforme documentos juntos pela Requerente e pela Requerida), emitidos pelo Serviço de Finanças …, relativos ao prédio inscrito sob o actual artigo matricial urbano nº …, da União de Freguesias de ... (…, …, … e …), com as devidas consequências.
1.3. A fundamentar o seu pedido alega a Requerente que as liquidações de Imposto do Selo referentes ao prédio acima descrito, para os anos de 2012 e 2013, são ilegais por violação da norma de incidência da verba 28 da TGIS. Considera a Requerente que não só o prédio não tem afectação exclusivamente habitacional, como está dividido em propriedade vertical, não podendo a AT, como fez, somar os valores patrimoniais dos andares e divisões susceptíveis de utilização independente, sendo que nenhum deles, por si só, tem um VPT igual ou superior a 1 000 000,00 de euros. E que a norma de incidência, na interpretação levada à prática pela AT, é inconstitucional por violação do princípio da igualdade.
1.4. A Autoridade Tributária e Aduaneira defende que o pedido de declaração de ilegalidade, e consequente anulação das liquidações controvertidas, deveria ser julgado improcedente dado que propugna no sentido de que muito embora a liquidação de IS, nas condições previstas na verba 28 da TGIS, se processe de acordo com as regras do CIMI, a verdade é que o legislador ressalva os aspectos que careçam das devidas adaptações.
Entende a AT que tal é o caso dos prédios em propriedade total, ainda que com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, pois muito embora o IMI seja liquidado relativamente a cada parte susceptível de utilização independente, para efeitos de IS releva o prédio na sua totalidade, pois as divisões susceptíveis de utilização independente não são havidas como prédio, mas apenas como fracções autónomas no regime de propriedade horizontal, conforme artigo 2º-4 do CIMI.
Propugnando assim pela legalidade dos actos tributários porque configuram uma correcta aplicação da lei aos factos.
1.5. Foi ainda acordada pelas partes a dispensa da reunião do tribunal arbitral prevista no artigo 18º do RJAT e de alegações.
2. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, em conformidade com o artigo 2.º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
Não foram identificadas nulidades no processo.
3. QUESTÕES A DECIDIR
Constitui questão decidenda nos presentes autos a de saber em que termos é aplicável ao imóvel em propriedade vertical que foi objeto das liquidações de imposto de selo acima referidas, para os anos de 2012 e 2013, a verba 28 da Tabela Geral do Imposto de Selo (TGIS), redacção existente à data a que as liquidações respeitam.
4. FACTOS PROVADOS
Com relevo para a apreciação e decisão do mérito, têm-se por provados os seguintes factos:
4.1 A Requerente é proprietária do prédio urbano inscrito na matriz predial urbana sob o artigo nº ...…, da União de Freguesias de ... (…, …, … e …);
4.2 O prédio é um prédio urbano constituído em propriedade vertical, com utilização quer habitacional, quer comercial, sendo que nenhum dos andares ou divisões susceptíveis de utilização independente tem um VPT superior a €1 000 000.
4.3 A Requerente foi notificada das liquidações de IS, que a seguir se elencam, referentes aos anos de 2012 e 2013, referentes ao imóvel acima referido, as quais fazem parte do presente processo.
4.4 Tudo conforme documentos juntos com o pedido arbitral e na resposta apresentada pela Requerida;
4.5 Em 3 de Março de 2014, foi aceite o pedido de constituição do Tribunal Arbitral efectuado pela Requerente.
5. FACTOS NÃO PROVADOS
Não existem factos com relevo para a decisão de mérito que não se tenham provado, sendo consensual a conformação da matéria de facto por ambas as partes.
6. FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
A convicção do Tribunal fundou-se na análise crítica dos documentos indicados relativamente a cada um dos pontos da matéria de facto, respeitando o litígio unicamente a questões de direito.
7. DO DIREITO
Em primeiro lugar, cumpre ao Tribunal Arbitral decidir sobre a ampliação do pedido. Depois, as questões que se colocam ao Tribunal são apenas atinentes à interpretação e aplicação de regras de direito.
A Requerente apresentou inicialmente um pedido de pronúncia arbitral no CAAD impugnando as liquidações de IS da verba 28 do CIS que a AT levou a efeito, quanto ao ano de 2012 e relativamente ao prédio urbano em propriedade total com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, inscrito sob o actual artigo matricial urbano nº ..., da União de Freguesias de ... (…, …, … e …).
Na pendência deste processo, foram-lhe notificadas as liquidações de IS sobre o mesmo prédio, mas quanto ao ano de 2013, pelo que veio requerer a ampliação do pedido.
Consideramos que se verificam os pressupostos legais da ampliação do pedido, pelo que se admite a ampliação do pedido inicial, incluindo nele as liquidações de IS referentes ao ano de 2013.
Quanto à interpretação e aplicação das normas, o CAAD já se pronunciou, em diversas decisões, sobre esta mesma questão de fundo: a amplitude da previsão da norma de incidência da verba 28 da TGIS.
A Lei n.º 55-A/2012, de 29 de Outubro, aditou a verba 28 à Tabela Geral de Imposto de Selo (TGIS), com a seguinte redacção:
28 – Propriedade, usufruto ou direito de superfície de prédios urbanos cujo valor patrimonial tributário constante da matriz, nos termos do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), seja igual ou superior a € 1.000.000 – sobre o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI:
28.1 – Por prédio com afetação habitacional – 1 % (…);
Nas disposições transitórias que constam do artigo 6.º daquela Lei n.º 55-A/2012, estabeleceram-se as seguintes regras:
c) O valor patrimonial tributário a utilizar na liquidação do imposto corresponde ao que resulta das regras previstas no Código do Imposto Municipal sobre Imóveis por referência ao ano de 2011; (…)
f) As taxas aplicáveis são as seguintes:
i) Prédios com afetação habitacional avaliados nos termos do Código do IMI: 0,5 %;
ii) Prédios com afetação habitacional ainda não avaliados nos termos do Código do IMI: 0,8 %;
Importa aqui então analisar se a norma acima enunciada, tal como se encontra redigida, comporta ou não o entendimento de que quanto aos prédios em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, detidos por uma entidade, o VPT sobre o qual vai incidir a taxa, deve considerar-se o VPT individual de cada andar ou divisão susceptível de utilização independente, à semelhança do que acontece com os prédios em regime de propriedade horizontal, ou a soma de todos.
No caso em concreto, o prédio tem uma afectação mista, comercial e habitacional. Tendo em conta que o CIS remete para o CIMI a regulação do conceito de prédio, no artigo 3º e 4º do mesmo diploma o legislador estabeleceu o conceito de prédios urbanos pela negativa como sendo todos aqueles prédios que não devam ser classificados como rústicos.
No nº 2 do artigo 5º do mesmo Código, estabelece-se que se entende por prédios mistos aqueles em que existam realidades económicas rústicas e urbanas distintas e não haja subordinação de uma à outra. Por fim, no artigo 6º do CIMI classificam-se os prédios urbanos em: habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços, terrenos para construção e outros.
Ora, como acima referido, no caso concreto estamos em presença de prédio urbano com partes ou divisões susceptíveis de utilização independente, umas com afectação habitacional e outras com afectação comercial, tratando-se de um prédio com partes enquadráveis na divisão habitacionais da alínea a) do nº 1 do artigo 6º e com partes enquadráveis na alínea b) do mesmo nº e artigo, mas de forma alguma será um prédio misto no conceito estabelecido no já citado artigo 5º do CIMI dado não ter qualquer componente rústica.
Cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente que compõem o imóvel em questão, preenche o conceito de prédio estabelecido no artigo 2º do CIMI, sendo que são física e economicamente independentes.
A AT ao expurgar o VPT das partes ou divisões com afectação diversa da habitacional, para efeitos de tributação em IS, mais não fez do que usar o critério definido no nº 4 do artigo 2º do CIMI para os prédios no regime de propriedade horizontal. Ou seja, considerou que as partes ou divisões susceptíveis de utilização independente eram verdadeiras partes autónomas de prédio em propriedade vertical preenchendo o conceito de prédio.
Tal decorre igualmente do nº 3 do artigo 12º do CIMI: ”cada andar ou parte de prédio susceptível de utilização independente é considerado separadamente na inscrição matricial, a qual discrimina também o respectivo valor patrimonial”, pelo que a tributação em IMI é feita tributando separadamente o VPT de cada uma das partes ou divisões susceptíveis de utilização independente.
Ora, atentando ao que dispõe o nº 7 do artigo 23º do CIS, o imposto é aplicado seguindo, com as necessárias adaptações, as regras contidas no CIMI.
Contudo, a AT entendeu no caso em apreço, tratando-se de um prédio urbano, em propriedade vertical, com andares ou divisões susceptíveis de utilização independente, somar os VPT de cada andar ou divisão independente afecta a fins habitacionais (cindido do VPT dos andares ou divisões destinados a outros fins), criando uma nova realidade jurídica, sem suporte legal, que é um VPT global de prédios urbanos em propriedade vertical, com afectação habitacional.
Ora entendemos que tal atenta contra o elemento literal da verba 28 da TGIS, que refere que este imposto incide sobre “o valor patrimonial tributário utilizado para efeito de IMI”, conforme resulta do nº 3 do artigo 12º do CIMI. Quer para o IMI, quer para este IS.
A lei não determina a existência de um VPT para os prédios urbanos em propriedade vertical, no seu todo, mas sim que o VPT seja atribuído a cada andar ou parte do prédio separadamente. A soma dos VPT individuais de cada parte do prédio é criar uma nova realidade jurídica para efeitos de tributação em IS, que entendemos não caber nas “necessárias adaptações” a que refere o nº 7 do artigo 23º do CIS.
Assim, só haveria lugar a incidência do novo imposto de selo se alguma das partes, andares ou divisões com utilização independente apresentasse um VPT superior a € 1.000.000,00.
Não pode, assim, a AT considerar como valor de referência para a incidência do imposto o VPT total do prédio, quando o próprio legislador estabeleceu regra diferente em sede de CIMI, e este é o código aplicável às matérias não reguladas no que toca à verba 28 da TGIS.
O critério pretendido pela AT, de considerar o valor do somatório dos VPT atribuídos às partes, andares ou divisões com utilização independente, com o argumento do prédio não se encontrar constituído em regime de propriedade horizontal, não encontra sustentação legal e é contrário ao critério que resulta aplicável em sede de CIMI e, por remissão, em sede de IS.
A questão não carece, em nosso entender, de ser colocada ao nível da violação da CRP, bastando ser analisada quanto ao cumprimento do nº 7 do artigo 23º do CIS e demais artigos acima referidos.
Assim, e em face do exposto, determina-se a declaração de ilegalidade e a anulação dos actos de liquidação de IS objecto do presente pedido, tudo com as legais consequências.
Fixa-se o valor do processo em €26 451,60 de harmonia com o disposto nos artigos 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”), 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 306.º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
O montante das custas é fixado em €1 530 a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira, de acordo com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 do RJAT e 4.º, n.º 4 do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Novembro de 2014
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, com versos em branco.
A redacção do presente Acórdão arbitral rege-se pela ortografia antiga.
O árbitro,
Maria Antónia Torres
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[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.