DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Dra. Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente, Prof. Doutor Rui Duarte Morais, designado pela Requerente, e Dra. Sofia Ricardo Borges, designada pela Requerida, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A... SGPS, S.A., doravante “Requerente” ou A... SGPS, pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, 5.º, 6.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e, bem assim, no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e nos artigos 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente peticiona a anulação da decisão de indeferimento (parcial) da Reclamação Graciosa deduzida contra a liquidação adicional n.º 2018 ... de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), do exercício de 2014, consubstanciada no documento de compensação n.º 2018 ..., no montante total a pagar de € 209.751,61 (incluindo juros compensatórios), e também a anulação desta liquidação adicional, abrangendo, quer o imposto, quer os respetivos juros. A título subsidiário, e caso assim não se entenda, requer a anulação dos juros compensatórios subjacentes à liquidação adicional de IRC. Juntou vinte e cinco documentos e requereu prova testemunhal.
Em 4 de junho de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 14 de junho de 2019.
A Requerente designou como árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
De acordo com o mesmo preceito e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a substituta legal da dirigente máxima do serviço da AT designou como árbitro a Dra. Sofia Ricardo Borges.
Os árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 6 do RJAT.
Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 5 de agosto de 2019, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.
Em 27 de agosto de 2019, não tendo as partes manifestado oposição, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído.
Em 7 de outubro de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, juntando posteriormente o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 18 de outubro de 2019, foi determinada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apensação da prova produzida no processo arbitral n.º 161/2018-T, relativo à Requerente e a idênticos factos, embora reportada a outro exercício económico (2012). A diligência foi reagendada por impedimento de uma testemunha.
Em 4 de dezembro de 2019, realizou-se no CAAD a referida reunião, na qual foram ouvidos os depoimentos das duas testemunhas indicadas pela Requerente.
As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixada a data para prolação da decisão arbitral.
A Requerente apresentou alegações finais em 16 de dezembro de 2019, nas quais mantém a sua posição, considerando-a sufragada pela prova produzida.
Em 17 de janeiro de 2020, a Requerida apresentou as suas alegações e reitera os fundamentos e conclusões constantes da resposta e do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
Foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, por despachos de 19 de fevereiro e de 21 de abril de 2020, atenta a complexidade das questões suscitadas.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
A causa de pedir da Requerente é complexa e abrange, em síntese, os seguintes fundamentos:
a) GASTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE – DESLOCAÇÕES E ESTADAS
b) VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA
b.1) PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS INTRAGRUPO E ATIVIDADE ACIONISTA. REPERCUSSÃO DA INTEGRALIDADE DOS GASTOS ELEGÍVEIS
b.2) ACRÉSCIMO DE ENCARGOS
c) TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DE DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
d) SALDO DE BENEFÍCIO FISCAL A DEDUZIR (SIFIDE)
e) JUROS COMPENSATÓRIOS
a) GASTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE – DESLOCAÇÕES E ESTADAS (€ 33.425,21 )
Para a Requerente, a AT não pôs em causa a efetiva realização dos gastos, relativos a viagens de funcionários das participadas, nem os descritivos das faturas, limitando-se a invocar, sem contudo demonstrar, a falta de relação dos beneficiários dos gastos com a Requerente, por ausência de vínculo direto com esta e de nexo causal para a realização dos seus rendimentos.
Não tendo a AT provado os pressupostos de facto da liquidação, i.e., que o gasto suportado pela Requerente não se subsume na previsão normativa do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, dada a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e o disposto no artigo 74.º, n.º 1 do mesmo diploma. Sem prejuízo, a Requerente entende que logrou demonstrar que, por força da sua atividade, tinha a necessidade imperiosa de suportar esses gastos.
b) VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA (€ 1.953.529,70)
b.1) PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS INTRAGRUPO E ATIVIDADE ACIONISTA. REPERCUSSÃO DA INTEGRALIDADE DOS GASTOS ELEGÍVEIS
Segundo a Requerente, os gastos incorridos que não foram por si repercutidos às sociedades participadas não teriam de o ser, pois respeitam à atividade acionista, de controlo de gestão e de expansão e internacionalização, exercida em seu benefício exclusivo com o intuito de obter o retorno do seu investimento, não aportando benefício direto e imediato para as participadas. As operações realizadas com a atividade acionista não são suscetíveis de faturação, pelo que inexiste qualquer omissão [de faturação]. A AT não produziu qualquer prova que permitisse extrair a conclusão de que as participadas foram as beneficiárias diretas e imediatas da atividade acionista desenvolvida pela Requerente.
Deste modo, a prestação de serviços intragrupo compreende apenas serviços de gestão e administração, que são de elevado valor acrescentado, e redébitos de despesas. Só estes devem ser (e foram) faturados às participadas, por gerarem benefícios diretos e imediatos na esfera daquelas.
Por outro lado, o facto de os gastos operacionais da Requerente, no valor € 5.842.666,67 (dos quais € 3.987.334,23 referentes a gastos com pessoal), serem consideravelmente superiores aos seus proveitos operacionais, no montante de € 3.694.208,00, não legitima a ilação da AT, que assume que a Requerente não faturou serviços que presumivelmente prestou às suas participadas. Uma parte significativa dos gastos incorridos respeita à atividade acionista, que originou elevados proveitos, embora não operacionais, materializados em dividendos expressivos (no ano em causa de € 4.500.000,00).
Assim, afirmar que a Requerente não faturou alegadas prestações de serviços é desprovido de sentido, pois não há desproporção entre gastos e proveitos. O retorno económico, efetivo, resultou da soma de diversas componentes: lucros distribuídos pelas participadas, faturação de prestações de serviços intragrupo e juros (respetivamente € 4.500.000,00 + € 3.694.208,00 + € 496.237,00, no total de € 8.690.445,00).
A circunstância de o resultado fiscal da Requerente (de –€ 881.207,86) não corresponder ao resultado líquido (contabilístico) do período (de € 3.359.819,70), prende-se com o facto de os dividendos serem de fonte estrangeira e tributados nos países da fonte, aplicando-se em Portugal, país da residência, os mecanismos legais de eliminação da dupla tributação internacional.
Por outro lado, na perspetiva da Requerente, a AT confundiu gastos elegíveis para determinação do preço-hora a aplicar aos serviços intragrupo (acrescido de um mark up de 10%) com gastos a debitar por serviços intragrupo efetivamente prestados às sociedades participadas.
Os gastos a faturar por serviços intragrupo não correspondem ao custo associado a todas as horas disponíveis (acrescido da referida margem), mas somente ao que respeita às horas (homem) efetivamente despendidas pela Requerente nessa atividade de prestação de serviços (23.146 horas). As horas consumidas na atividade acionista não são suscetíveis de faturação.
A AT, apesar de alegar falta de demonstração do preço-hora aplicado pela Requerente, não retirou daí consequências, nem indicou qual seria o preço de mercado, acabando por validar o preço-hora praticado de € 152,00 e a margem de 10% nele implícita que, segundo a Requerente, está em conformidade com o parâmetro de mercado, de acordo com o método da margem líquida da operação (MMLO), cumprindo os critérios do artigo 63.º do Código do IRC e da Portaria 1446-C/2011, de 21 de dezembro (artigos 4.º a 10.º). Inclusivamente, foi com base nesse preço que a AT procedeu às correções efetuadas.
Todavia, caso não fosse o método mais correto, a AT devia ter demonstrado (artigo 74.º da LGT), de forma especialmente fundamentada (nos termos do artigo 77.º, n.º 3 da LGT), as razões da discordância e explicitar o método adequado, o que não fez.
Refere ainda a Requerente que, em relação à repartição horária dos funcionários entre as “horas acionista” e o “total de horas debitadas”, a respetiva explicação e demonstração consta do Dossier de Preços de Transferência e da matriz de distribuição de horas junta com a sua resposta aos pedidos de elementos feitos pela AT. Salienta não ter sido colocada qualquer questão no procedimento inspetivo sobre esta matéria, designadamente sobre a razão da não inclusão de alguns colaboradores, que se deveu a estarem exclusivamente afetos à atividade acionista (não faturável). Neste âmbito, conclui que a AT violou o princípio do inquisitório e da (descoberta da) verdade material, constante dos artigos 58.º da LGT e 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”). Se subsistissem dúvidas, devia tê-las esclarecido em obediência ao princípio da colaboração, consagrado nos artigos 59.º LGT e 9.º do RCPITA, resultando também infringido o disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT.
De acordo com a Requerente, a AT, ao considerar toda a base de gastos elegíveis para a determinação do preço-hora como suscetível de faturação, com o argumento de que não estava fundamentada a repartição horária entre a atividade acionista e a atividade de prestação de serviços intragrupo, imputou-lhe [à Requerente] um lucro desprovido de adesão à sua real capacidade contributiva e transformou o imposto numa sanção, violando os artigos 103.º, n.º 1 e 104.º da Constituição que estabelecem os fins (não sancionatórios) da tributação, o princípio da justiça (artigos 266.º, n.º 2 da Constituição, 55.º da LGT e 8.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”)) e o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade (artigos 13.º da Constituição e 4.º da LGT).
Sem prescindir, a Requerente acrescenta que, caso tivesse incorrido em erro de qualificação dos gastos apurados, devia ser corrigida apenas na medida dos gastos suportados em conexão com a prestação de serviços intragrupo, sob pena de violação dos princípios acabados de referir e, bem assim, do princípio da proporcionalidade (artigos 266.º, n.º 2 da Constituição, 55.º da LGT e 7.º do CPA).
No limite, entende que a prova produzida sempre seria suficiente para dela resultar fundada dúvida sobre os pressupostos de facto da liquidação, sendo neste caso anulável ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.
b.2) ACRÉSCIMO DE ENCARGOS (€ 340.327,51)
Segundo a Requerente, os gastos incorridos com consultoria internacional e viagens para prestar serviços de auditoria ou outros nas sociedades participadas consubstanciam o exercício da sua atividade acionista, realizada no seu interesse único, através do controlo de gestão. Constitui, desta forma, erro de direito da AT a respetiva qualificação como prestações de serviços intragrupo abrangidas pela obrigação de faturação às participadas, que inexiste. A AT não satisfez o ónus da prova de demonstrar que tais gastos foram incorridos em benefício das participadas. Sem prescindir, se tais gastos tivessem de ser refaturados, para a Requerente deviam sê-lo sem adição de margem, concluindo pela violação dos artigos 15.º, 20.º e 23.º do Código do IRC.
c) TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA DE DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO (€ 22.217,73)
De acordo com a Requerente, as despesas incorridas com a realização de reuniões de liderança (€ 176.130,71), nas quais apenas participam colaboradores do Grupo, reuniões de assembleias gerais e de apresentação de contas aos bancos (€ 4.411,15), ações de formação (€ 34.000,00) e com o desenvolvimento da atividade (€ 7.635,46), perfazendo a importância total de € 222.177,32, não aproveitam a terceiros externos ao Grupo que a Requerente encabeça e não se destinam a representar a sociedade, mas a assegurar o normal exercício da sua atividade acionista, nomeadamente promovendo reuniões com os responsáveis das sociedades participadas. Não são, por isso, enquadráveis no conceito de despesas de representação, previsto no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC. A própria AT qualifica esse tipo de despesas como “outras realizações de utilidade social” no Ofício n.º..., de 21 de fevereiro de 1996 da Direção de Serviços de IRC, ocorrendo, no entender da Requerente, vício de violação de lei por falta de enquadramento no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC.
d) SALDO DE BENEFÍCIO FISCAL A DEDUZIR (SIFIDE)
Por força da correção promovida pelos Serviços de Inspeção, o valor da coleta a pagar pela Requerente aumentou (foi corrigida) para a importância de € 318.359,22. No entender da Requerente, se tais correções fossem procedentes, a AT tinha a obrigação de deduzir o saldo ainda não utilizado em 2014 do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e ao Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), no valor de € 192.222,63, até à concorrência da coleta do IRC e das tributações autónomas, de acordo com o entendimento da jurisprudência arbitral (processos do CAAD n.ºs 775/2015-T e 45/2018-T). Afirma estar justificado e suportado documentalmente o saldo invocado como dedutível à coleta.
A circunstância de o benefício ter nascido antes da entrada da sociedade que o originou (promotora do investimento) no Grupo tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) não implica, ao contrário do que a AT defende, que fique sujeito ao limite máximo da coleta individual que essa sociedade operaria se não tivesse sido integrada no Grupo.
Na perspetiva da Requerente, o RETGS é um regime de tributação agregada. O artigo 90.º do Código do IRC não faz qualquer diferenciação entre os benefícios apurados antes e após a vigência do RETGS e o Código Fiscal do Investimento (“CFI”) não contém uma norma geral que estabeleça uma solução uniforme relativamente à limitação, ou não, da dedutibilidade dos benefícios fiscais em caso de sociedades abrangidas pelo RETGS. Não havendo norma específica para a dedução do benefício do SIFIDE, deve assumir-se como se de uma só entidade se tratasse e as deduções serem efetuadas de acordo com o artigo 90.º, n.º 6 do Código do IRC, no montante apurado relativamente ao Grupo, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito, sem que a dedução fique limitada à coleta individual da sociedade em causa. Nesta matéria, propugna que a liquidação se encontra inquinada por vício de violação de lei por erro de direito.
e) JUROS COMPENSATÓRIOS
Por fim, a Requerente afirma não haver lugar a juros compensatórios, verificando-se meras divergências interpretativas da lei, pelo que a sua conduta não é censurável a título de dolo ou negligência.
Desta forma, considera não lhe ser imputável o retardamento da prestação tributária, por não estarem preenchidos os respetivos pressupostos legais, em concreto o elemento da culpa, nos termos do artigo 35.º, n.º 1 da LGT. Neste sentido, invoca o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de março de 2009, referente ao processo n.º 0961/08, e conclui que a liquidação de juros padece de vício de violação de lei por erro de direito.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Na sua resposta a Requerida reproduz e confirma o entendimento vertido pelos Serviços de Inspeção no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), salientando que estes constataram que a Requerente, à semelhança do verificado nos anos económicos anteriores, apresentava no ano em análise um resultado operacional negativo potenciado por custos operacionais bastante superiores aos ganhos da mesma natureza, originando um resultado operacional negativo. Considerando que os ganhos operacionais auferidos pela Requerente correspondiam à faturação de serviços prestados às suas participadas, a Requerente foi notificada para identificar os gastos que tinham sido faturados e os gastos redebitados.
Em relação ao ónus da prova, sustenta que, estando em causa a qualificação das verbas contabilizadas como gastos fiscalmente dedutíveis, por força do artigo 74.º da LGT, caberá ao contribuinte, quando questionado, o ónus da prova da sua efetivação e da sua conformação à obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC.
Sobre as despesas com deslocações e estadas, refere que não foi evidenciado pela Requerente que as pessoas que realizaram as deslocações são funcionários das sociedades participadas, suscitando-se a dúvida fundada sobre a conformação das mesmas ao interesse individual da Requerente, como exige o artigo 23.º do Código do IRC.
Em matéria de violação do princípio de plena concorrência, na sequência da análise do Dossier de Preços de Transferência organizado pela Requerente, a Requerida sublinha não ter sido contestado o método da MMLO, nem a fixação da margem de 10%, ou os critérios de repartição pelas participadas. A discordância centra-se nos elementos utilizados – gastos elegíveis e número de horas debitáveis – que serviram de base ao apuramento do valor a faturar pelos serviços intragrupo.
Segundo a Requerida os elementos juntos pela Requerente não elucidam sobre o critério que serviu de base à repartição do número de horas entre “Horas Acionista” e “Total de Horas Debitadas” e, além disso, três funcionários que constam das declarações mensais de remunerações não figuram na listagem. Seria ainda necessária a prévia identificação das atividades desenvolvidas por cada um dos trabalhadores em benefício da Requerente.
Defende que a Requerente não demonstrou, como lhe competia, o preço de plena concorrência, designadamente como chegou ao valor hora pelo qual debitou os serviços prestados, o número de horas despendidas pelos funcionários nas atividades de acionista e o montante de € 2.773.894,84 de gastos elegíveis, que não coincide com a definição de gastos elegíveis fornecida aos Serviços de Inspeção (quando notificada para demonstrar os elementos tidos em consideração na aferição do preço).
Assim, perante a não demonstração pela Requerente dos referidos pressupostos, os Serviços de Inspeção consideraram que a totalidade do valor de gastos elegíveis, de € 4.793.979,49 (montante que inclui gastos com pessoal e um valor de € 806.645,26 relativo a FSE), estava associado às prestações de serviços às suas participadas, desconsiderando a sua ponderação pela percentagem de horas imputadas (pela Requerente) às prestações de serviços (i.e., considerando debitável a totalidade das horas dos colaboradores contida naquele valor de gastos elegíveis). Para além disso, entende que estes devem ser acrescidos de encargos suportados pela Requerente com serviços de consultoria internacional e viagens para prestação de serviços de auditoria e outros às participadas, no montante de € 340.327,51, em relação aos quais entende que não foi demonstrado que os mesmos não aportaram valor económico às sociedades participadas e que não melhoraram a posição concorrencial destas. Assinala que estes serviços fazem parte das atividades elencadas no Dossier de Preços de Transferência como prestações de serviços intragrupo.
Em relação à tributação autónoma, considera que as despesas das reuniões em causa são objetivamente despesas de representação, conforme definidas no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC, i.e., “suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.
A tributação autónoma destas despesas só pode ocorrer quando estejam em causa encargos dedutíveis, pelo que resulta claro o propósito do legislador de tributar as despesas que apresentem uma inegável ligação à atividade económica desenvolvida pelos sujeitos passivos e à prossecução do seu objeto social. Assim, o facto de as despesas estarem associadas à atividade do sujeito passivo não as deve afastar pois precisamente “a tributação autónoma de certas despesas ocorre quando simultaneamente a totalidade ou parte dessas despesas […] são fiscalmente aceites como custos fiscais da empresa” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de junho de 2016, processo n.º 01613/15).
Não excecionando o legislador as despesas inequivocamente associadas à atividade de cada sujeito passivo, não cabe à AT, no exercício das suas funções vinculadas, fazer essa exceção.
Em matéria de dedução do saldo do benefício fiscal referente a SIFIDE, no exercício de 2014 a B..., S.A. apurou coleta de € 151.370,82, com a dedução de € 60.373,00, a título de Dupla Tributação Jurídica Internacional, e de € 90.997,82, a título de SIFIDE. Em sede de Reclamação Graciosa foi aceite a dedução deste último valor, i.e., até à concorrência do remanescente da coleta individual desta sociedade. Quanto ao saldo remanescente de SIFIDE, a Requerida afirma que a mesma não é de admitir, uma vez que estão em causa benefícios gerados antes da entrada da respetiva sociedade (B..., S.A.) no RETGS, não podendo afetar (ser deduzida) a matéria coletável do grupo, aplicando-se a regra do artigo 90.º, n.º 6 do Código do IRC.
No tocante à dedução do saldo de SIFIDE à coleta gerada com tributações autónomas, preconiza a Requerida que esta é inadmissível por colidir com a intenção que presidiu à consagração dessas tributações, com vista a desencorajar determinado tipo de despesas. Considera que este entendimento resultou reforçado com o aditamento do n.º 21 ao artigo 88.º do Código do IRC com a Lei do Orçamento do Estado para 2016, e com a alteração, interpretativa, do mesmo n.º 21, pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro.
Quanto aos juros compensatórios, preconiza serem devidos por imputabilidade ao contribuinte de um comportamento culposo.
Por fim, a Requerida pronuncia-se no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo manter-se na ordem jurídica o ato de liquidação impugnado, com a consequente absolvição da Requerida do pedido.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRC e juros compensatórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (alínea e)).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
A. A A..., SGPS, S.A., aqui Requerente, tem por objeto social a atividade de gestão de participações sociais de outras sociedades, sendo a holding de topo do Grupo multinacional C..., com presença em quatro continentes, em cerca de quarenta localizações distintas, dedicado ao desenvolvimento e produção de peças e pequenos e médios componentes para a indústria automóvel, designadamente componentes estampados, subconjuntos genéricos, conjuntos soldados, estruturas metálicas de assentos, pedaleiras e travões de mão, entre outros – cf. Relatório de Inspeção Tributária do Grupo (“RIT Grupo”) e Relatório de Inspeção Tributária Individual da sociedade (“RIT”), em anexo àquele, conforme documento 7 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
B. A presença física da Requerente nos diversos países materializa-se em unidades industriais localizadas junto das fábricas dos seus clientes. que pertencem, regra geral, aos Original Equipment Manufacturers (“OEM's”) das grandes marcas da indústria automóvel. Dada a relação de confiança e parceria com os clientes, estes dirigem com frequência convites à Requerente, quando instalam uma fábrica num determinado país, para que esta (i.e., o Grupo C...) os acompanhe e crie uma unidade industrial nessa localização, o que é feito por aquisição e adaptação de uma fábrica local preexistente, ou mediante a criação de raiz de uma unidade nova – cf. RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
C. No final do ano 2014, o Grupo multinacional C..., liderado e gerido de forma ativa e centralizada pela Requerente, era constituído pelas seguintes sociedades – cf. RIT Grupo e RIT e Dossier de Preços de Transferência junto pela Requerente:
D..., INV. B.V.
E… HONG KONG
F... Ltd.
G... Ltd.
H…Limited
I… G… Co. Ltd.
J..., S.A. K..., Ltda.
L... AG M..., S.A.
N... F…. GmbH
O… GmbH
P… GmbH
B..., S.A.
Q... INC R... … … … …
…
Q… INVESTMENTS B.V. S... Inc.
V... Ltda. T… Inc.
U… Inc.
W… GMBH
H… LIMITED
X... LTDA. Y... Ltda.
Z..., Ltda.
AA... Ltda.
BB... S.R.L.
CC... Ltda. DD... Z... [ilegível]
EE..., S.A.
D. A Requerente é ainda a sociedade dominante de um grupo de sociedades que, a partir de 2014, optou pela tributação em IRC pelo regime especial de tributação de grupo de sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC – cf. RIT Grupo e RIT.
E. O Grupo tributado pelo RETGS encabeçado pela Requerente tem como sociedades dominadas, todas a 100%, as seguintes entidades – cf. RIT Grupo e RIT:
Designação Social NIF
B..., S.A. ...
J... , S.A. ...
M..., S.A. ...
A EE..., S.A. ...
F. Com referência a 2014, a demonstração de resultados da Requerente continha a seguinte informação financeira – cf. RIT Grupo e RIT (Quadro 3):
DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS – 2014
Vendas e serviços prestados 3.594.207,94 €
Ganhos/perdas imputados de subsidiárias, ass. e emp. conjuntos 4.500.000,00 €
Fornecimentos e serviços externos 1.855.332,44 €
Gastos com o pessoal 3.987.334,23 €
Aumentos/reduções justo valor 1.690,55 €
Outros rendimentos e ganhos 1.683.196,22 €
Outros gastos e perdas 526.941,68 €
Resultado antes de depreciações, gastos de financiam. e impostos 3.509.486,36 €
Gastos/reversões de depreciação e de amortização 114.540,37 €
Resultado operacional (antes de gastos de financiam. e impostos) 3.394.945,99 €
Juros e rendimentos similares obtidos 579.327,97 €
Juros e gastos similares suportados 743.591,24 €
Resultado antes de impostos 3.230.682,72 €
Imposto sobre o rendimento do período -129.135,98 €
Resultado líquido do período 3.359.819,70 €
G. Os dividendos obtidos por distribuição/imputação de lucros das participadas em 2014 (de € 4.500.000,00) não concorreram para a determinação do lucro tributável da Requerente, por beneficiarem do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica de lucros previsto no artigo 51.º do Código do IRC – cf. RIT Grupo e RIT.
H. Em 2012 e 2013, os dividendos obtidos pela Requerente (ganhos imputados de subsidiárias) cifraram-se em € 35.696.614,00 e € 11.097.009.00, respetivamente – Relatório de Preços de Transferência.
I. A atividade concretamente desenvolvida pela Requerente subdivide-se em três áreas:
a) Gestão estratégica do Grupo e controlo da gestão das suas participadas;
b) Expansão e internacionalização;
c) Prestação de serviços intragrupo, de administração e gestão às sociedades participadas
– cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
J. Na primeira área, cabe à Requerente a definição da orientação estratégica, financeira, comercial e laboral, de medidas de racionalidade económica e administrativa, da política de investimentos e de negócios do Grupo, tendo em vista impulsionar o seu crescimento e desenvolvimento, e da comunicação e relações institucionais perante o mercado, enquanto sociedade gestora de participações sociais. Insere-se ainda nesta área o controlo da atividade das suas participadas – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
K. Através da mencionada função de controlo da gestão, a Requerente visa obter, em tempo real, informações relevantes, designadamente financeiras, de segurança e de qualidade, sobre a atividade das participadas, de modo poder tomar atempadamente as decisões e adotar as medidas e ações necessárias, nomeadamente determinar mudanças na atividade e gestão das participadas, atendendo a que a indústria automóvel é particularmente exigente e sensível, inserindo-se num mercado global e competitivo – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
L. A primeira área assume particular importância para a Requerente dada a dispersão e distanciamento geográfico das sociedades participadas, espalhadas pelo mundo, sendo essencial a referida recolha de informação junto destas para que [a Requerente] conheça e acompanhe as situações, identificando-as em momento oportuno, para a definição da estratégia global do Grupo e para a medição dos seus resultados – cf. depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
M. Na área de expansão e de internacionalização do Grupo, a Requerente envolve-se na aquisição ou criação de novas unidades industriais e na aquisição ou constituição das sociedades participadas que irão deter, ou já detêm, essas unidades industriais – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
N. As mencionadas unidades industriais visam assegurar o fornecimento de peças aos clientes do Grupo liderado pela Requerente – players mundiais da indústria automóvel – nas localizações onde estes instalam as suas fábricas. Esta atividade tem permitido diversificar o risco da Requerente e aceder a novos mercados potenciando o incremento de dividendos e implica a elaboração de estudos prévios para aferir da viabilidade da criação ou aquisição de novas unidades industriais – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
O. Revela-se indispensável a proximidade das unidades de fornecimento de peças/componentes produzidas pelas participadas da Requerente às fábricas dos clientes, seja porque a indústria automóvel pratica o sistema de just in time (ou zero stock, reduzindo ao máximo os inventários, que ficam na esfera dos fornecedores até ao limite, i.e., até ao momento de entrada na linha de montagem), seja por ser inviável do ponto de vista económico produzir as peças/componentes a longa distância das fábricas dos clientes, dado o custo de transporte inerente, seja porque alguns países têm políticas protecionistas contra a importação – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
P. A instalação, nos diversos países, das unidades industriais, por aquisição ou constituição de raíz, assim como a aquisição ou a constituição das sociedades participadas que irão deter, ou já detêm, aquelas unidades, implicam deslocações dos colaboradores da Requerente para, entre outras tarefas, negociar, realizar auditorias às empresas a adquirir, adotar os procedimentos de instalação (jurídica, fiscal, contabilística) e supervisionar os projetos industriais – cf. depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
Q. Por fim, a última área de atividade respeita à prestação de um conjunto alargado de serviços de administração e gestão às diversas entidades que integram o Grupo, no âmbito das competências previstas nos contratos celebrados entre a Requerente e as suas participadas, abrangendo recursos humanos, serviços administrativos, gestão financeira, auditoria interna e controlo de gestão, controlo da qualidade, mercados e logística e apoio transversal ao nível da formação do pessoal – cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
R. Estes serviços de administração e gestão assumem significativa relevância na atividade da Requerente e são considerados essenciais para as participadas. Direcionam-se para a resolução de questões não correntes da atividade operacional das subsidiárias, ficando a gestão operacional a cargo de cada uma das entidades. Visam nomeadamente a implementação de estratégias transversais para todo o Grupo, permitindo a adoção de práticas empresariais standard e de orientação comum às diversas empresas, nas vertentes técnico-jurídica, fiscal, contabilística, de mercado e logística, segurança e qualidade, e maior poder negocial com entidades terceiras, permitindo melhores condições, por exemplo, na contratação de financiamentos junto dos bancos – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
S. Em conformidade com o Dossier de Preços de Transferência da Requerente para o ano em causa [2014], são considerados incluídos pela prestação de serviços de administração e gestão, no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e as sociedades beneficiárias, os serviços de “auditoria interna e controlo de gestão através da elaboração, controlo e acompanhamento de planos de contenção de custos e de controlo de despesas” – cf. Relatório de Preços de Transferência, pág. 26.
T. Para desenvolver a sua atividade, a Requerente dispõe de uma equipa multidisciplinar especializada, dotada de colaboradores qualificados que prestam ou podem prestar o seu trabalho em qualquer das áreas descritas – cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
U. Os colaboradores da Requerente têm, com frequência, necessidade de se deslocar aos países onde se encontram as sociedades participadas, para recolher e tratar informação para a sociedade-mãe, ou de se deslocar aos países onde se encontram os seus clientes. De igual modo, os colaboradores das participadas podem, por vezes, deslocar-se à sede da Requerente – cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
V. A Requerente enquadra as atividades prosseguidas e acima mencionadas em dois grupos, para efeitos de preços de transferência:
Grupo 1– serviços intragrupo, de administração e gestão;
Grupo 2 – atividade de acionista, abrangendo a gestão estratégica e controlo de gestão, a expansão e internacionalização.
As do primeiro grupo são faturadas pela Requerente às suas participadas, incluindo o redébito das despesas incorridas que sejam relacionadas com aqueles serviços. Por seu turno, as do segundo grupo não são faturadas, sendo consideradas pela Requerente como atividade de acionista, realizada em seu benefício e interesse próprio (direto e imediato), e por isso insuscetível de repercussão a outras entidades – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
W. Para faturação dos serviços intragrupo às participadas, a Requerente determina, numa base anual, um preço hora (rate horária) que multiplica pelas horas despendidas pelos colaboradores afetos à execução/prestação desses serviços, sendo o produto (horas gastas x preço) faturado àquelas – cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
X. O preço hora é composto por dois elementos: (i) os gastos elegíveis divididos pelo número de horas anual disponível dos colaboradores (cost rate); (ii) e uma margem – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
Y. Os gastos elegíveis (referidos no Dossier de Preços de Transferência como gastos debitáveis) correspondem ao conjunto de gastos operacionais hipoteticamente passíveis de ser consumidos com a prestação dos referidos serviços intragrupo, designadamente gastos com pessoal e FSE’s. São obtidos, de forma provisória, tendo em conta o histórico do ano anterior – cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência.
Z. O referido valor de gastos elegíveis é dividido pelo total de horas anual (full time equivalent) disponível dos colaboradores potencialmente envolvidos na prestação daqueles serviços intragrupo (descontado de situações especiais, como licenças de maternidade), ou seja, pondera a capacidade faturável da Requerente (número de horas totais dos trabalhadores ao serviço da Requerente que possam desempenhar tarefas relativas a serviços intragrupo). Daqui resulta um preço hora sem margem – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
AA. A este valor é acrescida uma margem de 10%, considerada adequada pelo Dossier de Preços de Transferência da Requerente em aplicação do método da margem líquida da operação (“MMLO”), tendo-se cifrado no preço hora final de € 152,00 a aplicar em 2014 – cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
BB. O preço assim determinado é provisório, sendo passível de acerto com a aprovação das contas do ano em causa [2014] sempre que se verifique um desvio significativo dos gastos elegíveis estimados face aos gastos elegíveis realmente incorridos, entendendo-se como tal uma variação igual ou superior a 20%. No ano 2014, não foi atingido esse desvio, pelo que o preço de € 152,00 hora se consolidou, não tendo ocorrido qualquer acerto de faturação por parte da Requerente – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
CC. Em 2014, do total de 45.764 horas consumidas¬ na sua atividade, a Requerente considerou afetas/despendidas com a realização das prestações de serviços intragrupo 23.146 horas, o que, multiplicado pelo preço hora determinado pela Requerente (de € 152,00) resultaria no valor a faturar de € 3.518,192. A faturação efetiva dos serviços intragrupo foi, no entanto, superior, tendo-se cifrado no valor total de € 3.694.208,00 – cf. RIT Grupo e RIT, Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
DD. Para o concreto apuramento das horas gastas com a prestação de serviços intragrupo por parte dos colaboradores da Requerente, não existe um procedimento sistematizado ou metodologia instituída, nomeadamente de registo de horas ou dias (vg. time-sheet ou folha de horas ou através de centros de custo). A quantificação das horas gastas pelas atividades é efetuada mensalmente, em função da informação casuisticamente transmitida pelos colaboradores – sobre os trabalhos e projetos desenvolvidos – em reuniões mensais ou semanais e coadjuvada pelo circuito de aprovação das despesas, no que se refere aos colaboradores que se deslocam às sociedades participadas – cf. depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
EE. Os gastos incorridos, incluindo gastos com pessoal e FSE’s, foram suportados pela Requerente tanto no exercício da sua atividade acionista como na prestação de serviços intragrupo às suas participadas – cf. Relatório de Preços de Transferência e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
FF. Os gastos específicos e exclusivamente afetos à atividade de acionista da Requerente são expurgados da base dos gastos elegíveis utilizados para computar o preço hora dos serviços intragrupo. É o que sucede, a título de exemplo, com os gastos incorridos com a consolidação de contas – cf. depoimento da primeira testemunha.
GG. A Requerente tinha um saldo de SIFIDE a utilizar, em 2014, de € 192.222,63 – cf. documentos 17 a 25 juntos pela Requerente.
HH. A Requerente foi, na qualidade de sujeito passivo individual, objeto de um procedimento externo de inspeção tributária, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2016... – cf. RIT Grupo e RIT.
II. No decurso deste procedimento, em 31 de outubro de 2016, os Serviços de Inspeção notificaram a Requerente para esta apresentar por escrito, no dia 15 de novembro de 2016, os seguintes elementos/esclarecimentos – cf. PA (Documento 12 junto pela Requerente):
“1. Com referência aos Dossiers de Preços de Transferência nos quais deve constar a identificação e análise das operações realizadas, em 2013 e 2014, entre a A... SGPS SA e as entidades com as quais se encontra em situação de relações especiais […]:
1.1 Identificar os documentos contabilísticos, em cada um dos anos de 2013 e 2014, relativos aos gastos sobre os quais foi aplicado o pricing adotado pela A... SGPS SA nas prestações de serviços de administração e gestão e apresentado nas conclusões aos pontos 8.1 – Prestação de Serviços de Administração e Gestão dos referidos Dossiers;
1.2 Identificar os documentos contabilísticos, em cada um dos anos de 2013 e 2014, relativos aos gastos que foram sujeitos aos redébitos referidos nas alíneas b) dos ponto 5.4 – Operações Vinculadas Ativas dos supracitados Dossiers.
2. Identificação, para cada um dos anos de 2013 e 2014, dos documentos contabilísticos referentes aos gastos assumidos pela A... SGPS SA como totalmente dedutíveis em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e por si apresentados como «IVA a submeter ao método AR»;
3. Identificação, para cada um dos anos de 2013 e 2014, dos documentos contabilísticos referentes aos gastos imputados pela A... SGPS SA a atividades que simultaneamente conferem o direito à dedução do respetivo IVA e a atividades que não conferem esse direito, por si apresentados como «IVA a submeter ao método prorata» […]”.
JJ. A Requerente respondeu por escrito, tento junto 6 documentos e informou, no que aos autos releva, o seguinte – cf. PA (Documento 13 junto pela Requerente):
“Ponto n.º 1 da notificação
1.1) A A... SGPS, enquanto holding do Grupo C..., concentra determinados meios humanos e técnicos com o propósito de prestar serviços de administração e de gestão a diversas entidades do Grupo, os quais se revestem de um caráter indispensável para a atividade destas empresas.
Dada a natureza da A... SGPS, importa identificar se no desenrolar da sua atividade, as despesas / custos em que incorre devem, ou não, ser debitados (com ou sem margem) às suas entidades relacionadas.
Da mesma forma, revela-se igualmente importante identificar os gastos operacionais relacionados, direta ou indiretamente, com a referida prestação de serviços (nos quais a A... SGPS acrescenta valor), ou por outro lado, despesas de entidades terceiras que por sua vez devem ser refaturadas às suas participadas.
Ademais, e tendo por base o enquadramento legislativo existente, em concreto o n.º 1 do artigo 12.º da Portaria entende-se que «(…) há acordo de prestação de serviços intragrupo quando uma entidade membro de um grupo disponibiliza ou realiza para os outros membros do mesmo um amplo conjunto de atividades, designadamente de natureza administrativa, técnica, financeira ou comercial».
[…]
Aquando a determinação da base de custos e respetiva imputação às entidades relacionadas, torna-se crítico enquadrar os gastos incorridos pelas prestadoras nas seguintes categorias:
• Não debitáveis – se não gerarem qualquer benefício económico para as outras entidades do Grupo (e.g., custos de acionista);
• Debitáveis – se estiverem, direta ou indiretamente, associados à prestação de serviços (acrescidos ou não de uma margem de lucro).
[…]
Assim, tendo por base a Análise Funcional da A... SGPS e a alocação de tempo incorrido por colaborador no desempenho de cada uma das subfunções associadas a cada tipo de atividade (de acionista ou de valor acrescentado), procedeu-se:
1. à alocação de tempo incorrido por colaborador quanto a subfunções associadas à atividade com valor acrescentado por entidade beneficiária;
2. à destrinça do que são custos não debitáveis (p. ex., os afetos à atividade do acionista) do que são custos afetos à atividade com valor acrescentado para outras entidades do Grupo;
3. à majoração dos custos afetos à atividade com valor acrescentado em 10% de acordo com benchmarking levado a cabo por entidade consultora independente; e
4. à identificação dos custos a redebitar (tais como deslocações e estadas, comunicações e outros).
Refira-se que a alocação do tempo foi efetuada tendo por base o número máximo de horas disponíveis por colaborador num ano.
Para maior detalhe consultar os Documentos n.º2.a e n.º2.b em Anexo.
[…]
Ponto n.º 2 e 3 da notificação
Relativamente às questões levantadas nestes pontos, remetemos V. Exas. para o Documento n.º 4, nº5 e nº6 que se junta e que se dá por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais. […]”.
KK. Em 21 de dezembro de 2016, os Serviços de Inspeção solicitaram à Requerente a apresentação dos seguintes elementos/esclarecimentos adicionais – cf. PA (Documento 15 junto pela Requerente):
“B – Ano de 2014
[…]
B2. Cópias dos documentos de suporte dos custos contabilizados nos movimentos identificados com os números a seguir indicados, identificação da natureza, da relação dos beneficiários daqueles encargos com a A..., SGPS SA e justificação comprovada documentalmente da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art.º 23º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC): [tabela com a listagem dos documentos]
B3. Cópia dos documentos de suporte dos custos contabilizados nos movimentos identificados com os números a seguir indicados, identificação da sua natureza, dos beneficiários daqueles encargos, da sua relação com a A... SGPS SA e justificação comprovada documentalmente da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art.º 23º CIRC: [tabela com a listagem dos documentos]
B4. Cópias dos documentos de suporte dos custos contabilizados nos movimentos identificados com os números a seguir indicados e justificação comprovada documentalmente da sua natureza e da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora da A..S, SGPS SA, nos termos do art.º 23º do CIRC: [tabela com a listagem dos documentos]”.
LL. Em 5 de janeiro de 2017, em resposta escrita ao pedido de elementos, a Requerente informou o seguinte – cf. PA (Documento 16 junto pela Requerente):
“Ponto n.ºB2 da notificação
Juntos remetemos a V. Exas. cópias dos documentos contabilizados, bem como a justificação da indispensabilidade do gasto.
1060006
3.764,91 € viagem Lisboa-Newark
Detroit-Metropolitan-
Frankfurt-Porto de 22 a 26-4-
2014 para
FF...
Doc 3
Alojamento no estrangeiro no âmbito da atividade de gestão de participações sociais
4070060
1.877,68 € Viagem Porto-Londres-Porto
a 13-4-2014 GG...
Doc 1 Alojamento no estrangeiro no âmbito da atividade de gestão de participações sociais
4070093
1.571,97 € viagem Porto-Frankfurt-
Hanover-Frankfurt-Porto de
3 a 4-2-2014
HH...
Doc 5
Gasto com viagem no âmbito de projeto de internacionalização
1080001
777,62 € viagem Londres-Porto-
Londres e estadia em Hotel
no Porto de 18 a 20-7-2014
II...
Doc 6
Gasto com viagem no âmbito de projeto de internacionalização
4100012
5.269,94 € viagem Porto-Madrid-Mexico-
Monterey-Mexico-Madrid-
Porto de 10 a 13-9-2014
JJ...
Doc 7
Gasto com viagem no âmbito de projeto de internacionalização
1120012
9.583,93 € viagem Mexico-Madrid-Porto-
de 30-10 a 23-11; Frankfurt-Mexico de 26-10 a 29-11;
estadia no Mexico de 26-10 a 30-11 e transfer no Mexico
JJ...
Doc 8
Gasto com viagem no âmbito de projeto de internacionalização
4120056
5.855,68 € viagem Porto-Frankfurt-
Detroit-Metropolitan, New York-Lisboa-Porto de 10-11 a 16-11-2014
JJ...
Doc 9
Deslocações ao estrangeiro no âmbito da atividade de gestão de participações sociais
1060001 795,00 €
alojamento e Bangkok a 29-8
KK...
Doc 10 Alojamento de Conselho de Administração no âmbito de atividades promocionais (nome do beneficiário e descritivo incorreto)
4090048 1.825,28 €
alojamento e Bangkok a 29-8
KK...
Doc 10 Alojamento no estrangeiro no âmbito da atividade de gestão de participações sociais (nome do beneficiário incorreto)
4110022 564,60 €
alojamento no Mexico de 7 a
JJ...
Doc 11 Alojamento no âmbito de projeto de internacionalização
Ponto n.ºB3 da notificação
Junto remetemos a V. Exas. cópias dos documentos contabilizados, bem como a justificação da indispensabilidade do gasto.
N.º Arquivo Valor Descrição do Gasto Doc Comentários
1020004 80.528,54 € apoio, animação, visitas, acompanhantes, refeições, autocarros, shuttles, deslocações Doc 12 Reunião de liderança
4120126 688,00 € 86 bilhetes para o espetáculo “Branca de Neve no Gelo” Doc 13 Oferta de Natal a colaboradores
1020004 82.890,86 € estadias em Hotel, jantares, almoços, concertos privados e aluguer de centro de espetaculo Doc 14 Reunião de liderança
4020022 517,80 € despesas de alimentação Doc 15 Coffee break no âmbito da reunião mensal
4020062 3.837,60 € relogios e travessas Doc 16 Ofertas da reunião de liderança
1030007 520,00 € aluguer de sala, buffet almoço e aluguer de equipamento Doc 19 Reunião Assembleia Geral
1030011 5.000,00 € 19 jantares Doc 17 Descritivo incorreto. Gasto referente a honorários de revisor oficial de contas
1030011 1.521,15 € Aluguer de R/C casa e serviços de apoio Doc 17 Apresentação das contas anuais aos bancos
4030080 1.848,28 € relogios Doc 20 Reunião de liderança – prémios de antiguidade
4030109 4.749,14 € estadias em Hotel, jantares, almoços, concertos priva Doc 14 Reunião de liderança
1050004 2.858,00 € transferencia bancaria Foxton Client account Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
1070017 34.000,00 € despesa em hotel Doc 22 Gastos incorridos no âmbito da formação e reunião do semestre
4080013 895,00 € equipamentos de Portugal e estampagem Doc 23 Ofertas
4090153 1.820,39 € estadias, refeições e audiovisuais Doc 22 Gastos incorridos no âmbito da formação e reunião do semestre
4090165 565,00 € aluguer de sala para evento Doc 24 Apresentações das demonstrações financeiras do semestre aos banco
4100019 2.387,84 € Seguro de Saúde Doc 25 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
1120016 3.111,90 € Jantar Doc 26 Jantar de Natal
Ponto n.ºB4 da notificação
Junto remetemos a V. Exas. cópias dos documentos contabilizados, bem como a justificação da indispensabilidade do gasto.
N.º Arquivo Valor Fornecedor Doc Comentários
4030057 2.635,46 € LL... Doc 27 Viagem de colaboradores no âmbito da gestão de participações sociais
4020003 5.180,70 € LL... Doc 28 Gasto não acrescido no Q07 da modelo22 indevidamente
4020004 1.579,00 € LL... Doc 29 Gasto não acrescido no Q07 da modelo22 indevidamente
5010080 31,611,66 € MM... Doc 30 Comissão de emissão papel coercial
5120074 4.766,67 € MM... Doc 31 Juros papel comercial
1020012 500,00 € NN... Doc 32 Gastos incorridos com colaborador temporário
1030011 600,00 € NN... Doc 33 Gastos incorridos com colaborador temporário
1040010 607,56 € NN... Doc 34 Gastos incorridos com colaborador temporário
1060017 607,52 € NN... Doc 40 Gastos incorridos com colaborador temporário
1070008 500,00 € NN... Doc 36 Gastos incorridos com colaborador temporário
1090011 550,00 € NN... Doc 37 Gastos incorridos com colaborador temporário
1100016 600,00 € NN... Doc 38 Gastos incorridos com colaborador temporário
1110010 500,00 € NN... Doc 41 Gastos incorridos com colaborador temporário
4120064 607,56 € NN... Doc 39 Gastos incorridos com colaborador temporário
1050013 631,33 € NN... Doc 35 Gastos incorridos com colaborador temporário
4090124 4.000,00 € OO... Doc 42 Gasto incorrido com estudo referente ao desenvolvimento de aplicação móvel
4020001 14.683,13 € PP... Doc 43 Gastos incorridos no âmbito do projeto de expansão
5090013 17.843,00 € QQ... Doc 44 Honorários serviços profissionais
4040040 1.381,29 € RR... Doc 45 Ofertas no âmbito do programa global Kaizen
4070035 18.680,63 € SS... Doc 46 Gastos incorridos no âmbito do projeto de expansão
4050028 3.296,15 € TT... Doc 47 Gastos com comunicações
1010009 20.000,00 € UU... GmbH Doc 48 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1020011 20.000,00 € UU... GmbH Doc 49 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
4020081 20.259,78 € UU... GmbH Doc 48 Documento repetido
1030010 20.000,00 € UU... GmbH Doc 50 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1040010 20.000,00 € UU... GmbH Doc 51 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1050013 20.000,00 € UU... GmbH Doc 52 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1060012 20.000,00 € UU... GmbH Doc 53 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1070004 20.000,00 € UU... GmbH Doc 54 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1080005 20.000,00 € UU... GmbH Doc 55 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1090011 20.000,00 € UU... GmbH Doc 56 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
4100156 20.000,00 € UU... GmbH Doc 57 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1110010 20.000,00 € UU... GmbH Doc 58 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
4110105 626,15 € UU... GmbH Doc 59 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1120012 20.000,00 € UU... GmbH Doc 60 Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1010007 5.000,00 € VV... Doc 62 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4020053 5.000,00 € VV... Doc 62 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4040047 5.000,00 € VV... Doc 63 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4050042 5.000,00 € VV... Doc 61 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4060022 5.000,00 € VV... Doc 64 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4070036 5.000,00 € VV... Doc 65 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4080025 5.000,00 € VV... Doc 66 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
1090011 5.500,00 € VV... Doc 67 Honorários serviços profissionais prestados
4090041 5.000,00 € VV... Doc 68 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4100062 5.000,00 € VV... Doc 69 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4110024 5.000,00 € VV... Doc 70 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
4110040 2.976,19 € VV... Doc 71 Honorários serviços profissionais prestados
4110041 2.199,09 € VV... Doc 72 Honorários serviços profissionais prestados
1120012 5.000,00 € VV... Doc 73 Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
1120029 30.000,00 € VV... Doc 74 Honorários serviços profissionais prestados
4090178 11.890,15 € WW... Doc 75 Serviços profissionais no projeto de internacionalização
1050007 9.100,00 € XX... Doc 76 Honorários serviços profissionais prestados
1030011 895,00 € YY... Doc 77 Materiais para a reunião de liderança
4030162 10.905,00 € YY... Doc 78 Projeto design e desenvolvimento relatório e contas. Produção e elaboração de versão digital – versão em Português
4030163 1.730,00 € YY... Doc 79 Material para Assembleia Geral e reunião de apresentação de contas aos bancos
1050007 10.670,00 € YY... Doc 80 Relatório e contas versão inglês produção e tradução
4110007 595,00 € YY... Doc 81 Material para Assembleia Geral e reunião de apresentação de contas aos bancos
4100128 550,00 € AAA... Doc 82 Honorários serviços informáticos prestados
4100129 550,00 € AAA... Doc 83 Honorários serviços informáticos prestados
4120155 7.245,00 € AAA... Doc 84 Honorários serviços informáticos prestados
4120157 675,00 € AAA... Doc 85 Honorários serviços informáticos prestados
1100016 542,60 € R... Doc 86 Gastos com comunicações
4120127 633,30 € R... Doc 87 Alojamento no âmbito de auditoria interna
4100044 616,63 € BBB... Doc 88 Viagem de colaborador no âmbito da auditoria interna
4110030 7.891,30 € BBB... Doc 89 Viagem de colaborador no âmbito da auditoria interna
1110010 9.434,00 € CCC... Doc 90 Gastos incorridos no âmbito de consolidação de contas (virtual data room)
4120179 1.188,04 € DDD... Doc 91 Gastos com serviços de entrega de correspondência
1020011 1.810,00 € EEE... Lda Descritivo errado – corresponde a accrual de TT fess. Especialização anulada no mês de junho
4090040 600,00 € FFF... Doc 93 Deslocação e assistência técnica ao sistema de videoconferência
1050013 610,62 € Doc 104 Respeita à atualização da especialização dos gastos com telemóve. O total da estimativa a 31 de dezembro de 2014 foi de 2.458,85€
5010082 972,31 € Doc 95 Gasto não acrescido no Q07 da modelo22 indevidamente
5020009 946,31 € Doc 96 Gastos com garantia bancária prestada à autoridade tributária e aduaneira
1070005 533,24 € Doc 97 Gastos com deslocação de colaborador
107005 520,86 € Doc 98 Gastos com deslocação de colaborador
4050011 621,55 € Doc 99 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4050011 2.328,10 € Doc 99 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4050014 747,92 € Doc 100 Gastos com deslocação de colaborador
4040018 526,80 € Doc 101 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4040018 1.924,45 € Doc 101 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4020080 601,85 € Doc 102 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4020080 2.127,04 € Doc 102 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4010108 770,01 € Doc 103 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4010108 535,60 € Doc 103 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
4010108 1.759,70 € Doc 103 Gasto acrescido Q07 campo 752 da modelo22
1040016 610,62 € Doc 104 Respeita à atualização da especialização dos gastos com telemóve. O total da estimativa a 31 de dezembro de 2014 foi de 2.458,85€
1060012 610,62 € Doc 104 Respeita à atualização da especialização dos gastos com telemóve. O total da estimativa a 31 de dezembro de 2014 foi de 2.458,85€
4090049 1.125,75 € Doc 106 Alojamento no estrangeiro no âmbito da atividade de gestão de participações sociais
4120004 1.420,95 € Doc 107 Alojamento no estrangeiro no âmbito da auditoria interna
4120091 899,48 € Doc 108 Gastos com deslocação de colaborador
4040071 658,03 € Doc 109 Alojamento no estrangeiro no âmbito da auditoria interna
1050011 587,45 € Doc 110 Gastos incorridos com deslocação de auditor interno
1050011 518,28 € Doc 111 Gastos incorridos com deslocação de auditor interno
4090197 992,54 € Doc 105 Gastos incorridos com deslocação de auditor interno
MM. Na sequência deste procedimento inspetivo (individual), foram propostas correções meramente aritméticas à matéria coletável da Requerente no valor de € 1.986.954,91 (após regularização voluntária de € 7.732,01) de IRC e € 22.217,73 de tributações autónomas, conforme Relatório de Inspeção Tributária notificado à Requerente – cf. RIT Grupo e RIT.
NN. Como fundamento das referidas correções, refere o Relatório de Inspeção Tributária o seguinte – cf. RIT Grupo e RIT:
“II.3.2 – Caracterização da A... SGPS SA
II.3.2.1 – Enquadramento Jurídico Fiscal
No período em análise, a A... SGPS SA (doravante designada por A... SGPS) consistia numa sociedade anónima com o objeto social de «gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas»
[…]
No período de tributação de 2014, foram designados os seguintes membros dos órgãos sociais por deliberação de 2012.05.23:
Quadro 2: Orgão Sociais
Nome Nif Órgão Cargo
GGG... […] Mesa da Assembleia Geral Presidente
HHH... […] Mesa da Assembleia Geral Secretária
III... […] Conselho de Administração Vogal
JJJ... […] Conselho de Administração Vogal
JJ... […] Conselho de Administração Vogal
KKK... […] Conselho de Administração Vogal
LLL... […]
MMM... […] Con[s]elho Fiscal Presidente
NNN... […] Con[s]elho Fiscal Vogal
OOO... […] Con[s]elho Fiscal Vogal
PPP...* […] Revisor Oficial de Contas
QQQ...* […] Revisor Oficial de Contas
RRR...* […] Suplente
* em representação da VV... Lda
Em 2014, o sujeito passivo é tributado pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), nos termos dos artigos 69º a 71º do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC), sendo a A... SGPS sociedade dominante e sociedades dominadas as seguintes empresas:
Nome NIF
B...SA ...
J...SA ...
M..., S.A. ...
AEE..., S.A. ...
No âmbito do IRC este procedimento inspetivo realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016..., versa sobre a atividade da A... SGPS, refletida na declaração de rendimentos individual (declaração n.º...), e não a declaração de grupo enquanto sociedade dominante.
A posterior repercussão na A... SGPS (enquanto sociedade dominante) das conclusões obtidas quer na esfera individual desta sociedade, quer na esfera individual das sociedades dominadas que integram o grupo, ocorrerá em análise da respetiva declaração modelo 22 de IRC do grupo (n.º...).
[…]
II.3.2.2 – Análise da Atividade
II.3.2.2.1 – Demonstrações Financeiras e Fiscais
[…]
II.3.2.2.1 – Atividade Exercida
Do Relatório e Contas do ano de 2014 é possível extrair a seguinte informação sobre a atividade exercida:
«A atuar no mercado de componentes automóveis desde 1980, o Grupo C... consolidou a sua experiência no desenvolvimento e produção de pequenos e médios componentes estampados, subconjuntos genéricos, conjuntos soldados, estruturas metálicas de assentos, pedaleiras e travões de mão, entre outros.
O Grupo C... atua como fornecedor completo na área de estampagem, a começar pelo ante-projeto até ao desenvolvimento do produto, com uma gestão completa da cadeia de fornecimento.
O Grupo C... é, hoje, considerado um parceiro global da maioria das OEM'S, estando presente em quatro continentes. Em 2012, o Grupo abriu uma unidade industrial na China e outra na África do Sul.
Na Europa possui duas unidades industriais, uma em Portugal na cidade da … e outra na Alemanha na cidade de ... . Possui também dois centros tecnológicos, um em Hannover, na Alemanha, e outro na cidade da ..., em Portugal.
Refira-se também que na cidade de Lisboa, Portugal, está localizada a nossa unidade de “Tooling”.
Na América do Sul, o Grupo C... possui sete unidades industriais, localizadas em várias regiões do Brasil e da Argentina, nomeadamente em São Paulo, Minas Gerais, Salvador da Bahia, e Manaus e Buenos Aires.
Na América do Norte, o Grupo C... possui também cinco unidades industriais no coração da indústria automóvel dos EUA, em Detroit, bem como duas unidades no país vizinho Canadá na cidade de London.
Refira-se, também, que em Detroit, EUA, podemos encontrar também o nosso terceiro centro tecnológico.
Na Região Ásia Pacífico, o Grupo C... possui quatro unidades industriais na Índia, nomeadamente três unidades em Chennai e uma em Halol. No norte da China, na cidade de Dalian, está sediada a mais nova unidade industrial do Grupo C... .
Na Região África do Sul o Grupo C... possui uma unidade industrial em Pretória.».
No final do ano de 2014, o Grupo C... era constituído pelas empresas que se apresentam no seguinte organigrama
[…]
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
De acordo com as diligências efetuadas e procedimentos de auditoria utilizados, através da verificação substantiva dos elementos de suporte (registos e documentos) tendo em vista a validação dos atos declarativos, centramo-nos na análise dos fatores operacionais mais relevantes da empresa, nomeadamente nos Fornecimentos e Serviços Externos e Custos com Pessoal, que têm como contrapartida operações ativas de ordem operacional de montante desproporcionalmente reduzido.
Conforme se verifica na Demonstração de Resultados […], o sujeito passivo, durante o ano de 2014, incorreu em custos operacionais no montante de € 5.842.666,67 para obter proveitos da mesma natureza no valor de € 3.694.207,94.
Estas evidências virão a provocar correções ao nível da Matéria Coletável de IRC […].
Detetaram-se ainda algumas anomalias ao nível de gastos não considerados para efeitos fiscais de acordo com o artigo 23º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e que não foram devidamente acrescidos no quadro 07 da Modelo 22 de IRC e ao nível do cálculo das tributações autónomas.
III.1 Correções à Matéria Coletável
III.1.1 Gastos não aceites fiscalmente
III.1.1.a) Reconhecidos pela A... SGPS
A A... SGPS procedeu à contabilização, nas contas #6251124 - «Deslocações e Estadas-Alojamento» e #622714 - «Serviços bancários» dos encargos elencados no quadro seguinte, que veio a reconhecer, em resposta à notificação efetuada em 2016.12.21 […]
Quadro 7: Gastos Não Aceites Fiscalmente assumidos pelo S.P.
Diário Nº Arquivo Conta Vosso descritivo Valor
04 ... 6251125 V/Factura N.º 42 5.180,70 €
04 ... 6251125 V/Factura N.º 43 1.579,00 €
05 ... 622714 DESP. BANCARIAS 972,31 €
7.732,01 €
III.1.1.b) Deslocações e Estadas
A A... SGPS procedeu à contabilização, das despesas elencadas no quadro seguinte, relativamente às quais solicitamos, através da notificação pessoal referida anteriormente, a justificação comprovada documentalmente da sua natureza, da relação dos seus beneficiários com a Sodécia e da sua indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos ou para a manutenção da sua fonte produtora, nos termos do artigo 23º do CIRC.
Quadro 8: Gastos Não Aceites Fiscalmente
N.º
Arquivo Conta Vosso Descritivo Valor Descrição do Gasto Beneficiários
... 6251114 […] 778,21 € Viagem Porto-Birmingham-Porto de 3 a 6-2-2014 e estadia de 3 a 6-2-2014 SSS...
... 6251114 […] 3.433,07 € viagem Porto-Lisboa-Brasília-São Paulo-Lisboa-Porto de 10 a 15-4-2014 PPP...
1060006 6251114 […] 3.764,91 € viagem Lisboa-Newark-Detroit-Metropolitan-Frankfurt-Porto de 22 a 26-4-2014 JJ...
4070093 6251114 […] 1.571,97 € viagem Porto-Frankfurt-Hanover-Frankfurt-Porto de 3 a 4-2-2014 TTT...
1080001 6251114 […] 777,62 € viagem Londres-Porto-Londres e estadia em Hotel no Porto de 18 a 20-7-2014 II...
4100042 6251114 […] 5.269,94 € viagem Porto-Madrid-Mexico-Monterey-Mexico-Madrid-
Porto de 10 a 13-9-2014 JJ...
1120012 6251114 […] 9.583,93 € viagem Mexico-Madrid-Porto-de 30-10 a 23-11; Frankfurt-Mexico de 26-10 a 29-11; estadia no Mexico JJ...
4120056 6251114 […] 5.855,68 € viagem Porto-Frankfurt-Detroit-Metropolitan, New York-Lisboa-Porto de 10-11 a 16-11-2014 JJ...
4090048 6251325 […] 1.825,28 € alojamento e Bangkok a 29-8-14 KK...
4110022 6251125 […] 564,60 € alojamento no Mexico de 7 a 12-9-2014 JJ...
33.425,21 €
No entanto, a resposta dada ao nosso pedido de esclarecimentos não comprova um vínculo profissional efetivo de qualquer um dos beneficiários acima descritos com a A... . Deste modo, não podemos considerar que tenha sido esclarecido que estas despesas se referem a gastos imputáveis diretamente ao sujeito passivo. Pelo contrário, tratando-se de beneficiários externos à empresa, as despesas aqui elencadas são da responsabilidade de terceiros, não podendo, por isso, concorrer para a formação do resultado tributável da A... SGPS.
Face ao exposto, procede-se à correção ao lucro tributável, no montante de € 41.157,22 € (€ 7.732,01 + 33.425,21), pelo não enquadramento no artigo 23º do CIRC.
III.1.2 Violação do Princípio de Plena Concorrência
a) Situação Verificada
Os resultados operacionais da A... SGPS seguiram, no ano de 2014, a mesma linha dos anos anteriores, ou seja, apresentaram-se significativamente negativos com uma forte preponderância dos custos operacionais face aos proveitos da mesma natureza.
Com efeito, face a ganhos operacionais no montante de € 3.694.207,94, a A... apresenta gastos operacionais no valor de € 5.930.051,00, originando um Resultado operacional negativo de € 2.235.843,06.
Os ganhos operacionais auferidos pela A... SGPS correspondem, conforme se encontra descrito no Dossier de Preços de Transferência – Exercício Fiscal de 2014, à faturação de serviços prestados às suas participadas, decorrentes do cumprimento de contratos celebrados entre si, que ascendeu a € € 3.694.207,94.
Perante estes dados, em 2016.10.31, notificámos pessoalmente o sujeito passivo […] para que, no âmbito das operações económicas realizadas entre a A... SGPS e as suas participadas, identificasse os gastos que foram faturados e os que foram redebitados.
Em resposta, a A... SGPS apresentou a listagem de gastos que se anexa […] divi[din]do-os entre Gastos Debitáveis (no valor de € 477.911,53) e Gastos de Estrutura (no total de € 328.733,73), sem contudo esclarecer a diferença entre uns e outros.
Por outro lado, tentou demonstrar que os valores faturados às participadas pela prestação de serviços correspondem à aplicação de uma «rate horária contratada» de 152,00€ (que engloba um mark up de 10%) ao montante de horas que a A... SGPS considera que os seus funcionários d[e]spenderam na execução desses serviços, conforme se reproduz no quadro seguinte, acrescida de gastos debitados no montante de € 423.545,00:
Quadro 9 – Demonstração da faturação da A... SGPS às suas participadas
Nome Total Horas Horas Acionista Total horas debitadas
UUU... 1.840 1840 0
VVV... 1.176 156 1020
WWW... 1.840 1840 0
XXX... 1.840 250 1590
YYY... 1.840 547 1293
ZZZ... 1.840 126 1714
GG... 1.840 1840 0
III... 1.841 368 1473
AAAA... 1.840 724 1116
BBBB... 1.840 100 1740
CCCC... 1.840 304 1536
DDDD... 1.840 1840 0
EEEE... 1.840 424 1416
HHH... 1.840 1840 0
FFFF... 864 864 0
GGGG... 1.792 958 834
HHHH... 1.584 170 1414
IIII... 1.752 1.582 170
JJJJ... 1.840 1.840 0
KKKK... 1.851 1.851 0
LLLL... 1.760 0 1760
KKK... 1.840 0 1840
MMMM... 1.840 200 1640
NNNN... 1.352 132 1220
OOOO... 1.800 630 1170
PPPP... 1.112 1112 0
QQQQ... 640 440 200
RRRR... 640 640 0
Total 45.764 22.618 23.146 (a)
Custos Elegíveis 2.773.894,84 €
Rate Horária Contratada (Sem Mark-up) 138,18 €
Rate Horária Contratada (b) 152,00 €
Valor faturado (c) 3.518.192,00 €
FSE debitável (d) 423.545,00 €
#72 valor Global Faturado (c) + (d) 3.941.737,00 €
No entanto, como podemos verificar pelo valor global faturado obtido pela aplicação deste método - € 3.941.737,00 – não corresponde ao montante que a A... SGPS faturou às suas participadas - € 3.694.207,94.
Se analisarmos com algum cuidado o mapa «Resumo» do Anexo I verificamos que os custos com pessoal pressupõe horas de trabalho imputadas diferentes das apresentadas no quadro 10 deste documento.
Entretanto, em ponto algum do Dossier de PT é demonstrada a fundamentação para a contratação de uma «rate horária contratada» enquanto preço dos serviços prestados nem são apresentados os pressupostos que conduziram ao valor aplicado sem mark up de 138,18€.
Mais, nem o Dossier de PT nem a resposta ao ponto 1.1 da notificação pessoal efetuada em 2016.10.31, no qual solicitamos a identificação dos «documentos contabilísticos relativos aos gastos sobre os quais foi aplicado o pricing adoptado (...) nas prestações de serviços de administração e gestão e apresentado na conclusão ao ponto 8.1 – prestações de Serviços de Administração e Gestão do referido Dossier» demonstram ou explicam a repartição horária dos diferentes funcionários da A... SGPS entre «Horas Acionista» e «Total Horas Debitadas».
Mais ainda, a consulta às Declarações Mensais de Remunerações esclarece que esta matriz de repartição horária não contempla todos os funcionários da A... SGPS, tendo sido totalmente ignoradas as funções dos seguintes funcionários:
Quadro 10 – Funcionários não considerados na matriz
MMM...
QQQ...
NNN...
Importa referir que os custos que o sujeito passivo considera, no quadro intitulado de «Procedimento» que consta do Anexo I, que de seguida se reproduz, elegíveis, no montante de € 2.820.901,54, e ao contrário do que se poderia supor, não corresponde à proporção, nos gastos com pessoal (#63 – Gastos com Pessoal = 3.704.628,47), das horas que a A... SGPS considera debitáveis às participadas.
Procedimento
Custos com pessoal rubrica 63 balancete 3.987.334,23 €
Horas trabalho debitável 21.537
Média ponderada debitável 47,73%
Custos Elegíveis 2.773.894,84 €
Rate Horária contratada 152,00 €
Rate contratada sem mark up 138,18 €
De facto, se aplicássemos a média ponderada debitável aos custos elegíveis obteríamos o valor base de € 5.811.638,05, ou seja, para obtermos custos elegíveis de € 2.773.894,84 por aplicação da média ponderavel debitável de 47,73%, teríamos de ter custos no montante de € 5.811.638,05 (2.773.894,84/47,75% = 5.559.522,15)
b) Enquadramento Legal
i) Do Princípio de Plena Concorrência
O Princípio de Plena Concorrência transposto para o ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, estatui que «Nas operações comerciais (…), efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis».
Prevê o n.º 8 do citado artigo 63.º do Código do IRC que «Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º [declaração de rendimentos de IRC – Modelo 22], as necessárias correções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância». No mesmo sentido dispõe o n.º1 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de dezembro.
O n.º2 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de dezembro refere que «Quando os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites e praticados entre entidades independentes, a Direção-Geral dos Impostos pode efetuar as correções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o respetivo montante corresponda ao que teria sido obtido se a operação se tivesse processado numa situação normal de mercado».
ii) Da Violação do Princípio da Plena Concorrência
Da subordinação das operações ao princípio da plena concorrência pela existência de relações especiais entre as entidades envolvidas na operação
O organigrama da pagina 6 do presente documento expõe as denominações das participadas e respectiva percentagem de participação por parte da A... SGPS.
[…]
A aplicação dos métodos de determinação de preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, encontra-se regulamentada na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, cujo preâmbulo recomenda que, nas situações de maior complexidade técnica, deverão ser consultadas as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência.
No que diz respeito às prestações de serviços intragrupo o §7.5 dessas Orientações segmenta a análise destas operações à luz do princípio de plena concorrência considerando dois fatores fundamentais:
1. A avaliação da existência efetiva de uma prestação de serviços intragrupo;
2. A conformidade do preço praticado nas operações com o princípio de plena concorrência.
Quanto à existência de uma prestação de serviços intragrupo
Dispõe a Portaria n.º 1446-C/2001 no n.º 1 do artigo 12.º, que «Há acordo de prestação de serviços intragrupo quando uma entidade membro de um grupo disponibiliza ou realiza para os outros membros do mesmo um amplo conjunto de atividades, designadamente de natureza administrativa, técnica, financeira ou comercial» e no n.º 2 que «No acordo de prestação de serviços intragrupo celebrado entre entidades relacionadas a aplicação do princípio referido no artigo 1.º exige que a atividade prestada constitua um serviço com valor económico que justifique, para o membro do grupo que dele é destinatário, o pagamento de um preço ou a assunção de um encargo que este estaria disposto a pagar ou a assumir em relação a uma entidade independente ou, bem assim, a realização de uma actividade a executar para si próprio».
No ponto 5.4 do Dossier de PT, a paginas 26, a A... SGPS vem referir que o âmbito das suas competências previstas nos contratos celebrados entre si e as suas participadas «permite prestar um conjunto alargado de serviços, os quais incluem, entre outros:
• Recursos humanos, destacando-se o acompanhamento do processamento de salários e dos processos de pessoal;
• Serviços administrativos, os quais podem incluir:
o A verificação da regularidade dos lançamentos contabilísticos efetuados e da sua conformidade com o estabelecido nas disposições aplicaveis;
o O acompanhamento e a assessoria na elaboração da contabilidade das beneficiárias e na preparação anual do fecho das respetivas contas, incluindo elaboração de declarações oficiais e seus anexos e respetiva apresentação à autoridade tributária correspondente à jurisdição da beneficiária;
• Gestão financeira, nomeadamente:
o Elaboração, gestão, controlo e acompanhamento da execução dos planos financeiros e de tesouraria das beneficiárias;
o O acompanhamento em quaisquer negociações que, em conexão com a sua atividade ou interesse, hajam de ser mantidas com entidades financeiras;
• Auditoria interna e controlo de gestão através da elaboração, controlo e acompanhamento de planos de contenção de custos e de controlo de despesas;
• Controlo de qualidade via elaboração de um plano de melhorias contínuas e de um plano avançado de qualidade, bem como a respetiva implementação;
• Mercados e logística consubstanciados nos seguintes parametros:
o Aconselhamento e a elaboração de planos estratégicos e de gestão de mercado
o Aconselhamento na gestão das relações com clientes, bem como a análise das p[e]rspetivas de desenvolvimento[ ] e incremento dessas relações;
o Elaboração de propostas para as decisões das beneficiárias sobre a política de preços em vigor;
• Apoio transversal ao nível da formação do pessoal, no âmbito dos serviços de administração e gestão, designadamente ao nível da auditoria, da tesouraria, do controlo de gestão e dos recursos humanos.»
De acordo com o § 7.6 das Orientações da OCDE sobre preços de transferência, a aferição acerca da ocorrência da prestação de um serviço intragrupo deve depender de saber se a atividade garante ao membro do grupo um valor económico ou comercial que lhe permita fortalecer a sua posição comercial. A este título a A... SGPS, ao referir-se aos gastos debitáveis na página 28 do Dossier de PT, menciona que «(…) os serviços prestados às entidades relacionadas são essenciais para o desenvolvimento dos seus negócios, uma vez que permitem que estas se concentrem fundamentalmente no seu core business possibilitando, assim, a obtenção de sinergias e ganho de eficiência no seio do Grupo».
Então, é a própria A... SGPS que assume a existência de serviços intragrupo essenciais à existência das participadas, enquanto pertencentes ao grupo, quer pelo exposto, quer pela sua estrutura empresarial preparada para prestar serviços, como se pode avaliar, em geral, pelos dados apresentados no Quadro 3 do presente documento, e, em particular, pelo elevado quadro de colaboradores que possui.
O aspeto fraturante desta análise prende-se com a aplicação de um preço a uma «rate horária contratada», descartando a existência dos gastos apresentados no Anexo I que o sujeito passivo considerou como «gastos sobre os quais foi aplicado o pricing adotado (…) nas prestações de serviços de administração e gestão», quando nenhum destes fatores exclusivos foi explicado, demonstrado ou fundamentado.
Por um lado, a A... SGPS vem considerar, na resposta à notificação de 2016.10.31, como «gastos sobre os quais foi aplicado o pricing adotado (…) nas prestações de serviços de administração e gestão», despesas com Fornecimentos e Serviços Externos (FSE’s) no montante de € 806.645,26 (gastos de estrutura de € 328.733,73 e gastos debitáveis de € 477.911,53), e Gastos com Pessoal no valor de € 3.987.334,23, conforme se verifica do Anexo I.
Entretanto, o sujeito passivo abandonou a consideração destes gastos e aplicou um preço («rate horaria») não fundamentado (138,18€ a que acresce uma margem de 10%) à fração das horas que invoca terem sido trabalhadas em prol das participadas por parte de alguns dos seus colaboradores. Entretanto, carece de explicação este método de pricing, nomeadamente nas seguintes vertentes:
• Fórmula de cálculo da «rate horária»: não foram demonstrados, no decurso do presente procedimento inspetivo, os pressupostos que basearam a formação deste preço nem se manifestou o mesmo se encontra subordinado ao princípio da plena concorrência;
• A matriz de repartição horária de trabalho não inclui todos os trabalhadores da SGPS e não foi demonstrada, neste procedimento inspetivo, a distribuição temporal apresentada, ou seja, não foram apresentadas evidencias de que cada um daqueles funcionários dispôs das suas horas de trabalho do modo como é apresentado naquela matriz;
• Horas Acionista: não são descritos pelo sujeito passivo os custos que considera serem do acionista nem demonstra quais as atividades desenvolvidas por cada um dos seus funcionários que qualifica como imputáveis à SGPS enquanto acionista;
Por fim, o valor de FSE’s que, na listagem de gastos apresentada no Anexo I, é classificada como debitável (total de € 477.911,53) não coincide com o montante considerado no mapa «Resumo» do mesmo documento a título de «FSE debitável» (€ 423.545,00).
Assim, não nos é possível corroborar estes cálculos, este preço nem esta distribuição horária.
Aceitamos que os gastos previstos no Anexo I foram considerados pela A... SGPS como elegíveis, ou seja, como estando associado à prestação de serviços.
Entretanto, a análise dos gastos considerados pela A... SGPS como não elegíveis para efeitos de faturação às participadas demonstrou a existência de encargos incorridos pelo sujeito passivo cuja justificação de indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos ou para a manutenção da sua fonte produtora se mostrou necessária e foi solicitada através da notificação pessoal efetuada em 2016.12.21. Com efeito, em resultado da resposta apresentada pelo sujeito passivo, os documentos que de seguida se apresentam correspondem a encargos que, por dizerem respeito a gastos incorridos pela SGPS com consultoria internacional e com viagens para prestar serviços de auditoria ou outros nas participadas, devem ser considerados, à semelhança dos elencados no Anexo II, como elegíveis para efeitos de faturação às participadas.
Quadro 11 – Gastos Elegíveis não considerados pelo sujeito passivo
N.º
Arquivo Vosso Descritivo Valor Descrição do Gasto
4030057 V/ Factura Nº. 85 2.635,46 € viagem Porto-Londres-Porto de 12 a 13-7-2012 de GG... e de II...
4020001 F. 1 14.683,13 € Gastos incorridos no âmbito do projeto de expansão
4070035 F. 75 18.680,63 € Gastos incorridos no âmbito do projeto de expansão
1010009 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1020011 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
4020081 F. 1001.2014 20.259,78 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1030010 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1040010 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1050013 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1060012 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1070004 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1080005 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1090011 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
4100156 F. 1010.2014 626,15 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1120012 ... Consulting 20.000,00 € Estudos de mercado referente com projetos de internacionalização
1010007 ROC 5.000,00 € Honorários serviços profissionais no âmbito da revisão oficial de contas
1090011 ... Transfer price 5.500,00 € Honorários serviços profissionais prestados
4110040 V/Factura 341/11163 2.976,19 € Honorários serviços profissionais prestados
4110041 VFactura 341/10134 2.199,09 € Honorários serviços profissionais prestados
4090178 V/Factura 2013030922 11.890,15 € Serviços profissionais no projeto de internacionalização
4120127 F.13767 633,30 € Alojamento no âmbito de auditoria interna
4100044 VFactura Nº. 368 516,63 € Viagem de colaborador no âmbito da auditoria interna
4110030 VFactura Nº. 444 7.891,30 € Viagem de colaborador no âmbito da auditoria interna
1070005 ND115 533,24 € Gastos com deslocação de colaborador
4090049 Despesas Nº. 235 1.125,75 € Alojamento no estrangeiro no âmbito da atividade de gestão de participações sociais
4120004 Despesas Nº. 354 1.420,95 € Alojamento no estrangeiro no âmbito da auditoria interna
4120091 Despesas Nº. 374 899,48 € Gastos com deslocação de colaborador
4040071 Despesas Nº. 129 658,03 € Alojamento no estrangeiro no âmbito da auditoria interna
1050011 OPERAÇÕES DIVERSAS Nº. 1050011 387,45 € Gastos incorridos com deslocação de auditor interno
1050011 OPERAÇÕES DIVERSAS Nº. 1050011 518,28 € Gastos incorridos com deslocação de auditor interno
4090197 Despesas Nº. 279 992,52 € Gastos incorridos com deslocação de auditor interno
340,327,51 €
Da conformidade do preço que seria praticado entre entidades independentes
O § 7.29 das Orientações refere que «Para determinar o preço de plena concorrência de serviços intragrupo, é preciso colocar-se tanto sobre o ponto de vista do fornecedor do serviço, como sob o ponto de vista do seu beneficiário. A este respeito, os fatores a tomar em consideração são nomeadamente o valor do serviço para o beneficiário e o montante que uma empresa independente comparável estaria disposta a pagar por este serviço em circunstâncias equiparáveis, bem assim como os custos para o fornecedor do serviço».
No que diz respeito à avaliação destas operações à luz do princípio de plena concorrência, na perspetiva do fornecedor de serviços, recomenda o § 7.30 das Orientações da OCDE, a ponderação do preço abaixo do qual o fornecedor não aceitaria fornecer um serviço, bem como o custo que este envolve para si, de forma a estabelecer o preço de plena concorrência associado às operações intragrupo.
De facto, os gastos incorridos para a prestação daqueles serviços não devem recair sobre a A... SGPS, pois nenhuma entidade independente estaria disposta a incorrer num encargo para dotar outra entidade das condições necessárias ao bom desempenho dessa outra entidade, sem daí retirar nenhum benefício direto e assumindo a totalidade dos custos associados a essa dotação. Esta conclusão resulta do princípio de racionalidade económica e funda as suas razões de que as entidades empresariais têm fins lucrativos que procuram maximizar, não sendo contudo admissível, à luz do princípio de plena concorrência, que da subordinação de interesses individuais aos interesses coletivos no âmbito de atividades de grupos empresariais resultem incumprimentos de tal princípio. Ainda que aqueles encargos também beneficiem a A... SGPS, indiretamente por via de maiores imputações de lucros, tal não constitui razão que justifique recaírem sobre si os encargos necessários à sua execução.
No entanto, se estivéssemos perante custos de acionista os encargos deveriam recair sobre a A... SGPS. A este respeito as Orientações da OCDE esclarecem, no § 7.9. que num pequeno número de casos, uma atividade intragrupo pode ser exercida relativamente a membros de um grupo mesmo quando estes não o necessitem (e quando eles não estariam dispostos a pagá-las se se tratasse de empresas independentes).
É então unicamente devido às participações no capital de um ou vários membros do grupo, isto é na qualidade de acionista, que um membro do grupo (em geral a sociedade mãe ou uma sociedade holding regional) exerce estas atividades. Não há razão para que as sociedades que beneficiem destas atividades tenham de pagar por elas.
Se verificarmos os exemplos de tipo de atividades acionistas enunciadas nas Orientações da OCDE apuramos que a natureza dos encargos objeto de análise não se adequa aos exemplos referidos no §7.10 das mesmas, nem acolhe o conceito de que se reveste um «custo de acionista», no qual o beneficiário em exclusivo dos frutos do encargo é o próprio acionista.
As próprias Orientações referem, no mesmo parágrafo, que «Para determinar se estas atividades se inserem ou não na definição das atividades de acionista à luz dos presentes princípios, será necessário ponderar se, em circunstâncias comparáveis, se trata de uma atividade que uma empresa independente teria estado disposta a pagar ou se ela própria a teria exercido».
Acontece porém, que estes serviços prestados não configuram o qualitativo de atividade de acionista, uma vez que as beneficiárias diretas são as empresas participadas da SGPS – verificando-se que os encargos incorridos não derivam da prossecução de um interesse próprio e exclusivo da A... SGPS.
Neste ponto, a evidência aponta para a realidade de que uma empresa independente estaria disposta a pagar por serviços de assessoria na elaboração da contabilidade, de elaboração e gestão de planos financeiros,por serviços de controlo de qualidade tendo por base a constatação da existência de empresas fornecedoras deste tipo de serviços no mercado, sendo os custos dos mesmos suportados pelas entidades contratantes desses serviços.
Assim, não se afigura consentâneo com o princípio de plena concorrência vertido no §1.52 do relatório da OCDE - princípio de aplicação da plena concorrência, a não repercussão dos custos incorridos pela A... SGPS às suas participadas, na medida em que estas últimas são as beneficiárias imediatas destes serviços e porque nenhuma empresa independente estaria disposta a abdicar de se fazer ressarcir dos encargos d[e]spendidos em benefício de outra entidade e incorrendo em prejuízos permanentes.
Da seleção do método mais apropriado para a fixação do preço de transferência
De acordo com o n.º 2 do artigo 63.º do CIRC «O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou série de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais (…)»
O preâmbulo da Portaria 1446-C/2001 de 21 de Dezembro recomenda « (…) a consulta dos relatórios da OCDE (…)» que desenvolvem a matéria de preços de transferência para efeitos de aplicação da regulamentação concebida para o efeito.
A escolha do método deve ser determinada em conformidade com a legislação portuguesa (artigo 63º CIRC e artigo 4º da Portaria 1446-C/2001) e com os princípios enunciados nas Orientações da OCDE.
Assim, de acordo com o § 7.33 das Orientações, «Segundo o método utilizado para determinar a fixação de preços de plena concorrência de serviços intra-grupo, o problema pode colocar-se em saber se é necessário, que o preço aplicado seja tal que resulte num lucro para o fornecedor de serviços.»
Na presente situação, a A... SGPS vem alegar, na pagina 35 do Dossier de PT, que «não realiza com nenhuma outra entidade independente operações comparáveis e em circunstâncias similares às que são realizadas com entidades relacionadas e, por conseguinte, não existe informação interna que permita analisar a concordância da política de preços de transferência da empresa com as regras estabelecidas no mercado, o que impossibilita a utilização dos métodos tradicionais, mais concretamente o Método Preço Comparável de Mercado, o Método do Custo Majorado e o Método de Preço de Revenda Minorado, de modo a avaliar os termos e condições que pratica com entidades relacionadas.
Posto isto, o Método da Margem Líquida da Operação mostra-se como método mais apto a fornecer uma estimativa fiável e consistente dos termos e condições estabelecidas entre entidades independentes, por forma a validar os termos e condições praticados pela A... SGPS.»
No final da aplicação do método escolhido, a conclusão apresentada é a seguinte: «Na medida em que o mark-up aplicado na atividade de prestação de serviços de apoio e administração é de 10%, valor este enquadrável no intervalo de mercado obtido, é nosso entendimento que o pricing adoptado procura cumprir com as regras de mercado e, consequentemente, com o princípio da plena concorrência.» Então, o método de preços de transferência escolhido resultou na aplicação de uma margem operacional sobre os gastos de 10%.
Diz o n.º 6 do artigo 12º da Portaria n.º 1446-C/2001 que «nos casos em que não for possível a aplicação do método direto deve ser adotado o método indireto, o qual consiste em repartir os custos globais de serviços prestados pelas várias entidades do grupo com base numa chave de repartição apropriada (…)»
No caso em apreço, o método direto não é exequível de aplicar, porque não é possível identificar especificamente os beneficiários diretos e efetivos daqueles gastos, pelo que estaremos numa situação em que se impõe a imputação direta que exige um método/critério de repartição.
O n.º 7 daquele normativo diz que a «chave de repartição (…) deve ser construída com base em indicadores que reflitam de forma adequada a natureza e a utilização dos serviços prestados (…)».
Neste contexto, e dado que a correção proposta aos preços de transferência ocorreu, na sua quase totalidade, na formação do preço e não nos gastos elegíveis, consideramos que será de manter o critério de repartição adotado pela A... SGPS.
Do impacto da violação do Princípio de Plena Concorrência na determinação do lucro tributável
Da violação do Princípio de Plena Concorrência ante descrita resulta que o resultado tributável da A... SGPS foi influenciado negativamente pelo quantitativo de gastos, que por aplicação do Princípio de Plena Concorrência deveriam ter sido afetos aos beneficiários dos mesmos.
Por um lado, e como foi já referido nos parágrafos anteriores, o sujeito passivo qualificou como elegíveis gastos no montante de € 4.793.979,49: gastos com pessoal no montante de € 3.987.334,23 e FSE’s no valor de € 806.645,26. Por outro lado, a A... SGPS concluiu que a aplicação de uma margem operacional sobre os gastos de 10% atende ao princípio de plena concorrência.
Entretanto, verificamos a existência de gastos, no montante de € 340.327,51, que são igualmente elegíveis para efeitos de faturação às participadas (conforme Quadro 11 do presente documento).
Então, o valor a faturar às participadas pela prestação dos serviços elencados na página 25 do Dossier de PT, deveria ter sido de € 5.134,307 x 1,10%, ou seja, de € 5.647.737,70.
Com base nestes dados e pressupostos, determina-se em € 5.647.737,70 o valor correspondente à faturação devida, relativa às empresas participadas pela A... SGPS em 2014, de acordo com a proporção já utilizada pelo sujeito passivo, conforme os calculos indicado no quadro seguinte:
Quadro 12 – Repartição da Faturação pelas participadas
Cliente Valor faturado proporção de Faturação Valor Total a Faturar Correção
AA... 113.088,00 € 3,06% 172.889,93 € 59.801,93 €
EE... SA 29.184,00 € 0,79% 44.616,76 € 15.432,76 €
Q... 623.808,00 € 16,89% 953.683,16 € 329.875,16 €
H... 103.664,00 € 2,81% 158.482,44 € 54.818,44 €
J... SA 7.296,00 € 0,20% 11.154,19 € 3.858,19 €
Z... 403.104,00 € 10,91% 616.268,94 € 213.164,94 €
T... 242.592,00 € 6,57% 370.876,78 € 128.284,78 €
L... 1.452.208,00 € 39,31% 2.220.148,37 € 767.940,37 €
RRRR... 120.384,00 € 3,26% 184.044,12 € 63.660,12 €
DD... 404.928,00 € 10,96% 619.057,49 € 214.129,49 €
Y... 89.375,00 € 2,42% 136.638,82 € 47.262,82 €
I... G... 38.912,00 € 1,05% 59.489,01 € 20.577,01 €
U... 65.664,00 € 1,78% 100.387,70 € 34.723,70 €
3.694.208,00 € 100,00% 5.647.732,70 € 1.953.529,70 €
Estabelece o artigo 77º da Lei Geral Tributária, no seu n.º 3, que « (…) a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei (…)
d) Quantificação dos respetivos efeitos.»
Estando cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no n.º 3 do artigo 77º da LGT, procede-se à correção positiva à matéria tributável declarada pelo sujeito passivo, no período de tributação de 2014, no montante de € 1.953.529,70 (€ 5.647.737,70 – € 3.694.208,00), nos termos estatuídos no artigo 63º do CIRC.
Então, o total das correções à matéria coletável de em sede de IRC é a que a seguir se indica:
Quadro 13 – Correções à Matéria Coletável de IRC
Rúbricas Declarado Correção Corrigido
Prestação de Serviços 3.694.207,94 € 1.953.529,70 € 5.647.737,64 €
Gastos não aceites 179.446,53 € 41.157,22 € 220.603,75 €
Resultado Fiscal -881.207,86 € 1.994.686,92 € 2.875.894,78 €
III.2 Correções ao Imposto a Pagar
III.2.1 Tributações Autónomas – Despesas de Representação
A A... SGPS contabilizou a título de «Deslocações e Estadas», «Serviços Especializados», «Materiais» e «Serviços Diversos», as seguintes despesas que configuram Despesas de representação:
Quadro 14: Despesas de Representação Adicionais
N.º Arquivo Descritivo Valor Justificação apresentada pelo S.P.
4030057 V/Factura Nº. 85 2.635,46 € Viagem de colaboradores no âmbito da gestão de participações sociais
4040040 V/Factura 1.381,29 € Ofertas no âmbito do programa global Kaizen
1030011 Sardinha 895,00 € Materiais para a reunião de liderança
4030163 F. 59 1.730,00 € Material para Assembleia Geral e reunião de apresentação de contas aos bancos
4110007 V/Factura 138 595,00 € Material para Assembleia Geral e reunião de apresentação de contas aos bancos
1020004 OPERAÇÕES DIVERSAS Nº 1020004 80.528,54 € Reunião de liderança
1020004 OPERAÇÕES DIVERSAS Nº 1020004 82.890,86 € Reunião de liderança
4020062 Factª Fornec e Serv. Nº. 71 3.837,60 € Ofertas da reunião de liderança
1030011 OPERAÇÕES DIVERSAS Nº 1030011 5.000,00 € Descritivo incorreto. Gasto referente a honorários de revisor oficial de contas
1030011 OPERAÇÕES DIVERSAS Nº 1030011 1.521,15 € Apresentação das contas anuais aos bancos
4030080 Despesas Nº. 85 1.848.28 € Reunião de liderança – prémios de antiguidade
4030109 Factª Fornec.e Serv. Nº. 115 4.749,14 € Reunião de liderança
1070017 OPERAÇÕES DIVERSAS Nº 1070017 34.000,00 € Gastos incorrido no âmbito da formação e reunião do semestre
4090165 V/Factura Nº. 337 565,00 € Apresentação das demonstrações financeiras do semestre aos banco
222.177,32 €
Questionado o contribuinte acerca dos beneficiários destes encargos, da sua natureza e da indispensabilidade dos mesmos no âmbito do art.º 23º do CIRC, veio apresentar as justificações que constam do Quadro 14, não acrescentando informações adicionais às que constam do documento que suporta cada um daqueles gastos cuja cópia se encontra em anexo (Anexo III) e dos quais podemos aferir que todos os bens e serviços adquiridos foram utilizados, pelo menos parcialmente, por pessoas estranhas à A... SGPS.
Efetivamente, estes gastos configuram despesas de representação, conforme se encontram previstas no n.º 7 do art.º 88º do Código do IRC, segundo o qual, «Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, as suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades».
É de acrescentar que, atendendo ao conteúdo da redação daquele n.º 7, o legislador quis ser particularmente abrangente, no que respeita aos beneficiários das despesas de representação, pois estes podem ser:
- clientes;
- fornecedores;
- «quaisquer outras pessoas ou entidades» visando abranger outros beneficiários, não se encontrando excluídos os colaboradores da própria empresa;
Por outro lado, as despesas de representação são, basicamente, todas as efetuadas para representação da empresa junto de terceiros. Isto implica que estejam envolvidos terceiros à empresa, como clientes, fornecedores e «quaisquer outras pessoas ou entidades».
Assim sendo, nos termos do n.º 7 do art.º 88º do Código do IRC, procede-se à tributação autónoma daqueles gastos à taxa de 10%, o que origina imposto em falta no valor de € 22.217,73 (10% de € 222.177,32).
[…]
VIII – DIREITO DE AUDIÇÃO
De acordo com o preceituado no art. 60.º da LGT e no art. 60.º do RCPITA, em 2017.04.03, o sujeito passivo […] foi notificado, nos termos do art. 40º do RCPITA, através do ofício n.º 2017... de 2017.03.30, para, no prazo de 25 dias, exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (PRIT).
Em 2017.04.28, foi-nos entregue em mão uma petição de exercício do direito de audição da qual consta que o sujeito passivo procedeu à regularização voluntária das correções propostas no ponto III.1.1.a) deste documento no montante global de 7.732,01€ através da entrega, na mesma data, de declaração modelo 22 de IRC de substituição referente ao período de tributação de 2014 na qual diz ter acrescido o montante regularizado no campo 752 do quadro 07.
A este respeito, cumpre-nos informar que até à data de hoje, a declaração referida não se encontra disponível para consulta no sistema informático da AT pelo que a regularização voluntária efetuada pelo sujeito passivo foi incluída no Documento de Correção à declaração mod 22 de IRC que serviu para acolher as correções propostas (e não regularizadas voluntariamente pelo sujeito passivo) neste documento.[…]”
OO. Após conclusão da ação inspetiva acima referida, dirigida à Requerente a título individual, e com o objetivo de, em relação ao período de tributação de 2014, refletir no lucro tributável do grupo fiscal de que é a sociedade dominante as correções que lhe foram efetuadas pela AT a título individual, conforme previsto no artigo 70.º, n.º 1 do Código do IRC, foi, pela Ordem de Serviço OI2017..., determinado o procedimento interno de inspeção tributária à Requerente, na qualidade de “empresa dominante” do Grupo de sociedades tributado pelo RETGS – cf. RIT Grupo e RIT.
PP. A Requerente foi notificada, na qualidade de sociedade dominante do grupo fiscal, do Relatório de Inspeção Tributária para o período de tributação de 2014, através do Ofício n.º 2017..., datado de 29 de dezembro de 2017 (do qual consta como Anexo I o Relatório da Inspeção realizada a título individual), com a proposta de correções meramente aritméticas:
a. à matéria coletável de IRC do grupo, no montante de € 1.994.686,92;
b. aos prejuízos fiscais declarados no período, de € 951.721,63 (eram de € 1.193.505,13 – declarados - e passaram para € 2.145.226,76 - corrigidos);
c. às tributações autónomas, na importância de € 22.217,73,
– cf. RIT Grupo e RIT.
QQ. Subsequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC de 2014 aqui impugnada, emitida sob o n.º 2018..., datada de 5 de fevereiro de 2018, no montante de € 190.769,61, incluindo a liquidação de juros compensatórios na importância de € 19.303,98, que resultou no valor total a pagar de € 209.751,61 (incluindo juros), conforme documento de compensação n.º 2018... (nr. compensação 2018...), de 7 de fevereiro de 2018, com data limite de pagamento fixada em 19 de março de 2018 – cf. documentos 4 a 6 juntos pela Requerente.
RR. Em 11 de maio de 2018, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças da..., garantia bancária no valor de € 266.949,04 para sustação do processo de execução fiscal n.º ...2018..., cuja dívida exequenda respeita ao ato de liquidação de IRC impugnado – cf. documento 8 junto pela Requerente.
SS. Em 28 de junho de 2018, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa da liquidação de IRC de 2014 supra identificada – cf. documento 9 junto pela Requerente e PA.
TT. Em 23 de outubro de 2018, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa, tendo exercido o direito de audição em 7 de novembro de 2018 – cf. documentos 3 e 10 juntos pela Requerente e PA.
UU. Em 4 de abril de 2019, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento parcial da Reclamação Graciosa – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente e PA.
VV. Da informação que contém os fundamentos do indeferimento parcial da Reclamação Graciosa consta, entre o mais – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente e PA:
“Concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que, para além da verificação da existência de gastos fiscalmente não dedutíveis, a reclamante prestou serviços intragrupo, não faturados às suas participadas, tendo baseado as suas conclusões nos factos que ora, em resumo, se descrevem.
O procedimento inspetivo teve o seu principal foco na análise aos gastos operacionais da empresa, enquadrando-os no âmbito dos arts. 23.º – Gastos e Perdas e art.º 63.º – Preços de Transferência do CIRC […] por se constatar que estes gastos têm como contrapartida operações ativas de ordem operacional de montante desproporcionalmente reduzido.
Verificando-se que os ganhos auferidos correspondem a faturação de serviços prestados às suas participadas, […] foi solicitada a discriminação do apuramento desses ganhos. […]
A reclamante justificou a facturação de prestação de serviços às participadas pela aplicação de uma “rate horária contratada” ao montante de horas que a A... SGPS considera que os seus funcionários despenderam na execução desses serviços. […]
Nestes termos, e segundo apuraram os serviços de inspeção, apesar de a empresa atuar enquanto acionista, os gastos incorridos e por si considerados elegíveis, traduzem-se em benefícios diretos nas empresas do grupo e, como tal, devem ser objeto de faturação a estas. […]
Com base nos elementos recolhidos, apuraram-se, então, correções à matéria tributável declarada de IRC, no montante global de € 1.953.529,70, valor correspondente à faturação devida às participadas, correções essas que estão, maioritariamente, na base da liquidação ora reclamada. […]
A questão fulcral que está na base das correcções prende-se com o facto de não se encontrarem justificados os encargos considerados elegíveis para a determinação da rate horária contratada, nem tão pouco o critério de afetação das horas consumidas (à atividade de acionista ou às prestações de serviços intragrupo).[…]
(…) os elementos disponíveis não demonstram ou explicam a repartição horária para os diferentes funcionários da A... SGPS entre “Horas consumidas com a atividade acionista” e “Horas consumidas com prestação de serviços intragrupo”, nem tão pouco o montante elegível que corresponde a Gastos com Pessoal. [...]”
WW. Consta ainda da decisão da Reclamação Graciosa no que se refere à dedução do benefício fiscal do SIFIDE – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente e PA:
“Face aos argumentos e elementos apresentados em direito de audição, cumpre-nos afirmar o seguinte:
1. Segundo o alegado pela reclamante, o valor reclamado de € 192.222,63, resulta do benefício fiscal a título de SIFIDE atribuído à sociedade dominada B..., S.A., para o exercício de 2008, e relativamente ao qual, na esfera do grupo, não deduziu qualquer valor.
2. Apenas fez constar na declaração Modelo 22 de 2014 da B..., S.A., a dedução do montante de € 90.997,82.
3. Dos documentos e fundamentos apresentados em sede de exercício do direito de audição, em conjunto com a análise das declarações Modelo 22 apresentadas, quer pela B..., S.A., quer pela reclamante na qualidade de sociedade dominante do grupo, conclui-se que, no exercício de 2014, a B..., S.A., dispunha de benefícios fiscais a utilizar a título de SIFIDE, como segue:
2008 - € 192.222,63:
2009 - € 179.203,67;
2010 - € 232.503,81, num total de € 603.930,11.
4. Os benefícios em causa foram gerados ainda na vigência da Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, a qual previa que os sujeitos passivos podiam deduzir ao montante apurado nos termos do artigo 83.º do Código do IRC (atualmente art. 90.º do CIRC), e até à sua concorrência, o valor correspondente às despesas com investigação e desenvolvimento, nas percentagens e condições aí determinadas. As despesas que, por insuficiência de coleta, não pudessem ser deduzidas no exercício em que foram realizadas poderiam ser deduzidas até ao 6.º exercício imediato.
Do referido normativo não constava (e continuou a não constar no âmbito do SIFIDE II – Art. 133.º da Lei 55-A/2010, de 31/12, e, posteriormente, no Código Fiscal do Investimento, atualmente em vigor) qualquer norma a regular esta dedução no âmbito do RETGS, sendo que é entendimento dos serviços que, apesar de ser um benefício concedido individualmente, a sua dedução no âmbito do grupo, deverá atender aos pressupostos existentes à data em que nasce o direito ao benefício. Assim, se o direito ao benefício nasceu, como é o caso, antes da entrada da sociedade para um grupo de sociedades tributado pelo RETGS, a dedução à coleta do grupo, tem como limite máximo a coleta individual que essa sociedade operaria se não tivesse sido integrada no grupo, pelo que não pode ser aproveitado o benefício para além da coleta apurada pela empresa promotora do investimento.
5. No nosso caso, verifica-se que a B..., S.A. apurou coleta, no exercício de 2014, conforme Modelo 22 apresentada em 2015/05/29, no valor de € 151.370,82, com a dedução de € 60.373,00, a título de Dupla Tributação Jurídica Internacional e de € 90.997,82, a título de SIFIDE, conforme correspondente Anexo D.
6. Nestes termos, pese embora na esfera do grupo, no exercício de 2014, a reclamante não tenha declarado qualquer dedução a título de SIFIDE, considerando que a sua apreciação foi já analisada em sede de ação de inspeção (OI2017...), não tendo sido aceite apenas por não terem sido fornecidos os elementos necessários à validação dos montantes invocados, encontrando-se agora justificados os benefícios fiscais disponíveis, entende-se ser de atender parcialmente ao pedido, aceitando a dedução a título de SIFIDE na esfera do grupo, no exercício de 2014, pelo valor de € 90.997,82.
[…]
CONCLUSÃO
Face ao exposto, entende-se que deve ser atendido parcialmente o pedido da reclamante, no que respeita à dedução de SIFIDE, no valor de € 90.997,82, na esfera do grupo, no exercício de 2014, mantendo-se o projeto de despacho de indeferimento para todos os restantes fundamentos alegados, concluindo-se pelo deferimento parcial do pedido.”
XX. Em 3 de junho de 2019, por não se conformar com a referida liquidação de IRC (incluindo tributação autónoma e juros compensatórios), a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que as deslocações dos colaboradores das participadas à sede da Requerente sejam sempre efetuadas no interesse da Requerente (artigo 31.º do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), podendo sê-lo, portanto, no interesse das próprias participadas) e que digam sempre respeito ao controlo da gestão e às tarefas de expansão e internacionalização do Grupo (artigo 32.º do ppa) podendo referir-se, de igual forma, à área de serviços intragrupo).
Não se provou que a totalidade dos gastos considerados elegíveis pela Requerente e considerados pela AT como debitáveis estivesse integralmente afeta à prestação de serviços de gestão intragrupo, no sentido de terem sido unicamente consumidos por estes. Provou-se, aliás, ao contrário, que, em geral, os gastos (incluindo os elegíveis) foram suportados pela Requerente tanto no exercício da sua atividade acionista como no da prestação de serviços intragrupo às participadas (ponto EE supra). Não se provou, porém, que o método casuístico adotado pela Requerente para determinar o número de horas despendidas pelos colaboradores com a prestação de serviços intragrupo tenha permitido aferir de forma correta e rigorosa as horas imputáveis àquela prestação.
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos. Foi ainda considerada a prova testemunhal produzida, suportada nos depoimentos de UUU..., Contabilista Certificado da Requerente e atual Diretor da Contabilidade e Fiscalidade do Grupo (para o qual trabalha desde 2001), e de MMM..., Presidente do Conselho Fiscal (também o era à data dos factos).
As duas testemunhas, ouvidas em audiência contraditória, revelaram conhecimento direto dos factos relatados e permitiram a apreensão pelo Tribunal das atividades concretamente desenvolvidas pela Requerente, conforme referenciado em relação aos respetivos factos julgados assentes. Foram, no entanto, identificadas algumas afirmações incorretas, no sentido de favorecimento da posição da Requerente, o que foi ponderado na formação da convicção deste Tribunal, face às ligações existentes. Neste contexto, a primeira testemunha reiterou diversas vezes que a auditoria interna e o controlo de qualidade faziam parte da atividade de acionista da Requerente, o que é contrariado pelo Dossier de Preços de Transferência da Requerente que expressa que estas atividades se inserem nos serviços intragrupo a prestar às participadas, conforme contratos com estas celebrados (página 26 do Dossier).
Acresce referir que apesar de os depoimentos deixarem claro, em consonância com a prova documental, que a Requerente exerce de forma efetiva a atividade de acionista (seja na vertente estratégica de expansão internacional, com o estabelecimento de novas parcerias e a aquisição ou instalação de unidades produtivas em novas jurisdições, seja no controlo da atividade das entidades do Grupo), atividade que consome recursos não despiciendos, a forma de imputação dos gastos às diversas atividades (acionista e de prestação de serviços), revelou fragilidades, pois assenta numa base puramente casuística de informações ad hoc recolhidas em reuniões mensais ou semanais, sem suporte em qualquer sistema de registo de horas/dias ou de contabilidade de gestão (por exemplo, por via de centros de custos), conforme resultou em especial do depoimento da primeira testemunha e foi confirmado no depoimento da segunda. O depoimento da segunda testemunha limitou-se a referir generalidades sobre o sucesso da empresa e a “rota de aprovação das despesas”.
A inquirição, no âmbito do processo arbitral n.º 161/2018-T, das mesmas testemunhas e da inspetora da AT que realizou o procedimento inspetivo, em nada altera ou acrescenta ao acima referido e à convicção formada pela prova produzida nos presentes autos.
IV. DO DIREITO
1. QUESTÕES DECIDENDAS
As questões que importa apreciar e decidir respeitam, em síntese:
(a) À desconsideração de gastos deduzidos fiscalmente, em aplicação do artigo 23.º do Código do IRC e das regras sobre a repartição do ónus da prova contempladas nos artigos 74.º e 75.º da LGT;
(b) À aplicação do princípio de plena concorrência, ao abrigo do artigo 63.º do Código do IRC, e, em caso de fundada dúvida, à eventual aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT;
(c) À qualificação de determinados encargos como despesas de representação, em conformidade com o disposto no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC;
(d) À dedução à coleta do Grupo abrangido pelo RETGS, na hipótese de procedência das correções impugnadas, do saldo do benefício fiscal do SIFIDE, originado numa sociedade do Grupo em exercício anterior ao do início de aplicação daquele regime, com fundamento no preceituado no artigo 90.º, n.º 1, alínea c) e n.º 6 do Código do IRC;
(e) À liquidação de juros compensatórios.
2. DESLOCAÇÕES E ESTADAS NÃO ACEITES – ARTIGO 23.º DO CÓDIGO DO IRC – ÓNUS DA PROVA
AT corrigiu a matéria coletável da Requerente no valor de € 33.425,21 com fundamento na indedutibilidade fiscal de despesas contabilizadas de deslocações e estadas realizadas por pessoas em relação às quais não se comprovou um vínculo profissional efetivo com a Requerente. Não foi questionada a evidência documental das referidas despesas, mas apenas o facto de as pessoas que se deslocaram serem externas à Requerente, pelo que a questão não respeita à aferição do cumprimento de exigências formais.
Está em causa a relação necessária, normativamente prescrita pelo artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, entre os gastos de deslocações e estadas incorridos e a finalidade de obtenção ou realização na esfera da Requerente de rendimentos sujeitos a este imposto.
Notificada para justificar tais despesas no decurso da ação inspetiva, a Requerente referiu que os gastos foram incorridos no desenvolvimento da sua atividade de gestão de participações sociais e com projetos de internacionalização, discriminando, com referência a cada documento de suporte dos gastos, as pessoas envolvidas nas deslocações (que são todos colaboradores do grupo C..., uns colaboradores da própria Requerente, outros colaboradores das participadas da Requerente). Fez ainda menção, em cada caso, à situação específica que motivou a deslocação, nomeadamente o projeto associado, na sua grande maioria no âmbito da área de expansão/internacionalização (atividade acionista).
A AT não considerou que tivesse ficado esclarecido, leia-se demonstrado, que as despesas se referiam a gastos diretamente imputáveis à Requerente, mantendo a recusa da sua dedução fiscal, fundada no artigo 23.º do Código do IRC que dispõe, no seu n.º 1, serem “dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
A ordem jurídico-fiscal parte do pressuposto de validade das declarações do contribuinte, que, no entanto, podem ser desconsideradas, quando a AT demonstre factos-índice que as abalem – cf. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (173), CEF, Lisboa 1995, pp. 340-342. Regime que se mostra consentâneo com a compreensão atualizada do princípio da legalidade que rege toda a atuação administrativa.
Em consonância, ensina VIEIRA DE ANDRADE, “há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados estes pressupostos” – cf. A Justiça Administrativa (Lições), 2ª. edição, Almedina, página 269.
Nesta matéria, como preconizado pela Requerente, recai sobre a AT o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos legais que legitimaram a sua atuação, em conformidade com a regra de repartição do ónus probatório que emana do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Convém relembrar que a reforma do IRC levada a efeito pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que (já) se encontrava em vigor à data dos factos, introduziu algumas alterações à redação do artigo 23.º do Código do IRC, eliminando o requisito da “indispensabilidade” dos custos.
No entanto, o conceito de gasto fiscal hoje vigente continua a estar delimitado pelo estabelecimento de um nexo com a atividade económica potencialmente geradora de rendimentos, ou, dito de outro modo, com o interesse da empresa, projetando um resultado que não difere substancialmente do anterior critério da indispensabilidade , mantendo-se válidas, mutatis mutandis, as considerações feitas no âmbito do regime anterior a 2014.
Em geral, a dedutibilidade fiscal dos gastos depende da sua conexão, causal e justificada, com a atividade produtiva do contribuinte – cf. TOMÁS CANTISTA TAVARES, Da Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, Out-Dez 1999, p. 136.
Ligação que, como declara o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCASul”), de 22 de janeiro de 2015, processo n.º 05327/12 , deve ser aferida numa “perspetiva económica-empresarial, […] de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. […]
Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.”
Entendimento que tem sido reiterado pelo Supremo Tribunal Administrativo, como a título ilustrativo salienta o acórdão deste Tribunal, de 21 de setembro de 2016, no processo n.º 0571/13, segundo o qual o artigo 23.º do Código do IRC se refere “aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportados no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário” . Não se exige que os gastos dedutíveis impliquem a obtenção de rendimentos, sendo suficiente que tenham a “potencialidade para os influenciarem positivamente” – cf. decisão arbitral de 2 de dezembro de 2013, no processo n.º 101/2013-T do CAAD.
Importa clarificar que o ónus da prova da dedutibilidade do custo, dada pela mencionada conexão do gasto à atividade do sujeito passivo, “passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada”, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, pois não vem questionada “a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível”, para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, nos moldes apontados pelo citado acórdão do TCASul (processo n.º 05327/12).
Neste âmbito, a regra geral, segundo a qual compete à AT a alegação e prova de erros, inexatidões ou outros fundados indícios de que os suportes formais não correspondem à efetiva matéria tributável do contribuinte, na expressão de TOMÁS CANTISTA TAVARES, “tempera-se com a outorga ao contribuinte do ónus de alegação da congruência dos elementos escriturados” – cf. ob. cit. pp. 116-117, pelo que se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no escopo da sua atividade.
Como atrás se referiu, a efetiva realização das despesas de deslocações e estadas, nos moldes em que o foram, não foi contestada pela AT, e bem assim a adequação do suporte documental, tendo sido indicadas com detalhe as datas das viagens, os respetivos percursos e a identificação das pessoas que viajaram.
Por outro lado, ficou assente a Requerente é uma multinacional de base portuguesa presente em dezenas de jurisdições, e que as suas funções de holding de cúpula do Grupo implicam deslocações frequentes dos seus colaboradores e de colaboradores das sociedades subsidiárias/participadas. Estas deslocações, cuja dedução fiscal não foi aceite pela AT, enquadram-se no contexto dos projetos que a Requerente e o Grupo por si liderado estão a desenvolver nesses países, onde detêm unidades produtivas (através das sociedades subsidiárias) ou estão a perspetivar a sua instalação.
Deste modo, para além da regularidade documental, de que brota a presunção da relação causal à atividade e escopo da Requerente, o contexto descrito é idóneo e legitima a inferência de que as deslocações e estadas se inscrevem na atividade e interesse social da Requerente, que se materializa na gestão e controlo dos investimentos (as participações sociais), na realização de novos investimentos (expansão e internacionalização) e na prestação de apoio às sociedades participadas, disponibilizando-lhes serviços técnicos de administração.
Aliás, de estranhar seria que a sociedade de cúpula – holding diretiva – de um Grupo económico com estas características não registasse despesas significativas com deslocações às jurisdições onde as suas participadas desenvolvem atividade ou onde pretende instalar novas unidades produtivas.
Por seu turno, a AT não apresentou indícios que pudessem criar dúvida sobre a natureza empresarial das despesas e a respetiva afetação à atividade da Requerente, referindo apenas como causa de não aceitação a circunstância de não se ter demonstrado o “vínculo profissional efetivo” das pessoas envolvidas com a Requerente, apesar desta ter divulgado a sua identificação (algumas são colaboradores de sociedades participadas) e referenciado os projetos específicos associados às deslocações.
Convém notar que não constitui condição legal de dedutibilidade fiscal das deslocações que estas sejam efetuadas apenas por colaboradores com vínculo laboral ou estatutário estabelecido com o sujeito passivo, sendo frequentes no âmbito de grupos económicos a partilha de recursos e situações de cedência ou disponibilização ocasional de colaboradores (entre sociedades que pertencem ao mesmo Grupo) que, in casu, dada a identificação individualizada, era linearmente acessível e confirmável.
À face do exposto, a AT não cumpriu o ónus de demonstrar, como lhe competia (artigo 74.º, n.º 1 da LGT), factos-índice suscetíveis de afetar a conexão das despesas de deslocação e estadas à atividade e escopo social da Requerente e, consequentemente, a sua relação com a obtenção e a garantia de rendimentos sujeitos a tributação, pelo que a correção em análise padece de vício de erro nos pressupostos, atento o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, assistindo, nesta parte, razão à Requerente.
3. PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA – ERRO NOS PRESSUPOSTOS – ÓNUS DA PROVA
As correções efetuadas pela AT à matéria coletável da Requerente baseiam-se no entendimento de que o resultado tributável desta foi negativamente influenciado por gastos que, por aplicação do Princípio de Plena Concorrência, deveriam ter sido faturados às sociedades destinatárias das prestações de serviços técnicos e de administração realizadas, concluindo, com base nessa premissa, que as prestações de serviços intragrupo foram faturadas às sociedades participadas, em violação do disposto no artigo 63.º do Código do IRC.
Neste âmbito, a AT começa por afirmar que a Requerente aplicou às prestações de serviços intragrupo um preço, uma rate horária não fundamentada, quer quanto à fórmula de cálculo dessa rate, quer quanto à distribuição temporal do total das horas de trabalho [entre atividade de prestação de serviços e atividade acionista], quer no tocante aos custos do acionista e às atividades desenvolvidas enquanto tal. Não obstante, a AT conclui pela aceitação dos gastos qualificados pela Requerente como elegíveis para efeitos da sua potencial imputação às prestações de serviços intragrupo, aceitando ainda o método (MMLO) e a margem de 10% aplicada.
Desta forma, o único ponto de discordância que subjaz a esta correção realizada pela AT ao lucro tributável da Requerente é o do volume de horas gastas pelos colaboradores que esta imputou às prestações de serviços intragrupo e consequentes “gastos elegíveis” que deviam ser faturados. Assim, a liquidação em causa resulta unicamente da desconsideração, pela AT, da ponderação de horas que a Requerente imputou às prestações de serviços. De acordo com o argumento da AT, todas as horas dos colaboradores da Requerente (critério de medida/volume de serviços prestados) que esta incluiu em gastos elegíveis teriam sido despendidas, em exclusivo, na atividade de prestação de serviços técnicos e de administração às participadas e, em consequência, também consumidos nesta (por esta) atividade os gastos classificados como elegíveis.
Caso em que, por oposição, a atividade acionista desenvolvida pela Requerente não teria consumido esses gastos elegíveis, nem quaisquer dessas horas dos seus colaboradores que, para essa finalidade ou destino (acionista), ficariam reduzidas a zero (sem prejuízo de existirem as horas dos membros do Conselho Fiscal que não estão aqui consideradas).
Interessa neste ponto relembrar que a Requerente configura uma SGPS, cujo objeto social único, de acordo com os artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1 do respetivo regime jurídico , consiste necessariamente na “gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, ou seja, encerra pela sua natureza um núcleo relevante de funções de acionista. Mesmo a prestação de serviços técnicos de administração e gestão só é permitida às SGPS, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do respetivo regime, com caráter instrumental à gestão de participações, dado que se circunscreve às sociedades participadas ou com as quais a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação. A inobservância do regime, se forem desenvolvidas atividades que extravasem este quadro restrito, conduz à dissolução da sociedade, a que acresce a disciplina sancionatória aplicável (como estatui o artigo 8.º, n.º 2 do regime jurídico das SGPS).
O tema da imputação de gastos que servem os interesses dos sócios não é novo e tem consagração expressa desde 1979 nos Relatórios da OCDE, no âmbito das relações intragrupo de empresas multinacionais. O Relatório da OCDE de 1984 – Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – Relatórios do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1984, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 154, 1987 – desenvolve nos seus § 33 a 43 a análise das “atividades de acionista” caracterizando-as como atividades ligadas à gestão, ao controlo e à proteção do investimento representado por participações da sociedade-mãe. A classificação como gastos de acionista tem manifesta relevância, pois implica que não sejam repassáveis às sociedades participadas e, se, na prática, o forem (indevidamente), não sejam fiscalmente dedutíveis na esfera destas.
Em 2011, a Comissão Europeia, no âmbito do EU Joint Transfer Pricing Forum, estabeleceu uma lista não exaustiva de serviços classificados e reconhecidos como custos de acionista (“shareholders costs”) , incluindo quer elementos da OCDE, quer serviços adicionais, sem prejuízo de tal classificação ficar sempre dependente dos factos e circunstâncias específicas de cada caso. O Fórum indica como teste fundamental para se concluir que se está perante um gasto de acionista, o extraído do parágrafo § 7.9 das guidelines da OCDE, relativo às atividades que as sociedades participadas “não estariam dispostas a pagar se fossem entidades independentes” da casa-mãe .
No caso sob apreciação, a Requerente consubstancia uma holding diretiva e, em convergência com essa qualificação, desenvolve de forma significativa tanto a atividade de acionista (desdobrada em duas vertentes, uma de controlo da gestão das suas participadas, e outra de expansão e internacionalização), como a atividade de prestação de serviços intragrupo. Ficou demonstrado que em ambas foram consumidos recursos que fazem parte integrante dos “gastos elegíveis” (designadamente FSE’s e gastos com pessoal) correspondentes aos meios humanos e materiais ou técnicos indispensáveis à sua realização.
Isto, sem prejuízo de a Requerente incorrer em gastos específicos imputáveis a cada uma das atividades como, por exemplo, os custos inerentes à consolidação de contas, estritamente afetos à atividade de acionista, e que, por essa razão, são expurgados pela Requerente dos gastos elegíveis passíveis de serem atribuídos também às prestações de serviços intragrupo. No caso de gastos unicamente conexos com a prestação de serviços intragrupo, estes são refaturados na íntegra às sociedades participadas. Não é desses gastos específicos que, todavia, aqui se cuida, mas sim dos gastos que, à partida, não são privativos ou exclusivos, seja da atividade de acionista, seja da de prestação de serviços.
Retira-se do exposto uma primeira conclusão, que é a de que o ajustamento efetuado pela AT à matéria tributável da Requerente é ilegal por enfermar de erro manifesto nos pressupostos de facto, ao tomar como ponto de partida dados que não correspondem à realidade, i.e., que a totalidade das horas dos colaboradores da Requerente e a totalidade dos gastos elegíveis são atribuíveis à realização de prestações de serviços intragrupo, quando, na verdade, o são a título meramente parcial (em componente não despicienda, é certo, mas ainda assim parcial).
Com isso não se pretende significar ou validar que a distribuição das horas efetuada pela Requerente pelas suas áreas de atividade – de acionista (não faturável) e de serviços (faturável) –, para efeitos de determinação do volume de serviços prestados e do respetivo preço (influenciado pela proporção imputada de gastos elegíveis), seja a correta. Com efeito, a quantificação das horas dos colaboradores afetas às prestações de serviço intragrupo e à atividade acionista pela Requerente não assenta num procedimento sólido e sistematizado, mas num casuísmo (que, por esse facto, encerra um risco acrescido de erro).
Não obstante, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial, nos moldes enunciados no artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem em matéria tributária), é, como aquele último, um meio processual de mera legalidade, que visa a declaração de ilegalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e a eliminação dos efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os, através de uma pronúncia constitutiva e cassatória, ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT].
Sendo o ato impugnado o objeto do processo, não está em causa apreciar se foi globalmente correta a aplicação pela Requerente do regime de preços de transferência, mas apurar se a correção efetuada pela AT tem suporte legal. Isto, mesmo na eventualidade de se demonstrar alguma imperfeição na aplicação in casu daquele regime por parte da Requerente .
Não pode, desta forma, ignorar-se que a legalidade do ato tributário tem de ser apreciada pelo Tribunal à face do seu teor, tal como foi praticado, de onde deriva ainda uma outra ilação: perante a constatação da invocação de um pressuposto ilegal como suporte da decisão administrativa o Tribunal não pode apreciar se a atuação da AT poderia basear-se noutra argumentação .
Acresce que, como se verá de seguida, a correção em análise também padece de erro de direito.
O princípio de plena concorrência visa colocar empresas relacionadas e empresas independentes em igualdade de circunstâncias para efeitos fiscais, servir como princípio geral de igualdade e neutralidade, evitar distorções de concorrência e promover a troca internacional e o investimento, afastando razões fiscais de decisões económicas.
Daí que a lei estabeleça que havendo relações especiais entre contribuintes se as operações por eles realizadas não respeitarem as condições de mercado, provocando aumentos ou reduções “anómalas” da matéria coletável, a AT possa proceder à correção do preço para o seu valor “justo”, no sentido de valor objetivamente adequado às condições de mercado com as quais “normalmente” se determina a matéria coletável (artigos 77.°, n.º 3 da LGT e 63.º do Código do IRC) .
Constitui jurisprudência consolidada que é à AT que cabe provar os pressupostos em que assentam as correções de preços de transferência, ónus que abrange três vertentes: (i) a identificação e prova de relações especiais; (ii) de que o preço praticado não é o de mercado; (iii) e de qual o preço de mercado aplicável (o preço de plena concorrência), de acordo com a metodologia desenvolvida no âmbito da OCDE e recebida pelo direito interno – acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de maio de 2015, processo n.º 833/13; de 11 de março de 2015, processo n.º 145/14; de 1 de junho de 2005, processo n.º 228/05; de 12 de março de 2003, processo n.º 1508; e de 21 de janeiro de 2003, processo n.º 21240.
Assim, de acordo com a regra de distribuição do ónus probatório, impendia sobre a Requerida evidenciar, cumprindo o ónus que lhe cabia ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que o preço praticado nas operações vinculadas – prestações de serviços intragrupo – não era de plena concorrência, diferindo dos “termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias”, assim como aquele que o seria – veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo supra citado, de 11 de março de 2015, processo n.º 145/14.
Demonstração que a Requerida não logrou fazer, porque, por um lado, aceitou o método (MMLO) preconizado pela Requerente no Dossier de Preços de Transferência e a margem aí determinada de 10%, e, por outro lado, não alegou sequer qual o preço de mercado que seria aplicável (o que seria contratado entre empresas independentes pela prestação de serviços idênticos aos prestados às sociedades participadas), mediante a análise de situações comparáveis, de acordo com a metodologia obrigatória prevista no regime de preços de transferência
Não estão desta forma reunidos os requisitos de que o artigo 63.º do Código do IRC e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, fazem depender a aplicação corretiva da disciplina de preços de transferência, pelo que, a liquidação impugnada é, neste segmento, ilegal e deve ser anulada, atenta a procedência dos vícios materiais – erro nos pressupostos de facto e erro de direito – apontados.
Sobre a mesma questão se pronuncia a decisão arbitral no processo do CAAD n.º 161/2018-T, em que é parte a Requerente, relativamente a outro exercício. Com relevância para esta matéria fundamenta-se aí o seguinte:
“A Autoridade Tributária sustenta que no procedimento inspetivo não foi efetuada a demonstração do preço/hora aplicado pela Requerente na relação com as suas participadas. Mas o certo é que a Administração não indicou qual era o preço que teria sido contratado entre empresas independentes para a prestação dos mesmos serviços - nem essa prova foi efetuada no âmbito do processo arbitral – e a correção à matéria coletável proposta pelo Relatório de Inspeção Tributária teve por base, não o preço/hora que seria normalmente aplicável em condições de mercado, mas antes a desconsideração de certos gastos como sendo inerentes à função acionista. Sendo que, para esse efeito, foi tido em conta o preço/hora utilizado pela Requerente para o cálculo dos gastos elegíveis.
Ou seja, a Administração Tributária, embora tenha invocado que não se encontra fundamentado no Dossier de Preços de Transferência o preço/hora definido para a prestação de serviços às sociedades participadas, não extraiu daí qualquer consequência – designadamente para efeito de proceder à correção com base no preço que seria contratado entre entidades independentes -, e acabou por validar o preço indicado pelo sujeito passivo.
Neste contexto, a questão que interessa abordar, e que tem direto reflexo no julgamento da causa, relaciona-se com a falada descaracterização dos gastos que são imputados à atividade acionista e que determinou a correção da matéria coletável que é objeto de impugnação no âmbito do pedido arbitral.
[…]
São descritos como exemplos [de custos da função acionista] (a) os custos de atividades inerentes à estrutura jurídica da própria sociedade mãe, tais como a organização de assembleias gerais de acionistas, a emissão de ações desta sociedade e os encargos com o funcionamento do conselho de fiscalização, (b) os custos relativos às obrigações da sociedade mãe em matéria de apresentação de contas e os relatórios de atividades, e (c) os encargos relativos à mobilização dos recursos necessários à sociedade mãe para aquisição das suas participações (sobre todos estes aspetos, cfr. OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinado às empresas multinacionais e às administrações fiscais, §§ 7.6 a 7.10, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 189, Lisboa, 2002).
No caso vertente, o que se comprova é que a Requerente prestava às empresas participadas, não apenas serviços de administração e gestão, que eram remunerados por essas entidades, mas também atividades de controlo de gestão e de expansão e internacionalização, que consistiam, por um lado, na recolha de informação sobre a situação de cada uma das empresas participadas destinada a definir a estratégia empresarial, e, por outro, na elaboração de estudos prévios de consultadoria para aferir a viabilidade de aquisição ou constituição de novas unidades industriais. Sendo que para esse efeito a A... SGPS dispunha de uma estrutura própria de pessoal que se deslocava às sedes das empresas subsidiárias e recolhia e tratava a informação que era veiculada para a sociedade mãe.
Afigura-se tratar-se aí de atividades inerentes à própria gestão das participações sociais que se destinam a definir as diretrizes estratégicas, a controlar a atividade das empresas participadas e a impulsionar o crescimento e desenvolvimento do Grupo e de que as empresas associadas apenas podem beneficiar indiretamente na medida em que dele fazem parte integrante.
Para rebater este ponto de vista, o Relatório de Inspeção Tributária limita-se a considerar que «não são descritos pelo sujeito passivo os custos que considera serem do acionista nem demonstra quais as atividades desenvolvidas por cada um dos seus funcionários que qualifica como imputáveis à SGPS enquanto acionista», tendo sido esse o fundamento material que determinou que todos os gastos elegíveis, no montante de […], fossem tidos com debitáveis às empresas participadas.
No entanto, a matéria de facto dada como assente vai no sentido de considerar que a Requerente dispunha de uma estrutura própria que recolhia e tratava a informação destinada a permitir o controlo da atividade e gestão das suas participadas, e que tinha também como função elaborar estudos prévios para aferir da viabilidade da criação ou aquisição de novas unidades industriais, no âmbito da estratégia de expansão e internacionalização. E está também demonstrado que essa atividade, tida como relacionada com a função acionista, se distinguia da dos serviços prestados em exclusivo benefício das empresas participadas, que eram objeto de faturação a essas entidades.
Além de que a distinção entre esses dois tipos de atividades se encontra também suficientemente caracterizada no Dossier de Preços de Transferência.
Não há, por isso, motivo bastante para desconsiderar as atividades que a Requerente declarou como correspondente à função acionista. E, em qualquer caso, por efeito da regra do direito probatório material que resulta do artigo 74.º da LGT, era à Administração Tributária que competia provar que essas atividades não foram realizadas ou correspondem a serviços prestados às subsidiárias no âmbito de relações comerciais intragrupo que não poderiam ter sido incluídas no custo acionista.“
Também por este ponto de vista, que se acompanha, a correção subjacente à liquidação impugnada é inválida.
Dir-se-á que, em rigor, o que começou por ser uma correção de Preços de Transferência por violação do princípio de plena concorrência, se transformou, no percurso argumentativo do Relatório de Inspeção, numa correção baseada na (alegada) “inverdade” das declarações do sujeito passivo, que teria considerado gastos afetos à atividade de acionista que estariam, antes e afinal, afetos à atividade de prestação de serviços . Para além da falta de demonstração pela AT de tal pressuposto de facto, esta não é já uma questão que do ponto de vista técnico-jurídico se afigure enquadrável na temática do princípio da plena concorrência, ao abrigo do qual foram feitas as correções em apreciação.
A este respeito, interessa por fim salientar que não é de aplicar o regime invocado a título subsidiário pela Requerente, previsto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, porquanto não se suscita dúvida fundada sobre o desenvolvimento de atividade acionista relevante por parte da Requerente e o consumo, também relevante, de recursos qualificados como gastos elegíveis, circunstâncias incompatíveis com o pressuposto da liquidação de IRC, pois obstam à consideração destes gastos elegíveis como integralmente afetos à realização de prestações de serviços intragrupo.
4. ACRÉSCIMO DE ENCARGOS DE € 340.327,51 – ERRO NOS PRESSUPOSTOS – ÓNUS DA PROVA
A AT considerou como afetos à atividade de prestação de serviços intragrupo da Requerente um conjunto de gastos por esta incorridos, tais como estudos de mercado relativos a projetos de internacionalização, serviços prestados por multinacionais de auditoria e consultoria (referentes a revisão oficial de contas e a preços de transferência) e despesas de deslocação e estadas de colaboradores no âmbito de auditoria interna .
Sem prejuízo de reconhecer que se fossem custos de acionista os referidos encargos deviam recair sobre a Requerente, a AT sustenta que os “serviços prestados” não configuram atividade de acionista, em virtude de os encargos em questão não derivarem da prossecução de um interesse próprio e exclusivo da Requerente, sendo as beneficiárias diretas dos serviços as empresas participadas. Acrescenta que uma empresa independente estaria disposta a pagar por esses serviços.
Desta forma, tais encargos foram requalificados pela AT como gastos elegíveis para efeitos de faturação às participadas a título de prestação de serviços intragrupo e acrescidos à matéria coletável da Requerente.
Contudo, de acordo com a posição da Requerente estes gastos reportam-se exclusivamente ao exercício da atividade acionista de controlo de gestão, inexistindo qualquer obrigação de faturação às sociedades participadas.
À semelhança do que foi dito no ponto anterior, a AT não logrou demonstrar o pressuposto que alicerça o acréscimo à matéria coletável, i.e., que os gastos foram incorridos para prestar serviços intragrupo em benefício das participadas (desconsiderando o declarado pela Requerente que os tinha enquadrado como custos de acionista).
Desde logo, resulta do descritivo dos serviços, não contestado pela AT, que a fatia mais significativa dos gastos em causa respeita a estudos de mercado com projetos de internacionalização (€ 272.776,03) e a projetos de expansão (€ 33.363,76), claramente inseridos na função acionista de expansão e internacionalização desempenhada pela Requerente.
As viagens de administradores, serviços de revisão de contas, preços de transferência e despesas de deslocações e estadas no âmbito da auditoria interna também são suscetíveis de enquadramento, no todo ou em parte, no exercício de atividade de acionista, dependendo das circunstâncias concretas. Conforme referido no ponto Q. da matéria de facto, os serviços de auditoria (interna) podem ser objeto de prestações de serviços intragrupo pela Requerente às participadas, ou, diversamente, consubstanciar atividade acionista se forem realizados no interesse da sociedade-mãe, como determina a acima citada Comunicação da Comissão, COM(2011)16 final, de 25 de janeiro de 2011 , total ou parcialmente (neste último caso apenas uma parte será custo de acionista).
Resulta do exposto que os gastos em causa são, pela sua natureza, passíveis de enquadramento no exercício da atividade de acionista (consumidora não despicienda de recursos) à qual foram associados pela Requerente, e que é efetivamente desenvolvida por esta. Assim, a requalificação pela AT destes gastos e a consequente imputação à atividade de prestação de serviços intragrupo carecia da demonstração dos respetivos fundamentos (de que tinham sido consumidos por essas prestações de serviços). O que não sucedeu.
Nestes termos, conclui-se como na decisão arbitral n.º 161/2018-T: “Não tendo sido feita essa prova, chega-se a uma situação de incerteza quanto aos factos relevantes que terá de ser resolvida em desfavor da parte sobre quem impende o ónus da prova (artigos 346.º, in fine, do Código Civil, e 414.º do Código de Processo Civil.”, pelo que, nesta parte, é procedente o vício material arguido pela Requerente.
5. DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO – TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA – ARTIGO 88.º, N.º 7 DO CÓDIGO DO IRC
A Requerente contabilizou diversos gastos a título de despesas de “Deslocações e Estadas”, “Serviços Especializados”, “Materiais” e “Serviços Diversos” que, segundo a AT, configuram despesas de representação sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%. No caso vertente, não está em causa a realização das despesas nem a sua específica finalidade, mas a própria interpretação o conceito de “despesas de representação”.
Dispõe, neste âmbito, o artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC, na redação à data dos factos [2014], o seguinte:
“São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”
Na perspetiva da AT, a norma deve ser interpretada com a maior latitude e abranger todas as despesas efetuadas em representação da empresa junto de terceiros, o que implica que estejam envolvidos terceiros à empresa, como clientes, fornecedores, mas também quaisquer outras pessoas ou entidades, não se encontrando excluídos os colaboradores da própria empresa.
Interessa notar, no que se refere aos requisitos da tributação autónoma, que esta incide sobre distintas tipologias de despesas, com diferentes objetivos. Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de setembro de 2017, processo n.º 146/16, há que ter “presente o tipo de tributações autónomas em causa […], uma vez que, como veremos adiante, sob esta denominação cabem realidades com teleologia e finalidade distintas, a reclamarem tratamento diverso. Desde logo, porque a par das tributações autónomas sobre gastos, as mais frequentes, existem também tributações autónomas sobre rendimentos. Mas também, e essencialmente, porque há tributações autónomas que podem ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável e outras insuscetíveis de dedução” – em idêntico sentido veja-se o acórdão do mesmo Tribunal, de 21 de março de 2012, processo n.º 830/11.
Neste contexto, as considerações a respeito de certo tipo de tributações autónomas, podem não ser pertinentes e válidas relativamente a outro tipo de tributações autónomas.
Refere ainda o aresto citado que as “tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma.” Continua ainda: “a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.”
Em relação às despesas de representação, o mecanismo de tributação autónoma tem simultaneamente em vista, como assinalado na decisão arbitral do processo n.º 161/2018-T, “prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais.”
Neste caso, o facto de as despesas terem sido incorridas no exercício da atividade do sujeito passivo e de serem dedutíveis fiscalmente não afasta a incidência, antes a postula, uma vez que o legislador recorta a norma de sujeição (a tributação autónoma) por apelo à expressão “encargos dedutíveis”, o que supõe a respetiva afetação à atividade e enquadramento como gasto fiscal.
A conformação do conceito de despesas de representação não tem, contudo, uma amplitude irrestrita. Segundo o entendimento do Tribunal Central Administrativo Sul, no acórdão citado pela Requerente, de 7 de maio de 2015, processo n.º 08534/15, “Se do exame da factualidade provada se conclui que estamos perante despesas que se destinam, não a representar a sociedade impugnante onde esta não se encontra presente (portanto, fora da sua atividade principal), mas a assegurar o normal desenvolvimento do seu objeto social, dentro do circuito económico onde este naturalmente se manifesta, não se pode qualificar tais custos como despesas de representação, mas antes como custos inerentes ao normal desenvolvimento da atividade principal da sociedade impugnante/recorrida”.
Salienta a este respeito a mencionada decisão arbitral (processo n.º 161/2018-T) que “[p]arece claro que as despesas de representação são gastos motivados por razões empresariais mas que, de algum modo, possam aproveitar a terceiros externos à sociedade ou ao grupo de sociedades, sendo esse o caso do pagamento de refeições, despesas decorrentes de convites e pagamento de bilhetes para espetáculos a pessoas com as quais a empresa tem ou pretende vir a ter relações comerciais.”
Deste modo, não são de qualificar como “despesas de representação” os gastos diretamente relacionados com a atividade empresarial incorridos com viagens e estadia de administradores e colaboradores para participarem em reuniões de liderança ou em assembleias gerais, da própria sociedade ou de sociedades participadas. Como o não são os gastos decorrentes de reuniões de confraternização quando apenas envolvam administradores e colaboradores, e não outras pessoas estranhas à empresa.
Os encargos listados pela AT respeitam a eventos corporativos internos do Grupo C... (Reunião de Liderança, Reunião semestral, Reunião de Assembleia Geral e de apresentação de contas aos bancos), a viagens de colaboradores no âmbito da atividade de acionista, a honorários de revisor oficial de contas e a gastos de formação. Afigura-se que, atenta a sua natureza, estas despesas foram incorridas no contexto do normal desenvolvimento da atividade da Requerente e não beneficiam ou aproveitam a terceiros externos ao Grupo C..., pelo que não devem qualificar-se como “despesas de representação”.
Nestes termos, julga-se procedente a arguição, pela Requerente, do vício de erro de direito na aplicação do artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC, com a consequente invalidade da liquidação adicional de tributação autónoma sobre despesas de representação
6. SALDO DE BENEFÍCIO FISCAL A DEDUZIR (SIFIDE)
A título subsidiário, i.e., na hipótese de manutenção da liquidação de IRC aqui impugnada e na correspondente medida, a Requerente peticiona a sua anulação por não ter sido deduzido, até à concorrência da coleta “corrigida”, o benefício fiscal do SIFIDE no montante de € 192.222,63.
Interessa a este respeito notar que em sede de reclamação graciosa a AT reconheceu a validade do invocado saldo de € 192.222,63 e deferiu a sua utilização parcial, pelo valor de € 90.997,82 na esfera do Grupo, no exercício de 2014, pelo que apenas se suscita a questão no tocante ao valor remanescente.
Contudo, a liquidação de IRC e tributações autónomas é, pelas razões acima descritas, anulável na íntegra, não gerando uma coleta corrigida à qual possa ser abatido o saldo do SIFIDE, pelo que fica prejudicada a respetiva apreciação.
Em qualquer caso, sempre se dirá que não é de sufragar a tese da Requerida segundo a qual os benefícios obtidos em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do RETGS só poderiam ser deduzidos ao lucro tributável do Grupo “até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam” numa colagem ao regime do reporte dos prejuízos fiscais a que se refere o artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC. Por um lado, tal interpretação subverte o princípio geral de dedução que se retira do artigo 90.º, n.º 6 deste Código e, por outro lado, as duas situações (benefícios fiscais e prejuízos fiscais) não comungam de idênticas propriedades e parâmetros de valoração jurídica, conforme salientado na decisão arbitral do processo do CAAD n.º 482/2019-T, de 26 de março.
Assim como, se existisse coleta gerada por tributações autónomas, o benefício do SIFIDE poderia ser deduzido até à sua concorrência, uma vez que só a partir do ano 2016 passou a existir norma legal que afasta essa possibilidade (artigo 88.º, n.º 21 do Código do IRC ). Neste âmbito, acompanha-se a fundamentação da decisão do processo arbitral do CAAD n.º 312/2018-T, de 26 de novembro de 2018 , no sentido afirmativo, da dedutibilidade do SIFIDE à coleta de IRC originada em tributações autónomas (até 2016).
No entanto, como acima assinalado, a anulação in totum da liquidação de IRC relativa ao exercício de 2014, incluindo tributações autónomas, implica que não haja coleta adicional corrigida à qual possa ser deduzido (até à respetiva concorrência) o saldo do benefício fiscal do SIFIDE.
7. JUROS COMPENSATÓRIOS
De acordo com o disposto no artigo 35.º, n.º 1 da LGT os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Na situação vertente, a liquidação de IRC e de tributação autónoma que originou valor de imposto a pagar é inválida por vício substantivo de erro nos pressupostos, de facto e de direito, gerador de anulabilidade, pelo que não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios (retardamento da liquidação de imposto devido), sendo o ato tributário também inválido neste segmento por vício de violação de lei.
8. QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada ou cuja apreciação seria inútil, designadamente no que se refere a vícios procedimentais e às inconstitucionalidades suscitadas pela Requerente à face das soluções alcançadas no plano infraconstitucional (artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
EM SÍNTESE,
As correções administrativas ao rendimento tributário e a liquidação impugnada (imposto e juros), referente ao ano 2014, vão anuladas na totalidade, em virtude da procedência do invocado vício material de erro nos pressupostos (de facto e de direito) e consequente ilegalidade, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA, por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT. Invalidade que se comunica ao despacho de indeferimento parcial da reclamação graciosa deduzida contra o referido ato tributário, na medida em que o confirmou.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC e de juros supra identificada, relativa ao ano 2014, resultante no valor a pagar de € 209.751,61, e bem assim da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou aquele ato tributário, tudo com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 209.751,61, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
Notifique-se.
Lisboa, 9 de junho de 2020
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Alexandra Coelho Martins
Rui Duarte Morais
Sofia Ricardo Borges
(conforme declaração de voto junta)
Declaração de Voto
Vencida pelas razões constantes do voto que proferi no Acórdão Arbitral de dia 3 do corrente mês de junho no Proc.º n.º 381/2019-T.
Sofia Ricardo Borges