DECISÃO ARBITRAL
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., de nacionalidade brasileira, contribuinte fiscal n.º..., residente em ... n.º..., ...–...–...– CEP ...-..., Brasil, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto de liquidação de IRS n.º 2019..., no valor de € 326 074,00, bem como de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no valor de € 584,64, referentes ao ano 2018, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é cidadã brasileira, que, em 2018, era residente no Brasil, encontrando-se como tal registada junto da Autoridade Tributária.
Em 2 de Julho de 2015, adquiriu um imóvel em Portugal pelo preço de € 1 600 000,00, correspondente à fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a habitação, sita na Rua de ..., n.º..., freguesia da ..., em Lisboa, inscrita na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o n.º..., imóvel que alienou, em 20 de julho de 2018, pelo preço de € 3 000 000,00.
Para aquisição e alienação do imóvel, a Requerente incorreu em despesas e encargos com o Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), no valor de € 12 800,00, prestação de serviços na comercialização do imóvel, no valor de €190 650,00, e obras com a valorização do imóvel, no valor de € 157 465,49, que totalizaram € 360.915,49.
Em 28 de Junho de 2019, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 3 de IRS, enquanto não residente, na qual declarou como único rendimento obtido em território português, a alienação do imóvel, com um valor de realização de € 3 000 000,00, um valor aquisição de € 1 600 000,00, e despesas e encargos de € 360 915,49, tendo procedido à liquidação do IRS no montante de € 281 983,66.
No entanto, a Autoridade Tributária iniciou um procedimento de divergências pelo qual desconsiderou, para efeitos do apuramento da mais-valia com a alienação do imóvel, o valor das referidas obras, no montante de € 157.465,49, ao qual aplicou a taxa autónoma de 28%, resultando uma liquidação correctiva de IRS, no valor de € 326.074,00.
Para proceder a essa correcção, a Autoridade Tributária calculou o valor do rendimento a tributar em sede de mais-valias atendendo exclusivamente ao disposto no n.º 1 do artigo 43.º do Código do IRS, ou seja, tendo por base o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, ao qual aplicou a referida taxa de 28%, não aplicando o regime de exclusão de tributação de 50% previsto no n.º 2 desse artigo, na redacção em vigor à data dos factos.
E, nesse sentido, a liquidação impugnada é ilegal, por vício de violação de lei, na medida em que constitui uma discriminação negativa dos não residentes face aos residentes em Portugal, restritiva da liberdade de circulação de capitais e, como tal, contrária ao Direito da União Europeia, em especial das disposições conjugadas dos artigos 18.º, 63.º, 64.º e 65.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE).
A Autoridade Tributária, na sua resposta, reconhece que o TJUE, no acórdão C - 443/06 (acórdão Hollmann), decidiu que o artigo 56.° CE (actual artigo 63.º) deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado membro, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.
No entanto, o actual quadro legal já não é o vigente à data da prolação do acórdão do Tribunal de Justiça, tendo em conta que, na sequência dessa jurisprudência, foi efectuada uma alteração legislativa mediante o aditamento dos n.º 7 e 8 (actuais n.ºs 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS pela Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que passaram a prever que os residentes noutro Estado membro da União Europeia podem optar, relativamente aos rendimentos prediais, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, admitindo igualmente que, para efeitos de determinação da taxa aplicável, são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.
Sendo que as declarações de rendimentos respeitantes aos anos fiscais de 2008 e seguintes passaram a conter um campo para ser exercida opção pela taxa do artigo 68.º do Código do IRS, opção que a Requerente não utilizou, limitando-se a assinalar a sua condição de não residente.
Requer, a final, o reenvio prejudicial para o TFUE por se desconhecer jurisprudência do Tribunal de Justiça que se debruce sobre a questão com as mesmas características factuais do caso dos autos.
2. No seguimento do processo, o tribunal arbitral, por despacho de 9 de Abril de 2020, dispensou a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, bem como a apresentação de alegações.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 2 de Março de 2020.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas.
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II. Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa como são tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é cidadã brasileira com residência, em 2018, no estrangeiro;
B) Em 2 de Julho de 2015, adquiriu um imóvel em Portugal pelo preço de € 1 600 000,00, correspondente à fração autónoma designada pela letra “A”, destinada a habitação, sita na Rua ..., n.º ..., freguesia ..., em Lisboa, descrita na Conservatória do Registo Predial de Lisboa sob o n.º ... da mesma freguesia e inscrita na matriz predial urbana da freguesia da ... sob o n.º...;
C) Em 20 de julho de 2018, a Requerente alienou o imóvel, pelo preço de € 3 000 000,00 (doc. n.º 5 junto ao pedido arbitral);
D) Para aquisição e alienação do imóvel, a Requerente incorreu em despesas e encargos com o IMT, no valor de € 12 800,00, prestação de serviços na comercialização do imóvel, no valor de € 190 650,00, e obras com a valorização do imóvel, no valor de € 157 465,49, que totalizaram € 360 915,49;
E) Em 28 de Junho de 2019, a Requerente apresentou a Declaração Modelo 3 de IRS, como não residente, na qual declarou como rendimento obtido em território português a alienação do imóvel, de acordo com os seguintes elementos: valor de realização: € 3 000 000,00 (ano 2018); valor de aquisição: € 1 600 000,00 (ano 2015); despesas e encargos: € 360 915,49;
F) Em 26 de Julho de 2019, foi emitida a liquidação de IRS n.º 2019..., relativa ao ano de 2018, com base na declaração Modelo 3 apresentada, no valor de € 281 983,66;
G) Na sequência de um pedido de esclarecimentos, a Autoridade Tributária desconsiderou, para efeitos de apuramento da mais-valia realizada com a alienação do imóvel, o valor das obras de valorização, no montante de € 157 465,49, tendo procedido à emissão de uma nova liquidação de IRS, relativa ao ano de 2018, no valor de € 326 074,00 de acordo com os seguintes dados: [valor de realização – valor de aquisição x coeficiente de desvalorização monetária)) – despesas e encargos admitidos pela AT] = (€ 3 000 000,00 – (€ 1 632 000,00) - € 203 450,00] = € 1 164 550,00.
H) Para efeito de apuramento de IRS, sobre o valor da mais-valia incidiu a taxa autónoma de 28%, fixando-se o montante a pagar em € 326 074,00.
Factos não provados
Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e em factos não questionados pelas partes.
Matéria de direito
5. Como se depreende do alegado nos artigos 23.º a 25.º do pedido arbitral, a título de questão prévia, a Requerente não pretende discutir a desconsideração, para efeito do apuramento da mais-valia imobiliária, dos encargos incorridos com a realização de obras, no montante de € 157.465,49, mas unicamente a não aplicação do disposto no artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS, pelo qual o valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é apenas considerado em 50%, entendendo que o acto de liquidação, ao considerar a totalidade da mais-valia realizada, constitui uma discriminação negativa dos não residentes restritiva da liberdade de circulação de capitais.
A Autoridade Tributária defende, em contraposição, que o legislador nacional procedeu já a adaptação do sistema fiscal ao acórdão do TJUE C-443/06, através da Lei n.º 67-A/2007, de 31 de Dezembro, que aditou os n.º 7 e 8 (actuais 13 e 14) ao artigo 72.° do Código do IRS, que vieram permitir que não residentes possam optar pela tributação de rendimentos prediais à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, e que na determinação da taxa se tenham em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora do território português, concluindo assim que a legislação nacional se mostra agora conforme com o direito europeu.
É, pois, esta a única questão que está em debate.
Essa questão foi já analisada, em situação similar, no acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T, na linha do também já decidido em diversas outras decisões arbitrais, e, não havendo motivo para alterar esse entendimento, passa aqui reproduzir-se a parte mais relevante da sua fundamentação.
“30. Nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do artigo 10.º, do Código do IRS, “constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de (...) alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis...”.
31. Esses rendimentos, desde que resultantes da transmissão de direitos reais relativos a imóveis situados em território português consideram-se aqui obtidos (CIRS, art. 18.º, n.º1, al. h), ficando, assim, abrangidos pela incidência deste tributo quando auferidos por titulares não residentes (CIRS, arts.13.º, n.º 1 e 15.º, n.º 2).
32. Conforme resulta do artigo 10.º, n.º 4, do Código do IRS, o ganho sujeito a tributação é constituído pela diferença positiva entre o valor de realização e o valor de aquisição, sendo este valor atualizado pelo coeficiente de correção monetária e acrescido de encargos com a valorização dos bens, comprovadamente realizados nos últimos 12 anos e bem assim das despesas necessárias e efetivamente praticadas inerentes à aquisição e alienação, nos termos dos artigos 50.º e 51.º do mesmo Código.
33. O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias, integrando a Categoria G do IRS, é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, conforme prevê o artigo 43.º, n.º1, do citado Código.
34. No entanto, segundo o n.º 2 do mesmo artigo, na redação em vigor à data da ocorrência do facto tributário a que se reporta o presente pedido de pronúncia arbitral,
o referido saldo, positivo ou negativo, quando respeitante a mais-valias imobiliárias, é apenas considerado em 50% do seu valor, quando “respeitante às transmissões efetuadas por residentes”
35. Quando auferidos por sujeitos passivos residentes esses rendimentos são sujeitos a englobamento e, em conjunto com outros rendimentos auferidos no mesmo ano pelos respetivos titulares, sobre eles incidem as taxas gerais previstas no artigo 68.º do Código do IRS.
36. Diversamente, se esses rendimentos forem auferidos por titulares não residentes em território português, são sujeitos a tributação autónoma, incidente à taxa especial de 28% sobre a totalidade das mais-valias, nos termos do artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do mesmo Código.
37. A assinalada desigualdade de tratamento fiscal no que respeita à tributação de mais-valias entre os sujeitos passivos residentes e não residentes foi submetida à apreciação do Tribunal de Justiça da União Europeia, por via de um pedido de decisão prejudicial apresentado pelo Supremo Tribunal Administrativo (Ac. de 28-09-2006, Proc.439/06).
38. Respondendo à questão colocada, o Tribunal de Justiça, em acórdão de 11-10-2007, proferido no Proc. C-443/06 (Hollmann), declarou que “ O artigo 56º CE deve ser interpretado no sentido de que se opõe a uma legislação nacional, como a que está em causa no litígio no processo principal, que sujeita as mais-valias resultantes da alienação de um bem imóvel situado num Estado-Membro, no caso vertente em Portugal, quando essa alienação é efectuada por um residente noutro Estado-Membro, a uma carga fiscal superior à que incidiria, em relação a este mesmo tipo de operação, sobre as mais-valias realizadas por um residente do Estado onde está situado esse bem imóvel.”
39. Na sequência da referida decisão, o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão de 16-01-2008, proferido naquele Processo 439/06, veio igualmente a decidir que “ O n.º 2 do artigo 43º do Código do IRS, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.º 109-B/2001, de 27 de Dezembro, que limita a incidência de imposto a 50% das mais-valias realizadas apenas para residentes em Portugal, viola o disposto no art. 56º do Tratado que Institui a Comunidade Europeia, ao excluir dessa limitação as mais-valias que tenham sido realizadas por um residente noutro Estado membro da União Europeia.”
40. A orientação referida tem vindo a ser invariavelmente seguida pelo Supremo Tribunal Administrativo conforme se pode verificar dos acórdãos de 22-03-2011- Proc. 01031/10, de 10-10-2012, Proc. 0533/12, de 30 -04-2013, Proc. 01374/12, de 18-11-2015, Proc. 0699/15, de 03-02-2016, Proc. 01172/14 e, mais recentemente, de 20-02-2019, Proc. 0901/11.
41. Porém, o legislador nacional, por via da Lei n.º 67-A/2007, de 31/12, procurou obviar o tratamento discriminatório dos residentes comunitários e do Espaço Económico Europeu, facultando-lhes, em termos opcionais, a possibilidade de tributação das mais-valias imobiliárias em condições similares às aplicáveis aos residentes em território português, aditando ao artigo 72.º do Código do IRS os números 7 e 8 (n.ºs 9 e 10 à data dos factos, na renumeração operada pela Lei n.º 66-B/2012, de 31/12, a que correspondem os atuais n.ºs 13 e 14), com a seguinte redação:
“9 - Os residentes noutro Estado membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, desde que, neste último caso, exista intercâmbio de informações em matéria fiscal, podem optar, relativamente aos rendimentos referidos nas alíneas a) e b) do n.º 1 e no n.º 2, pela tributação desses rendimentos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português.
10 - Para efeitos de determinação da taxa referida no número anterior são tidos em consideração todos os rendimentos, incluindo os obtidos fora deste território, nas mesmas condições que são aplicáveis aos residentes.”
42. Contrariamente ao entendimento da Requerida, o regime opcional acima referido não veio sanar o regime discriminatório que se mantém em vigor e foi aplicado às liquidações de IRS ora questionadas.
43. Após a alteração legislativa acima referida ficaram a vigorar, na área da tributação dos rendimentos qualificados como mais-valias originadas pela transmissão onerosa de direitos reais sobre bens imóveis situados em território português, dois regimes distintos, aplicáveis a não residentes: um regime geral, aplicável a quaisquer sujeitos passivos não residentes, traduzido na tributação desses rendimentos à taxa especial de 28% incidente sobre a totalidade do rendimento e um regime especificamente aplicável a residentes noutro Estado-membro da União Europeia ou do Espaço Económico Europeu, equiparável ao regime de que beneficiam os sujeitos passivos residentes.
44. Este regime específico de equiparação aos residentes é opcional, não afastando, contudo, o carácter discriminatório da norma do artigo 43.º, n.º2, conforme, aliás, em vindo a ser decidido em diversas decisões arbitrais.
45. Com efeito, esta matéria, já na decorrência de situações posteriores à alteração legislativa acima referida, tem vindo a ser objeto de diversas decisões arbitrais tendo-se firmado jurisprudência, largamente maioritária, no sentido de que a opção em causa, constitui um ónus suplementar comparativamente aos residentes insuscetível de excluir a discriminação em causa.
46. Nesse sentido, pode ler-se na decisão arbitral de 22-05-2019, Proc.74/2019-T, “Sucede que a existência deste regime não afasta a invalidade do regime discriminatório ainda em vigor e que foi aplicado à liquidação de IRS em causa.
De facto, atualmente, em matéria de tributação dos rendimentos resultantes das mais-valias provenientes da alienação de direitos reais sobre imóveis situados em Portugal, por não residentes neste território, mas residentes noutro Estado membro da União Europeia ou Espaço Económico Europeu, resulta do disposto nos n.ºs 1 e 8 do artigo 72.º do Código do IRS que, coexistem dois regimes fiscais:
i. O regime que sujeita os rendimentos a uma taxa especial de 28% e
ii. O regime equiparado ao que vigora para os sujeitos passivos residentes em território português, segundo o qual, os mesmos rendimentos são sujeitos à taxa que, de acordo com a tabela prevista no n.º 1 do artigo 68.º, seria aplicável no caso de serem auferidos por residentes em território português, tomando-se em consideração, neste regime, todos os rendimentos, incluindo os auferidos fora de Portugal, mantendo-se em vigor a disposição constante do nº 2 do citado artigo 43.º do Código do IRS.
Porém, a previsão deste regime facultativo faz impender sobre os não residentes um ónus suplementar, comparativamente aos residentes, não sendo a opção de equiparação suscetível de excluir a discriminação em causa.
Na realidade, o regime de equiparação atualmente previsto no artigo 72.º do Código do IRS não afasta o caráter discriminatório do artigo 43.º, n.º 2 do Código do IRS, não podendo o contribuinte achar-se na circunstância de ter que optar por dois regimes, um legal e outro ilegal.
Neste sentido, o TJUE considerou, no Acórdão Gielen, de 18/03/2010 (Processo C-440/08), num caso de evidente paralelismo (ainda que naquele acórdão estivesse em causa a violação do artigo 49.º), o seguinte:
a. «a opção de equiparação permite a um contribuinte não residente, (...) escolher entre um regime fiscal discriminatório e um outro regime supostamente não discriminatório», frisando que essa escolha não é passível de excluir os efeitos discriminatórios do primeiro desses dois regimes fiscais.».
b. «o reconhecimento de um efeito dessa natureza à referida escolha teria por consequência (...) validar um regime fiscal que continuaria, em si mesmo, a violar o artigo 49.° TFUE em razão do seu carácter discriminatório».
c) O Tratado «se opõe a uma regulamentação nacional que discrimina os contribuintes não residentes na concessão de um benefício fiscal (...) apesar de esses contribuintes poderem optar, no que se refere a esse benefício, pelo regime aplicável aos contribuintes residentes”.
47. No mesmo sentido, considerou-se, em decisão arbitral de 14-05-2013, Proc. 127/2012-T que “(...) a opção que é dada a um sujeito passivo residente na União Europeia ou espaço económico europeu entre um regime que continua a ser discriminatório, por violação do disposto art. 63.º da TFUE e um outro alegadamente não discriminatório, equiparando-os com os residentes no território português, para além de terem a obrigação de optar e de declarar os rendimentos auferidos fora daquele território, não exclui nem neutraliza os efeitos discriminatórios do primeiro daqueles dois regimes. Concluindo aquele aresto que «ao se reconhecer que os referidos efeitos não são eliminados, estar-se-á a admitir que a referida opção valida um regime fiscal que continua em si mesmo a violar o artigo 63.º do TFUE, pelos motivos acima enunciados, o que não se coaduna com o direito comunitário.
48. É, pois, esta a orientação que tem vindo a ser acolhida na jurisprudência arbitral do CAAD, não só nas decisões acima citadas, como em muitas outras, designadamente as proferidas nos processos 748/2015-T, 89/2017-T, 520/2017-T, 617/2017-T, 644/2017-T, 370/2018-T,583/2018-T, 596/2018-T 600/2018-T e 613/2018-T, não se suscitando quaisquer dúvidas sobre a incompatibilidade do atual quadro normativo em causa com o direito comunitário, em especial com o artigo 63.º do TFUE.
49. Também dúvidas se não suscitaram ao Supremo Tribunal Administrativo que, em acórdão de 20-02-2019, proferido no Proc. 0901/11.0BEALM.0692/17 – reportando-se a mais-valias realizadas em 2010, portanto já na vigência das alterações introduzidas pela Lei n.º 67-A/2007 - se pronunciou sobre a matéria em causa nos seguintes termos: “12. O Estado Português, através da Lei 3-B/2010 de 28-04, instituiu um regime opcional, ex vi nºs 7 e 8 do artigo 72.º do CIRE, com vista à equiparação dos não residentes aos residentes, permitindo àqueles a opção de englobamento dos rendimentos obtidos por mais-valias imobiliárias e, assim, serem tributados em condições similares às dos residentes.
13. Tratando-se de um regime opcional e mantendo-se o regime geral discriminatório, a sua apreciação foi objecto do Acórdão Gielan de 18-03-2010 do TJUE, que veio a manter as anteriores conclusões referidas no Acórdão Hollmann.
14. E no caso sub judice foi a Autoridade Tributária que determinou a forma de tributação, através da correcção da liquidação, não validando os elementos declarados pelos Impugnantes na sua declaração anual de IRS, não dando hipótese do exercício desta opção aos Impugnantes.
15. Mesmo assim, tal regime opcional não vem sanar a discriminação entre as normas do n.º 2 do artigo 43.º do CIRS e o artigo 56.º do Tratado sobre o funcionamento da União Europeia, já que a norma anterior se manteve como geral, apenas sendo criada uma outra opcional.
16. Na verdade, já este STA se pronunciou em situação similar à presente - acórdão de 03-02-2016, Proc. 01172/14 – negando provimento a um recurso e decidindo no sentido de que tributação em sede de mais valias imobiliárias apuradas por um não residente, devem ser consideradas apenas em 50%, evitando assim a situação discriminatória que a Fazenda Pública pretende ver aqui reconhecida.
17. Concluindo que a aplicação do nº 2 do artigo 43 do CIRS, que discrimina negativamente a tributação dos não residentes face aos residentes, é incompatível com o direito comunitário, porque limita os movimentos de capitais que o artigo 56 do Tratado CE consagra”
Acompanhando, sem reservas, a jurisprudência do STA e do CAAD acima referidas, e acórdão proferido no Processo n.º 208/2019-T que aqui se transcreveu, considera o Tribunal que se não suscitam dúvidas quanto à incompatibilidade com o direito europeu das normas aplicadas às liquidações impugnadas.
Resta acrescentar que não altera dos dados do problema a circunstância de, no caso, estar em causa um residente em país terceiro.
Nesse sentido, é elucidativo o acórdão do TJUE de 18 de Janeiro de 2018, no Processo n.º C-45/17 (acórdão Jahin). Aí se refere que o artigo 63.o do TFUE estabelece a livre circulação de capitais entre Estados Membros, por um lado, e entre Estados Membros e países terceiros, por outro, de onde decorre que o âmbito de aplicação territorial da livre circulação de capitais prevista no artigo 63.o TFUE não se limita aos movimentos de capitais entre Estados Membros, mas estende se igualmente aos movimentos de capitais entre Estados Membros e Estados terceiros (parágrafos 19 e 21). No que se refere ao âmbito de aplicação material do artigo 63.o TFUE, embora o Tratado não defina o conceito de «movimentos de capitais», resulta de jurisprudência constante do Tribunal de Justiça que esses movimentos, na aceção desse artigo, compreendem, nomeadamente, as operações mediante as quais os não residentes efectuam investimentos imobiliários no território de um Estado Membro. Pelo que as imposições efectuadas nos termos de uma legislação nacional que incidem sobre os rendimentos prediais e sobre uma mais valia obtida na sequência da alienação de um imóvel, adquirido num Estado Membro por uma pessoa singular que reside num Estado terceiro, estão abrangidas pelo conceito de «movimentos de capitais», na acepção do artigo 63.o TFUE (parágrafos 22 e 23).
Não há motivo, por conseguinte, para deixar de aplicar o entendimento anteriormente expresso quando a discriminação operada pelo artigo 43.º, n.º 2, do Código do IRS incide sobre um residente em país terceiro.
Nestes termos, julga-se incompatível com o direito europeu a norma do n.º 2 do artigo 43.º do Código do IRS, na medida em que prevê uma limitação da tributação a 50% das mais-valias realizadas apenas para os residentes em Portugal, não extensiva aos não residentes, constituindo, por isso, uma restrição aos movimentos de capitais, proibida pelo artigo 63.º do TFUE. Consequentemente, os actos de liquidação em causa, desconsiderando aquela limitação, encontram-se feridos de ilegalidade. Restringindo-se a ilegalidade apenas àquele excesso de tributação, e nela se centrando em exclusivo o objecto do presente pedido de pronúncia arbitral, devem esses actos ser parcialmente anulados.
Reembolso das quantias indevidamente pagas e juros indemnizatórios
6. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso da quantia indevidamente paga e no pagamento de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do acto de liquidação de IMT, ao reembolso da importância indevidamente liquidadas, acrescida de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
Reenvio prejudicial
7. A Autoridade Tributária solicitou o reenvio prejudicial para o TJUE por considerar que não existe jurisprudência aplicável a um caso com idêntica situação de facto.
No entanto, com base na jurisprudência do Tribunal de Justiça que foi mencionada, não subiste dúvida fundada quanto à interpretação do princípio da não discriminação em razão da nacionalidade e da residência aplicável à liberdade de circulação de capitais, não se afigurando que o caso dos autos ofereça qualquer especificidade, no plano dos factos, que recomende uma nova intervenção em reenvio.
Entende-se, nestes termos, não se justificar o requerido reenvio prejudicial.
III – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os actos de liquidação de IRS n.º 2019..., no valor de € 326 074,00, e de liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., no valor de € 584,64, na parte correspondente ao acréscimo de tributação resultante da consideração total da mais-valia imobiliária;
b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso das importâncias indevidamente cobradas, acrescidas dos correspondentes juros indemnizatórios até à data do processamento da respectiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 163.621,64, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 3.672,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 6 de Junho de 2020
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro vogal
Augusto Vieira
(com a declaração em anexo)
A Árbitro vogal
Filipa Barros
Declaração de Voto
No processo CAAD nº 301/2019-T, onde se discute a mesma questão de fundo que é colocada neste processo (não residente em Portugal que comprou um bem imóvel em 2015 e o vendeu em 2016), optámos por proceder ao reenvio prejudicial para o TJUE.
No entanto, haverá que constatar, como consta do texto da decisão supra a que aderimos, existe, quanto à matéria em causa, uma orientação largamente maioritária no CAAD, resultando a desnecessidade do reenvio prejudicial suscitado pela Autoridade Tributária.
O argumento decisivo para a alteração do sentido da posição que até aqui seguimos, resulta do teor do acórdão do STA de 20.02.2019 proferido no processo 091/11.0BEALM.0692/17, citado na decisão aqui adoptada.
Augusto Vieira