Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 733/2019-T
Data da decisão: 2020-05-29  IRS  
Valor do pedido: € 269.128,41
Tema: IRS – Retenções na fonte; Distribuição de lucros; Caducidade do direito de liquidação; Prazo da inspeção tributária.
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 Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

 

                Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dra. Maria Alexandra Mesquita e Dr. Jorge Carita (árbitros vogais) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22-01-2020, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., LDA., sociedade com sede na ..., n.º..., ...-... Lisboa, com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ... (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral, tendo em vista a declaração de ilegalidade da demonstração de liquidação de retenções na fonte de IR do ano de 2014, correspondente à liquidação n.º 2018..., de 08-01-2018 e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, correspondentes às liquidações n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018... e n.º 2018..., que perfazem o valor total de € 269.128,41.

                               A Requerente pede ainda devolução do montante pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios.

                É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 04-11-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitros os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

Em 23-12-2019, foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 22-01-2020.

A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu, defendendo a improcedência do pedido.

Por despacho de 14-06-2019 foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e alegações

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

A Requerente é uma sociedade por quotas, cujo objeto social definido na certidão permanente refere “Prestação de serviços médicos, incluindo oftalmologia e anestesia, outras atividades de saúde humana”;

A Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou uma inspecção à Requerente, relativa ao exercício de 2014, em que foi elaborado o RIT que consta do documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇOES MERAMENTE ARITMÉTICAS

Foram recolhidas diversas informações tendo em vista a fundamentação da decisão a tomar no âmbito desta ação de inspeção.

Através de contactos estabelecidos por email e via telemóvel com B... o, na qualidade de Contabilista Certificado (CC) do sujeito passivo (SP), agendou-se reunião com o S.P. para o dia 15/05/2017, no C..., Rua ..., ..., ...-... Lisboa, morada esta respeitante ao local onde o sócio D... NIF..., de acordo com as informações que nos forneceu, presta os seus serviços cirúrgicos de oftalmologia, no E... Lda, NIPC n.º ..., com sede no mesmo local.

Além do contabilista certificado, esteve presente o sócio D...; recolheram-se elementos, nomeadamente documentos do Dossier Fiscal, cópias do livro de atas, extratos contabilísticos de contas, outros elementos contabilísticos (Diário de lançamentos relativos a mútuos/empréstimos a sócios), assim corno cópias de contrato/recibos de mútuos (cfr. anexo 4 e 6).

Também em 15/05/2017 através de mail para o Contabilista Certificado, solicitaram-se os seguintes elementos:

1 - Extratos mensais da conta bancária de Depósitos a Prazo relativa ao ano de 2014;

2 - Discriminação dos serviços faturados ao cliente F... Lda (NIF...) e demonstração do cálculo do valor faturado, assim como fotocópia do meio de pagamento do valor de € 62.500,00 (total da faturação do SP, conforme análise à faturação constante da página 13).

Em resposta, através de email de 24/05/2017 (Entrada n.º 2017...), o CC referiu que:

"1) Não existe qualquer constituição de depósito a prazo em 2014.

2) Os serviços Faturados ao F..., Lda baseiam-se em cirurgias, consultas e exames.

Ao valor das consultas e exames - é emitido um mapa de apuramento de consultas e exames onde está mencionado o valor total das consultas/exames efetuados sendo as percentagens previamente estabelecidas para o médico de:

                Consultas 30%

                Exames 50%

Em anexo enviamos fotocópias dos meios de pagamento das consultas e exames, em relação às cirurgias foi emitido o cheque que anexamos sendo que o valor total das consultas e exames e o cheque da cirurgia corresponde ao valor do recibo emitido de 62.500,00€."

Face às dúvidas suscitadas pelas respostas constantes do anterior mail, em 30/05/2017 solicitaram-se, novos esclarecimentos ao CC:

"1 - Se foram prestados serviços de cirurgia através da A... Lda, e a discriminação dos valores, datas de realização e recebimentos das mesmas, correspondentes a esta atividade;

2 - Na resposta através do email infra é mencionado que "as percentagens previamente estabelecidas para o médico de: Consultas 30%. Solicitamos a confirmação desta percentagem, visto que não nos parece compatível com as tabelas de apuramento de consultas e exames enviada;

3- Pelo "mapa de apuramento de consultas e exames" que enviaram, verificam-se valores totais, apurados com base nos meses de julho e outubro de:

Prestações de serviços pelo médico Dr D... (A... Lda) de € 19 598,95 (Consultas e exames). Pergunta-se: não há mais valores relativos a prestação de consultas e exames em todo o resto do ano? Assim sendo, que serviços foram prestados para perfazer o montante total de € 62 500,00 de prestações de serviços anual declarada. Necessitamos de elementos que evidenciem essa diferença de valores. (62500,00-19598,95).

4 - Em relação aos pagamentos, enviaram-nos a digitalização de dois cheques; um no valor de € 50.000,00 emitido pelo F... ao Dr. D... em 8/10/2014, e outro que está pouco legível, mas que nos parece emitido pelo F... à Dra. G... no valor de 125,00.

Pergunta-se: A que serviço(s) dizem respeito estes cheques emitidos? Tendo em conta que perfazem um total de € 50 125,00, solicita-se a evidência do pagamento do restante valor de prestação de serviços (62500,00)."

Em resposta via mail de 2/06/2017, (Nº Entrada 2017...) o SP informou:

"1) Sim, foram realizados serviços de cirurgias (conforme mapa em anexo), tendo sido recebidos através dos cheques que totalizaram o valor de 50.125,00€.

2) Nas percentagens mencionadas no e-mail de 24 de Maio de 2017 houve uma troca de valores de percentagens no que respeita às consultas.

Assim os valores corretos são:

                70% para o médico

                30% para a Entidade F..., Lda

No caso dos exames os valores foram bem mencionados sendo:

                50% para o médico

                50% para a Entidade F..., Lda

Qualquer destas percentagens já tinham sido explicadas pelo Dr. D... .

3) Não existiram mais prestações de serviços durante o exercício.

Os serviços prestados constantes no Recibo nº 1 no total de 62.500,00€ englobaram os seguintes valores:

                - consultas e exames -19.598,95€ (documentos já em seu poder);

                - cirurgias - 42.901,05€.

A diferença para os valores recebidos por cheque foram recebidos em numerário, (valor entregue pelos pacientes aquando da realização das consultas).

4) Em relação aos pagamentos efectuados pelos cheques nos valores de 50.000,00€ e 125,00€ os mesmos referem-se ao conjunto de serviços efectuados.

De referir que a sócia Dra. G... presta também serviços na área de anestesia e por conseguinte esses serviços são englobados no valor aquando da emissão do respectivo recibo.

Por último e como reforço da informação dada peio Dr. D... no início da acção inspectiva do dia 15 de Maio, é em função da tipologia de algumas cirurgias que ele decide quais as que pertencem à Entidade A... ."

 

Analisados todos os documentos disponibilizados pelo contabilista certificado, incluindo:

- os balancetes analíticos de abertura de 2014 e os reportados a 31/12/2013 e 31/12/2014 (antes do apuramento de resultados);

- o ficheiro SAFT da contabilidade relativo ao exercício de 2014;

- a declaração patrimonial do banco H..., a informar que o património mobiliário detido pelo requerente (A... Lda) junto da caixa H..., em 31/12/2014 é a conta de deposito à ordem (doravante também designado "D.O.") n.º..., com um saldo no valor de € 8.974,69;

- o extrato do H... do SP, relativo ao período de 01/03/2015 a 31/03/2015, no qual, para além da conta de depósito à ordem já anteriormente identificada, verifica-se a constituição de "depósitos a prazo e de poupanças"(doravante também designado "D.P.") em 19/03/2015 através da conta "H...  negócios" n.º ... no valor de € 150 000,00 e da conta n.º ... no valor de € 450 000,00, perfazendo o total de € 600 000,00; em 03/08/2017 através do ofício n.º ... (cfr. anexo 4), efetuou-se um pedido de elementos, ao CC,

B..., na qualidade de representante designado do SP, solicitando os seguintes elementos, relativamente ao exercício de 2014:

"1.  Em relação a todos os valores registados na contabilidade a débito na conta "268 – acionistas /sócios /outras operações", apresentar as guias de pagamento do imposto de selo devido por aquelas operações.

2. Todos os documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos registos na referida   conta   "268   -acionistas /sócios /outras   operações”, (nomeadamente   cheques, transferências, extratos bancários, entre outros), que comprovem quer os movimentos de saída de  valores  da  sociedade  para  os  seus  sócios,  quer de  entrada  de  valores (pagamentos dos sócios à sociedade).

3. Extratos bancários mensais das contas "121 H... " e "1311 Depósito a prazo a regularizar". Caso não tenha estes extratos bancários poderá preencher a minuta que se anexa a autorizar que esse  pedido seja efetuado diretamente pela AT, junto da(s) instituição(ões) bancária(s).

4. «Todos os documentos de suporte que justifiquem os registos a débito na conta "1311" com data de 31/12/2014, no montante de € 150.000,00 e de € 450.000,00."

Em 8/08/2017 rececionou-se por mail a resposta (Entrada n.º 2017...), com a seguinte informação (cfr. anexo 4):

"1 Não existem guias de pagamento referentes a Imposto de selo liquidado de operações registadas a débito da conta 268 - Sócios /Outras operações.

2 Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos.

O pagamento dos mútuos referem-se ao depósito a constituir de 450.000.00 e 150.000.00 de que o valor entrou no banco conforme extrato que juntamos, embora o valor tenha sido creditado no banco em 20 e 25 de Março de 2015.

3 - Anexamos os extratos bancários de 2014 e 2015, bem como os extratos da contabilidade da conta 268 e ainda os documentos que constituem os mútuos.

4  - Relativamente a minuta que acompanha a carta logo que o Dr. D... regresse assiná-la-á e de imediato a enviaremos."

Nesta resposta, o SP envia através de anexo um documento com o título "pesquisa de movimentos contas D.O." em relação à conta bancária "à ordem" ... .

Neste documento verifica-se que em março de 2015, entraram naquela conta os valores de € 150.000,00 e de € 450.000,00 que foram utilizados para constituir os "depósitos a prazo e de poupanças" já referidos anteriormente.

Também se observa que no mês seguinte, em 30/04/2015, o D.P. n.º ... no valor total de € 450.000,00 é depositado na conta à ordem da sociedade, assim como € 50.000,00 relativos ao D.P. n.º... .

Em 04/05/2015 com o movimento "CHQ.comp.lisboa 99640276" sai da conta de D.O. o montante total de € 500 000,00. (cfr. anexo 3).

Em 14/08/2017 foi autorizada a derrogação do sigilo bancário pelo SP (entrada n.º 2017...), conforme declaração constante no anexo 5, pelo que foram solicitados os movimentos bancários (extratos bancários) à entidade financeira Caixa H... conforme entradas GPS n.º 2017... e 2017....

Em 15/09/2017, no local onde o sócio do SP, exerce a atividade, foi o sócio-gerente D... NIF ... ouvido em termo de declarações (cfr. anexo 2).

Na mesma data, foi também o sócio-gerente D... NIF ... notificado pessoalmente, para prestar mais esclarecimentos relativamente a algumas situações que continuavam a suscitar dúvidas.

A resposta foi dada por email de 18/09/2017 pelo contabilista certificado do SP, B... (Cfr. anexo 6, entrada n.º 2017...).

No seguimento das solicitações anteriores, e em virtude das respostas recebidas serem incongruentes, nalguns casos até mesmo contraditórias (ver resposta mencionadas anteriormente, através dos mails de 24/05/2017 e de 2/06/2017, e no termo de declarações de 15/09/2017), em 18/09/2017 foi notificado o único cliente do SP, a F... LDA, através do ofício n.º..., para, no prazo de 10 (dez) dias, remeter os seguintes elementos (cfr. anexo?):

"1) Extratos de conta corrente dos exercícios de 2014 do vosso fornecedor A... LDA, NIPC..., respeitantes aos honorários médicos prestados pelos Drs. D... e G..., bem como fotocópia de todos os meios de pagamento efetuados e mapas de apuramento dos valores pagos;

2) Solicitamos que elenquem para a fatura emitida pela sociedade referida na alínea anterior, as prestações de serviço que estiveram subjacentes (nº de fatura emitida pela F..., data e valor) e a fórmula de cálculo aplicada sobre estas, das quais resultaram os valores dos honorários emitidos, em ficheiro digital, preferencialmente em excel."

Em 21/09/2017, através do email do contabilista da F... Lda (que é o mesmo do SP em análise) foi enviada a resposta (Nº de Entrada: 2017...- cfr. anexo 7):

"Na sequência do processo supra recebida em 19/09/2017 de que anexamos cópia enviamos:

1)  Extracto de conta corrente de 2014 relativo ao nosso fornecedor A... Lda. Anexamos o Mapa interno discriminativo do valor das cirurgias consultas e examos efectuadas a várias entidades e particulares pelo nosso fornecedor e ainda os comprovativos dos meios de pagamento nomeadamente 2 cheques sendo que o valor do diferencial de 12.375.00 € se refere a numerário recebido das consultas e exames.

2)  A forma de cálculo para aplicação dos valores facturados pela A... e igual a todos os prestadores de serviços é;

Consultas - 70% para as prestadoras de serviços Médicos

Nas Cirurgias e Exames 50% dos Honorários para os prestadores de serviços.

Nas consultas estes valores referem-se a uma multiplicidade de recibos emitidos directamente aos pacientes sendo cerca de 90% de co-pagamentos.

As faturas referentes às cirurgias são debitadas às entidades no momento em que as mesmas ocorrem. No entanto, o valor do recibo emitido peio serviços prestados pela A... Lda ocorre no momento em que essas entidades pagam ao F... ."

 

Faturação:

No ano de 2014, verificamos através do efatura que o SP emitiu somente uma fatura ao seu único cliente (F... Lda):

 

O valor de € 62.500,00 relativo à fatura/recibo n.º FR 2014A6/1, corresponde ao valor constante do balancete de dezembro de 2014 na conta "72 - Prestação de serviços".

Análise

Analisados todos os elementos disponibilizados pelo sujeito passivo, verificou-se o seguinte:

1  - Nos extratos bancários:

Em 01/01/2014, o valor do saldo bancário na entidade H... (depósitos à ordem) evidenciava um saldo de € 16.198,00 e em 31/12/2014, um saldo de €8.974,69; Em 2014 não existia qualquer conta bancária de depósitos a prazo.

2 -Na contabilidade, nomeadamente no balancete e extratos de contas (Cfr. anexo 8): Não se verifica nenhuma conta de "Caixa" nos elementos contabilísticos. Em termo de declarações (anexo 2) o SP quando questionado na pergunta 6 se "(... os valores monetários da sociedade estavam todos depositados em bancos ou a sociedade possuía valores em caixa?", respondeu: "A sociedade não tinha valores em caixa".

Em 01/01/2014, a conta "12.1. – H..." (depósitos à ordem) evidenciava pela contabilidade, um   saldo devedor de €  865  016,44.   Em   31/12/2014,  a   mesma  conta evidenciava um saldo devedor de € 9 245,53;

Em 01/01/2014, a conta "55- Reservas" evidenciava um saldo credor de € 814 348,69; e em 31/12/2014, um saldo credor de € 853 845,58;

Em 31/12/2014 a conta "1311 -Deposito a prazo a regularizar" evidenciava um saldo devedor de € 600 000,00.

Em 31/12/2014  as contas  de  "26821   - Accionistas/sócios - Activo  corrente - empréstimos a sócios" evidenciavam os seguintes valores; a sub-conta "268211- D..." evidenciava um saldo devedor de € 174.000,00 e a sub-conta "268212-G... " evidenciava   um   saldo  devedor  de  € 129.000,00.

Em 2014 a conta 26-Accionistas/sócios/268-outras operações/268111- D..." teve um movimento a débito no valor de € 500 000,00 e um movimento a crédito no valor de € 500 000,00, evidenciando um saldo nulo em 31/12/2014.

Verifica-se que os cheques recebidos do único cliente (F... LDA) eram emitidos em nome individual do médico (anexo 7), e conforme análise aos extratos bancários (anexo 5) e termo de declarações (anexo 2 perguntas 1 e 3) esse dinheiro não entrou na conta bancária da empresa.

A sociedade iniciou a sua atividade em 2004 e nunca distribuiu lucros aos seus sócios, conforme se verificou no livro de atas da sociedade e também através de uma questão constante no "termo de declarações" (anexo 2), "12 - A sociedade alguma vez distribuiu lucros?", cuja resposta foi: "A sociedade nunca distribuiu lucros."

Podemos constatar a formação/acumulação do saldo da conta "reservas", analisando os valores constantes no quadro seguinte:

 

A conta "55 - Reservas" inclui as contas "551 - Reservas legais", com o montante registado de € 2.500,00 (valor constante desde a 1a deliberação de resultados, conforme ata n.º 2) e a conta "552/5521 -Outras reservas/Reservas Livres".

Da comparação entre as "Reservas" e os "Depósitos bancários" ressalta desde logo, a proximidade do saldo destas contas até 2014, permitindo a conexão dos seus valores, constatar que o suporte das "Reservas", são os valores em "Depósitos bancários" (atente-se na coluna 6 do quadro 1).

Analisando como era constituído o "ativo" da sociedade em 2014, nomeadamente através da observação do extrato da conta "121- Depósitos à ordem/H... ", que era o único ativo existente em 31/12/2013 (Cfr. anexo 8 e Balanço constante do anexo 2), e o Balanço constante do anexo 2 (Situação em 31/12/2014 e quadro 4 deste relatório), verificam-se lançamentos na conta de sócios (Rubrica "Outros activos correntes), e o registo de um depósito a prazo em 31/12/2014 (rubrica "Caixa e Depósitos Bancários") que não tem reflexo em nenhuma conta bancária (cfr. anexo 2 termo de declarações -resposta à pergunta 13, anexo 4 e anexo 5, resposta aos pontos 1 e 2 e quadro 4).

Em relação às contas correntes dos sócios, constata-se que contêm lançamentos contabilísticos de montantes a favor destes, e apesar do SP ter apresentado um "contrato de mútuo" e "recibos de mútuo", nunca demonstrou tratar-se de uma situação enquadrável em mútuos, em prestação de trabalho ou no exercício de cargos sociais, como se demonstrará de seguida:

Quanto à prestação de trabalho, da análise aos documentos contabilísticos (Cfr. anexo 8 balancete) não se verifica a contabilização de qualquer remuneração, e em termo de declarações efetuado em 15/09/2017 o sócio na resposta à pergunta "11 - Concretize para o ano 2014 e anteriores, qual a sua função na sociedade e como é que foi remunerado. E em relação à sócia G...?", respondeu: "Não tinha remunerações, apesar de exercer a gerência de facto. A sócia G... não exercia funções e não era remunerada" ("Cfr. anexo 2 termo declarações).

Quanto aos mútuos, o seu conceito, está consagrado no Capítulo VII do Código Civil (CC). O artigo 1142.º do CC dá a noção de mútuo como o "(...) contrato pelo qual uma das partes empresta à outra dinheiro ou outra coisa fungível, ficando a segunda obrigada a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade."

O mesmo código estabelece no artigo 1144.º que "as coisas mutuadas tornam-se propriedade do mutuário pelo facto da entrega".

O texto constante do "contrato de mútuo", datado de 20/01/2014, no montante de € 500 000,00 contém diversas omissões e incongruências que inviabilizam que o mesmo possa considerar-se um verdadeiro contrato de mútuo.

Com efeito: (1) não foram apresentadas evidências dos fluxos financeiros que o documento devia traduzir, nomeadamente a entrega da quantia prevista no contrato ao sócio (2) não teve lugar o pagamento do imposto do selo, aquando da formalização do contrato; (3) sendo o seu valor superior a € 25 000,00 não foi celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado (artigo 1143.º do CC).

A forma constitui um requisito essencial e, por isso, à sua inobservância tem de aplicar-se a regra geral do artigo 364.º do mesmo Código, com a consequência de a falta levar à invalidade do contrato, conforme dispõe o artigo 219.º do C.C.

Assim, há que concluir pela inexistência de um contrato de mútuo celebrado entre o SP em análise e o seu sócio gerente, o que significa que aos lançamentos feitos por aquela nas contas correntes dos seus sócios terá de aplicar-se a presunção do n.º 4 do art.º 6.º do CIRS, uma vez que o SP não apresentou qualquer prova suscetível de afastar aquela presunção.

Quanto aos documentos com o nome "Recibo de mútuo n.º(...)" verificam-se os seguintes elementos:

 

Nota explicativa: O que é o SAFT?

A página http://info.portaldasfinancas.qov.pt/pt/apoio contribuinte/NEWS SAF-T PT.htm. consultada em 25/10/2017, descreve o SAFT como "SAF-T(PT) (Standard Audit File for Tax Purposes -Portuguese version) é um ficheiro normalizado (em formato XML) com o objetivo de permitir uma exportação fácil, e em qualquer altura, de um conjunto predefinido de registos contabilísticos, de faturação, de documentos de transporte e recibos emitidos, num formato legível e comum, independentemente do programa utilizado, sem afetar a estrutura interna da base de dados do programa ou a sua funciona/idade.(...) O ficheiro SAF-T(PT) destina-se a facilitar a recolha em formato eletrónico dos dados fiscais relevantes por parte dos inspetores/auditores tributários, enquanto suporte das declarações fiscais dos contribuintes e/ou para a análise dos registos contabilísticos ou de outros com relevância fiscal."

Analisados os "Recibo de mútuo n.º (...)", e com exceção dos recibos de mútuo com os números 10,11 e 12, como se exporá mais à frente, verifica-se que estes contêm diversas omissões e incongruências que inviabilizam que os mesmos se possam considerar como mútuos suscetíveis de fazer afastar a aplicação da presunção do n.º 4 do art.º 6º do CIRS. Com efeito: (1) não foram apresentadas evidências dos fluxos financeiros que o documento devia traduzir, nomeadamente a entrega da quantia de prevista no "recibo de mútuo" ao sócio (2) não teve lugar o pagamento do imposto do selo que era devido por estas operações financeiras (3) verificadas as datas de registo/gravação na contabilidade verificam-se incongruências: conforme se demonstra nos quadros 2 e 3, todos os movimentos relacionados com mútuos, nomeadamente, os recibos de mútuo, o contrato de mútuo, e os recibos de pagamento de mútuo, foram registados (data gravação) no SAFT na mesma data, 16/03/2015, com exceção dos recibos de mútuo n.º 10, 11 e 12 que têm a data de gravação de 27/11/2014, como podemos através dos quadros 2 e 3:

 

Assim, apesar destes "recibos de mútuo" dizerem respeito a montantes abaixo dos € 25.000,00, e o documento ter sido assinado pelo mutuário, estes documentos contêm omissões e incongruências, anteriormente referidas.

Analisadas algumas características de um mútuo, verifica-se que estes recibos não obedecem a essa tipicidade. Senão veja-se, com o contrato de mútuo são gerados certos efeitos, como seja a transferência de propriedade (ou a sua disponibilização ou colocação à disposição), através do mútuo, a coisa mutuada à transferida do património do mutuante (SP) para o património do mutuário (sócio), já que a coisa mutuada passa a integrar o património do mutuário. Ora, não foi possível verificar, nem o SP nos forneceu as evidências solicitadas, que comprovassem essa "transferência de propriedade" ou que tivesse sido disponibilizado ou colocado à disposição do mutuário. O mutuário tem a obrigação de restituir outra "coisa" do mesmo género e quantidade, em cumprimento do contrato, o que também não verificamos: nem o SP o evidenciou, mesmo após questionado/notificado para o fazer, (ver pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2 e pergunta 2 do ofício ... de 3/08/2017). As respostas que foram dadas pelo SP, foram que "Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos." (mail de 8/08/2017 anexo 4) e em termo de declarações: "Foram mútuos efetuados. Por conversão de valores em bancos. Através de transferência entre contas de reconciliação e os mútuos." (Ver resposta à pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2).

As mesmas situações verificam-se com os "Recibos de pagamento de mútuo" mencionados no quadro 3: verificadas as datas de registo/gravação na contabilidade verificam-se as mencionadas incongruências: conforme se verifica nos quadros 2 e 3, também estes movimentos relativos aos recibos de pagamento de mútuo foram registados (data gravação) no SAFT em 16/03/2015, quando os únicos documentos de mútuo (recibos de mútuo n.º 10, 11 e 12 de outubro de 2014) em que se demonstra a evidência financeira têm a data de gravação de 27/11/2014, e cuja discrepância de registo (entre a data dos documentos/data de movimento contabilístico e o seu registo/gravação no SAFT) é compatível com o desfasamento que se verifica entre o registo de outras operações contabilísticas do SP e o seu registo no SAFT. Além deste facto, não foram apresentadas evidências dos fluxos financeiros que o documento devia traduzir, nomeadamente a restituição da quantia prevista. Também neste caso foi o SP questionado/notificado para o fazer, (ver pergunta 19 do termo de declarações do anexo 2 e pergunta 2 do ofício ... de 3/08/2017).

À pergunta 19, "Relativamente ao pagamento do sócio à sociedade, registado na contabilidade em Dezembro de 2014, no valor de € 500 000,00 em que data e de que forma foi efetuado (através de Cheque, transferência bancária, ou outro)? Respondeu o SP que "Através de transferência entre as contas". À solicitação para que enviasse "Todos os documentos comprovativos dos fluxos financeiros subjacentes aos registos na referida conta "268 -accionistas/sócios/outras operações", (nomeadamente cheques, transferências, extratos bancários, entre outros), que comprovem quer os movimentos de saída de valores da sociedade para os seus sócios, quer de entrada de valores (pagamentos dos sócios à sociedade".(n.º2 do ofício ... de 3/08/2017) respondeu o SP a propósito dos recibos de pagamento dos mútuos, "O pagamento dos mútuos referem-se ao depósito a constituir de 450.000.00 e 150.000.00 de que o valor entrou no banco conforme extracto que juntamos, embora o valor tenha sido creditado no banco em 20 e 25 de Março de 2015" (mail de 8/08/2017 anexo 4).

Recibos com os números 10,11 e 12

Quanto aos recibos de mútuo n.º 10,11 e 12, estes foram registados em 31/10/2014, na contabilidade na conta "268211- D..." por contrapartida da conta "21111001- F... Lda", (conforme "diário de recebimento" constante no anexo 8): o cliente F... LDA, pagou o valor de € 62.500,00 relativo à fatura-recibo FR2014A6/1 de 2/10/2014, e este valor foi recebido e registado como empréstimo ao sócio.

Como já foi referido anteriormente, os cheques do cliente (F... LDA) eram emitidos em nome do médico, D..., conforme verificado e declarado em "termo de declarações", (pergunta 3, contante do anexo 2).

Através do ofício n.º ... de 18/09/2017 notificámos a F... para remeterem elementos, nomeadamente o extrato de conta corrente do exercício de 2014 do fornecedor A... LDA, NIPC... . Na resposta podemos verificar que a conta na contabilidade da F..., conta n.º "2781002 – A... Lda", se encontra "saldada", confirmando-se o pagamento dos € 62.500,00. (Cfr. anexo 7).

No caso destes recibos de mútuo, fica verificada a evidência dos fluxos financeiros subjacentes ao empréstimo, e as incongruências verificadas nos restantes documentos associados aos mútuos, nestes recibos não se verificam: conforme podemos verificar no quadro 2, as datas de registo/gravação na contabilidade foram efetuadas em 27/11/2014, esta a discrepância entre a data do movimento e a data do seu registo/gravação no sistema informático SAFT é compatível com o desfasamento que verificamos no registo de outras operações contabilísticas do SP.

 

Em 31/12/2014, verifica-se o seguinte:

1- O SP não tem conta de caixa (conforme documentos contabilísticos e termo declarações, anexo 8 e 2, respetivamente),

2  - O saldo refletido no "extrato de movimentos históricos" da conta de bancos (D.o.) é de € 8.974,69 (Cfr. anexo 5),

3  -O depósito a prazo constante na conta "1311 - depósitos a prazo a regularizar" do balancete (anexo 8) no valor de € 500.000,00 como já referido anteriormente, não existe em nenhuma instituição bancária,

4 - O registo contabilístico a débito na conta de sócios "268111", em janeiro de 2014, no valor de € 500.000,00 (ver quadro 3 e anexo 8 extrato da conta 268211) teve lugar por contrapartida a crédito da conta "121 - Depósitos à Ordem/H... ", é relativo a um contrato de mútuo,  datado   de   20/01/2014,   que  é  considerado   inválido,   como    se  demostrou anteriormente;

logo, o ativo deste SP é constituído apenas pelo valor do referido D.O (€ 8.974,69) e pela conta de sócios "26821 - Accionistas/sócios - Activo corrente - empréstimos a sócios" (Discriminada no balanço como "outros activos correntes" - anexo 2 "Balanço individual microentidades em 31.12.2014"e anexo 8 balancete,), no valor total de € 303.000,00, subdividido nas contas "268211- D..." com um saldo devedor de € 174.000,00 e a sub-conta "268212-G... " que evidenciava um saldo devedor de 6

129.000,00.

Como já se explicou anteriormente, do valor de € 303.000,00 apenas se validou, o valor de € 62.500,00.

Os registos contabilísticos a débito na conta de sócios "268111", "268211" e "268212" (ver quadro 2, 3 e anexo 8) tiveram lugar por contrapartida a crédito da conta "121 - Depósitos à Ordem/H... " (anexo 8 - extraio da conta 121). Estes movimentos contabilísticos conduzem, quase na totalidade, a conta "121" a um saldo final contabilístico (€ 9.245,53) próximo do constante na conta de D.O. do banco H... (€ 8.974,69), mas não permitem, como já se evidenciou, a conclusão de que os sócios tenham utilizado os montantes dos saldos em causa a título de empréstimos (mútuos).

O valor do Capital próprio, nomeadamente da rubrica "reservas" não tem o respetivo reflexo no valor do ativo da sociedade, como deveria acontecer.

No seguimento do exposto, apresenta-se o quadro 5, a demonstrar os cálculos efetuados para determinar a base tributável por período correspondente à distribuição de lucros ou adiantamento por conta de lucros, considerada pelo CIRS como rendimento de capitais.

 

CONCLUSÃO:

Nos termos do artigo 5º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Singulares (CIRS) "Consideram-se rendimentos de capitais os frutos e demais vantagens económicas, qualquer que seja a sua natureza ou denominação, sejam pecuniários ou em espécie, procedentes, directa ou indirectamente, de elementos patrimoniais, bens, direitos ou situações jurídicas, de natureza mobiliária, bem como da respectiva modificação, transmissão ou cessação, com exceção dos ganhos e outros rendimentos tributados noutras categorias."

Dispõe por sua vez, o artigo 6º do mesmo Código, sob a epígrafe "Presunções relativas a rendimentos da categoria E", que "Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros." (n.º 4), sendo que "As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, acto administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos." (n.º 5).

Nestas condições, tendo em conta a previsão do n.º 4 do artigo 6º do CIRS, para que a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) aplique a presunção de que os lançamentos em conta corrente do sócio são feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, deverá demonstrar que estes valores não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

Analisando os pressupostos para aplicação da presunção supra referida verificou-se e recolheu-se prova que, em relação aos lançamentos em contas correntes a favor dos sócios (Ver quadros 2,3 e 5):

1 - Apenas o valor de € 62.500,00 resulta de mútuos;

2- Sobre se estes lançamentos poderiam ter origem na prestação de trabalho ou pelo exercício de cargos sociais pelos sócios, também já se provou que isso não aconteceu.

Tudo visto, há que concluir pela inexistência de contratos de mútuo celebrado entre o SP e o seu sócio gerente, o que significa que aos lançamentos feitos por aquele nas contas correntes dos seus sócios que não resultam de mútuos, de prestação de trabalhos ou do exercício de cargos sociais, terá de aplicar-se a presunção do já identificado n.º 4 do art.º 6º do CIRS, e têm os mesmos que ter-se, presumidamente, como feitos a título de lucros ou de adiantamento dos lucros.

Daí as importâncias em causa serem tributáveis em sede de IRS, em virtude dos artigos 5.º n.º 1 e 2 alínea h) e art.º 6.º n.º 4, todos do CIRS e objeto de retenção na fonte, nos termos dos artigos 71.º n.º 1 alínea c) e 98.º do mesmo Código e, atento o disposto no artigo 7.º n.º 3 alínea a) n.º 2 do mesmo Código - que, no aspeto temporal do pressuposto objetivo, estabelece a colocação à disposição como momento relevante para a sujeição a tributação, isto é, as datas em que foram feitos os lançamentos dos quantitativos nas contas do sócio gerente (contabilização), e com as taxas então vigentes, ou seja ao longo do exercício de 2014.

CORREÇÕES PROPOSTAS:

Assim, a distribuição de lucros e adiantamento de lucros está sujeita a retenção na fonte, à taxa liberatória de 28%, tal como o previsto na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Código do IRS, que conforme o indicado no n.º 3 do artigo 98.º do mesmo Código deverá ser entregue nos cofres do Estado até ao dia 20 do mês seguinte àquele a que se reporta.

Desta forma, são os montantes considerados para cada um dos períodos (mês) que estão sujeitos a uma retenção na fonte à taxa de 28% que ascende globalmente a € 235.340,00 [= € 840.500,00 x 28%] e que se deve considerar assim repartida por períodos (mês):

 

(...)

VII - INFRAÇÕES VERIFICADAS

Dos factos descritos nos capítulo III deste relatório, sintetizamos as irregularidades praticadas pelo sujeito passivo, bem como as normas punitivas, de acordo com a legislação aplicável à data:

A falta de retenção de IRS e de entrega de prestação tributária constitui uma infração à alínea a) do n.º 2 do artigo 101º do CIRS, punível pelo n.ºs 2 e 4 do artigo 114º e n.º4 do artigo 26º, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT).

A não entrega nos cofres do Estado da prestação tributária fica ainda sujeita a juros compensatórios nos termos do artigo 91.º do CIRS e do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT).

(...)

IX - DIREITO AUDIÇÃO

O sujeito passivo foi notificado para exercer o direito de audição, no prazo de 15 dias, nos termos previstos do art.º 60º da Lei Geral Tributária (LGT) e art.º 60º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária e Aduaneira (RCPITA), via ofício nº ... de 06/11/2017, por carta registada (RD ... PT), enviado para a sua sede fiscal.

O direito de audição foi exercido no prazo concedido para o efeito, conforme documento que constitui o anexo 9 do relatório, tendo dado entrada nesta Direção de Finanças em 27/11/2017 (registo nº 2017...). Foi subscrito por um dos mandatários do sujeito passivo, o advogado I..., conforme procuração assinada pelo sócio-gerente, D... . A procuração apresentada identifica ainda como mandatários do sujeito passivo os advogados J..., K..., L..., M..., N...  e O...,   informando  que  os  sete  mandatários constituídos são advogados com escritório na Avenida ..., ..., ..., ...-... Lisboa.

Do conteúdo do direito de audição que se dá por integralmente reproduzido, o SP apresenta a sua leitura do Projeto de Correções elaborado pelos Serviços Inspetivos da Direção de Finanças de Lisboa, e após expor os seus argumentos, acaba considerando que "(...) deve o projeto de relatório de inspeção tributária ser revisto conforme o peticionado, anulando-se a correção ao imposto devido pelo Requerente, correspondente a retenções na fonte de IRS do exercício de 2014, no montante de € 235.340,00".

Sobre as alegações do SP, passamos a resumir os argumentos apresentados pelo SP:

1  - "(...) o referido montante de € 840.500,00, o qual foi mutuado aos sócios ao longo de vários anos, tendo sido devidamente registado no exercício de 2014 nas rubricas #26811 — "Activo não corrente — Empréstimos a sócios" e #26821- "Activo Corrente — Empréstimos a Sócios", enquanto empréstimos a sócios, constituem, reitere-se, mútuos da Respondente aos seus sócios, tal como documentado pelos respetivos contratos de mútuo celebrados entre as partes e disponibilizados aos serviços de inspeção tributaria (...)". (cfr. página 2 e 3 da petição);

2  - De acordo com o disposto no artigo 1142º do Código Civil (CC), dos contratos celebrados "....resulta   precisamente   que   o   montante   total  de     840.500,00,   foi   entregue   pela Respondente aos seus sócios, recaindo sobre estes a obrigação de as restituir nos prazos aí estabelecidos (...)". "Na verdade, os montantes de €500.000,00 e € 100.000,00, mutuados pela Respondente  foram-lhe efetivamente restituídos,   conforme  resulta  dos recibos de pagamento de mútuo n.º 1 e n.º 2 (...) (cfr. página 3 da petição);

3  - "Acresce que a contabilidade da Respondente evidencia essa concessão de mútuos aos sócios e não qualquer distribuição de lucros, ao contrário do invocado pelos serviços de inspeção tributária (...) (cfr. página 3 da petição);

4  - Quanto à "(...) inexistência de prova dos exfluxos financeiros em favor do sócios (...)" admite a Respondente nem sempre ter adotado o procedimento correto no que respeita ao depósito nas suas contas bancárias dos meios financeiros que integravam o seu ativo.", e acrescenta que "(...) nem todos os cheques recebidos dos clientes eram depositados na conta da Respondente "Por uma questão de simplicidade operacional e logística"(...).

Continua referindo que: (...) a alegada ausência de prova dos "exfluxos financeiros em favor do sócios" não permite concluir pela inexistência dos mútuos (...), mas acrescenta, "que esses "exfluxos" a favor dos sócios estão demonstrados, como resulta, aliás, do termo de declarações (...) no qual, em resposta à questão "Em nome de quem é que eram emitidos os cheques dos clientes?", afirma o sócio-gerente da sociedade, que "Os cheques eram emitidos em nome de D... (...)".(cfr. página 3 e 4 da petição);

5 - "De igual modo, o facto de se não ter procedido ao pagamento do Imposto do Selo devido pela utilização do crédito decorrente da celebração dos contratos de mútuo não altera a sua natureza, transformando as operações sub judice em distribuições de lucros." (cfr. página 4 da petição);

6  - "Não pode ainda invocar-se a falta de cumprimento dos requisitos de forma legalmente estabelecidos no artigo 1143.º do CC, no caso dos contratos de valor superior a € 25.000,00, para afirmar que não estamos perante verdadeiros contratos de mútuo. Efetivamente, o não cumprimento dos requisitos de forma não produz a consequência invocada pelos serviços de inspeção tributária, qual seja, a de que o contrato tem uma natureza diferente da de mútuo." E refere a decisão arbitral proferida no processo n.º 165/2013-T.(cfr. páginas 4 e 5 da petição);

7 - "Carece também de relevo para concluir pela inexistência de efetivos mútuos o afirmado (...) com respeito às "incongruências" nas datas de registo/gravação em SAFT dos movimentos relativos aos mútuos. Com efeito, afirmam os serviços de inspeção tributária que "(...) todos os movimentos relacionados com mútuos, nomeadamente, os recibos de mútuo, o contrato de mútuo, e os recibos de pagamento de mútuo, foram registados (data gravação) no SAFT na mesma data, 16/03/2015, com exceção dos recibos de mútuo n. º 10, 11 e 12 que têm a data de gravação de 27/11/2014 (...)" (...) Ora, tal dever-se-á certamente a lapso da Respondente, do qual não resulta a consequência extraída pelos serviços de inspeção tributária. Evidentemente, não tem qualquer sentido afirmar-se que o registo tardio em SAFT de determinado movimento contabilístico altera a natureza jurídica do negócio subjacente a tal movimento", (cfr. página 5 e 6 da petição).

Passando agora à apreciação das alegações apresentadas pelo contribuinte no exercício do Direito de Audição, importa salientar o seguinte:

Pontos 1,2 e 3)

Os serviços de Inspeção Tributária, no projecto de relatório de correções elaborado, nunca invocaram que a contabilidade do SP evidencia uma distribuição de lucros.

Da contabilidade do SP do exercício de 2014 decorre:

—> A contabilização em contas correntes dos seus sócios de alegados empréstimos aos sócios, mobilizando para o efeito valores da conta de depósitos à ordem da sociedade, suportados por documentos designados "contratos de mútuo" e "recibos de mútuo", conforme ilustram os quadros 2 e 3 do projecto de relatório e do presente relatório final;

—> Os contratos e os recibos de mútuo foram assinados pelos sócios beneficiários ao longo do exercício de 2014, documentos esses que pretendem titular um fluxo financeiro que teria sido transferido naquelas datas para a esfera de cada sócio.

Quando o SP refere na sua petição do Direito de Audição que o "(...) montante de € 840.500,00, o qual foi mutuado aos sócios ao longo de vários anos, tendo sido devidamente registado no exercício de 2014 (...)",  importa sublinhar que não se compreende esta afirmação do SP, já que: a) não cumpriu o estipulado no art.º 123º n.º 2 e 3 do CIRC; b) Não logrou demostrar e comprovar essa afirmação, uma vez que nunca apresentou documentos que confirmem esses fluxos financeiros, mesmo depois de questionado/notificado para o fazer, (ver pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2 e pergunta 2 do ofício ... de 3/08/2017 do anexo 4). Recorde-se que as respostas dadas pelo SP foram:

-  "Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos." (mail de 8/08/2017 anexo 4);

- em termo de declarações: "Foram mútuos efetuados. Por conversão de valores em bancos. Através de transferência entre contas de reconciliação e os mútuos." (resposta à pergunta 17 do termo de declarações do anexo 2).

O mesmo se verifica quando o SP refere que, "Na verdade, os montantes de €500.000,00 e € 100.000,00, mutuados pela Respondente foram-lhe efetivamente restituídos, conforme resulta dos recibos de pagamento de mútuo n.º 1 e n.º 2 (...). Se olharmos para os documentos designados "Recibos de pagamento de mútuo n.º1 e n.º 2" (anexo 4), datados de 15/12/2014 e de 29/12/2014, com os valores de € 500 000,00 e € 100 000,00, respetivamente, embora o SP afirme que recebeu do Sr. D... (sócio-gerente) aqueles valores, no entanto, como se viu na análise constante do projeto relatório, esses valores não foram depositados na conta bancária do SP (Cfr. Extrato de movimentos históricos, de 01/01/2014 a 31/12/2014, do anexo 5)", e na contabilidade do SP ficaram registados numa conta "1311 - Depósito a prazo a regularizar" (anexo 4 - movimentos contabilísticos, 31/12/2014 - "diário diversos").

Sem essa prova, o que permanece é a realidade expressa pela contabilidade do exercício de 2014, que evidencia que em vários momentos foram lançados valores a débito em contas correntes dos sócios, que a AT demonstrou exaustivamente não resultarem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais.

O SP não cumpre com alguns dos normativos contabilísticos e fiscais, contudo a contabilidade continua a constituir um elemento fulcral e legalmente obrigatório na esfera societária, determinante para apurar a situação patrimonial e fiscal da sociedade, conforme dispõe os artigos 3º e 17º do CIRC, existindo ainda uma presunção legal de boa-fé, quer quantos aos dados inscritos na contabilidade, executada e aprovada pela gerência, quer nas declarações fiscais entregues pelo SP ao longo dos anos, conforme dispõe o art. 75º, nº1 da LGT.

Desta forma, a AT baseou-se em todos os documentos contabilísticos do exercício 2014 e em elementos extra contabilísticos para elaborar a sua análise e respetivas conclusões, tendo como objetivo a descoberta da verdade material, na observância do princípio do inquisitório previsto no artº 58.º da LGT e na sua relevância como princípio constitucional da tributação.

Pontos 4 e 5)

Dentro do cumprimento do dever de fundamentação dos factos que sustentam as correções propostas, a AT elencou, explicitou e fez prova, em diversos pontos do relatório, de várias fragilidades associadas aos documentos designados de "contratos e recibos de mútuos" celebrados entre a sociedade e os sócios beneficiários ao longo do exercício de 2014, e cuja análise não pode ser feita isoladamente, como o SP optou por fazer no exercício do Direito de Audição Prévia. Sobre as alegações do SP apresentadas nestes pontos, eis alguns considerandos:

a)   O SP vem admitir"... nem sempre ter adotado o procedimento correto no que respeita ao depósito nas suas contas bancárias dos meios financeiros que integravam o seu activo.";

b)   Quando o sócio-gerente justifica que os cheques dos clientes não eram integralmente depositados na conta bancária da sociedade "Por uma questão de simplicidade operacional e logística ( ...)", importa lembrar que, mais uma vez o SP não cumpre com os normativos legais, tendo em conta o disposto no art.º 63º C da LGT, "1 - Os sujeitos passivos de IRC,(...), estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à actividade empresarial desenvolvida. 2 - Devem, ainda, ser efectuados através da conta ou contas referidas no n.º 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.";

c)   Quando o SP refere "(...) que esses "exfluxos" a favor dos sócios estão demonstrados, como resulta, aliás, do termo de declarações (...) no qual, em resposta à questão "Em nome de quem é que eram emitidos os cheques dos clientes?", afirma o sócio-gerente da sociedade, que "Os cheques eram emitidos em nome de D... (...)", importa precisar que, conforme termo de declarações (Cfr. Anexo 2) o SP foi inquirido sobre factos relativos ao exercício de 2014, e que conforme descrito no projeto relatório, sob o título "Faturação", pág. 12 e 13, o SP só tem um único cliente, a F... Lda, NIF..., a quem o SP emitiu a sua única fatura/recibo no valor de € 62.500,00.

Conforme descrito sob o título "Recibos com os números 10,11 e 12" na pág.19, e na conclusão do projeto de relatório, o valor de € 62.500, foi considerado como resultante de mútuos, e como tal já foi deduzido esse valor quando se procedeu ao cálculo das correções propostas pela AT;

d) Em matéria de Imposto do Selo, o SP reconheceu não ter sido pago este imposto, uma obrigação legal decorrente do Código do Imposto do Selo, aplicável quer pela formalização dos contratos de mútuo, quer pela utilização do crédito concedido decorrente dos contratos firmados.

Não obstante, em nenhum momento é afirmado no projeto de relatório, que "(,..) a falta de pagamento do imposto associado a determinado negócio jurídico gera a sua inexistência ou o transforma em negócio distinto.", como alega o SP. Conforme descrito no projeto de relatório, pág. 16, é um conjunto de requisitos que levam a desconsiderar uma parte dos mútuos, utilizados pelo SP para tentar justificar os movimentos nas contas de sócios.

Atente-se nas pág.s 16 a 19 do projeto de relatório: conforme exposto, os recibos de mútuo com os n.ºs 10, 11 e 12 apesar de não terem cumprido o requisito legal da obrigação de pagamento de imposto do selo, a análise global efetuada, levou a considerar como válidos esses recibos de mútuos.

Ponto 6)

Na petição do SP é referida a falta de cumprimento dos requisitos formais no caso de contratos celebrados superiores a € 25.000,00, onde só a escritura pública cumpriria essa exigência formal à luz do estabelecido no art.º 1143º do Código Civil.

Contudo, é errónea a conclusão do SP que aquele incumprimento formal só por si tenha sido suficiente para que a AT tenha afirmado que não estaríamos perante "verdadeiros contratos de mútuo".

Com efeito, a AT apreciou todos os documentos que titulam os mútuos firmados entre a sociedade e os sócios beneficiários, ao longo do exercício de 2014 (contratos e recibos de mútuo), à luz do preceituado no artº1143º do Código Civil.

No relatório da Inspeção Tributária ficou demonstrado que o cumprimento formal previsto no artº 1143º do Código Civil embora obrigatório, não é suficiente para validar os contratos e os recibos de mútuos apresentados. Veja-se o caso dos mútuos titulados como recibos de mútuos, de valor inferior a € 25.000,00: conforme análise nas pág.s 16 a 19 do projeto de relatório, alguns desses ''recibos de mútuo" também não foram considerados como justificativo da saída de valores para os sócios.

Ponto 7)

"(...) não tem qualquer sentido afirmar-se que o registo tardio em SAFT de determinado movimento contabilístico altera a natureza jurídica do negócio subjacente a tal movimento." Esta afirmação que o SP imputa à AT, não tem correspondência com a realidade, já que em nenhum momento se expressou no projeto de relatório essa afirmação. Como se vê na pág 17 do projeto relatório, esta incongruência que o SP refere, diz respeito ao ponto (3) de um conjunto de pontos, que reunidos, fundamentam a decisão vertida no projeto de relatório.

Ao contrário do que o SP afirma, o que se evidenciou foram factos. Verificadas as datas de registo/gravação na contabilidade verificaram-se incongruências: conforme se demonstrou nos quadros 2 e 3 do projeto relatório, todos os movimentos relacionados com mútuos, nomeadamente, os recibos de mútuo, o contrato de mútuo, e os recibos de pagamento de mútuo, foram registados (data gravação) no SAFT (ver nota explicativa na pág. 17) na mesma data, 16/03/2015, com exceção dos recibos de mútuo n.º 10, 11 e 12 que têm a data de gravação de 27/11/2014. Conforme exposto no projeto relatório, pág. 19, no caso destes recibos de mútuo (n.º 10,11 e 12), os requisitos de forma foram cumpridos, foi verificada a evidência dos fluxos financeiros subjacentes ao empréstimo, e as incongruências verificadas nos restantes documentos associados aos mútuos, não se verificam nestes 3 (três) recibos. Podemos verificar no quadro 2 deste relatório, que somente esses 3 recibos têm data de registo/gravação na contabilidade de 27/11/2014, e conforme se afirmou, esta a discrepância entre a data do movimento e a data do seu registo/gravação no sistema informático SAFT é compatível com o desfasamento que verificamos no registo da maioria de outras operações contabilísticas do SP. Tudo isto não se verificou nos restantes recibos de mútuo, que foram incluídos nas correções propostas pela AT.

Salientamos uma vez mais, que o SP não cumpriu alguns normativos legais. Atente-se na alínea a) do n.º 3 do art.º 17º, e no n.º 1 do art. 123.º do CIRC, conforme nota rodapé n.º 1 (análise aos pontos 1,2 e 3) e nos n.ºs 2 e 3 do referido artigo: 2 -Na execução da contabilidade deve observar-se em especial o seguinte:

a)  Todos os lançamentos devem estar apoiados em documentos justificativos, datados e susceptíveis de serem apresentados sempre que necessário:

b) As operações devem ser registadas cronologicamente, sem emendas ou rasuras, devendo quaisquer erros ser objecto de regularização contabilística logo que descobertos.

c) Não são permitidos atrasos na execução da contabilidade superiores a 90 dias, contados do último dia do mês 3 que as operações respeitam, (sublinhados nossos)

Como se depreende, o SP não cumpre com este normativo legal (veja-se os casos do registo cronológico das operações ou dos atrasos de registo verificados) e justifica as incongruências detetadas como "(...) tal dever-se-á certamente a lapso da Respondente (...). Ora tendo em conta que o SP apresenta uma quantidade de movimentos contabilísticos reduzida, um volume de negócios de € 62.500,00 correspondente a uma única fatura ao seu único cliente, e que os movimentos dos mútuos a que o SP se refere são no valor de cerca de € 903.000,00", a justificação como um lapso, é de difícil entendimento. E mesmo aceitando essa justificação, face aos montantes referidos, esses lapsos, teriam sido facilmente detetáveis, e ter sido (...) objecto de regularização contabilística logo que descobertos." como refere a alínea b) do n.º 2 do artigo mencionado.

Em suma, tendo em consideração todos os elementos vertidos pelo SP no seu direito de audição prévia, nenhuma das conclusões anteriormente extraídas pela AT sofre qualquer alteração, uma vez que para a desconsideração dos contratos e recibos de mútuo firmados em 2014, a AT fez prova de que os documentos apresentados pelo SP (contrato de mútuo e recibos de mútuo), apenas pretendiam aparentar a existência de empréstimos aos sócios, elencando-se novamente os factos principais considerados que fundamentam essa conclusão, os quais não devem ser tomados isoladamente:

>   A  impossibilidade  de  confirmar nos  extratos   bancários  da  sociedade  daqueles exercícios os exfluxos financeiros a favor dos sócios beneficiários dos mútuos, alegados nos contratos e recibos de mútuos firmados ao longo daquele exercício, assim como os influxos a favor do SP alegados nos recibos de pagamento de mútuos;

> Validade formal ferida nos contratos e recibos de mútuo de valor superior a € 25.000,00 à luz do artº1143º do Código Civil (só seria válido se celebrado por escritura pública ou por documento particular autenticado);

> Não pagamento de Imposto do Selo, como decorre do respetivo Código;

>  O reconhecimento do SP quando afirmou que "Os mútuos efetuados em 2014 referem-se a movimentos anteriores a este exercício, onde não existia no banco o valor do qual resultaram os mútuos." (mail de 8/08/2017 anexo 4)", e que, mais uma vez, não apresenta qualquer prova que fundamente a data do que chamou "movimentos anteriores a este exercício".

>  As incongruências verificadas nos Recibos de mútuo, já expostas nas pág. 16 a 19 e na resposta ao direito de audição do SP, no ponto 7.

Da argumentação exposta, conclui-se que a interpretação vertida no direito de audição prévia exercido pelo SP não reproduz fielmente as conclusões da Inspeção Tributária, e que conforme se provou, os argumentos apresentados apenas reforçam a conclusão da AT de que se está perante uma tentativa de formalização de empréstimos, a posteriori, pretendendo o SP o reconhecimento como mútuos dos valores lançados a favor dos sócios (contas 268111, 268211 6268212).

Por outro lado, na argumentação apresentada, o SP não ilidiu, como lhe competia, a presunção legal prevista no art.º 6º, nº 4 do CIRS, ou seja, demonstrar que os lançamentos efetuados em contas de sócios resultam efetivamente de mútuos, prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais para justificar o não cumprimento da obrigação fiscal de retenção de IRS na fonte (artigos 71º, nº1 al. c) e 98º, nº3 do CIRS).

O SP, para justificar a não retenção na fonte, procurou demonstrar que os lançamentos contabilísticos registados no exercício de 2014 e as respetivas entregas aos sócios ocorreram na sequência de mútuos firmados entre a sociedade e os sócios.

Contudo, estando provado que as entregas aos sócios não ocorreram na sequência de mútuos, nem de qualquer outro fundamento válido para se poder considerar ilidida a presunção prevista no artº 6º, nº 4 do CIRS, tem que prevalecer essa presunção legal conjugada com o facto da contabilidade evidenciar que ao longo do exercício de 2014 foram efetuados lançamentos em contas correntes dos sócios, perfazendo o montante total de € 903.000,00. Deste valor, apenas € 62.500,00 se consideraram resultantes de mútuos, pelo que € 840.500,00 se presumem como recebidos pelos sócios a título de lucros ou adiantamento de lucros.

Sobre a presunção legal prevista no art.º 6, n.º 4 do CIRS, veja-se por exemplo, as decisões proferidas no âmbito dos processos arbitrais n.º 130/2012-T e 131/2012-T, que vão no mesmo sentido da decisão deste relatório.

X-CONCLUSÃO

Tendo em conta que:

- Se mostra concluído o prazo concedido para o exercício do direito de audição;

- não se verifica qualquer regularização por parte do SP;

-  o SP exerceu o seu direito de audição prévia, tendo-se concluído que a argumentação apresentada pelo sujeito passivo não é suscetível de alterar os factos e os fundamentos descritos no capítulo III do projeto de relatório;

devem manter-se as correções propostas no presente Relatório Final de Correções de Inspeção Tributária, no montante de € 235.340,00 propondo-se o encerramento da ordem de serviço n.º....

Para o efeito, foi elaborado o documento de correção e levantado o auto de notícia por contraordenação, pelas infrações descritas no capítulo VII do presente relatório.

Nos termos dos artigos 62º do RCPITA e 77º da LGT, o sujeito passivo vai ser notificado da conclusão das ações inspetivas.

 

Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de retenções na fonte de IR do ano de 2014, correspondente à liquidação n.º 2018..., de 08-01-2018 e respetiva demonstração de liquidação de juros compensatórios, correspondentes às liquidações n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018..., n.º 2018 ... e n.º 2018 ... (documento n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Em 09-02-2018, a Requerente pagou as quantias liquidadas (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Em 15-06-2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa das liquidações referidas (documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Por despacho de 30-07-2019 foi indeferida a reclamação graciosa (documentos n.ºs 8 e 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);

O despacho de indeferimento manifestou concordância com os fundamentos do projecto de indeferimento que consta do documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:

IV - ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER

Tendo em conta as alegações e os factos atras descritos, importa determinar se as liquidações ora reclamadas, padece de algum vicio de ilegalidade a que lhe são apontadas.

1.    A empresa A..., Lda., é uma sociedade por quotas, tendo como atividade principal "Outras Atividades de Saúde Humana, n.e." - CAE 86906, encontrando-se enquadrada em sede de IRC, no regime geral, devendo dispor de contabilidade organizada de acordo com a normalização contabilista, nos termos do n.º 3 do art.º 17." e do art.º 123.º do CIRC.

2.    A Reclamante foi objeto de ação inspetiva, de âmbito parcial, dirigido ao exercício de 2014, decorrente da informação retirada da declaração IES (n.º...), na qual apresentava um saldo elevado em fluxos de caixa, conforme Imagem seguinte:

 

3.    Durante o procedimento inspetivo e segundo consta do RIT, foi solicitado à empresa diversa documentação, complementada com informações recolhidas junto dos responsáveis da empresa, a fim de aferir os movimentos contabilísticos do período no ano de 2014 registados em caixa e depósitos bancários, tendo sido autorizada pela Reclamante a derrogação do sigilo bancário.

4.     Do resultado do procedimento Inspetivo, vem a ora Reclamante invocar no sentido que as "...demonstrações de liquidações padeçam de vários vidos que determinam e sua ilegalidade ... [que] inexiste no caso subjudice o dever acessório de substituição tributária da Reclamante a título de mútuos, pelo que foi com essa natureza que tiveram o devido tratamento fiscal e não com aquela que agora é conferida, fruto da aplicação da presunção do artigo 6.º n.º 4, do Código do IRS por parte da AT (cfr. ponto 23 e 24 da petição}.

5.     Ora, o mútuo é um contrato que se encontra regulado nos artigos 1142.º e seguintes do Código Civil (CC), pelo qual alguém empresta a outrem dinheiro ou outra coisa fungível, ficando o mutuário obrigado a restituir outro tanto do mesmo género e qualidade,

6.     Perante o "contrato, de mútuo", datado de 20/01/2014, no montante de 500.000,00 € (superior a 25,000,00 €) estando sujeito ao pagamento de imposto de selo aquando a sua formalização (art.º 1 do CIS), e se celebrado, deveria tê-lo sido por escritura pública ou por documento particular autenticado (art.º  1143.º do CC), forma que constitui um requisito sobre a substância/ad substantiam e, por isso, à sua inobservância terá de se aplicar a regra geral do artº 364.º do CC, com a consequência de a. falta importar a invalidada do contrato, conforme dispõe o art.º 219.º CC.

7.     E que, na contabilidade da Reclamante, nomeadamente na conta 268111 – D... (sócio),  verificou-se um movimento a débito e outro a crédito no montante de 500.000,00 €, tendo a empresa informado durante o procedimento inspetivo que, estes movimentos foram efetuados através de movimento de transferência entre contas.

8.     Refira-se também, que os movimentos relacionados com os mútuos, e através da análise ao SAF-T da Contabilidade, os lançamentos encontram-se registados no ano de 2015, sendo reconhecido pela Reclamante que tal deve-se a lapso (cfr. ponto 116 da petição), pelo que, não se encontra cumprido a exigência legal de até 90 dias para a execução da contabilidade (art 123.º n.º 3 do CIRC).

9.     Acrescenta-se ainda, e de acordo com o mencionado no relatório inspetivo, sintetiza-se o seguinte:

i)    A conta 11 - Caixa: não possuía registos de movimento;

II) A conta 12 - Depósito à Ordem (Banco H...) evidenciava um saldo inicial de 865.016,44 € e um saldo final devedor de 9.245,53 € (diferente montante do extrato bancário à data do início e encerramento do exercício), sendo que os movimentos contabilísticos registados a crédito ocorreram por contrapartida das contas dos sócios: #26811 e # 268211 -D..., e na #268212 -G...;

iii) A conta 1311 - Depósito a prazo por regularizar, evidenciava um saldo devedor de 600,000,00 €, sem reflexo em nenhum extrato de conta bancária;

iv) A conta 268211 – D... e a Conta 268212 – G... (sócia), registava vários movimentos, com a designação de "Recibo mútuo n.º 1, encerrando cada conta com um saldo devedor de 174.000,00 € e 129.000,00 € (303.000,00 €), respetivamente;

v) A empresa registou uma única fatura, ao seu único cliente "F..., Lda,", no montante de 62.500,00 € relativo aos serviços prestados em consultas e em cirurgias e exames, tendo sido liquidada através de 2 cheques emitidos em nome do gerente D... (50.000,00 €) e em nome da sócia G... (125,00 €) e o diferenciai em numerário (12.375,00 €), que não chegou a entrar em caixa;

vi) A empresa desde o seu início de atividade, nunca distribui lucros aos seus sócios, verificando-se um saldo final credor na conta 5.5 - Reservas, no montante de 853.845,58 €.

10. De acordo com os factos descritos, verifica-se que a empresa efetua registos de movimentação com as contas bancárias, sem que os movimentos efetivamente tenham ocorrido em 2014, o que poderá indiciar que a informação retirada do balanço não representa uma imagem fidedigna das transações ocorridas naquele exercício.

11. Estando em causa, a legalidade da aplicação da presunção constante do art.º 6.º n.º 4 do CIRS e tendo ficado provado em sede de procedimento inspetivo, situação que não foi ilidida pela Reclamante, que os movimentos registados contabilisticamente e relativos às entregas de valores monetários aos sócios, não ocorreram na sequência de mútuos, de prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais;

12. Pelo que, e face ao previsto na al. h) do n.º 2 do art.º 5.º do CIRS (Rendimentos da Categoria E), bem andaram os serviços ao concluir que as verbas em causa, nomeadamente, o montante de 840,500,00 € (903.000,00 € deduzido do valor considerado, no montante de 62.500,00 €) foram arrecadadas a título de lucros ou adiantamento de lucros;

13. E como tal sujeitos a retenção na fonte de IRS, no momento da sua colocação à disposição (art.º 7.º, n.º 1 e n.º 3, al, a), subal. 2), do CIRS) sobre aquela distribuição, a título definitivo e liberatório, à taxa de 28%, nos termos do art.º 71º, n.º 1, al. c) e do n.º 3 do art.º 98.º ambos do CIRS, à data dos factos.

14. Alega também, a falta de fundamentação relativamente à base legal aplicada pela cobrança oficiosa daquele imposto na esfera da empresa e não na dos sócios (cfr. ponto 60 da petição).

15. Ora, sendo o de rendimento sujeito à retenção na fonte de IRS aplicando as taxas liberatórias (art. 71.º do CIRS), acaba por libertar o contribuinte das obrigações declarativas, de englobamento e de pagamento, ficando a obrigação de pagamento do imposto por parte do sujeito passivo originário (art. 101.º n.º 2);

16.   Ou seja, "A substituição tributária verifica-se quando por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte" (art.º 20.º, n.º 1, da LGT), aplicando-se naturalmente o estatuído no art.º 28.º n.º 1 da LGT.

17.  Relativamente à fundamentação é atualmente pacífico que esta deve dar a conhecer ao interessado o itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor da decisão, ou seja, o que o levou a decidir num sentido e não em qualquer outro, tal como está consagrado no art.º 268.º n.º 3 da Constituição da República Portuguesa, no art.º 77.º da LGT e no art.º 153.º do CPA,

18.  Assim, só existirá falta de fundamentação se face à obscuridade das afirmações e contradições, não for possível conhecer esse Itinerário, ou ainda, se o autor do ato decidir em sentido diverso sem fundamentar essa divergência.

19.  O que manifestamente não aconteceu na situação dos autos, pois o despacho que determinou a realização das correções técnicas assenta num relatório que estabelece, clara e documentalmente, todo o percurso percorrido para chegar ao valor das correções e cujos fundamentos foram oportunamente dados a conhecer ao ora reclamante.

20.  A exigência do dever de fundamentação resulta de uma pluralidade de razões "que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o ato, até à garantia de transparência e da ponderação da atuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico jurisdicional do ato".

21.  E no mesmo sentido, estipula o n.º 1 do art.º 77.º da LGT que a fundamentação pode "...consistirem mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres ..., incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária".

22.  Assim, resulta claro que a alegada falta de fundamentação não se verifica, no caso dos autos, portanto quer do ato de liquidação de retenção na fonte de IR, quer do projeto de relatório, quer do relatório final de inspeção tributária, todos notificados à ora Reclamante, constam expressa e minuciosamente descritos todos os elementos essenciais do ato: as razões de facto e de direito que fundamentaram a decisão, as disposições legais aplicáveis, a qualificação e a quantificação dos factos tributários.

23.  Pelo que, e em sede de reclamação, consequente e forçosamente, a abordagem da questão pela AT não será diferente da anterior, na medida em que não existem quaisquer elementos suscetíveis de alterar o sentido da mesma.

24.  Quanto aos juros compensatórios, resulta expressamente da conjugação do disposto no n.º 1 do art.º 102.º do CIRC com o n.º 1 do art.º 35.º da LGT, que "São devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do Imposto devido ...".

25,  Os juros compensatórios representam uma reparação cível que visa indemnizar o Estado, no caso vertente, pela perda de disponibilidade da quantia que não foi liquidada no momento em que o deveria ter sido,

26.  Sendo que relativamente à taxa, base de cálculo e período de tempo a que se reportam os juros compensatórios, a AT não goza de qualquer margem de manobra, estando a sua atuação, relativamente aqueles pressupostos estritamente vinculada, o que significa que a mesma é insuscetível de ser influenciada por quaisquer argumentos apresentados pela Reclamante.

21. É hoje consensual que o pressuposto subjetivo da liquidação de juros compensatórios é a culpa do sujeito passivo no retardamento da liquidação devida, devendo o juízo de culpa ser aferido em abstraio, segundo a diligência de um "bónus pater familiae",

28.  Nesse sentido a jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Administrativo considera que a imputabilidade exigida para a responsabilização pelo pagamento de juros compensatórios depende da existência de culpa por parte do sujeito passivo e essa culpa existe quando determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, não porque a culpa seja meramente presumida, mas por ser "algo que em regra ou prima-facie se liga ao carácter ilícito-típico do facto respetivo". Assim se pronunciou o Supremo Tribunal Administrativo no recurso n.º 22612 de 23/09/1998.

29.  E no caso em apreço, verifica-se que as correções efetuadas pelos serviços de inspeção tributária  são o resultado de uma conduta por parte da Reclamante que teve como resultado, a não entrega nos cofres do Estado da retenção na fonte de IRS sobre rendimentos pagos aos sócios e considerados como lucros ou adiantamento dos lucros, através do disposto no n.º 4 do art.º 6 do CIRS.

30.  Pelo que a liquidação de juros compensatórios é de se manter, pois não sendo uma liquidação autónoma, está relacionada com o imposto cujo pagamento não foi efetuado dentro do prazo legalmente definido.

31.  A Reclamante procedeu ao pagamento das liquidações agora em causa, no dia 09/02/2018, peio que e por considerar que as liquidações são indevidas, solicita juros Indemnizatórios nos termos do disposto no art.º 43.º da LGT, por erro imputável aos serviços.

32.  Ora, com base nos fundamentos apresentados na presente informação, considera-se que a liquidação aqui reclamada, está em conformidade com b ordenamento jurídico, não se verificando os pressupostos do n.º 1 do art.º 43.º da LGT, ficando prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.

Em face da inexistência de prova dos exfluxos financeiros em favor dos sócios, e tendo a Reclamante admitido que "...nem sempre ter adotado o procedimento correio no que respeita ao depósito nas suas contas bancárias dos moios financeiros que integravam o seu ativo" (cfr. ponto 101 da petição);

Pelo que sou de opinião que deverá a presente reclamação ser indeferida, considerando que não foi acrescida aos autos, nova prova documental, nos termos do art. 74.º da LGT, que permita confirmar, de forma clara e inequívoca, o peticionado ou que ponham em causa a análise efetuada pelos serviços inspetivos,

V-CONCLUSÃO

Nestes termos, propõe-se o INDEFERIMENTO da presente reclamação, de acordo com os fundamentos da presente informação, notificando-se a Reclamante para, querendo, exercer o direito de audição prévia, consignado na. participação da formação da decisão, a que se refere a al. b) do n.º 1, do art.º 60.º da Lei Geral Tributária.

Em 01-01-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco H... era de € 16.198,00 (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Em 31-12-2014 o saldo bancário da conta de depósitos à ordem da Requerente no Banco H... era de € 8.974,69 (documento n.º 2);

No ano de 2014 foram efectuados nas contas n.ºs 268111, 268211 e 268212 os movimentos contabilísticos que se referem no documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

Em 31-10-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da matéria de facto

 

2.2.1. Os factos que foram dados como provados basearam-se nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e no processo administrativo.

 

2.2.2. Não se provou que os lançamentos contabilísticos efectuados pela Requerente no exercício de 2014, que constam do documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, tivessem sido por lapso. Na verdade, não foi apresentada qualquer prova de que existissem lapsos, nem é crível que existissem 15 lapsos, sem explicação plausível.  Na verdade, para além de não ter sido explicado qual o lapso e razões para tal ter ocorrido, é de presumir, à face das regras da experiência comum, que não tenha ocorrido qualquer lapso nos lançamentos referidos, pois, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, a contabilidade da Requerente «apresenta uma quantidade de movimentos contabilísticos reduzida, um volume de negócios de € 62.500,00 correspondente a uma única fatura ao seu único cliente, e que os movimentos dos mútuos a que o SP se refere são no valor de cerca de € 903.000,00".

 

2.2.3. Não se provou que o valor de € 840.500,00 (   ) corresponda a montante mutuado a sócios da Requerente em períodos anteriores a 2014. Não foi apresentada qualquer prova de movimentos financeiros realizados em anos anteriores a 2014 correspondentes aos valores que a Requerente diz terem sido mutuados nesses anos. A prova desses movimentos financeiros antes a 2014, se existissem, seria decerto fácil para a Requerente e, por isso, o facto de não a apresentar induz, à face das regras da experiência comum, à ilação processual de que esses movimentos não terão existido.

Por outro lado, o contrato de mútuo e os recibos apresentados pela Requerente como respeitando a quantias mutuadas são datados de 2014 e só foram registados no SAFT em 16-03-2015, o que indicia que terão sido elaborados em momento ou momentos posteriores a 2014. De qualquer forma, esse contrato e recibos datados de 2014 não podem considerar-se prova de que os hipotéticos mútuos tenham ocorrido em datas anteriores a 2014 e, desacompanhados de prova de correspondentes movimentos financeiros realizados em 2014, não pode considerar-se provado que os mútuos que nesses documentos se referem tenham ocorrido neste ano. Pelo contrário, neste contexto, é de concluir que são falsas as afirmações feitas nesses documentos de que nas datas neles referidas tenham sido efectuado os mútuos. Como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira no Relatório da Inspecção Tributária, os factos apurados justificam que se conclua que «se está perante uma tentativa de formalização de empréstimos, a posteriori, pretendendo o SP o reconhecimento como mútuos dos valores lançados a favor dos sócios (contas 268111, 268211 6268212)».

 

2.2.4. Não se provou que em  Março de  2015  a  Requerente  tenha recebido  na  sua  conta  de  depósitos  à  ordem  no Banco H... o  montante de € 600.000,00 como reembolso de mútuos. Da cópia de extracto da referida conta à ordem que consta do documento n.º 4 constam dois movimentos a crédito de € 150.000,00 e € 450.000,00, mas não há prova de que resultem de reembolso de mútuos. Na verdade, os recibos n.ºs 1 e 2 apresentados pela Requerente, datados de 15-12-2014 e 29-12-2014, referem os valores de € 500.000,00 e € 100.000,00, respectivamente, que não coincidem com qualquer daqueles movimentos a crédito, quer quanto aos valores quer quanto às datas. Por outro lado, na «Descrição» dos referidos movimentos bancários a crédito refere-se «ENTREGA VALORES P/ COBRANÇA» e «TFR. CMOF – C MÉDICA OFTALMOLO» o que não permite concluir pela entrega das quantias pelo «Senhor Dr.  D...» que figura nos recibos como tendo efectuado os pagamentos. Aliás, a «Descrição» referida no segundo movimento bancário, no valor de € 450.000,00 até induz a conclusão de que não se trata de uma transferência efectuada pelo «Senhor Dr. D...», designadamente em qualquer das datas referidas nos recibos como sendo aquelas em que os valores de € 500.000,00 e € 100.000,00 foram recebidos.

 

3. Matéria de direito

 

No ano de 2014, foram efectuados lançamentos em contas dos sócios da Requerente.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não se provou que lançamentos no valor global de € 840.500,00 resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais,  pelo que presumiu que tais lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento de lucros, invocando a presunção que estabelece o n.º 4 do artigo 6.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS).

Na sequência desse entendimento, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu liquidação por falta de retenção na fonte e liquidações de juros compensatórios.

A Requerente imputa os seguintes vícios à correção e liquidação impugnada:

erro sobre os pressupostos de facto por inexistência do facto tributário;

erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS;

inexistência de dever acessório de substituição tributária;

erro sobre os pressupostos de facto: a indevida consideração do montante de € 500.000,00 (cujo reembolso ocorreu no decurso de 2015) como alegado rendimento tributável;

ilegalidade da liquidação de juros compensatórios;

 

3.1. Questões da inexistência de facto tributário e da aplicação da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS

 

Por força do disposto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS, estão sujeitos a tributação em sede de IRS «os lucros das entidades sujeitas a IRC colocados à disposição dos respectivos associados ou titulares, incluindo adiantamentos por conta de lucros».

                O n.º 4 do artigo 6.º do mesmo Código estabelece que «os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros».

A Requerente defende que a sua contabilidade da Requerente não espelha a sua situação fáctica e não existe reconciliação bancária e que a divergência é explicada por contratos de mútuo celebrados com os seus sócios, os quais ocorreram em exercícios anteriores a 2014, mas que, por lapso, apenas foram relevados na contabilidade da Requerente no exercício de 2014.

Como resulta da matéria de facto fixada não se provou que os lançamentos efectuados na contabilidade em 2014 e registados no SAFT em Março de 2015 respeitem a mútuos celebrados antes de 2014.

Na verdade, o contrato de mútuo e os recibos apresentados pela Requerente em que se refere terem sido recebidas quantias a título de mútuos não merecem qualquer credibilidade, desde logo porque a própria Requerente diz que não foram efectuados mútuos nem entregues quaisquer quantias nas datas que neles são referidos, mas em anos anteriores. Por outro lado, embora nesses documentos se refira que nas datas neles apostas foram entregues as quantias que neles se indicam, não foram comprovados quaisquer movimentos financeiros que permitam concluir que tais afirmações correspondam à realidade.

O facto tributário previsto na alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS é consubstanciado pela colocação à disposição de lucros ou adiantamentos por conta de lucros.

É a colocação à disposição que determina a sujeição a tributação, como se confirma pela subalínea 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do mesmo Código.

A colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros pressupõe um ato da sociedade de que se possa concluir que decidiu atribuir aos sócios quantias, o que não sucede quando, à revelia da vontade social, haja uma mera apropriação por sócios de quantias retiradas da sociedade ou que não chegaram sequer a ser entregues à sociedade, sem qualquer título que permita concluir que a sociedade dispôs de quantias a favor de sócios.

Isto não significa que a eventual apropriação ilícita     afaste a tributação em sede de IRS no âmbito da categoria E, já que a ilicitude da obtenção de rendimentos de capitais não afasta a tributação em IRS, nos termos do artigo 1.º, n.º 1, e 5.º, n.º 1, do CIRS. Na verdade, como se infere do uso da palavra «designadamente» ao elencar as várias situações descritas nas alíneas do n.º 2 do artigo 5.º do CIRC, estas são mera concretização não exaustiva dos rendimentos de capitais tributáveis genericamente definidos no seu n.º 1.

Mas, o facto de, eventualmente, terem ocorrido factos em anos anteriores a 2014, de que tenha resultado a detenção por sócios de quantias pertencentes à sociedade, que poderiam ser tributados no âmbito da categoria E de IRS, relativamente às quantias que em 2014 vieram a ser indicadas como objecto de mútuos, não obsta a que seja aplicada a tributação a factos tributários que ocorreram em 2014, designadamente a colocação à disposição pela sociedade de lucros ou adiantamentos por conta de lucros a que se refere a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS. Na verdade, são frequentes (   ) as situações em que as normas de incidência tributária são potencialmente aplicáveis a uma mesma realidade económica substancial, como é o caso, desde logo, da própria alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º, ao prever cumulativamente a tributação da colocação à disposição dos associados do adiantamento por conta de lucros e dos próprios lucros quando vierem a ser distribuídos. Em situações deste tipo, de concurso de normas de incidência tributária, será de afastar, em regra, a cumulação de tributação relativamente a um mesmo rendimento (por força dos princípios da igualdade, da capacidade contributiva e da justiça), mas não haverá qualquer fundamento para não aplicar qualquer das normas, se não ocorreu a cumulativa aplicação de outra.

Por isso, no caso em apreço, não tendo havido tributação por qualquer facto anterior a 2014 conexionada com a detenção pelos sócios da Requerente das quantias que foram indicadas como objecto de contratos de mútuo em 2014, a questão que se coloca é apenas a de saber se os factos ocorridos se inserem no âmbito de incidência do referido artigo 5.º, n.º 2, alínea h), do CIRC.

Como se referiu, a colocação à disposição dos associados de lucros ou adiantamentos por conta de lucros que a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º do CIRS configura como facto tributário que pressupõe um acto da sociedade de que se possa concluir que esta decidiu transferir quantias para a disponibilidade dos sócios.

Os factos provados de que se pode inferir que a Requerente decidiu disponibilizar quantias aos sócios são os lançamentos efectuados nas contas 268111, 268211 e 268212, no exercício de 2014. À face da prova produzida, é com estes actos que se pode considerar que as quantias objecto de lançamento nas contas referidas foram disponibilizadas aos sócios, independentemente dos momentos anteriores ou posteriores em que tenham sido concretizados movimentos financeiros.

Por outro lado, resulta da prova produzida que tais lançamentos não resultaram de mútuos. Foi formalizado por escrito um contrato de mútuo e emitidos recibos, mas resulta da prova produzida que não ocorreu a materialidade que lhes deveria corresponder, designadamente de que tenha ocorrido por efeito de contratos de mútuo a transferência de bens que é característica essencial do contrato de mútuo. Na verdade, «o mútuo é, de sua natureza, um contrato real, no sentido de que só se completa pela entrega (empréstimo) da coisa» (   ), sendo a entrega um efeito do contrato.

Não se coloca, assim, a questão da requalificação de actos (mútuos) em distribuição de lucros, pois aqueles não existiram, subsistindo provada apenas a materialidade dos lançamentos efectuados  no exercício de 2014. Por isso, não se está perante situação em que fosse necessário accionar a cláusula geral antiabuso.

Neste contexto, tendo-se provado os lançamentos nas contas dos sócios e que estes não resultaram dos mútuos invocados pela Requerente e não sendo sequer aventado que aqueles resultem da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, verificam-se todos os requisitos da presunção prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS, pelo que é de concluir que os lançamentos foram efectuados a título de lucros ou adiantamento dos lucros.

De qualquer modo, sendo a existência de mútuos alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, a hipotética dúvida que subsistisse sobre essa existência sempre teria de ser valorada processualmente contra a Requerente, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, já que é ela quem alega a sua existência.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto aos vícios de erro sobre os pressupostos de facto por inexistência de facto tributário e de erro sobre os pressupostos de direito na aplicação do artigo 6.º, n.º 4, do CIRS.

 

3.2. Questão da inexistência de dever acessório de substituição tributária

 

A Requerente defende que «os rendimentos alegadamente colocados à disposição dos seus sócios pela Requerente encontram suporte em mútuos, portanto, não poderiam ser sujeitos a tributação na esfera da Requerente, por falta de norma de incidência objetiva, e, consequentemente, não deveriam ser sujeitos a retenção na fonte» e  que a presunção de distribuição de lucros prevista no n.º 4 do artigo 6.º do CIRS apenas permite  uma liquidação de IRS aos sujeitos passivos pessoas singulares.

Refere ainda a Requerente que «nunca a aplicação de uma presunção permitiria a ficção de uma obrigação acessória de um terceiro» e que a aplicação da cláusula geral antiabuso não permite a imposição de uma obrigação acessória de retenção na fonte na esfera de um terceiro.

A Requerente parte de pressupostos errados, pois o artigo 6.º, n.º 4, do CIRS não, estabelece uma ficção legal, que se consubstancia na atribuição pelo legislador a um facto das consequências jurídicas de outro, com indiferença em relação à realidade.  

Nesta norma não é isso que sucede, pois estabelece-se uma presunção que, de harmonia com o artigo 349.º do Código Civil, se traduz numa ilação que a lei tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido. Neste caso, com base em factos conhecidos, que são os lançamentos nas contas de sócios referentes ao exercício de 2014, firmam-se factos desconhecidos, que são a disponibilização de lucros ou adiantamento de lucros nesse exercício. Mas não se verifica aqui a indiferença em relação à realidade que caracteriza as ficções legais.

Esta presunção pode ser ilidida, nos termos do n.º 5 daquele artigo 6.º do CIRS. Mas, não tendo sido ilidida a presunção, é de considerar provado que os lançamentos referidos foram feitos a título de lucros ou adiantamento de lucros.

A tributação em IRS dos rendimentos provenientes de colocação de lucros à disposição dos sócios é feita através de retenção na fonte, por força do disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, com remissão para a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º, retenção que deve ser efectuada pela entidade devedora de rendimentos [alínea a) do n.º 2 do artigo 101.º do CIRS], no momento em que ocorre a colocação à disposição [artigo 7.º, n.º 3, alínea a), subalínea 2), do CIRS].

Tratando-se de retenção na fonte a título definitivo, à taxa liberatória de 28%, como se estabelece no n.º 1 do artigo 71.º do CIRS, «o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram», como decorre do n.º 3 do artigo 28.º do LGT e do n.º 3 do artigo 103.º do CIRS.

  Por outro lado, não resultando os lançamentos referidos de mútuos, da prestação de trabalho ou exercício de cargos sociais, como resulta da matéria de facto, presume-se que foram efectuados a título de lucros ou adiantamento de lucros, pelo que não há aqui qualquer requalificação ou alteração da natureza dos rendimentos colocados à disposição dos sócios através desses lançamentos, não se aplicando neste âmbito os obstáculos que a Requerente invoca quanto à exigência do imposto ao substituto tributário que se podem colocar a nível da aplicação da cláusula geral anti-abuso.

O estabelecimento de presunções na tributação de rendimentos ou determinação da matéria tributável é constitucionalmente admissível, desde que se admita a possibilidade da sua ilisão, como entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 348/97, de 29-04-1997, processo n.º 63/96, publicado no Boletim do Ministério da Justiça n.º  466, página 140. 

Por outro lado, a Requerente não concretiza nem se vê como é que a tributação do substituto tributário que não efectua retenção na fonte numa situação em que a lei a prevê seja incompaginável com o princípio da confiança e da segurança jurídica, ínsitos no princípio do Estado de direito democrático consagrado no artigo 2.º da CRP. Na verdade, a Requerente efectuou lançamentos nas contas dos sócios que não resultam de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de funções em órgãos sociais, o que era do seu  conhecimento, pelo que se está perante a aplicação das referidas normas do CIRS a situações explicitamente nelas previstas.

No que concerne às alegadas violação do princípio da proporcionalidade e tributação com base na capacidade contributiva, que emanam dos artigos 13.º, 18.º e 104.º da CRP, a requerimento também não explicita de que forma eles são violados.

De qualquer forma, na linha do que já entendeu o Tribunal Constitucional no acórdão n.º 231/16, de 03-05-2016, processo n.º 1085/15, estes princípios constitucionais não são violados pela imposição da tributação ao substituto tributário, pois, em suma:

– sendo o imposto retido na fonte pelo substituto, este não deve entregá-lo ao seu titular, pelo que apenas o substituído é onerado com o imposto, sendo apenas quanto a ele que se pode colocar a questão da tributação com base na capacidade contributiva;

– no que respeita ao princípio da igualdade fiscal, ínsito nos artigos 13.º e 104.º, n.º 1, da Constituição, a Requerente não explica em que é que se consubstancia a inconstitucionalidade que invoca, mas vale aqui o que se referiu sobre o princípio da capacidade contributiva, já que é o substituído e não o substituto o onerado com a tributação;

– as normas de que resulta a exigência do imposto ao substituto quando não cumpre o têm natureza de normas anti-abuso especiais, que prosseguem a finalidade de prevenir ou desincentivar comportamentos lesivos da administração tributária, do mesmo passo que facilitam e agilizam procedimentalmente a cobrança das quantias devidas, o que justifica essa possibilidade de exigência do imposto a quem não é o titular do rendimento e afasta a ofensa do princípio da proporcionalidade.

 

Pelo exposto, improcede a alegação vício de inexistência de dever acessório de substituição tributária, pois ele está previsto na lei e compagina-se com a CRP.

 

3.3. Questão do erro sobre os pressupostos de facto: a indevida consideração do montante de € 500.000,00 como rendimento tributável

 

A Requerente defende a liquidação impugnada enferma de vício de erro sobre os pressupostos de facto por ter subjacente, além do mais, o montante de € 500.000,00 referido no contrato de mútuo, cujo reembolso defende ter ocorrido no decurso de 2015.

Neste contexto, refere a Requerente que, em 31-12-2014, foi registado um movimento a crédito de € 500.000,00 – que anula o movimento a débito de 31-01-2014 no mesmo valor e significa que existiu o reembolso daquele montante à Requerente efetuado pelo seu sócio D... .

Porém, como já se referiu no ponto 2.2.4.. na fundamentação da decisão da matéria de facto, não se pode considerar provado que o lançamento efectuado em 31-01-2014 na conta 268111 resulte de um mútuo, nem que o registo efectuado na mesma conta em 31-12-2014 corresponda a um reembolso desse mútuo.

Não há qualquer prova de que tenha sido entregue ao sócio Dr. D..., em 20-01-2014, a quantia de € 500.000,00 que se refere no contrato de mútuo como tendo sido entregue nessa data (página 122 da 1.ª parte do processo administrativo), nem que a Requerente, em 15-12-2014, tenha recebido desse sócio a quantia de € 500.000,00, como se refere no recibo apresentado  (página 125 da 1.ª parte do processo administrativo).

Assim, não se provou que o lançamento da quantia de € 500.000,00 na conta do sócio Dr. D... resulte de mútuo nem que tenha ocorrido o seu reembolso, nem nas datas em que foram efectuados os lançamentos nem nas que são indicadas no contrato de mútuo e recibo referidos.

Por outro lado, também não se provou que as quantias de € 150.000,00 e € 450.000,00 depositadas na conta da Requerente no Banco H..., em 13-03-2015 e 25-03-2015,  se reportem a reembolso da quantia de € 500.000,00 que se refere no recibo datado de 15-12-2014 ter sido nesta data recebido do sócio Dr. D... . Na verdade, para além da não correspondência de datas e de montantes, os descritivos dos movimentos bancários «ENTREGA VALORES P/ COBRANÇA» e «TFR. CMOF – C MÉDICA OFTALMOLO» não permitem concluir pela entrega das quantias pelo «Senhor Dr. D...» que figura nos recibos como tendo efectuado os pagamentos.

Também quanto a este ponto, sendo a existência de reembolsos de mútuos alegada pela Requerente e não havendo razões para crer que eles existiram, as hipotéticas dúvidas que subsistissem sobre os reembolsos sempre teriam de ser valoradas processualmente contra a Requerente, por força do preceituado no n.º 1 do artigo 74.º da LGT, já que é ela quem alega a sua existência.

Pelo exposto, a liquidação impugnada não enferma deste vício que a Requerente lhe imputa a título subsidiário.

 

3.4. Questão da ilegalidade da liquidação dos juros compensatórios

 

 A Requerente defende que não estão reunidos os pressupostos da liquidação de juros compensatórios, designadamente retardamento da liquidação por facto que lhe seja imputável e culpa.

Da prova produzida resulta que existiu retardamento da liquidação, pois as retenções na fonte deveriam ser efectuadas relativamente a cada um dos lançamentos que foram efectuados nas contas dos sócios que se referiram.

Quanto à culpa, o Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender que, «quando uma determinada conduta constitui um facto qualificado por lei como ilícito, deverá fazer-se decorrer do preenchimento da hipótese normativa, por ilação lógica, a existência de culpa, na forma pressuposta na previsão do tipo de ilícito respectivo». (   )

No Relatório da Inspecção Tributária, que contém os fundamentos das liquidações,  é imputada à Requerente, no ponto «VII - INFRAÇÕES VERIFICADAS», uma «infração à alínea a) do n.º 2 do artigo 101º do CIRS, punível pelo n.ºs 2 e 4 do artigo 114º e n.º4 do artigo 26º, ambos do Regime Geral das Infrações Tributárias (RGIT)», o que tem ínsito a imputação de culpa, já que se trata de infracção punível a título de dolo ou negligência.

Por outro lado, a imputação de infracção está conexionada com a imputação de juros compensatórios, referida no mesmo ponto do RIT, imediatamente a seguir: «A não entrega nos cofres do Estado da prestação tributária fica ainda sujeita a juros compensatórios nos termos do artigo 91.º do CIRS e do art.º 35.º da Lei Geral Tributária (LGT)».

Assim, é de concluir que a responsabilidade por juros compensatórios foi imputada à Requerente com fundamento em culpa.

Esta culpa, que se consubstancia num juízo de censura a actuação da Requerente, é manifesta numa situação como a dos autos, em que a Requerente, para além de não ter efectuado as retenções na fonte que deveria ter efectuado, ainda apresentou documentos para prova de contratos de mútuo que, como se considerou provado, não têm correspondência à realidade, designadamente quanto às transferências patrimoniais que neles se referem como tendo sido efectuadas nas datas neles indicadas.

Assim, tendo ocorrido atraso nas retenções na fonte, que deveriam ter sido efectuadas nas datas em que foram efectuados os lançamentos (colocação à disposição), em sintonia com o preceituado no artigo 98.º, n.º 1, do CIRS, verificam-se os requisitos da exigência de juros compensatórios, designadamente o retardamento das liquidações que deferiam ter sido efectuadas através de retenções na fonte e a imputação de culpa à Requerente.

Improcede, assim, o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.

 

3.4. Juros indemnizatórios

 

A Requerente pagou as quantias liquidadas e pretende ser reembolsada delas, acrescidas de juros indemnizatórios.

Não se demonstrando ilegalidade das liquidações, elas subsistem na ordem jurídica, pelo que não há fundamento para reembolso da quantia paga.

Os juros indemnizatórios dependem da existência de pagamento indevido (artigo 43.º, n.º 1, da LGT) e, neste caso, não se demonstrou que o pagamento fosse indevido.

Improcedem, assim, estes pedidos de reembolso e juros indemnizatórios.

 

4. Decisão  

                De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em: 

a)            Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral.

b)           Absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira de todos os pedidos.

 

6. Valor do processo 

 

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de € 269.128.41.

 

  7. Custas 

 

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 4.896,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 29 -05-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Maria Alexandra Mesquita)

(Jorge Carita)