DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros designados para formarem o Tribunal Arbitral, Dra. Alexandra Coelho Martins, árbitro presidente, Prof. Doutor Rui Duarte Morais, designado pela Requerente, e Dra. Sofia Ricardo Borges, designada pela Requerida, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A... SGPS, S.A., doravante “Requerente” ou A... SGPS, pessoa coletiva número..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo e deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, 5.º e 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e, bem assim, no artigo 2.º, alínea a) da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, e nos artigos 99.º e 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
A Requerente peticiona a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida contra a liquidação adicional n.º 2018... de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”), do exercício de 2015, consubstanciada no documento de compensação n.º 2018..., no montante total a pagar de € 822.955,85 (incluindo juros compensatórios), e também a anulação desta liquidação adicional, abrangendo, quer o imposto, quer os respetivos juros. A título subsidiário, e caso assim não se entenda, requer a anulação dos juros compensatórios subjacentes à liquidação adicional de IRC. Juntou trinta documentos e requereu prova testemunhal.
Em 4 de junho de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT em 14 de junho de 2019.
A Requerente designou como árbitro o Prof. Doutor Rui Duarte Morais, no uso da prerrogativa prevista no artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT.
Nos termos do disposto do artigo 6.º, n.º 2, alínea b) do RJAT, e dentro do prazo previsto no artigo 13.º, n.º 1, a substituta legal da dirigente máxima do serviço da AT designou como árbitro a Dra. Sofia Ricardo Borges.
Os árbitros designados pelas partes comunicaram ao CAAD a designação da Dra. Alexandra Coelho Martins como árbitro presidente, conforme previsto no artigo 11.º, n.º 6 do RJAT.
Todos os árbitros comunicaram a aceitação do encargo, tendo o Exmo. Presidente do CAAD informado as partes dessa designação em 5 de agosto de 2019, para efeitos do disposto no artigo 11.º, n.º 7 do RJAT.
Em 27 de agosto de 2019, não tendo as partes manifestado oposição, o Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído.
Em 7 de outubro de 2019, a Requerida apresentou Resposta, na qual se defende por impugnação, juntando posteriormente o processo administrativo (“PA”).
Por despacho de 18 de outubro de 2019, foi determinada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apensação da prova produzida no processo arbitral n.º 161/2018-T, relativo à Requerente e a idênticos factos, embora reportada a outro exercício económico (2012). A diligência foi reagendada por impedimento de uma testemunha.
Em 4 de dezembro de 2019, realizou-se no CAAD a referida reunião, na qual foram ouvidos os depoimentos das duas testemunhas indicadas pela Requerente.
As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixada a data para prolação da decisão arbitral.
A Requerente apresentou alegações finais em 16 de dezembro de 2019, nas quais mantém a sua posição, considerando-a sufragada pela prova testemunhal produzida.
Em 17 de janeiro de 2020, a Requerida apresentou as suas alegações e reitera os fundamentos e conclusões constantes da resposta e do Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”).
Foi prorrogado o prazo para prolação da decisão, ao abrigo do artigo 21.º, n.º 2 do RJAT, por despachos de 19 de fevereiro e de 21 de abril de 2020, atenta a complexidade das questões suscitadas.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
A causa de pedir da Requerente é complexa e abrange, em síntese, os seguintes fundamentos:
a) GASTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE
a.1) DESLOCAÇÕES E ESTADAS
a.2) DESPESAS ALEGADAMENTE NÃO JUSTIFICADAS
b) VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA
b.1) PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS INTRAGRUPO E ATIVIDADE ACIONISTA. REPERCUSSÃO DA INTEGRALIDADE DOS GASTOS ELEGÍVEIS
b.2) ACRÉSCIMO DE ENCARGOS
c) TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA SOBRE DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO
d) SALDO DE BENEFÍCIO FISCAL A DEDUZIR (SIFIDE)
e) JUROS COMPENSATÓRIOS
a) GASTOS NÃO ACEITES FISCALMENTE (€ 53.799,24)
a.1) DESLOCAÇÕES E ESTADAS (€ 34.271,95)
Para a Requerente, a AT não pôs em causa a efetiva realização dos gastos, relativos a viagens de funcionários das participadas, nem os descritivos das faturas, limitando-se a invocar, sem, contudo, demonstrar, a falta de relação dos beneficiários dos gastos com a Requerente, por ausência de vínculo direto com esta e de nexo causal para a realização dos seus proveitos.
Não tendo a AT provado os pressupostos de facto da liquidação, i.e., que o gasto suportado pela Requerente não se subsume na previsão normativa do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, não cumpriu o ónus da prova que lhe competia, dada a presunção de veracidade das declarações dos contribuintes, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (“LGT”) e o disposto no artigo 74.º, n.º 1 do mesmo diploma.
a.2) DESPESAS ALEGADAMENTE NÃO JUSTIFICADAS (€ 19.527,29)
A Requerente considera, de igual modo, que a AT não satisfez o ónus da prova em relação aos gastos cuja dedução não foi aceite por, alegadamente, não ter sido justificada a sua natureza e tipologia.
Em ambos os casos [a.1 e a.2], a Requerente conclui estarem preenchidos os requisitos da dedutibilidade fiscal dos gastos, nos moldes previstos no artigo 23.º do Código do IRC, devendo a correção ser anulada por vício de violação de lei por erro nos pressupostos derivado do incumprimento do ónus da prova por parte da AT.
b) VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA (€ 3.189.036,81)
b.1) PRESTAÇÕES DE SERVIÇOS INTRAGRUPO E ATIVIDADE ACIONISTA. REPERCUSSÃO DA INTEGRALIDADE DOS GASTOS ELEGÍVEIS
Segundo a Requerente, os gastos incorridos que não foram por si repercutidos às sociedades participadas não teriam de o ser, pois respeitam à atividade acionista, de controlo de gestão e de expansão e internacionalização, exercida em seu benefício exclusivo com o intuito de obter o retorno do seu investimento, não aportando benefício direto e imediato para as participadas. As operações realizadas com a atividade acionista não são suscetíveis de faturação, pelo que inexiste qualquer omissão [de faturação]. A AT não produziu qualquer prova que permitisse extrair a conclusão de que as participadas foram as beneficiárias diretas e imediatas da atividade acionista desenvolvida pela Requerente.
Deste modo, a prestação de serviços intragrupo compreende apenas serviços de gestão e administração, que são de elevado valor acrescentado, e redébitos de despesas. Só estes devem ser (e foram) faturados às participadas, por gerarem benefícios diretos e imediatos na esfera daquelas.
Por outro lado, o facto de os gastos operacionais da Requerente, no valor € 6.354.898,63 (dos quais € 3.794.814,20 referentes a gastos com pessoal), serem consideravelmente superiores aos seus proveitos operacionais, no montante de € 3.561.000,00, não legitima a ilação da AT, que assume que a Requerente não faturou serviços que presumivelmente prestou às suas participadas. Uma parte significativa dos gastos incorridos respeita à atividade acionista, que originou elevados proveitos, embora não operacionais, materializados em dividendos expressivos (no ano em causa de € 5.000.000,00).
Assim, afirmar que a Requerente não faturou alegadas prestações de serviços é desprovido de sentido, pois, contrariamente àquele que é o enfoque da argumentação da Requerida, não há desproporção entre gastos e proveitos. O retorno económico, efetivo, resultou da soma de diversas componentes: lucros distribuídos pelas participadas, faturação de prestações de serviços intragrupo e juros (respetivamente € 5.000.000,00 + € 3.561.000,00 + € 488.720,00, no total de € 9.049.720,00).
A circunstância de o resultado fiscal da Requerente (de –€ 3.850.827,86) não corresponder ao resultado líquido (contabilístico) do período (de € 1.149.812,99), prende-se com o facto de os dividendos serem de fonte estrangeira e tributados nos países da fonte, aplicando-se em Portugal, país da residência, os mecanismos legais de eliminação da dupla tributação internacional.
Por outro lado, na perspetiva da Requerente, a AT confundiu gastos elegíveis para determinação do preço-hora a aplicar aos serviços intragrupo (acrescido de um mark up de 10%) com gastos a debitar por serviços intragrupo efetivamente prestados às sociedades participadas.
Os gastos a faturar por serviços intragrupo não correspondem ao custo associado a todas as horas disponíveis (acrescido da referida margem), mas somente ao que respeita às horas (homem) efetivamente despendidas pela Requerente nessa atividade de prestação de serviços (23.427 horas). As horas consumidas na atividade acionista não são suscetíveis de faturação.
A AT, apesar de alegar falta de demonstração do preço-hora aplicado pela Requerente, não retirou daí consequências, nem indicou qual seria o preço de mercado, acabando por validar o preço-hora praticado de € 152,00 e a margem de 10% nele implícita que, segundo a Requerente, está em conformidade com o parâmetro de mercado, de acordo com o método da margem líquida da operação (MMLO), cumprindo os critérios do artigo 63.º do Código do IRC e da Portaria 1446-C/2011, de 21 de dezembro (artigos 4.º a 10.º). Inclusivamente, foi com base nesse preço que a AT procedeu às correções efetuadas.
Todavia, caso não fosse o método mais correto, a AT devia ter demonstrado (artigo 74.º da LGT), de forma especialmente fundamentada (nos termos do artigo 77.º, n.º 3 da LGT), as razões da discordância e explicitar o método adequado, o que não fez.
Refere ainda a Requerente que, em relação à repartição horária dos funcionários entre as “horas acionista” e o “total de horas debitadas”, a respetiva explicação e demonstração consta do Dossier de Preços de Transferência e da matriz de distribuição de horas junta com a sua resposta aos pedidos de elementos feitos pela AT. Salienta não ter sido colocada qualquer questão no procedimento inspetivo sobre esta matéria, designadamente sobre a razão da não inclusão de alguns colaboradores, que se deveu a estarem exclusivamente afetos à atividade acionista (não faturável), ou a serem estagiários com funções meramente auxiliares e preparatórias. Neste âmbito, conclui que a AT violou o princípio do inquisitório e da (descoberta da) verdade material, constante dos artigos 58.º da LGT e 6.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira (“RCPITA”). Se subsistissem dúvidas, devia tê-las esclarecido em obediência ao princípio da colaboração, consagrado nos artigos 59.º LGT e 9.º do RCPITA, resultando também infringido o disposto no artigo 75.º, n.º 1 da LGT.
De acordo com a Requerente, a AT, ao considerar toda a base de gastos elegíveis para a determinação do preço-hora como suscetível de faturação, com o argumento de que não estava fundamentada a repartição horária entre a atividade acionista e a atividade de prestação de serviços intragrupo, imputou-lhe [à Requerente] um lucro desprovido de adesão à sua real capacidade contributiva e transformou o imposto numa sanção, violando os artigos 103.º, n.º 1 e 104.º da Constituição que estabelecem os fins (não sancionatórios) da tributação, o princípio da justiça (artigos 266.º, n.º 2 da Constituição, 55.º da LGT e 8.º do Código do Procedimento Administrativo (“CPA”)) e o princípio da capacidade contributiva, corolário do princípio da igualdade (artigos 13.º da Constituição e 4.º da LGT).
Sem prescindir, a Requerente acrescenta que, caso tivesse incorrido em erro de qualificação dos gastos apurados, devia ser corrigida apenas na medida dos gastos suportados em conexão com a prestação de serviços intragrupo, sob pena de violação dos princípios acabados de referir e, bem assim, do princípio da proporcionalidade (artigos 266.º, n.º 2 da Constituição, 55.º da LGT e 7.º do CPA).
No limite, entende que a prova produzida sempre seria suficiente para dela resultar fundada dúvida sobre os pressupostos de facto da liquidação, sendo neste caso anulável ao abrigo do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT.
b.2) ACRÉSCIMO DE ENCARGOS (€ 637.589,33)
Segundo a Requerente, os gastos incorridos com consultoria internacional e viagens para prestar serviços de auditoria (interna) ou outros nas sociedades participadas consubstanciam o exercício da sua atividade acionista, realizada no seu interesse único, através do controlo de gestão. Constitui, desta forma, erro de direito da AT a respetiva qualificação como prestações de serviços intragrupo abrangidas pela obrigação de faturação às participadas, que inexiste. A AT não satisfez o ónus da prova de demonstrar que tais gastos foram incorridos em benefício das participadas. Sem prescindir, se tais gastos tivessem de ser refaturados, para a Requerente deviam sê-lo sem adição de margem, concluindo pela violação dos artigos 15.º, 20.º e 23.º do Código do IRC.
c) TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA SOBRE DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO (€ 18.903,69)
De acordo com a Requerente, as despesas incorridas com a realização de reuniões de liderança (€ 173.429,57), nas quais apenas participam colaboradores do Grupo, reuniões de assembleias gerais e de apresentação de contas aos bancos (€ 16.608,41) não aproveitam a terceiros externos ao Grupo que a Requerente encabeça e não se destinam a representar a sociedade, mas a assegurar o normal exercício da sua atividade acionista, nomeadamente promovendo reuniões com os responsáveis das sociedades participadas. Não são, por isso, enquadráveis no conceito de despesas de representação, previsto no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC. A própria AT qualifica esse tipo de despesas como “outras realizações de utilidade social” no Ofício n.º..., de 21 de fevereiro de 1996 da Direção de Serviços de IRC, ocorrendo, no entender da Requerente, vício de violação de lei por falta de enquadramento no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC.
d) SALDO DE BENEFÍCIO FISCAL A DEDUZIR (SIFIDE)
Por força da correção promovida pelos Serviços de Inspeção, o valor da coleta a pagar pela Requerente aumentou (foi corrigida) para a importância de € 968.451,47. No entender da Requerente, se tais correções fossem procedentes, a AT tinha a obrigação de deduzir o saldo ainda não utilizado em 2015 do Sistema de Incentivos Fiscais à Investigação e ao Desenvolvimento Empresarial (“SIFIDE”), no valor de € 41.284,14, até à concorrência da coleta do IRC. Afirma estar justificado e suportado documentalmente o saldo invocado como dedutível à coleta.
A circunstância de o benefício ter nascido antes da entrada da sociedade que o originou (promotora do investimento) no Grupo tributado pelo Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (“RETGS”) não implica, ao contrário do que a AT defende, que fique sujeito ao limite máximo da coleta individual que essa sociedade operaria se não tivesse sido integrada no Grupo.
Na perspetiva da Requerente, o RETGS é um regime de tributação agregada. O artigo 90.º do Código do IRC não faz qualquer diferenciação entre os benefícios apurados antes e após a vigência do RETGS e o Código Fiscal do Investimento (“CFI”) não contém uma norma geral que estabeleça uma solução uniforme relativamente à limitação, ou não, da dedutibilidade dos benefícios fiscais em caso de sociedades abrangidas pelo RETGS. Não havendo norma específica para a dedução do benefício do SIFIDE, deve assumir-se como se de uma só entidade se tratasse e as deduções serem efetuadas de acordo com o artigo 90.º, n.º 6 do Código do IRC, no montante apurado relativamente ao Grupo, nos termos do n.º 1 do mesmo preceito, sem que a dedução fique limitada à coleta individual da sociedade em causa. Nesta matéria, propugna que a liquidação se encontra inquinada por vício de violação de lei por erro de direito.
e) JUROS COMPENSATÓRIOS
Por fim, a Requerente afirma não haver lugar a juros compensatórios, verificando-se meras divergências interpretativas da lei, pelo que a sua conduta não é censurável a título de dolo ou negligência.
Desta forma, considera não lhe ser imputável o retardamento da prestação tributária, por não estarem preenchidos os respetivos pressupostos legais, em concreto o elemento da culpa, nos termos do artigo 35.º, n.º 1 da LGT. Neste sentido, invoca o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 11 de março de 2009, referente ao processo n.º 0961/08, e conclui que a liquidação de juros padece de vício de violação de lei por erro de direito.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Na sua resposta a Requerida reproduz e confirma o entendimento vertido pelos Serviços de Inspeção no Relatório de Inspeção Tributária (“RIT”), salientando que estes constataram que a Requerente, à semelhança do verificado nos anos económicos anteriores, apresentava no ano em análise um resultado negativo potenciado por custos operacionais bastante superiores aos ganhos da mesma natureza, originando um resultado operacional negativo. Assim, sendo os ganhos operacionais correspondentes à faturação de serviços prestados às suas participadas, a Requerente foi notificada para identificar os gastos que foram faturados e os gastos que foram redebitados.
Em relação ao ónus da prova, sustenta que, estando em causa a qualificação das verbas contabilizadas como gastos fiscalmente dedutíveis, por força do artigo 74.º da LGT, caberá ao contribuinte, quando questionado, o ónus da prova da sua efetivação e da sua conformação à obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC.
Sobre as despesas com deslocações e estadas, refere que não foi evidenciado pela Requerente que as pessoas que realizaram as deslocações são funcionários das sociedades participadas, suscitando-se a dúvida fundada sobre a conformação das mesmas ao interesse individual da Requerente, como exige o artigo 23.º do Código do IRC.
Quanto aos outros gastos considerados não justificados, afirma a Requerida que os Serviços de Inspeção procuraram inquirir claramente da conformação de tais gastos com o estatuído no artigo 23.º do Código do IRC e que a Requerente não forneceu elementos concretos, sindicáveis, que permitissem comprovar que tais gastos se subsumiam à obtenção ou à garantia dos rendimentos sujeitos a IRC, como estatui o citado artigo 23.º. Argumenta que a Requerente não demonstrou em que medida tais gastos respeitam à sua esfera económica e não a terceiros, nomeadamente a razão pela qual a fatura emitida pela I..., relativa a serviços de consultoria alegadamente prestados, não foi emitida diretamente em nome da Requerente, ou a quem aproveitam os serviços de “desenvolvimento de sistemas de qualidade para a cadeia de fornecedores da indústria automotiva” e a que respeita o alegado “sistema ISSO/TS 16949 e 14001”.
Em matéria de violação do princípio de plena concorrência, na sequência da análise do Dossier de Preços de Transferência organizado pela Requerente, a Requerida sublinha não ter sido contestado o método da MMLO, nem a fixação da margem de 10%, ou os critérios de repartição pelas participadas. A discordância centra-se nos elementos utilizados – gastos elegíveis e número de horas debitáveis – que serviram de base ao apuramento do valor a faturar pelos serviços intragrupo.
Defende a Requerida que, perante a não disponibilização pela Requerente dos elementos respeitantes à atividade acionista, os Serviços de Inspeção consideraram que a totalidade do valor de gastos elegíveis, de € 5.449.912,00, estava associado às prestações de serviços às suas participadas, desconsiderando a sua ponderação pela percentagem de horas que foram debitadas (i.e., considerando debitável a totalidade das horas dos colaboradores ali incluídas). Para além disso, entende que estes devem ser acrescidos de encargos suportados pela Requerente com serviços de consultoria internacional e viagens para prestação de serviços de auditoria e outros às participadas, no montante de € 637.589,33.
Segundo a Requerida os elementos juntos pela Requerente não elucidam sobre o critério que serviu de base à repartição do número de horas entre “Horas Acionista” e “Total de Horas Debitadas” e, além disso, cinco funcionários que constam das declarações mensais de remunerações não figuram na listagem. Seria ainda necessária a prévia identificação das atividades desenvolvidas por cada um dos trabalhadores em benefício da Requerente. Invoca exigências acrescidas em matéria de documentação que recaem sobre os sujeitos passivos abrangidos pelas regras sobre preços de transferência, justificadas pela forte assimetria existente entre o acervo de informações na posse destes e as informações a que a AT pode aceder.
A correção da AT – consideração da totalidade dos encargos elegíveis como “faturáveis” e a adição de encargos específicos (de € 637.589,33) referentes a serviços de consultoria internacional, viagens para prestação de serviços de auditoria e outros – partiu do pressuposto de que nenhuma entidade independente estaria disposta a suportar encargos para proporcionar a outra entidade benefícios com valor económico ou comercial sem daí retirar qualquer vantagem, concluindo por um desvio dos custos elegíveis relativos aos serviços intragrupo para os custos do acionista.
Para a Requerida, é descabida a invocada violação do princípio do inquisitório e da verdade material, pois foi a conduta omissiva da Requerente, que não demonstrou/informou a real extensão dos custos de acionista, nem as razões pelas quais uma parte tão significativa dos gastos era absorvida pela atividade acionista, ou os critérios de atribuição de horas de trabalho efetivas, que deu azo às correções em apreço.
Face à conduta omissiva da Requerente, no tocante a demonstrar de forma inequívoca os gastos suportados com a atividade acionista e da correspondente repartição efetiva das horas de trabalho, só restava à Requerida proceder à imputação da totalidade dos gastos elegíveis à atividade de prestação de serviços intragrupo.
Quanto aos custos de auditoria às contas das participadas, entende que só são “custos do acionista” se a auditoria for realizada exclusivamente no interesse da Requerente, pelo que se o for também no interesse da sociedade participada, a atividade constitui em parte um serviço intragrupo, conforme Comunicação da Comissão, COM(2011)16 final, de 25 de janeiro de 2011.
Neste contexto, repudia a violação dos princípios da justiça, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, uma vez que as correções podem dar lugar ao ajustamento correlativo, nos termos previstos no artigo 63.º, n.ºs 11 e 12 do Código do IRC e nos artigos 17.º a 22.º da Portaria n.º 1446-C/2001.
Em relação à tributação autónoma, considera que as despesas das reuniões em causa são objetivamente despesas de representação, conforme definidas no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC, i.e., “suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no país ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades”.
A tributação autónoma destas despesas só pode ocorrer quando estejam em causa encargos dedutíveis, pelo que resulta claro o propósito do legislador de tributar as despesas que apresentem uma inegável ligação à atividade económica desenvolvida pelos sujeitos passivos e à prossecução do seu objeto social. Assim, o facto de as despesas estarem associadas à atividade do sujeito passivo não as deve afastar pois precisamente “a tributação autónoma de certas despesas ocorre quando simultaneamente a totalidade ou parte dessas despesas […] são fiscalmente aceites como custos fiscais da empresa” (acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 4 de junho de 2016, processo n.º 01613/15).
Por outro lado, a letra da lei não exclui que os trabalhadores da empresa sejam beneficiários destas despesas, pelo que não cabe à AT fazer essa exceção.
Em matéria de dedução do saldo do benefício fiscal referente a SIFIDE, a Requerida afirma que a mesma não é de admitir, uma vez que estão em causa benefícios gerados antes da entrada da respetiva sociedade (B..., S.A.) no RETGS, não tendo esta entidade apurado qualquer coleta de IRC em 2015.
Quanto aos juros compensatórios, preconiza serem devidos por imputabilidade ao contribuinte de um comportamento culposo.
Por fim, a Requerida pronuncia-se no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral, devendo manter-se na ordem jurídica o ato de liquidação impugnado, com a consequente absolvição da Requerida do pedido.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer do ato de liquidação de IRC e juros compensatórios controvertidos, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
A ação é tempestiva, tendo o pedido de pronúncia arbitral sido apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado da notificação do indeferimento da Reclamação Graciosa, de acordo com a remissão operada para o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT (alínea e)).
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos:
A. A A..., SGPS, S.A., aqui Requerente, tem por objeto social a atividade de gestão de participações sociais de outras sociedades, sendo a holding de topo do Grupo multinacional C..., com presença em quatro continentes, em cerca de quarenta localizações distintas, dedicado ao desenvolvimento e produção de peças e pequenos e médios componentes para a indústria automóvel, designadamente componentes estampados, subconjuntos genéricos, conjuntos soldados, estruturas metálicas de assentos, pedaleiras e travões de mão, entre outros – cf. Relatório de Inspeção Tributária do Grupo (“RIT Grupo”) e Relatório de Inspeção Tributária Individual da sociedade (“RIT”), em anexo àquele (anexo 1), conforme documento 7 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
B. A presença física da Requerente nos diversos países materializa-se em unidades industriais localizadas junto das fábricas dos seus clientes. que pertencem, regra geral, aos Original Equipment Manufacturers (“OEM's”) das grandes marcas da indústria automóvel. Dada a relação de confiança e parceria com os clientes, estes dirigem com frequência convites à Requerente, quando instalam uma fábrica num determinado país, para que esta (i.e., o Grupo C...) os acompanhe e crie uma unidade industrial nessa localização, o que é feito por aquisição e adaptação de uma fábrica local preexistente, ou mediante a criação de raiz de uma unidade nova – cf. RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
C. No final do ano 2015, o Grupo multinacional C..., liderado e gerido de forma ativa e centralizada pela Requerente, era constituído pelas seguintes sociedades – cf. RIT Grupo e RIT e documento 14 junto pela Requerente (Dossier de Preços de Transferência):
LLL..., INV. B.V.
KKK...
PPP.... Ltd.
QQQ…. Ltd.
BBB… Limited
III…. Ltd.
D..., S.A. D... Ltda.
R... AG E..., S.A.
RRR…
H… GmbH
JJJ… GmbH
H…GmbH
B..., S.A.
AAA...INC SSS... … …
…
… …
MMM… B.V. TTT... Inc.
UUU...Ltda. G… Inc.
VVV… Inc.
NNN… GMBH
BBB…
OOO... LTDA. GGG...Ltda.
CCC..., Ltda.
ZZ...Ltda.
HHH...S.R.L.
C... Ltda. CCC... [ilegível]
F..., S.A.
D. A Requerente é ainda a sociedade dominante de um grupo de sociedades que, desde 2014, optou pela tributação em IRC pelo regime especial de tributação de grupo de sociedades (“RETGS”) previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC – cf. RIT Grupo e RIT.
E. O Grupo tributado pelo RETGS encabeçado pela Requerente tem como sociedades dominadas as seguintes entidades – cf. RIT Grupo e RIT:
Designação Social NIF Percentagem de Participação
B..., S.A. ... 100%
D..., S.A. ... 100%
E…, S.A. ... 100%
F..., S.A. ... 100%
F. Com referência a 2015, a demonstração de resultados da Requerente continha a seguinte informação financeira – cf. RIT Grupo e RIT (Quadro 3):
DEMONSTRAÇÃO DE RESULTADOS – 2015
Vendas e serviços prestados 3.561.000,00 €
Ganhos imputados de subsidiárias 5.000.000,00 €
Fornecimentos e serviços externos -2.560.084,43 €
Gastos com pessoal -3.794.814,20 €
Outros rendimentos e ganhos 76.339,41 €
Outros gastos e perdas -2.019.960,68 €
Resultado antes de depreciações, gastos financeiros e impostos 262.480,10 €
Gastos/reversões de depreciação e amortização -82.395,32 €
Resultado operacional (antes de gastos financeiros e impostos) 180.084,78 €
Juros e rendimentos similares obtidos* 521.032,73 €
Juros e rendimentos similares suportados -151.220,65 €
Resultado antes de impostos 549.896,86 €
* Dos quais € 488.720,00 relativos a financiamentos concedidos a entidades relacionadas, de acordo com o Relatório de Preços de Transferência junto como documento 14.
G. Os dividendos obtidos por distribuição de lucros das participadas em 2015 (de € 5.000.000,00) não concorreram para a determinação do lucro tributável da Requerente, por beneficiarem do mecanismo de eliminação da dupla tributação económica de lucros previsto no artigo 51.º do Código do IRC – cf. RIT Grupo e RIT.
H. Em 2013 e 2014, os dividendos obtidos pela Requerente (ganhos imputados de subsidiárias) tinham-se cifrado em € 11.097.009.00 e € 4.500.000,00, respetivamente – Relatório de Preços de Transferência junto como documento 14.
I. A atividade concretamente desenvolvida pela Requerente subdivide-se em três áreas:
a) Gestão estratégica do Grupo e controlo da gestão das suas participadas;
b) Expansão e internacionalização;
c) Prestação de serviços intragrupo, de administração e gestão às sociedades participadas
– cf. RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
J. Na primeira área, cabe à Requerente a definição da orientação estratégica, financeira, comercial e laboral, de medidas de racionalidade económica e administrativa, da política de investimentos e de negócios do Grupo, tendo em vista impulsionar o seu crescimento e desenvolvimento, e da comunicação e relações institucionais perante o mercado, enquanto sociedade gestora de participações sociais. Insere-se ainda nesta área o controlo da atividade das suas participadas – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
K. Através da mencionada função de controlo da gestão, a Requerente visa obter, em tempo real, informações relevantes, designadamente financeiras, de segurança e de qualidade, sobre a atividade das participadas, de modo poder tomar atempadamente as decisões e adotar as medidas e ações necessárias, nomeadamente determinar mudanças na atividade e gestão das participadas, atendendo a que a indústria automóvel é particularmente exigente e sensível, inserindo-se num mercado global e competitivo – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
L. A primeira área assume particular importância para a Requerente dada a dispersão e distanciamento geográfico das sociedades participadas, espalhadas pelo mundo, sendo essencial a referida recolha de informação junto destas para que [a Requerente] conheça e acompanhe as situações, identificando-as em momento oportuno, para a definição da estratégia global do Grupo e para a medição dos seus resultados – cf. depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
M. Na área de expansão e de internacionalização do Grupo, a Requerente envolve-se na aquisição ou criação de novas unidades industriais e na aquisição ou constituição das sociedades participadas que irão deter, ou já detêm, essas unidades industriais – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
N. As mencionadas unidades industriais visam assegurar o fornecimento de peças aos clientes do Grupo liderado pela Requerente – players mundiais da indústria automóvel – nas localizações onde estes instalam as suas fábricas. Esta atividade tem permitido diversificar o risco da Requerente e aceder a novos mercados potenciando o incremento de dividendos e implica a elaboração de estudos prévios para aferir da viabilidade da criação ou aquisição de novas unidades industriais – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
O. Revela-se indispensável a proximidade das unidades de fornecimento de peças/componentes produzidas pelas participadas da Requerente às fábricas dos clientes, seja porque a indústria automóvel pratica o sistema de just in time (ou zero stock, reduzindo ao máximo os inventários, que ficam na esfera dos fornecedores até ao limite, i.e., até ao momento de entrada na linha de montagem), seja por ser inviável do ponto de vista económico produzir as peças/componentes a longa distância das fábricas dos clientes, dado o custo de transporte inerente, seja porque alguns países têm políticas protecionistas contra a importação – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
P. A instalação, nos diversos países, das unidades industriais, por aquisição ou constituição de raíz, assim como a aquisição ou a constituição das sociedades participadas que irão deter, ou já detêm, aquelas unidades, implicam deslocações dos colaboradores da Requerente para, entre outras tarefas, negociar, realizar auditorias às empresas a adquirir, adotar os procedimentos de instalação (jurídica, fiscal, contabilística) e supervisionar os projetos industriais – cf. depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
Q. Por fim, a última área de atividade respeita à prestação de um conjunto alargado de serviços de administração e gestão às diversas entidades que integram o Grupo, no âmbito das competências previstas nos contratos celebrados entre a Requerente e as suas participadas, abrangendo recursos humanos, serviços administrativos, gestão financeira, auditoria interna e controlo de gestão, controlo da qualidade, mercados e logística e apoio transversal ao nível da formação do pessoal – cf. documento 14 junto pela Requerente, RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
R. Estes serviços de administração e gestão assumem significativa relevância na atividade da Requerente e são considerados essenciais para as participadas. Direcionam-se para a resolução de questões não correntes da atividade operacional das subsidiárias, ficando a gestão operacional a cargo de cada uma das entidades. Visam nomeadamente a implementação de estratégias transversais para todo o Grupo, permitindo a adoção de práticas empresariais standard e de orientação comum às diversas empresas, nas vertentes técnico-jurídica, fiscal, contabilística, de mercado e logística, segurança e qualidade, e maior poder negocial com entidades terceiras, permitindo melhores condições, por exemplo, na contratação de financiamentos junto dos bancos – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
S. Em conformidade com o Dossier de Preços de Transferência da Requerente para o ano em causa [2015], são considerados incluídos pela prestação de serviços de administração e gestão, no âmbito do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Requerente e as sociedades beneficiárias, os serviços de “auditoria interna e controlo de gestão através da elaboração, controlo e acompanhamento de planos de contenção de custos e de controlo de despesas” – cf. documento 14 junto pela Requerente, pág. 26.
T. Para desenvolver a sua atividade, a Requerente dispõe de uma equipa multidisciplinar especializada, dotada de colaboradores qualificados que prestam ou podem prestar o seu trabalho em qualquer das áreas descritas – cf. documento 14 junto pela Requerente, RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
U. Os colaboradores da Requerente têm, com frequência, necessidade de se deslocar aos países onde se encontram as sociedades participadas, para recolher e tratar informação para a sociedade-mãe, ou de se deslocar aos países onde se encontram os seus clientes. De igual modo, os colaboradores das participadas podem, por vezes, deslocar-se à sede da Requerente – cf. documento 14 junto pela Requerente, RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
V. A fatura n.º SLI-0360, emitida pela G... à Requerente, em 11 de março de 2015, no valor de $ 26.555,00 (€ 18.433.29), respeita a serviços relativos a sistemas padronizados (ISO) de qualidade (ambiental, saúde, segurança, energia e informação) com o seguinte descritivo: “A... ... Level 1 Documentation Re-write, ISO/TS 16949 Quality, ISSO 14001 Environmental, OHSAS 18001 Health & Safety, ISO 50001 Energy, ISO 27001 Information Security, PDSSMA, Culture Program” e foi deduzida como gasto fiscal – cf. cópia da fatura no Anexo I ao RIT.
W. A fatura n.º 2015011, emitida pela H... à Requerente, em 27 de novembro de 2015, no valor de € 1.094,00, consubstancia o redébito de uma fatura da I... (1052126856), por duas reuniões realizadas em 7 e 11 de agosto de 2015, incluindo preparação e follow-up, uma delas referente à auditoria anual, e foi deduzida como gasto fiscal – cf. cópia da fatura no Anexo II ao RIT.
X. A Requerente enquadra as atividades prosseguidas e acima mencionadas em dois grupos, para efeitos de preços de transferência:
Grupo 1– serviços intragrupo, de administração e gestão;
Grupo 2 – atividade de acionista, abrangendo a gestão estratégica e controlo de gestão, a expansão e internacionalização.
As do primeiro grupo são faturadas pela Requerente às suas participadas, incluindo o redébito das despesas incorridas que sejam relacionadas com aqueles serviços. Por seu turno, as do segundo grupo não são faturadas, sendo consideradas pela Requerente como atividade de acionista, realizada em seu benefício e interesse próprio (direto e imediato), e por isso insuscetível de repercussão a outras entidades – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
Y. Para faturação dos serviços intragrupo às participadas, a Requerente determina, numa base anual, um preço hora (rate horária) que multiplica pelas horas despendidas pelos colaboradores afetos à execução/prestação desses serviços, sendo o produto (horas gastas x preço) faturado àquelas – cf. documento 14 junto pela Requerente, RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
Z. O preço hora é composto por dois elementos: (i) os gastos elegíveis divididos pelo número de horas anual disponível dos colaboradores (cost rate); (ii) e uma margem – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
AA. Os gastos elegíveis (referidos no Dossier de Preços de Transferência como gastos debitáveis) correspondem ao conjunto de gastos operacionais hipoteticamente passíveis de ser consumidos com a prestação dos referidos serviços intragrupo, provenientes das seguintes rubricas: i) Gastos com pessoal; ii) FSE’s; iii) Amortizações; e iv) Outros gastos e perdas. São obtidos, de forma provisória, tendo em conta o histórico do ano anterior – cf. documento 14 junto pela Requerente, RIT Grupo e RIT, PA pp. 170-171.
BB. O referido valor de gastos elegíveis é dividido pelo total de horas anual (full time equivalent) disponível dos colaboradores potencialmente envolvidos na prestação daqueles serviços intragrupo (descontado de situações especiais, como licenças de maternidade), ou seja, pondera a capacidade faturável da Requerente (número de horas totais dos trabalhadores ao serviço da Requerente que possam desempenhar tarefas relativas a serviços intragrupo). Daqui resulta um preço hora sem margem – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
CC. A este valor é acrescida uma margem de 10%, considerada adequada pelo Dossier de Preços de Transferência da Requerente em aplicação do método da margem líquida da operação (“MMLO”), tendo-se cifrado no preço hora final de € 152,00 a aplicar em 2015 – cf. documento 14 junto pela Requerente, RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
DD. O preço assim determinado é provisório, sendo passível de acerto com a aprovação das contas do ano em causa [2015] sempre que se verifique um desvio significativo dos gastos elegíveis estimados face aos gastos elegíveis realmente incorridos, entendendo-se como tal uma variação igual ou superior a 20%. No ano 2015, não foi atingido esse desvio, pelo que o preço de € 152,00 hora se consolidou, não tendo ocorrido qualquer acerto de faturação por parte da Requerente – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
EE. Em 2015, do total de 44.444 horas consumidas na sua atividade, a Requerente considerou afetas/despendidas com a realização de prestação de serviços intragrupo 23.427 horas, dando origem à faturação de serviços intragrupo no valor total de € 3.561.000,00 – cf. documento 14 junto pela Requerente, RIT Grupo e RIT e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
FF. Para o concreto apuramento das horas gastas com a prestação de serviços intragrupo por parte dos colaboradores da Requerente, não existe um procedimento sistematizado ou metodologia instituída, nomeadamente de registo de horas ou dias (vg. time-sheet ou folha de horas ou através de centros de custo). A quantificação das horas gastas pelas atividades é efetuada mensalmente, em função da informação casuisticamente transmitida pelos colaboradores – sobre os trabalhos e projetos desenvolvidos – em reuniões mensais ou semanais e coadjuvada pelo circuito de aprovação das despesas, no que se refere aos colaboradores que se deslocam às sociedades participadas – cf. depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
GG. Os gastos incorridos, incluindo gastos com pessoal e FSE’s, foram suportados pela Requerente tanto no exercício da sua atividade acionista como na prestação de serviços intragrupo às suas participadas – cf. documento 14 junto pela Requerente e depoimentos das duas testemunhas inquiridas.
HH. Os gastos específicos e exclusivamente afetos à atividade de acionista da Requerente são expurgados da base dos gastos elegíveis utilizados para computar o preço hora dos serviços intragrupo. É o que sucede, a título de exemplo, com os gastos incorridos com a consolidação de contas – cf. depoimento da primeira testemunha.
II. A Requerente tinha um saldo de SIFIDE. a utilizar em 2015, de € 41.284,14. Este saldo, à data do direito de audição relativo ao projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, estava reduzido em € 2.772,00, por ter sido utilizado na declaração de substituição modelo 22 referente ao período de 2015, apresentada em 19 de outubro de 2018 pela sociedade promotora do investimento (B..., S.A.). Adicionalmente, com a consequente apresentação de declaração de substituição para o mesmo período, por parte da Requerente (como sociedade dominante do Grupo), esta utilizou ainda o montante de € 1.393,88, pelo que, nesta sequência, o valor remanescente passível de dedução à coleta se cifra em € 37.118,26 – cf. documentos 20 a 30 juntos pela Requerente.
JJ. A Requerente foi, na qualidade de sujeito passivo individual, objeto de um procedimento externo de inspeção tributária, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2016... – cf. RIT Grupo e RIT.
KK. No decurso deste procedimento, em 6 de junho de 2017, os Serviços de Inspeção notificaram a Requerente para esta apresentar por escrito, no dia 22 de junho de 2017, os seguintes elementos/esclarecimentos – cf. PA (Documento 9 junto com a Reclamação Graciosa):
“1. Com referência ao Dossier de Preços de Transferência no qual deve constar a identificação e análise das operações realizadas, em 2015, entre a A... SGPS SA e as entidades com as quais se encontra em situação de relações especiais […]:
1.1 Identificar os documentos contabilísticos referentes aos gastos sobre os quais foi aplicado o pricing adotado pela A... SGPS SA nas prestações de serviços de administração e gestão e apresentado nas conclusões ao ponto 8.1 – Prestação de Serviços de Administração e Gestão do referido Dossier;
1.2 Identificar os documentos contabilísticos relativos aos gastos que foram sujeitos aos redébitos referidos no quarto parágrafo do ponto 5.3 – Análise à Materialidade das Operações do supracitado Dossier.
2. Identificação dos documentos contabilísticos referentes aos gastos assumidos pela A... SGPS SA como totalmente dedutíveis em sede de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e por si apresentados como «IVA a submeter ao método AR»;
3. Identificação dos documentos contabilísticos referentes aos gastos imputados pela A... SGPS SA a atividades que simultaneamente conferem o direito à dedução do respetivo IVA e a atividades que não conferem esse direito, por si apresentados como «IVA a submeter ao método prorata» […]”.
LL. Em 22 de junho de 2017, a Requerente respondeu por escrito, tendo junto documentos no total de 211 páginas e informou, no que aos autos releva, o seguinte – cf. PA (Documento 10 junto com a Reclamação Graciosa):
“Ponto n.º 1.1 da notificação
A rate horária foi calculada como segue:
Rate hora
Gastos com o pessoal rubrica 63 balancete 3.794.814
Total de horas 44.444
Horas trabalho debitável 23.427
Média ponderada debitável 52,71%
Total de gastos elegíveis 3.242.535
Rate horária média 138
Rate com mark up 152
O total dos gastos elegíveis correspondem a:
Valor Base % Gasto considerado Valor para cálculo rate
Montante de amortizações 82.395 52,71% 43.432
Outros gastos e perdas 428.399 52,71% 225.815
FSE (Doc 2) 362.276 52,71% 190.961
FSE (Doc 3) 782.028 100% 782.028
Gastos com pessoal 3.794.814 52,71% 2.000.299
3.242.535
Ponto n.º 1.2 da notificação
Os documentos contabilísticos relativos aos gastos que foram sujeitos a redébitos referidos no quarto parágrafo do ponto 5.3. do dossier de preços de transferência foram:
Doc 4030059 parcialmente Doc 4080126;
Doc 4050021 parcialmente Doc 5060198;
Doc 4060026 parcialmente Doc 5060199;
Doc 4070023 Doc 5060200
Doc 408001
As faturas emitidas correspondentes a estes redébitos são os documentos internos arquivados com os números 3120007 a 3120018.
[…]”.
MM. Em 10 de agosto de 2017, os Serviços de Inspeção solicitaram à Requerente a apresentação dos seguintes elementos/esclarecimentos adicionais – cf. PA (Documento 11 junto com a Reclamação Graciosa):
“1. Cópias dos documentos de suporte dos custos contabilizados nos movimentos identificados com os números a seguir indicados, identificação da natureza, da relação dos beneficiários (identificação dos nomes e números de identificação fiscal – NIF, assim como da natureza do vínculo/relação com o sujeito passivo) daqueles encargos com a A... SGPS SA e justificação comprovada documentalmente da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art.º 23º do Código do Imposto sobre o Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC): [tabela com a listagem dos documentos]
2. Cópias dos documentos de suporte dos custos contabilizados nos movimentos identificados com os números a seguir indicados, identificação da natureza, da relação dos beneficiários (identificação dos nomes e números de identificação fiscal – NIF, assim como da natureza do vínculo/relação com o sujeito passivo) daqueles encargos com a A... SGPS SA e justificação comprovada documentalmente da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora nos termos do art.º 23º CIRC: [tabela com a listagem dos documentos]
3. Cópias dos documentos de suporte dos custos contabilizados nos movimentos identificados com os números a seguir indicados e justificação comprovada documentalmente da sua natureza e da sua indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos ou para a manutenção da fonte produtora da A... SGPS SA, nos termos do art.º 23º do CIRC: [tabela com a listagem dos documentos]
4. Justificação para o não englobamento dos gastos contabilizados nos movimentos identificados com os números a seguir indicados no cálculo da Tributação Autónoma: [tabela com a listagem dos documentos]
5. Justificação para o facto de não ter procedido ao acréscimo no Quadro 07 da Modelo 22 de IRC dos valores contabilizados nas seguintes contas: [tabela com a listagem das contas] […]”.
NN. Em 12 de setembro de 2017, em resposta escrita ao pedido de elementos, a Requerente informou o seguinte – cf. PA (Documento 12 junto com a Reclamação Graciosa):
“Como ponto prévio às respostas que se seguem, cumpre salientar que a A... SGPS, no exercício da sua atividade de holding, desenvolve dois tipos de atividades: (i) «atividade de acionista», que compreende a atividade de «controlo da gestão» e a «atividade de internacionalização/expansão», e a (ii) atividade de «prestação de serviços intragrupo», conforme descrito no Dossier de preços de transferência.
Ponto n.º 1 da notificação
Relativamente aos esclarecimentos solicitados, remetemos a V. Exas cópias dos documentos, identificação da natureza, da relação dos beneficiários, bem como a justificação da indispensabilidade para a realização dos proveitos ou ganhos para a manutenção da fonte produtora nos termos do art.23º do CIRC.
De salientar que o beneficiário destes gastos foi sempre a A..., SGPS, S.A., no desenvolvimento da sua atividade enquanto holding.
[com correspondência no RIT: Quadro 8: Gastos Não Aceites Fiscalmente]
N.º doc Valor Doc Natureza Entidade envolvida Justificação da indispensabilidade
4010034 968,00 € […] Gasto no âmbito da atividade acionista Advogado México Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4030011 623,50 € Gasto no âmbito da atividade acionista VVV... (NIF […]) e S... (NIF […]) são colaboradores da empresa; WWW... e N... são colaboradores de participada do grupo Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Drift
4030085 614,12 € Gasto que não foi acrescido no Q07 indevidamente
[…]
4040143 660,00 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo VAfrica do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Ford Asia Pacífico
4040143 3.998,88 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Ford Asia Pacífico
4060022 5.667,50 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Ford Asia Pacífico
4060023 656,64 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Ford Asia Pacífico
4060023 790,00 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Ford Asia Pacífico
[…]
4080031 5.630,63 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Ford Asia Pacífico
4080034 5.154,17 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Ford Asia Pacífico
[…]
4100158 568,00 € Gasto no âmbito da atividade prestação de serviços intragrupo Colaborador de participada do grupo Gastos incorridos no âmbito da atividade de prestação de serviços intragrupo
[…]
4110125 866,09 € Gasto no âmbito da atividade acionista Advogado Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projecto Trufa
4110128 842,00 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaboradores de participada do grupo Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
[…]
4120146 703,01 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projecto Trufa
4120146 846,00 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projecto Trufa
4110124 1.311,00 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Praga
4110124 4.986,53 € Gasto no âmbito da atividade acionista Colaborador de participada do grupo C...
Africa do Sul Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Praga
Ponto n.º 2 da notificação
Junto remetemos a V. Exas. cópias das informações solicitadas no ponto 2 da notificação.
De referir que, para todos os movimentos que constam do quadro abaixo, o beneficiário, foi sempre, a A..., SGPS, S.A., no desenvolvimento da sua atividade enquanto holding. Ainda neste âmbito, a empresa realiza dois eventos por ano para a apresentação dos resultados e alinhamento da estratégia do Grupo C...: Reunião de liderança, no mês de Fevereiro, e a Reunião de apresentação de contas semestrais no mês de Julho, com vista a proporcionar um encontro entre colaboradores, incentivando o espírito de equipa, de colaboração e troca de ideias, bem como para incentivar a produtividade e a criatividade da equipa, melhorando os resultados.
[com correspondência no RIT: Quadro 14: Despesas de Representação Adicionais]
N.º doc Valor Doc
[…] […]
4020062 40.000,00 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4020063 1.356,69 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4030091 3.874,50 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4030104 2.025,00 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4030135 1.033,60 € Gastos incorridos no âmbito da Reunião de Assembleia Geral e reunião apresentação contas aos bancos – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
[…]
4040016 59.126,06 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4040068 2.407,31 € Gastos incorridos com parceiros de negócios referente à joint venture na Tailândia
4040106 32.941,25 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4040106 34.106,07 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
1070008 1.120,00 € Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
1070008 2.759,25 € Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
1070008 3.672,00 € Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4070044 1.500,00 € Gastos incorridos no âmbito da reunião apresentação contas semestrais aos bancos
5080106 990,00 € Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
4090097 1.125,61 € Re-débito de despesas a re-debitar no âmbito da prestação de serviços intragrupo
1110005 540,00 € Oferta a parceiros de negócio da joint venture na Tailândia no âmbito da atividade acionista – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização
[…]
4120207 2.045,09 € Oferta para parceiro de negócio – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização – projeto Praga
4080111 1.496,25 € Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015 – Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão
[…]
[…]
Ponto n.º 3 da notificação
Relativamente aos esclarecimentos solicitados, remetemos a V. Exas cópias dos documentos contabilizados bem como a justificação da indispensabilidade do gasto.
[com correspondência no RIT: Quadro 11: Gastos Elegíveis não considerados pelo sujeito passivo]
N.º doc Valor Doc Natureza Justificação da indispensabilidade
[…] […]
1040009 2.520,00 € Gasto no âmbito da atividade acionista Serviços descritos na fatura
[…]
1120037 20.600,00 € Gasto no âmbito da atividade acionista Serviços descritos na fatura
[…]
4020001 10.531,88 € […] Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização Serviços descritos no documento (Honorários no âmbito dos projetos de internacionalizações projetos Tower, MTP, Ramsay)
[…]
4020032 698,87 € Prestação de serviços intragrupo Serviços descritos na fatura
4030003 530,91 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização Serviços descritos no documento – projeto Drift
[…]
4030144 943,69 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo da Alemanha
1040005 504,92 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo no EUA e Canadá
4040049 680,00 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
4040049 6.926,94 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
4040110 8.057,00 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – fornecedor indicado na noticlação não corresponde ao do movimento contabilístico
4040126 958,16 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
4050015 5.732,71 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo nos EUA e Canadá
4050016 5.232,71 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
[…]
4060048 3.340,27 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – viagem à empresas do grupo em África do Sul e Alemanha
4070003 9.410,58 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – viagem à empresas do grupo nos EUA
4070062 720,90 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo da Alemanha
4070090 637,99 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo da Alemanha
4070091 563,99 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo da Alemanha
1080003 1.392,65 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo nos EUA e Canadá
[…]
4080130 3.755,21 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – viagem à empresa do grupo na China
[…]
1100010 2.285,82 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gasto incorrido no âmbito da reunião de Liderança 2015
4100013 2.977,25 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo no Brasil
4100014 2.954,69 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo no Brasil
4100015 5.323,22 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo no Brasil
4100022 7.817,26 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem à empresa do grupo na região da Ásia
4100023 7.977,26 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem à empresa do grupo na região da Ásia
[…]
4100093 5.873,02 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo na Alemanha e África do Sul
4100094 4.439,26 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
4100130 880,99 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização Serviços descritos no documento – projeto Drift
4100133 1.165,04 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo nos EUA e Canadá
4100137 8.097,54 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo nos EUA e Brasil
4100173 1.346,48 € Prestação de serviços intragrupo Serviços descritos na fatura
[…]
4110032 7.984,65 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo no Brasil
4110033 1.301,76 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
[…]
1120020 7.096,78 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem à empresa do grupo na região da Ásia
1120029 715,00 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem às empresas do grupo da Alemanha
1120033 767,06 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização Serviços descritos no documento – projeto Drift
1120040 176.161,49 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização Serviços descritos no documento – projeto Drift
1120040 213.712,50 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização Serviços descritos no documento – projeto Drift
4120078 3.843,11 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
[…]
4120136 7.000,00 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura
4120140 61.807,50 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa à expansão/internacionalização Serviços descritos no documento (Honorários no âmbito dos projetos de internacionalização projeto Drift)
4120232 2.733,19 € Gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo da gestão Serviços descritos na fatura – gastos incorridos no âmbito da viagem à empresa do grupo nos EUA e Canadá
4120233 772,93 € Prestação de serviços intragrupo Serviços descritos na fatura – viagem à empresa do grupo nos EUA
4120236 1.406,39 € Prestação de serviços intragrupo Serviços descritos na fatura – viagem à empresa do grupo na Índia
4120237 878,52 € Prestação de serviços intragrupo Serviços descritos na fatura – viagem à empresa do grupo na Índia
4120239 2.868,12 € Prestação de serviços intragrupo Serviços descritos na fatura – viagem à empresa do grupo na Índia
Ponto n.º 4 da notificação
Com exceção do movimento 4020071, os restantes foram acrescidos no quadro 07, campo 752 da modelo 22, pelo que não foram sujeitos a tributação autónoma (doc A4.2). De referir que o correspondente valor acrescido 18.000,12 euros foi em excesso, pois o correto valor é 15.364,97 euros, conforme saldo da conta contabilística 6251136.
Em relação ao movimento 4020071, o mesmo foi objeto de tributação autónoma conforme documento A4.1.
Ponto n.º 5 da notificação
O valor inscrito no quadro, correspondente à conta 62611454 foi acrescido no quadro 07 da modelo 22, conforme documento A5.1. Os restantes saldos não foram acrescidos por lapso.”
OO. Na sequência deste procedimento inspetivo (individual), foram propostas correções meramente aritméticas à matéria coletável da Requerente no valor de € 3.189.036,81 (após regularização voluntária de € 9.272,65) de IRC e € 18.448,20 (após regularização voluntária de € 886,66) de tributações autónomas – cf. RIT Grupo e RIT.
PP. Como fundamento das referidas correções, refere o Relatório de Inspeção Tributária o seguinte – cf. RIT Grupo e RIT:
“II.3.2 – Caracterização da A... SGPS SA
II.3.2.1 – Enquadramento Jurídico Fiscal
No período em análise, a A... SGPS SA (doravante designada por A... SGPS) consistia numa sociedade anónima com o objeto social de «gestão de participações sociais de outras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas»
[…]
No período de tributação de 2015, foram designados os seguintes membros dos órgãos sociais por deliberação de 2012.05.23:
Quadro 2: Orgão Sociais
Nome Nif Órgão Cargo
ZZZ... […] Mesa da Assembleia Geral Presidente
FF... […] Mesa da Assembleia Geral Secretária
Z... […] Conselho de Administração Presidente
U... […] Conselho de Administração Vogal
XXX... […] Conselho de Administração Vogal
KK... […] Conselho de Administração Vogal
YYY... […] Conselho de Administração Vogal
AAAA... […] Con[s]elho Fiscal Presidente
YY... […] Con[s]elho Fiscal Vogal
XX... […] Con[s]elho Fiscal Vogal
BBBB...* […] Revisor Oficial de Contas
CCCC...* […] Revisor Oficial de Contas
DDDD...* […] Suplente
* Em representação da I... SROC Lda
Em 2015, o sujeito passivo é tributado pelo regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), nos termos dos artigos 69º a 71º do Código do Imposto sobre os Rendimentos das Pessoas Coletivas (CIRC), sendo a A... SGPS sociedade dominante e sociedades dominadas as seguintes empresas:
Nome NIF
B... SA ...
D... SA ...
E…, S.A. ...
F..., S.A. ...
No âmbito do IRC este procedimento inspetivo realizado ao abrigo da Ordem de Serviço n.º OI2016..., versa sobre a atividade da A... SGPS, refletida na declaração de rendimentos individual (declaração n.º...), e não a declaração de grupo enquanto sociedade dominante.
A posterior repercussão na A... SGPS (enquanto sociedade dominante) das conclusões obtidas quer na esfera individual desta sociedade, quer na esfera individual das sociedades dominadas que integram o grupo, ocorrerá em análise da respetiva declaração modelo 22 de IRC do grupo (n.º...).
[…]
II.3.2.2 – Análise da Atividade
II.3.2.2.1 – Demonstrações Financeiras e Fiscais
[…]
II.3.2.2.1 – Atividade Exercida
Do Relatório e Contas do ano de 2015 é possível extrair a seguinte informação sobre a atividade exercida:
«A atuar no mercado de componentes automóveis desde 1980, o Grupo C... consolidou a sua experiência no desenvolvimento e produção de pequenos e médios componentes estampados, subconjuntos genéricos, conjuntos soldados, estruturas metálicas de assentos, pedaleiras e travões de mão, entre outros.
O Grupo C... atua como fornecedor completo na área de estampagem, a começar pelo ante-projeto até ao desenvolvimento do produto, com uma gestão completa da cadeia de fornecimento.
O Grupo C... é, hoje, considerado um parceiro global da maioria das OEM'S, estando presente em quatro continentes. Em 2014, o Grupo constituiu uma subsidiária no México. Em 2013, o Grupo constituiu uma subsidiária na Tailândia para formalizar uma joint venture com o Grupo D... na qual o Grupo detém 50% das ações.
Na Europa possui três unidades industriais, duas em Portugal, uma na cidade da … e outra que é a unidade de “...” em …, e a terceira na Alemanha, na cidade de …. Possui também nesta região três centros tecnológicos, dois na Alemanha e um em Portugal.
Na América do Sul, o Grupo C... possui sete unidades industriais, localizadas em várias regiões do Brasil e da Argentina, em São Paulo, Minas Gerais, Salvador da Bahia, Manaus e Buenos Aires.
Na América do Norte, o Grupo C... possui cinco unidades industriais no coração da indústria automóvel dos EUA, ou seja na região de Detroit, duas unidades do Canadá, na cidade de London e, mais recentemente, uma unidade no México, na cidade de Ramos Arizpe.
Refira-se, também que, em Detroit – EUA, podemos encontrar o nosso quarto centro tecnológico.
Na Região Ásia Pacífico, o Grupo C... possui três unidades industriais na Índia, duas em Chennai e uma em Halol. No norte da China está sediada outra unidade industrial do Grupo C..., na cidade de Dalian.
Na Região África do Sul o Grupo C... possui uma unidade industrial em Pretória.».
No final do ano de 2015, o Grupo C... era constituído pelas empresas que se apresentam no seguinte organigrama
[…]
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
De acordo com as diligências efetuadas e procedimentos de auditoria utilizados, através da verificação substantiva dos elementos de suporte (registos e documentos) tendo em vista a validação dos atos declarativos, centramo-nos na análise dos fatores operacionais mais relevantes da empresa, nomeadamente nos Fornecimentos e Serviços Externos e Custos com Pessoal, que têm como contrapartida operações ativas de ordem operacional de montante desproporcionalmente reduzido.
Conforme se verifica na Demonstração de Resultados […], o sujeito passivo, durante o ano de 2015, incorreu em custos operacionais no montante de € 6.354.898,63 para obter proveitos da mesma natureza no valor de € 3.561.000,00.
Estas evidências virão a provocar correções ao nível da Matéria Coletável de IRC […].
Detetaram-se ainda algumas anomalias ao nível de gastos não considerados para efeitos fiscais de acordo com o artigo 23.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) e que não foram devidamente acrescidos no quadro 07 da Modelo 22 de IRC e ao nível do cálculo das tributações autónomas.
III.1 – Correções à Matéria Coletável - IRC
III.1.1 – Gastos não aceites fiscalmente
III.1.1.a) Reconhecidos pela A... SGPS
A A... SGPS procedeu à contabilização, nas contas #6251124 - «Deslocações e Estadas-Alojamento» e #622714 - «Serviços bancários» dos encargos elencados no quadro seguinte, que veio a reconhecer, em resposta à notificação efetuada em 2017.08.10 […]
Quadro 7: Gastos Não Aceites Fiscalmente assumidos pelo S.P.
Diário Nº Arquivo Conta Vosso descritivo Valor
4 4030085 6251114 V/Factura 1150052171 614,12 €
4 4080078 62611453 V/Factura 10908950322: 2.376,14 €
4 4110100 6251114 V/Factura 1150463902 665,02 €
4 4020006 6251114 V/Factura 1500997 630,40 €
4 4090028 6251114 V/Factura 10.2015/731: 4.480,00 €
4 4110077 626225 Outros Forn. e Serviços 506,97 €
9.272,65 €
III.1.1.b) Deslocações e Estadas
A A... SGPS procedeu à contabilização, das despesas elencadas no quadro seguinte, relativamente às quais solicitamos, através da notificação pessoal referida anteriormente, a justificação comprovada documentalmente da sua natureza, da relação dos seus beneficiários com a A... e da sua indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos ou para a manutenção da sua fonte produtora, nos termos do artigo 23.º do CIRC.
Quadro 8: Gastos Não Aceites Fiscalmente
N.º
Arquivo Conta Vosso Descritivo Valor Descrição do Gasto Beneficiários
4010034 6251114 V/Factura 1500017 968,00 € estadia de 27 a 30.10.2014 K...
4030011 6251245 Relatório de Despesas 623,50 € estadia em Wolsburg em 27.01 L...
4040143 6251125 V/Factura 1502454 660,00 € estadia johannesburg-doha-bangkok-chennai-diha-johannesburg de 8 a 20.03.2015 M...
4040143 6251114 V/Factura 1502454 3.998,88 € viagem johannesburg-doha-bangkok-chennai-diha-johannesburg de 8 a 20.03.2015 M...
4060022 6251114 V/Factura 1503053 5.667,50 € viagem johannesburg-singapore-chonqging-shangai-singaprore-johannesburg de 26.04 a 06.05.2015 M...
4060023 6251114 V/Factura 1503056 656,64 € viagem ghongqing-nanjig a 29.04.2015 M...
4060023 6251125 V/Factura 1503056 790,00 € estadia em nanjing e chongqing de 27.04 a 5.05.2015 M...
4080031 6251114 V/Factura 1501089 5.630,63 € viagem chonqging-beijing-madrid-porto de 23 a 24.06.2015 e (…) M...
4080034 6251114 V/Factura 1501090 5.154,17 € viagem johannesburg-abu dabi-chennai-nanjing-hong kong-johannesburg de 8 a 23.06.2015. (…) M...
4100158 6251325 F:00151/2016 568,00 € despesa de hotel a 04.05.2015 N...
4110125 6251114 V/Factura 1502706 866,09 € viagem porto-miao-porto de 8 a 9.10.2015 e O...
4110128 6251114 V/Factura 1500860 842,00 € estadia em Chongqingde 17 a 34.06.2015 P...e M...
4120146 6251114 V/Factura 1503662 703,01 € viagem porto-madrid-miao de 21 a 22.11.2015, turin-frankfurt-porto de 24.11.2015 a 24.01.2016 (…) Q...
4120146 6251124 V/Factura 1503662 846,00 € estadia em Milão de 22 a 24.11.2015 Q...
4110124 6251125 V/Factura 1502771 1.311,00 € viagem johannesburg-londres-johannesburg de 14 a 19.10.2015 M...
4110124 6251114 V/Factura 1502771 4.986,53 € estadia em londres de 14 a 19.10.201 M...
34.271,95 €
No entanto, a resposta dada ao nosso pedido de esclarecimentos não comprova um vínculo profissional efetivo de qualquer um dos beneficiários acima descritos com a A... . Deste modo, não podemos considerar que tenha sido esclarecido que estas despesas se referem a gastos imputáveis diretamente ao sujeito passivo. Pelo contrário, tratando-se de beneficiários externos à empresa, as despesas aqui elencadas são da responsabilidade de terceiros, não podendo, por isso, concorrer para a formação do resultado tributável da A... SGPS, pelo que não ficaram comprovados os requisitos de aceitabilidade fiscal previstos não art. 23.º do CIRC.
III.1.1.c) Outros gastos
A A... SGPS procedeu à contabilização, das despesas relativamente às quais solicitamos, através da notificação pessoal referida anteriormente, a justificação comprovada documentalmente da sua natureza, da relação dos seus beneficiários com a A... e da sua relação com a obtenção ou garantia dos rendimentos sujeitos a IRC, nos termos do artigo 23º do CIRC, de entre as quais se destacam as seguintes:
i) Documento contabilístico n.º 4110127 que corresponde à fatura n.º L026162 emitida pela G... Inc em 2015.03.11 no valor de € 18.433,29 (Anexo I) com o descritivo «A... ... Level 1 Documentation re-write (ISSO/TS 16949 quality, ISSO 14001 Environmental; (…)» sobre a qual a A... veio alegar simplesmente tratar-se de uma prestação intragrupo, não explicando, nem sequer vagamente, em que medida os serviços faturados foram por si utilizados na obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.
ii) Documento contabilístico n.º 4120111 que corresponde à fatura n.º 2015011 emitida pela R... AG em 2015.11.27 no valor de € 1.094,00 (Anexo II) com o descritivo «RSO.10039 consulting fees Invoice I... ... , (…)»,sobre a qual a A... veio apenas alegar tratar-se de gastos incorridos no âmbito da atividade acionista relativa ao controlo de gestão, não explicando, nem sequer vagamente, em que medida os serviços faturados foram por si utilizados na obtenção de rendimentos sujeitos a IRC.
Então, relativamente a estes gastos, no valor conjunto de € 19.527,29, não foi esclarecida qual a natureza e tipologia dos gastos, assim como não foram comprovadamente verificados os pressupostos previstos no artigo 23.º do CIRC de dedutibilidade dos gastos e perdas incorridos ou suportados.
Face ao exposto, procede-se à correção ao lucro tributável, no montante de € 63.056,89 € (€ 9.272,651 + € 34.271,95 + € 19.527,29), pelo não enquadramento no artigo 23º do CIRC.
III.1.2 Violação do Princípio de Plena Concorrência
a) Situação Verificada
Os resultados operacionais da A... SGPS seguiram, no ano de 2015, a mesma linha dos anos anteriores, ou seja, apresentaram-se significativamente negativos com uma forte preponderância dos custos operacionais face aos proveitos da mesma natureza.
Com efeito, face a ganhos operacionais no montante de € 3.561.000,00, a A... apresenta gastos operacionais no valor de € 6.354.898,63, originando um Resultado operacional negativo de € 2.793.898,63.
Os ganhos operacionais auferidos pela A... SGPS correspondem, conforme se encontra descrito no Dossier de Preços de Transferência – Exercício Fiscal de 2015, à faturação de serviços prestados às suas participadas, decorrentes do cumprimento de contratos celebrados entre si, que ascendeu a € 3.561.000,00.
Perante estes dados, em 2017.06.06, notificámos pessoalmente o sujeito passivo […] para que, no âmbito das operações económicas realizadas entre a A... SGPS e as suas participadas, identificasse os gastos que foram faturados e os que foram redebitados.
Em resposta, a A... SGPS apresentou o seguinte quadro demonstrativo do cálculo da rate horária contratada de 152,00€ (que engloba um mark up de 10%):
Rate hora
Gastos com pessoal rubrica 63 balancete 3.794.814
Total de horas 44.444
Horas trabalho debitável 23.427
Média ponderada debitável 52,71%
Total de gastos elegíveis 3.242.535
Rate horária média 138
Rate com mark up 152
Também junta, na mesma resposta, o seguinte quadro em que explica o montante de gastos elegíveis:
Gastos Elegíveis Valor Base % Gasto considerado Valor Considerado
Amortizações 82.395,32 € 52,71% 43.432,47 €
Outros Gastos e Perdas 428.399,49 € 52,71% 225.815,37 €
FSE debitados parcialmente 362.276,00 € 52,71% 190.961,11 €
FSE debitados na totalidade 782.028,00 € 100% 782.028,00 €
Gastos com pessoal 3.794.814,20 € 52,71% 2.000.299,69 €
Gastos Elegíveis (c) 3.242.535,64 €
Quanto aos gastos com FSE’s, o sujeito passivo apresentou as listagens em Anexo III onde relacionou os lançamentos contabilísticos referentes a este tipo de gastos que serviram de base à faturação dos serviços prestados às suas participadas.
Tentou então demonstrar que os valores faturados às participadas pela prestação de serviços corresponderam à aplicação da rate horária de € 152,00 ao montante de horas que a A... SGPS considera que os seus funcionários d[e]spenderam na execução desses serviços e que, do quadro que acima se reproduziu, se depreende que foram 23.427 horas. Uma vez que nada mais foi explicado quanto às horas d[e]spendidas na execução dos trabalhos faturados, solicitamos demonstração adicional cuja resposta de seguida se apresenta:
Quadro 9 – Demonstração de faturação da A... SGPS às suas participadas
Nome Total Horas Horas Acionista Total horas debitadas
S... 1.840 1.380 460
T... 1.840 1.492 348
U... 1.840 1.840 0
V... 1.840 368 1.472
W... 1.840 617 1.223
X... 1.344 336 1.008
Y... 48 48 0
Z... 1.840 368 1.472
AA... 1.840 0 1.840
BB... 496 0 496
CC... 1.840 828 1.012
DD... 1.840 1.840 0
EE... 1.840 552 1.288
FF... 1.840 1.840 0
GG... 1.840 0 1.840
HH... 1.840 0 1.840
II... 1.840 1.840 0
JJ... 704 704 0
KK... 1.840 259 1.581
LL... 1.840 184 1.656
MM... 1.840 522 1.288
NN... 1.840 98 1.742
OO... 1.840 552 1.288
PP... 1.840 552 1.288
QQ... 1.552 1.552 0
RR... 1.424 1.139 285
SS... 1.172 1.172 0
TT... 904 904 0
Total 44.444 21.017 23.427
Percentagem de horas debitadas no total de horas (b) + (a) 52,71%
No entanto, em ponto algum do Dossier de PT é demonstrada a fundamentação para a contratação de uma «rate horária contratada» enquanto preço dos serviços prestados e, nem o Dossier de PT nem a resposta ao ponto 1.1 da notificação pessoal efetuada em 2017.06.06 no qual solicitamos a identificação dos «documentos contabilísticos relativos aos gastos sobre os quais foi aplicado o pricing adoptado (...) nas prestações de serviços de administração e gestão e apresentado na conclusão ao ponto 8.1 – prestações de Serviços de Administração e Gestão do referido Dossier» demonstram ou explicam a repartição horária dos diferentes funcionários da A... SGPS entre «Horas Acionista» e «Total Horas Debitadas».
Mais ainda, a consulta às Declarações Mensais de Remunerações esclarece que esta matriz de repartição horária não contempla todos os funcionários da A... SGPS, tendo sido totalmente ignoradas as funções dos seguintes funcionários:
Quadro 10 – Funcionários não considerados na matriz
UU...
VV...
WW...
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b) Enquadramento Legal
i) Do Princípio de Plena Concorrência
O Princípio de Plena Concorrência transposto para o ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC, estatui que «Nas operações comerciais (…), efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis».
Prevê o n.º 8 do citado artigo 63.º do Código do IRC que «Sempre que as regras enunciadas no n.º 1 não sejam observadas, relativamente a operações com entidades não residentes, deve o sujeito passivo efectuar, na declaração a que se refere o artigo 120.º [declaração de rendimentos de IRC – Modelo 22], as necessárias correções positivas na determinação do lucro tributável, pelo montante correspondente aos efeitos fiscais imputáveis a essa inobservância». No mesmo sentido dispõe o n.º 1do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de dezembro.
O n.º2 do artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de dezembro refere que «Quando os termos e condições de uma operação vinculada em que intervenha um sujeito passivo e uma entidade residente em território português difiram dos que seriam normalmente acordados, aceites e praticados entre entidades independentes, a Direção-Geral dos Impostos pode efetuar as correções ao lucro tributável que sejam necessárias para que o respetivo montante corresponda ao que teria sido obtido se a operação se tivesse processado numa situação normal de mercado».
ii) Da Violação do Princípio de Plena Concorrência
Da subordinação das operações ao princípio da plena concorrência pela existência de relações especiais entre as entidades envolvidas na operação
O organigrama da página 6 do presente documento expõe as denominações das participadas e respectiva percentagem de participação por parte da A... SGPS. […]
A aplicação dos métodos de determinação de preços de transferência, quer a operações individualizadas, quer a séries de operações, encontra-se regulamentada na Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, cujo preâmbulo recomenda que, nas situações de maior complexidade deverão ser consultadas as Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência.
No que diz respeito às prestações de serviços intragrupo o §7.5 dessas Orientações segmenta a análise destas operações à luz do princípio de plena concorrência considerando dois fatores fundamentais:
1. A avaliação da existência efetiva de uma prestação de serviços intragrupo;
2. A conformidade do preço praticado nas operações com o princípio de plena concorrência.
Quanto à existência de uma prestação de serviços intragrupo
Dispõe a Portaria n.º 1446-C/2001 no n.º 1 do artigo 12.º, que «Há acordo de prestação de serviços intragrupo quando uma entidade membro de um grupo disponibiliza ou realiza para os outros membros do mesmo um amplo conjunto de atividades, designadamente de natureza administrativa, técnica, financeira ou comercial» e no n.º 2 que «No acordo de prestação de serviços intragrupo celebrado entre entidades relacionadas a aplicação do princípio referido no artigo 1.º exige que a atividade prestada constitua um serviço com valor económico que justifique, para o membro do grupo que dele é destinatário, o pagamento de um preço ou a assunção de um encargo que este estaria disposto a pagar ou a assumir em relação a uma entidade independente ou, bem assim, a realização de uma actividade a executar para si próprio».
No ponto 5.4 do Dossier de PT, a páginas 26, a A... SGPS vem referir que o âmbito das suas competências previstas nos contratos celebrados entre si e as suas participadas «permite prestar um conjunto alargado de serviços, os quais incluem, entre outros:
• Recursos humanos, destacando-se o acompanhamento do processamento de salários e dos processos de pessoal;
• Serviços administrativos, os quais podem incluir:
o A verificação da regularidade dos lançamentos contabilísticos efetuados e da sua conformidade com o estabelecido nas disposições aplicaveis;
o O acompanhamento e a assessoria na elaboração da contabilidade das beneficiárias e na preparação anual do fecho das respetivas contas, incluindo elaboração de declarações oficiais e seus anexos e respetiva apresentação à autoridade tributária correspondente à jurisdição da beneficiária;
• Gestão financeira, nomeadamente:
o Elaboração, gestão, controlo e acompanhamento da execução dos planos financeiros e de tesouraria das beneficiárias;
o O acompanhamento em quaisquer negociações que, em conexão com a sua atividade ou interesse, hajam de ser mantidas com entidades financeiras;
• Auditoria interna e controlo de gestão através da elaboração, controlo e acompanhamento de planos de contenção de custos e de controlo de despesas;
• Controlo de qualidade via elaboração de um plano de melhorias contínuas e de um plano avançado de qualidade, bem como a respetiva implementação;
• Mercados e logística consubstanciados nos seguintes parametros:
o Aconselhamento e a elaboração de planos estratégicos e de gestão de mercado
o Aconselhamento na gestão das relações com clientes, bem como a análise das p[e]rspetivas de desenvolvimento e incremento dessas relações;
o Elaboração de propostas para as decisões das beneficiárias sobre a política de preços em vigor;
• Apoio transversal ao nível da formação do pessoal, no âmbito dos serviços de administração e gestão, designadamente ao nível da auditoria, da tesouraria, do controlo de gestão e dos recursos humanos.»
De acordo com o § 7.6 das Orientações da OCDE sobre preços de transferência, a aferição acerca da ocorrência da prestação de um serviço intragrupo deve depender de saber se a atividade garante ao membro do grupo um valor económico ou comercial que lhe permita fortalecer a sua posição comercial. A este título a A... SGPS, ao referir-se aos gastos debitáveis na página 28 do Dossier de PT, menciona que «(…) os serviços prestados às entidades relacionadas são essenciais para o desenvolvimento dos seus negócios, uma vez que permitem que estas se concentrem fundamentalmente no seu core business possibilitando, assim, a obtenção de sinergias e ganho de eficiência no seio do Grupo».
Então, é a própria A... SGPS que assume a existência de serviços intragrupo essenciais à existência das participadas, enquanto pertencentes ao grupo, quer pelo exposto, quer pela sua estrutura empresarial preparada para prestar serviços, como se pode avaliar, em geral, pelos dados apresentados no Quadro 3 do presente documento, e, em particular, pelo elevado quadro de colaboradores que possui.
O aspeto fraturante desta análise prende-se com a aplicação de um preço, uma «rate horária contratada», calculada com base em parte dos gastos suportados e aplicada a um número de horas que o sujeito passivo apresenta como alocadas à prossecução dos serviços prestados, quando nenhum destes fatores exclusivos foi explicado, demonstrado ou fundamentado.
A A... SGPS aplicou um preço («rate horaria») não fundamentado (138,18€ a que acresce uma margem de 10%) à fração das horas que invoca terem sido trabalhadas em prol das participadas por parte de alguns dos seus colaboradores. Entretanto, carece de explicação este método de pricing, nomeadamente nas seguintes vertentes:
• Fórmula de cálculo da «rate horária»: não foram demonstrados, no decurso do presente procedimento inspetivo, os pressupostos que basearam a formação deste preço nem se manifestou o mesmo se encontra subordinado ao princípio da plena concorrência;
• A matriz de repartição horária de trabalho não inclui todos os trabalhadores da SGPS e não foi demonstrada, neste procedimento inspetivo, a distribuição temporal apresentada, ou seja, não foram apresentadas evidencias de que cada um daqueles funcionários dispôs das suas horas de trabalho do modo como é apresentado naquela matriz;
• Horas Acionista: não são descritos pelo sujeito passivo os custos que considera serem do acionista nem demonstra quais as atividades desenvolvidas por cada um dos seus funcionários que qualifica como imputáveis à SGPS enquanto acionista;
• Gastos Elegíveis: o cálculo dos gastos elegíveis é desde logo enviesado pela consideração de uma per[]centagem de elegililidade que mais não é que a fração de horas que a A... SGPS apresenta como tendo sido imputadas às prestações de serviços às participadas. Ora, como já demonstramos, este fator de ponderação não pode ser levado em conta por não terem sido explicados nem demonstrados os pressupostos da sua avaliação.
Assim, não nos é possível corroborar estes cálculos, este preço nem esta distribuição horária.
Aceitamos que os gastos apresentados na resposta à notificação de 2017.06.06 foram considerados pela A... SGPS como estando associado à prestação dos serviços às suas participadas, desconsiderando, no entanto, a sua ponderação pelas horas que a A... alega terem sido imputadas por alguns dos seus trabalhadores às prestação desses serviços.
Entretanto, a análise aos gastos que a A... SGPS considerou como não elegíveis para efeitos de faturação às participadas demonstrou a existência de encargos incorridos pelo sujeito passivo cuja justificação de indispensabilidade para a realização dos seus proveitos ou ganhos ou para a manutenção da sua fonte produtora se mostrou necessária e foi solicitada através da notificação pessoal efetuada em 2017.08.08. Com efeito, em resultado da resposta apresentada pelo sujeito passivo, os documentos que de seguida se apresentam correspondem a encargos que, por dizerem respeito a gastos incorridos pela SGPS com consultoria internacional e com viagens para prestar serviços de auditoria ou outros nas participadas, devem ser considerados, à semelhança dos elencados no Anexo II, como elegíveis para efeitos de faturação às participadas.
Quadro 11 – Gastos Elegíveis não considerados pelo sujeito passivo
N.º
Arquivo Vosso Descritivo Valor Descrição do Gasto
4020001 F. 85 10.531,88 € honorários de advocacia em projetos de internacionalização-tower. MTP, Ramsay
4020032 F:122 698,87 € estadia funcionário em hotel na India
4030003 Relatorio de Despesas 530,91 € aluguer de automóvel na Alemanha
4030144 V/Factura 1140495439 943,69 € viagem de funcionário à Alemanha
1040005 F:U257677641 504,92 € aluguer de automóvel nos EUA
1040009 I... 2.520,00 € Honorários serviços profissionais prestados em Preços de Transferência
4040049 V/Factura 1150107612 680,00 € viagem de funcionário à Argentina
4040049 V/Factura 1150107612 6.926,94 € viagem de funcionário à Argentina
4040110 V/Factura 341/11424 8.057,00 € Honorários serviços profissionais prestados em Preços de Transferência
4040126 F:143/2015 958,16 € viagem de funcionário à Índia
4050015 V/Factura 1502658 5.732,71 € viagem de funcionário aos EUA
4050016 V/Factura 1502659 5.232,71 € viagem de funcionário aos EUA
4060048 V/Factura 1503156 3.340,27 € viagem de funcionário à Africa do Sul
4070003 V/Factura 1502621 9.410,58 € viagem de funcionário aos EUA
4070062 Relatorio de Despesas 720,90 € estadia de funcionário em hotel em serviço de auditoria
4070090 V/Factura 1150303027 637,99 € viagem de funcionário à Alemanha em serviço de auditoria
4070091 V/Factura 1150302844 563,99 € viagem de funcionário à Alemanha
1080003 ND96 1.392,65 € gastos de funcionário
4080130 V/Factura 1501432 3.755,21 € viagem de funcionário à Africa do Sul
1100010 F:1502663 TopAtlantico 2.285,82 € viagem de funcionário ao Brasil
4100013 V/Factura 1502102 2.977,25 € viagem de funcionário ao Brasil
4100014 V/Factura 1502101 2.954,69 € gasto de funcionário ao Brasil
4100015 V/Factura 1150422851 5.323,22 € viagem de funcionário à Índia
4100022 V/Factura 1501900 7.817,26 € viagem de funcionário à Índia
4100023 V/Factura 1501901 7.977,26 € viagem de funcionário à Índia
4100093 V/Factura 1150433192 5.873,02 € Alemanha Coreia do Sul
4100094 V/Factura 1150433968 4.439,26 € viagem de funcionário ao Brasil
4100130 V/Factura 1502525 880,99 € viagem de funcionário à Alemanha
4100133 V/Factura 1502532 1.165,04 € viagem de funcionário à Alemanha e aos EUA
4100137 V/Factura 2015/7469 8.097,54 € viagem de funcionário ao Brasil
4100173 F:156/2015 1.346,48 € estadia de funcionário à Índia
4110032 V/Factura 1502812 7.984,65 € viagem de funcionário ao Brasil
4110033 V/Factura 1502838 1.301,75 € viagem de funcionário à Alemanha
1120020 ... F:1503726 7.096,78 € viagem de funcionário à Índia
1120029 Viagens ... F:1160002935 715,00 € viagem de funcionário à Alemanha
1120033 F:7581 Tui 767,05 € viagem de funcionário à Alemanha- projeto Drift
1120037 I... 20.600,00 € Honorários serviços profissionais prestados em Preços de Transferência 2014 e 2015
1120040 ... DD 176.161,49 € Honorários serviços profissionais prestados por Auditora alemã – projeto drift
1120040 Gastos EY DD 213.712,50 € Assessoria fiscal, financeira e ambiental – projeto drift
4120078 V/Factura 1150507605 3.843,11 € Viagem de funcionário
4120136 F. 108 7.000,00 € Honorários serviços profissionais prestados de advocacia – projeto drift
4120140 F. 109 61.807,50 € Honorários serviços profissionais prestados de advocacia – projeto drift
4120232 F:13843 2.733,19 € gastos de funcionário nos EUA
4120233 F:13920 772,93 € gastos de funcionário nos EUA
4120236 F:32/2015 1.406,39 € gastos de funcionário na Índia
4120237 F:31/2015 878,52 € gastos de funcionário na Índia
4120239 F:18/2015 2.868,12 € gastos de membro do Conselho de administração na Índia
4040083 V/Factura 1502201 4.484,59 € viagem de membro do Conselho de administração aos EUA
4060052 V/Factura 1503161 996,45 € viagem de membro do Conselho de administração a Milão
4070007 V/Factura 1500728 658,96 € viagem de membro do Conselho de administração a Frankfurt
4100132 V/Factura 1502528 998,93 € viagem de membro do Conselho de administração a Hannover
4100134 V/Factura 1502772 1.311,00 € estadia de membro do Conselho de administração em Londres
4110132 V/Factura 91.1502707 856,09 € viagem de membro do Conselho de administração a Milão
1120015 TopAtlantico F:1503660 748,00 € estadia de membro do Conselho de administração em Milão
1120015 TopAtlantico F:1503665 3.599,10 € viagem de membro do Conselho de administração aos EUA
637,589,33
Da conformidade do preço que seria praticado entre entidades independentes
O § 7.29 das Orientações refere que «Para determinar o preço de plena concorrência de serviços intragrupo, é preciso colocar-se tanto sobre o ponto de vista do fornecedor do serviço, como sob o ponto de vista do seu beneficiário. A este respeito, os fatores a tomar em consideração são nomeadamente o valor do serviço para o beneficiário e o montante que uma empresa independente comparável estaria disposta a pagar por este serviço em circunstâncias equiparáveis, bem assim como os custos para o fornecedor do serviço».
No que diz respeito à avaliação destas operações à luz do princípio de plena concorrência, na perspetiva do fornecedor de serviços, recomenda o § 7.30 das Orientações da OCDE, a ponderação do preço abaixo do qual o fornecedor não aceitaria fornecer um serviço, bem como o custo que este envolve para si, de forma a estabelecer o preço de plena concorrência associado às operações intragrupo.
De facto, os gastos incorridos para a prestação daqueles serviços não devem recair sobre a A... SGPS, pois nenhuma entidade independente estaria disposta a incorrer num encargo para dotar outra entidade das condições necessárias ao bom desempenho dessa outra entidade, sem daí retirar nenhum benefício direto e assumindo a totalidade dos custos associados a essa dotação. Esta conclusão resulta do princípio de racionalidade económica e funda as suas razões de que as entidades empresariais têm fins lucrativos que procuram maximizar, não sendo, contudo, admissível, à luz do princípio de plena concorrência, que da subordinação de interesses individuais aos interesses coletivos no âmbito de atividades de grupos empresariais resultem incumprimentos de tal princípio. Ainda que aqueles encargos também beneficiem a A... SGPS, indiretamente por via de maiores imputações de lucros, tal não constitui razão que justifique recaírem sobre si os encargos necessários à sua execução.
No entanto, se estivéssemos perante custos de acionista os encargos deveriam recair sobre a A... SGPS. A este respeito as Orientações da OCDE esclarecem no § 7.9. que num pequeno número de casos, uma atividade intragrupo pode ser exercida relativamente a membros de um grupo mesmo quando estes não o necessitem (e quando eles não estariam dispostos a pagá-las se se tratasse de empresas independentes).
É então unicamente devido às participações no capital de um ou vários membros do grupo, isto é na qualidade de acionista, que um membro do grupo (em geral a sociedade mãe ou uma sociedade holding regional) exerce estas atividades. Não há razão para que as sociedades que beneficiem destas atividades tenham de pagar por elas.
Se verificarmos os exemplos de tipo de atividades acionistas enunciadas nas Orientações da OCDE apuramos que a natureza dos encargos objeto de análise não se adequa aos exemplos referidos no §7.10 das mesmas, nem acolhe o conceito de que se reveste um «custo de acionista», no qual o beneficiário em exclusivo dos frutos do encargo é o próprio acionista.
As próprias Orientações referem, no mesmo parágrafo, que «Para determinar se estas atividades se inserem ou não na definição das atividades de acionista à luz dos presentes princípios, será necessário ponderar se, em circunstâncias comparáveis, se trata de uma atividade que uma empresa independente teria estado disposta a pagar ou se ela própria a teria exercido».
Acontece porém, que estes serviços prestados não configuram o qualitativo de atividade de acionista, uma vez que as beneficiárias diretas são as empresas participadas da SGPS – verificando-se que os encargos incorridos não derivam da prossecução de um interesse próprio e exclusivo da A... SGPS.
Neste ponto, a evidência aponta para a realidade de que uma empresa independente estaria disposta a pagar por serviços de assessoria na elaboração da contabilidade, de elaboração e gestão de planos financeiros, por serviços de controlo de qualidade tendo por base a constatação da existência de empresas fornecedoras deste tipo de serviços no mercado, sendo os custos dos mesmos suportados pelas entidades contratantes desses serviços.
Assim, não se afigura consentâneo com o princípio de plena concorrência vertido no §1.52 do relatório da OCDE - princípio de aplicação da plena concorrência, a não repercussão dos custos incorridos pela A... SGPS às suas participadas, na medida em que estas últimas são as beneficiárias imediatas destes serviços e porque nenhuma empresa independente estaria disposta a abdicar de se fazer ressarcir dos encargos d[e]spendidos em benefício de outra entidade e incorrendo em prejuízos permanentes.
Da seleção do método mais apropriado para a fixação do preço de transferência
De acordo com o n.º 2 do artigo 63.º do CIRC «O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou série de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais (…)»
O preâmbulo da Portaria 1446-C/2001 de 21 de Dezembro recomenda « (…) a consulta dos relatórios da OCDE (…)» que desenvolvem a matéria de preços de transferência para efeitos de aplicação da regulamentação concebida para o efeito.
A escolha do método deve ser determinada em conformidade com a legislação portuguesa (artigo 63º CIRC e artigo 4º da Portaria 1446-C/2001) e com os princípios enunciados nas Orientações da OCDE.
Assim, de acordo com o § 7.33 das Orientações, «Segundo o método utilizado para determinar a fixação de preços de plena concorrência de serviços intra-grupo, o problema pode colocar-se em saber se é necessário, que o preço aplicado seja tal que resulte num lucro para o fornecedor de serviços.»
Na presente situação, A... SGPS vem alegar, na pagina 35 do Dossier de PT, que «não realiza com nenhuma outra entidade independente operações comparáveis e em circunstâncias similares às que são realizadas com entidades relacionadas e, por conseguinte, não existe informação interna que permita analisar a concordância da política de preços de transferência da empresa com as regras estabelecidas no mercado, o que impossibilita a utilização dos métodos tradicionais, mais concretamente o Método Preço Comparável de Mercado, o Método do Custo Majorado e o Método de Preço de Revenda Minorado, de modo a avaliar os termos e condições que pratica com entidades relacionadas.
Posto isto o Método da Margem Líquida da Operação mostra-se como método mais apto a fornecer uma estimativa fiável e consistente dos termos e condições estabelecidas entre entidades independentes, por forma a validar os termos e condições praticados pela A... SGPS.»
No final da aplicação do método escolhido, a conclusão apresentada é a seguinte: «Na medida em que o mark-up aplicado na atividade de prestação de serviços de apoio e administração é de 10%, valor este enquadrável no intervalo de mercado obtido, é nosso entendimento que o pricing adoptado procura cumprir com as regras de mercado e, consequentemente, com o princípio da plena concorrência.» Então, o método de preços de transferência escolhido resultou na aplicação de uma margem operacional sobre os gastos de 10%.
Diz o n.º 6 do artigo 12º da Portaria n.º 1446-C/2001 que «nos casos em que não for possível a aplicação do método direto deve ser adotado o método indireto, o qual consiste em repartir os custos globais de serviços prestados pelas várias entidades do grupo com base numa chave de repartição apropriada (…)»
No caso em apreço, o método direto não é exequível de aplicar, porque não é possível identificar especificamente os beneficiários diretos e efetivos daqueles gastos, pelo que estaremos numa situação em que se impõe a imputação direta que exige um método/critério de repartição.
O n.º 7 daquele normativo diz que a «chave de repartição (…) deve ser construída com base em indicadores que reflitam de forma adequada a natureza e a utilização dos serviços prestados (…)».
Neste contexto, e dado que a correção proposta aos preços de transferência ocorreu, na sua quase totalidade, na formação do preço e não nos gastos elegíveis, consideramos que será de manter o critério de repartição adotado pela A... SGPS.
Do impacto da violação do Princípio de Plena Concorrência na determinação do lucro tributável
Da violação do Princípio de Plena Concorrência antes descrita resulta que o resultado tributável da A... SGPS foi influenciado negativamente pelo quantitativo de gastos que, por aplicação do Princípio de Plena Concorrência, deveriam ter sido afetos aos beneficiários dos mesmos.
Por um lado, e como foi já referido nos parágrafos anteriores, o sujeito passivo considerou, na sua análise aos serviços prestados às suas participadas, gastos no montante de € 5.499.913,01: gastos com amortizações no valor de € 82.395,32, outros gastos e perdas no montante de € 428.399,49, gastos com pessoal no montante de € 3.794.814,20 e FSE’s no valor de € 1.144.304,00. Por outro lado, a A... SGPS concluiu que a aplicação de uma margem operacional sobre os gastos de 10% atende ao princípio de plena concorrência.
Entretanto, verificamos a existência de gastos, no montante de € 637.589,33, que são igualmente elegíveis para efeitos de faturação às participadas (conforme Quadro 11 do presente documento).
Então, o valor a faturar às participadas pela prestação dos serviços elencados na página 25 do Dossier de PT, deveria ter sido de € 6.087.502,34 x 1,10%, ou seja, de € 6.696.252,57.
Com base nestes dados e pressupostos, determina-se em € 6.696.252,57 o valor correspondente à faturação devida, relativa às empresas participadas pela A... SGPS em 2015, de acordo com a proporção já utilizada pelo sujeito passivo, conforme os cálculos indicado no quadro seguinte:
Quadro 12 – Repartição da Faturação pelas participadas
Cliente Valor faturado Proporção de Faturação Valor Total a Faturar Correção
ZZ... 136.648,00 € 3,84% 256.958,59 € 120.310,59 €
AAA... 198.360,00 € 5,57% 373.004,40 € 174.644,40 €
BBB... 93.328,00 € 2,62% 175.497,85 € 82.169,85 €
CCC... 395.634,00 € 11,11% 743.966,64 € 348.332,64 €
G... 1.014.752,00 € 28,50% 1.908.181,88 € 893.429,88 €
DDD... 1.230.406,00 € 34,55% 2.313.706,64 € 1.083.300,64 €
EEE... 226.176,00 € 6,35% 425.310,76 € 199.134,76 €
FFF... 219.032,00 € 6,15% 411.876,89 € 192.844,89 €
GGG... 46.664,00 € 1,31% 87.748,93 € 41.084,93 €
3.561.000,00 € 100,00% 6.696.252,57 € 3.135.252,57 €
Estabelece o artigo 77º da Lei Geral Tributária, no seu n.º 3, que «(…) a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar os seguintes requisitos:
a) Descrição das relações especiais;
b) Indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo;
c) Aplicação dos métodos previstos na lei (…)
d) Quantificação dos respetivos efeitos.»
Estando cumpridos os requisitos de fundamentação previstos no n.º 3 do artigo 77º da LGT, procede-se à correção positiva à matéria tributável declarada pelo sujeito passivo, no período de tributação de 2015, no montante de € 3.135.252,57 (€ 6.696.252,57 - € 3.561.000,00), nos termos estatuídos no artigo 63º do CIRC.
Então, o total das correções à matéria coletável de em sede de IRC é a que a seguir se indica:
Quadro 13 – Correções à Matéria Coletável de IRC
Rúbricas Declarado Correção Corrigido
Prestação de Serviços 3.561.000,00 € 3.135.252,57 € 6.696.252,57 €
Gastos não aceites 681.968,12 € 63.056,89 € 745.025,01 €
Resultado Fiscal -3.850.827,86 € 3.198.309,46 € -652.518,40 €
III.2 Correções ao Imposto a Pagar
III.2.1 Tributações Autónomas – Despesas de Representação
A A... SGPS contabilizou a título de despesas de «Deslocações e Estadas», «Serviços Especializados», «Materiais» e «Serviços Diversos», as seguintes despesas que configuram Despesas de representação:
Quadro 14: Despesas de Representação Adicionais
N.º arquivo Descritivo Valor Descrição
4020062 V/Factura 218 40.000,00 € Reunião de liderança 2 Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4020063 V/Factura 6/62 1.356,69 € Placas fotog madeira e est. Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4030091 V/Factura 1500/000002 3.874,50 € Conjunto de 5 peças pintadas à mão Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4030104 V/Factura 002/4156 2.025,00 € Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4030135 V/Factura 30P69295 1.033,60 € Refeição Gastos com a Reunião de Assembleia Geral e reunião de apresentação contas aos bancos
4040016 V/Factura 4/320 59.126,06 € Reunião de liderança Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4040106 V/Factura 502455 32.941,25 € Evento Corporativo Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4040106 V/Factura 502455 34.106,07 € Evento Corporativo Gastos com a Reunião de Liderança 2015
1070008 ... 1.120,00 € 29 refeições a 29.07.2015 Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015 .
1070008 ...Hotel 2.759,25 € Estadia e alimentação Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015
1070008 ... Hotel 3.672,00 € Estadia e alimentação Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015
4070044 V/Factura 150105 1.500,00 € Aluguer de sala Gastos incorridos no âmbito da reunião de apresentação contas semestrais aos bancos
5080106 CH. 990,00 € Refeição Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015
4120207 Artigos Oferta-NF ND355 2.045,09 € Bilhetes para rugby world cup oferta para parceiros de negócio – projeto Praga
4080111 V/Factura 20978 1.496,25 € Estacionamento e alimentação Gastos com a Reunião de apresentação de resultados semestral 2015
4040068 Relatorio de Despesas 2.407,31 € Refeição Gastos incorridos com parceiros de negócios referentes à joint venture na Tailândia
1110005 ... F:312312057 540,00 € Jarra Gravada oferta a parceiros de negócio da J venture na Tailândia no âmbito da atividade acionista
4090097 V/Factura 2015/1443 1.125,61 € Brindes redébito de despesas a re-debitar no âmbito da prestação de serviços intragrupo
4080025 V/Factura 772 1.530,00 € ... Lda Gasto no âmbito da actividade acionista relativa ao controlo de gestão
193.748,68 €
Questionado o contribuinte acerca dos beneficiários destes encargos, da sua natureza e sua relação com os rendimentos obtidos no âmbito do art.º 23º do CIRC, veio apresentar as justificações que constam do Quadro 14, não acrescentando informações adicionais às que constam do documento que suporta cada um daqueles gastos cuja cópia se encontra em anexo (Anexo IV) e dos quais podemos aferir que todos os bens e serviços adquiridos foram utilizados, pelo menos parcialmente, por pessoas estranhas à A... SGPS.
Efetivamente, estes gastos configuram despesas de representação, conforme se encontram previstas no n.º 7 do art.º 88º do Código do IRC, segundo o qual, «Consideram-se despesas de representação, nomeadamente, as suportadas com recepções, refeições, viagens, passeios e espectáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou a fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades».
É de acrescentar que, atendendo ao conteúdo da redação daquele n.º 7, o legislador quis ser particularmente abrangente, no que respeita aos beneficiários das despesas de representação, pois estes podem ser:
- clientes;
- fornecedores;
- «quaisquer outras pessoas ou entidades» visando abranger outros beneficiários, não se encontrando excluídos os colaboradores da própria empresa;
Por outro lado, as despesas de representação são, basicamente, todas as efetuadas para representação da empresa junto de terceiros. Isto implica que estejam envolvidos terceiros à empresa, como clientes, fornecedores e «quaisquer outras pessoas ou entidades».
Assim sendo, nos termos do n.º 7 do art.º 88º do Código do IRC, procede-se à tributação autónoma daqueles gastos à taxa de 10%, o que origina imposto em falta no valor de € 19.374,86 (10% de € 193.748,68).
[…]
VIII – DIREITO DE AUDIÇÃO
De acordo com o preceituado no art. 60.º da LGT e no art. 60.º do RCPITA, em 2017.10.04, o sujeito passivo […] foi notificado pessoalmente […], nos termos do art. 40º do RCPITA, através do ofício n.º 2017... de 2017.10.04, para, no prazo de 15 dias, exercer o direito de audição sobre o Projeto de Relatório da Inspeção Tributária (PRIT).
Em 2017.10.19, foi-nos enviado via e-mail e por correio uma petição de exercício do direito de audição da qual consta que o sujeito passivo procedeu à regularização voluntária de parte das correções propostas no ponto III.1.1.a) deste documento no montante de € 9.272,65 através da entrega, na mesma data, de declaração modelo 22 de IRC de substituição referente ao período de tributação de 2015 na qual acresceu o montante de € 6.637,50 no campo 752 do quadro 07. A diferença entre o montante que o sujeito passivo afirma ter regularizado e o valor acrescido na declaração modelo 22, no valor de € 2.635,15, advém da assunção, por parte do sujeito passivo, de um erro declarativo seu pois, na primeira declaração por si entregue, ao invés de considerar, para efeitos de gastos não aceites fiscalmente, o valor da conta SNC 6251136 – Deslocações e Estadas – A Acrescer Q07 que foi de € 15.364,97, considerou o montante de € 18.000,12.
Relativamente a este ponto, atendendo aos argumentos apresentados pelo sujeito passivo, subtraímos ao valor da correção proposta no ponto III.1 deste documento, o lapso declarativo do sujeito passivo anteriormente descrito no montante de € 2.635,15, pelo que a correção em sede de Matéria Coletável de IRC a considerar a final é de € 3.195.674,31.
A petição refere ainda que, na mesma declaração modelo 22 de IRC de substituição, a A.. procedeu à regularização voluntária de parte das correções propostas no ponto III.2.1 deste documento no montante de € 3.710,60, referindo-se a este valor como o gasto que admite dever ser sujeito a tributação autónoma e ao qual aplicou uma taxa de 20%, decerto reportando-se ao n.º 13 do art. 88º do CIRC. Então, o valor acrescido ao campo 365 do Q10 da declaração modelo 22, segundo estes calculos, seria de € 742,14. No entanto, e devido a um lapso operacional do sujeito passivo, o valor acrescido pelo sujeito passivo foi de € 886,66.
Face ao que antecede, ressalvando as situações descritas nos parágrafos anteriores, serão de manter as propostas vertidas no projeto de relatório. […]”
QQ. Após a conclusão, em 31 de outubro de 2017, da ação inspetiva acima referida, dirigida à Requerente a título individual, e com o objetivo de, em relação ao período de tributação de 2015, refletir no lucro tributável do grupo fiscal de que é a sociedade dominante as correções que lhe foram efetuadas pela AT a título individual, conforme previsto no artigo 70.º, n.º 1 do Código do IRC, foi, pela Ordem de Serviço OI2017..., determinado o procedimento interno de inspeção tributária à Requerente, na qualidade de “empresa dominante” do Grupo de sociedades tributado pelo RETGS – cf. RIT Grupo e RIT.
RR. A Requerente foi notificada, na qualidade de sociedade dominante do grupo fiscal, do Relatório de Inspeção Tributária para o período de tributação de 2015, através do Ofício n.º 2017..., de 29 de dezembro de 2017 (do qual consta como Anexo I o Relatório da Inspeção realizada a título individual), com a proposta de correções meramente aritméticas:
a. à matéria coletável de IRC do grupo, no montante de € 3.189.036,81;
b. aos prejuízos fiscais declarados no período, para € 0,00 (eram de € 119.207,86);
c. às tributações autónomas, na importância de € 18.903,69,
– cf. RIT Grupo e RIT.
SS. Subsequentemente, a Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC de 2015 aqui impugnada, emitida sob o n.º 2018..., datada de 15 de janeiro de 2018, no montante de € 824.821,44, incluindo a liquidação de juros compensatórios na importância de € 48.482,06, que resultou no valor total a pagar de € 822.955,85 (incluindo juros), conforme documento de compensação n.º 2018..., de 17 de janeiro de 2018, com data limite de pagamento fixada em 26 de fevereiro de 2018 – cf. documentos 4 a 6 juntos pela Requerente.
TT. Em 19 de abril de 2018, a Requerente apresentou junto do Serviço de Finanças da Maia, garantia bancária para sustação do processo de execução fiscal n.º ...2018..., cuja dívida exequenda respeita ao ato de liquidação de IRC impugnado – cf. documento 8 junto pela Requerente.
UU. Em 21 de junho de 2018, a Requerente deduziu Reclamação Graciosa da liquidação de IRC de 2015 supra identificada – cf. documento 9 junto pela Requerente e PA.
VV. Em 11 de outubro de 2018, a Requerente foi notificada do projeto de decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, tendo exercido o direito de audição – cf. documentos 3 e 10 juntos pela Requerente e PA.
WW. Em 4 de abril de 2019, a Requerente foi notificada da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa – cf. documentos 1 e 2 juntos pela Requerente e PA.
XX. Do despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa consta, entre o mais – cf. PA pp. 184-185:
“Concluíram os Serviços de Inspeção Tributária que, para além da verificação da existência de gastos fiscalmente não dedutíveis, a reclamante prestou serviços intragrupo, não faturados às suas participadas, tendo baseado as suas conclusões nos factos que ora, em resumo, se descrevem.
O procedimento inspetivo teve o seu principal foco na análise aos gastos operacionais da empresa, enquadrando-os no âmbito dos art.ºs 23.º – Gastos e Perdas e art.º 63.º – Preços de Transferência do CIRC, [...] por se constatar que estes gastos têm como contrapartida operações ativas de ordem operacional de montante desproporcionalmente reduzido.
Verificando-se que os ganhos auferidos correspondem a faturação de serviços prestados às suas participadas, […] foi solicitada a discriminação do apuramento desses ganhos. […]
A reclamante justificou a facturação de prestação de serviços às participadas pela aplicação de uma “rate horária contratada” ao montante de horas que a A... SGPS considera que os seus funcionários despenderam na execução desses serviços. No entanto não demonstrou a fundamentação para a utilização dessa “rate horária contratada” enquanto preço dos serviços prestados, nem foram apresentados os pressupostos que conduziram ao valor aplicado. […]
Nestes termos, e segundo apuraram os serviços de inspeção, apesar de a empresa atuar enquanto acionista, os gastos incorridos e por si considerados elegíveis, traduzem-se em benefícios diretos nas empresas do grupo e, como tal, devem ser objeto de faturação a estas. […]
Com base nos elementos recolhidos, apuraram-se, então, correções à matéria tributável declarada de IRC, no montante global de € 3.135.252,57, valor correspondente à faturação devida às participadas, correções essas que estão, maioritariamente, na base da liquidação ora reclamada.”
YY. Em 3 de junho de 2019, por não se conformar com a referida liquidação de IRC (incluindo tributação autónoma e juros compensatórios), a Requerente apresentou o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou que as deslocações dos colaboradores das participadas à sede da Requerente sejam sempre efetuadas no interesse da Requerente (artigo 32.º do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”), podendo sê-lo, portanto, no interesse das próprias participadas) e que digam sempre respeito ao controlo da gestão e às tarefas de expansão e internacionalização do Grupo (podendo referir-se, de igual forma, à área de serviços intragrupo).
Não se provou que os gastos suportados com FSE e com o pessoal serviam “sobretudo” para a Requerente obter proveitos, via dividendos. Aliás esta afirmação (artigo 297.º do ppa) colide com o argumento de que uma parte significativa destes gastos (52,71% no ano 2015) se refere à prestação de serviços intragrupo, parte que foi objeto de (re)faturação às participadas.
Não se provou que a totalidade dos gastos considerados elegíveis pela Requerente e considerados pela AT como debitáveis estivesse integralmente afeta à prestação de serviços de gestão intragrupo, no sentido de terem sido unicamente consumidos por estes. Provou-se, aliás, ao contrário, que, em geral, os gastos (incluindo os elegíveis) foram suportados pela Requerente tanto no exercício da sua atividade acionista como no da prestação de serviços intragrupo às participadas (ponto GG supra). Não se provou, porém, que o método casuístico adotado pela Requerente para determinar o número de horas despendidas pelos colaboradores com a prestação de serviços intragrupo tenha permitido aferir de forma correta e rigorosa as horas imputáveis àquela prestação.
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos por ambas as Partes e nas posições por estas assumidas em relação aos factos. Foi ainda considerada a prova testemunhal produzida, suportada nos depoimentos de S..., Contabilista Certificado da Requerente e atual Diretor da Contabilidade e Fiscalidade do Grupo (para o qual trabalha desde 2001), e de VV..., Presidente do Conselho Fiscal (também o era à data dos factos).
As duas testemunhas, ouvidas em audiência contraditória, revelaram conhecimento direto dos factos relatados e permitiram a apreensão pelo Tribunal das atividades concretamente desenvolvidas pela Requerente, conforme referenciado em relação aos respetivos factos julgados assentes. Foram, no entanto, identificadas algumas afirmações incorretas, no sentido de favorecimento da posição da Requerente, o que foi ponderado na formação da convicção deste Tribunal, face às ligações existentes. Neste contexto, a primeira testemunha reiterou diversas vezes que a auditoria interna e o controlo de qualidade faziam parte da atividade de acionista da Requerente, o que é contrariado pelo Dossier de Preços de Transferência da Requerente que expressa que estas atividades se inserem nos serviços intragrupo a prestar às participadas, conforme contratos com estas celebrados (página 26 do Dossier).
Acresce referir que apesar de os depoimentos deixarem claro, em consonância com a prova documental, que a Requerente exerce de forma efetiva a atividade de acionista (seja na vertente estratégica de expansão internacional, com o estabelecimento de novas parcerias e a aquisição ou instalação de unidades produtivas em novas jurisdições, seja no controlo da atividade das entidades do Grupo), atividade que consome recursos não despiciendos, a forma de imputação dos gastos às diversas atividades (acionista e de prestação de serviços), revelou fragilidades, pois assenta numa base puramente casuística de informações ad hoc recolhidas em reuniões mensais ou semanais, sem suporte em qualquer sistema de registo de horas/dias ou de contabilidade de gestão (por exemplo, por via de centros de custos), conforme resultou em especial do depoimento da primeira testemunha e foi confirmado no depoimento da segunda. O depoimento da segunda testemunha limitou-se a referir generalidades sobre o sucesso da empresa e a “rota de aprovação das despesas”.
A inquirição, no âmbito do processo arbitral n.º 161/2018-T, das mesmas testemunhas e da inspetora da AT que realizou o procedimento inspetivo, em nada altera ou acrescenta ao acima referido e à convicção formada pela prova produzida nos presentes autos.
IV. DO DIREITO
1. QUESTÕES DECIDENDAS
As questões que importa apreciar e decidir respeitam, em síntese:
(a) À desconsideração de gastos deduzidos fiscalmente, em aplicação do artigo 23.º do Código do IRC e das regras sobre a repartição do ónus da prova contempladas nos artigos 74.º e 75.º da LGT;
(b) À aplicação do princípio de plena concorrência, ao abrigo do artigo 63.º do Código do IRC, e, em caso de fundada dúvida, à eventual aplicação do disposto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT;
(c) À qualificação de determinados encargos como despesas de representação, em conformidade com o disposto no artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC;
(d) À dedução à coleta do Grupo abrangido pelo RETGS, na hipótese de procedência das correções impugnadas, do saldo do benefício fiscal do SIFIDE, originado numa sociedade do Grupo em exercício anterior ao do início de aplicação daquele regime, com fundamento no preceituado no artigo 90.º, n.º 1, alínea c) e n.º 6 do Código do IRC;
(e) À liquidação de juros compensatórios.
2. DESLOCAÇÕES E ESTADAS NÃO ACEITES – ARTIGO 23.º DO CÓDIGO DO IRC – ÓNUS DA PROVA
AT corrigiu a matéria coletável da Requerente no valor de € 34.271,95 com fundamento na indedutibilidade fiscal de despesas contabilizadas de deslocações e estadas realizadas por pessoas em relação às quais não se comprovou um vínculo profissional efetivo com a Requerente. Não foi questionada a evidência documental das referidas despesas, mas apenas o facto de as pessoas que se deslocaram serem externas à Requerente, pelo que a questão não respeita à aferição do cumprimento de exigências formais.
Está em causa a relação necessária, normativamente prescrita pelo artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, entre os gastos de deslocações e estadas incorridos e a finalidade de obtenção ou realização na esfera da Requerente de rendimentos sujeitos a este imposto.
Notificada para justificar tais despesas no decurso da ação inspetiva, a Requerente referiu que os gastos foram incorridos no desenvolvimento da sua atividade enquanto holding e discriminou, com referência a cada documento de suporte dos gastos, as pessoas envolvidas nas deslocações, com a indicação de serem colaboradores de sociedades participadas pela Requerente e dois advogados ao seu serviço. Fez ainda menção, em cada caso, à situação específica que motivou a deslocação, nomeadamente o projeto associado, na sua grande maioria no âmbito da área de expansão/internacionalização (atividade acionista) e com menor expressão da área de controlo da gestão e de prestação de serviços intragrupo.
A AT não considerou que tivesse ficado esclarecido, leia-se demonstrado, que as despesas se referiam a gastos diretamente imputáveis à Requerente, mantendo a recusa da sua dedução fiscal, fundada no artigo 23.º do Código do IRC que dispõe, no seu n.º 1, serem “dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”.
A ordem jurídico-fiscal parte do pressuposto de validade das declarações do contribuinte, que, no entanto, podem ser desconsideradas, quando a AT demonstre factos-índice que as abalem – cf. SALDANHA SANCHES, A Quantificação da Obrigação Tributária, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (173), CEF, Lisboa 1995, pp. 340-342. Regime que se mostra consentâneo com a compreensão atualizada do princípio da legalidade que rege toda a atuação administrativa.
Em consonância, ensina VIEIRA DE ANDRADE, “há-de caber, em princípio, à Administração o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua atuação, designadamente se agressiva (positiva e desfavorável); em contrapartida, caberá ao administrado apresentar prova bastante da ilegitimidade do ato, quando se mostrem verificados estes pressupostos” – cf. A Justiça Administrativa (Lições), 2ª. edição, Almedina, página 269.
Nesta matéria, como preconizado pela Requerente, recai sobre a AT o ónus de demonstrar a verificação dos pressupostos legais que legitimaram a sua atuação, em conformidade com a regra de repartição do ónus probatório que emana do artigo 74.º, n.º 1 da LGT.
Convém relembrar que a reforma do IRC levada a efeito pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que (já) se encontrava em vigor à data dos factos, introduziu algumas alterações à redação do artigo 23.º do Código do IRC, eliminando o requisito da “indispensabilidade” dos custos.
No entanto, o conceito de gasto fiscal hoje vigente continua a estar delimitado pelo estabelecimento de um nexo com a atividade económica potencialmente geradora de rendimentos, ou, dito de outro modo, com o interesse da empresa, projetando um resultado que não difere substancialmente do anterior critério da indispensabilidade , mantendo-se válidas, mutatis mutandis, as considerações feitas no âmbito do regime anterior a 2014.
Em geral, a dedutibilidade fiscal dos gastos depende da sua conexão, causal e justificada, com a atividade produtiva do contribuinte – cf. TOMÁS CANTISTA TAVARES, DA Relação de Dependência Parcial entre a Contabilidade e o Direito Fiscal na Determinação do Rendimento Tributável das Pessoas Coletivas, Ciência e Técnica Fiscal n.º 396, Out-Dez 1999, p. 136.
Ligação que, como declara o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCASul”), de 22 de janeiro de 2015, processo n.º 05327/12 , deve ser aferida numa “perspetiva económica-empresarial, […] de causalidade económica entre a assunção de um encargo e a sua realização no interesse da empresa, atento o objeto societário do ente comercial em causa, sendo vedadas à A. Fiscal atuações que coloquem em crise o princípio da liberdade de gestão e de autonomia da vontade do sujeito passivo. […]
Um custo é indispensável quando se relacione com a atividade da empresa, sendo que os custos estranhos à atividade da empresa serão apenas aqueles em que não seja possível descortinar qualquer nexo causal com os proveitos ou ganhos (ou com o rendimento, na expressão atual do código - cfr.artº.23, nº.1, do C.I.R.C.), explicado em termos de normalidade, necessidade, congruência e racionalidade económica.”
Entendimento que tem sido reiterado pelo Supremo Tribunal Administrativo, como a título ilustrativo salienta o acórdão deste Tribunal, de 21 de setembro de 2016, no processo n.º 0571/13, segundo o qual o artigo 23.º do Código do IRC se refere “aos custos incorridos no interesse da empresa ou suportados no âmbito das atividades decorrentes ao seu escopo societário” . Não se exige que os gastos dedutíveis impliquem a obtenção de rendimentos, sendo suficiente que tenham a “potencialidade para os influenciarem positivamente” – cf. decisão arbitral de 2 de dezembro de 2013, no processo n.º 101/2013-T do CAAD.
Importa clarificar que o ónus da prova da dedutibilidade do custo, dada pela mencionada conexão do gasto à atividade do sujeito passivo, “passa ao lado da presunção de veracidade da escrita corretamente organizada”, prevista no artigo 75.º, n.º 1 da LGT, pois não vem questionada “a veracidade (existência e montante) da despesa contabilizada mas a sua relevância, face à lei, para efeitos fiscais, no caso, da sua qualificação como custo dedutível”, para efeitos do artigo 23.º do Código do IRC, nos moldes apontados pelo citado acórdão do TCASul (processo n.º 05327/12).
Neste âmbito, a regra geral, segundo a qual compete à AT a alegação e prova de erros, inexatidões ou outros fundados indícios de que os suportes formais não correspondem à efetiva matéria tributável do contribuinte, na expressão de TOMÁS CANTISTA TAVARES, “tempera-se com a outorga ao contribuinte do ónus de alegação da congruência dos elementos escriturados” – cf. ob. cit. pp. 116-117, pelo que se a AT duvidar fundadamente da inserção no interesse societário de determinada despesa, impende sobre o contribuinte o ónus de prova de que tal operação se insere no escopo da sua atividade.
Como atrás se referiu, a efetiva realização das despesas de deslocações e estadas, nos moldes em que o foram, não foi contestada pela AT, e bem assim a adequação do suporte documental, tendo sido indicadas com detalhe as datas das viagens, os respetivos percursos e a identificação das pessoas que viajaram.
Por outro lado, ficou assente a Requerente é uma multinacional de base portuguesa presente em dezenas de jurisdições, e que as suas funções de holding de cúpula do Grupo implicam deslocações frequentes dos seus colaboradores e de colaboradores das sociedades subsidiárias/participadas. Estas deslocações, cuja dedução fiscal não foi aceite pela AT, enquadram-se no contexto dos projetos que a Requerente e o Grupo por si liderado estão a desenvolver nesses países, onde detêm unidades produtivas (através das sociedades subsidiárias) ou estão a perspetivar a sua instalação.
Deste modo, para além da regularidade documental, de que brota a presunção da relação causal à atividade e escopo da Requerente, o contexto descrito é idóneo e legitima a inferência de que as deslocações e estadas se inscrevem na atividade e interesse social da Requerente, que se materializa na gestão e controlo dos investimentos (as participações sociais), na realização de novos investimentos (expansão e internacionalização) e na prestação de apoio às sociedades participadas, disponibilizando-lhes serviços técnicos de administração.
Aliás, de estranhar seria que a sociedade de cúpula – holding diretiva – de um Grupo económico com estas características não registasse despesas significativas com deslocações às jurisdições onde as suas participadas desenvolvem atividade ou onde pretende instalar novas unidades produtivas.
Por seu turno, a AT não apresentou indícios que pudessem criar dúvida sobre a natureza empresarial das despesas e a respetiva afetação à atividade da Requerente, referindo apenas como causa de não aceitação a circunstância de não se ter demonstrado o “vínculo profissional efetivo” das pessoas envolvidas com a Requerente, apesar desta ter informado tratar-se de colaboradores das sociedades por si participadas (divulgando a sua identificação), e de dois advogados prestadores de serviços (também identificados), referenciando os projetos específicos associados às deslocações.
Convém notar que não constitui condição legal de dedutibilidade fiscal das deslocações que estas sejam efetuadas apenas por colaboradores com vínculo laboral ou estatutário estabelecido com o sujeito passivo, sendo frequentes no âmbito de grupos económicos a partilha de recursos e situações de cedência ou disponibilização ocasional de colaboradores que, in casu, dada a identificação individualizada, era linearmente acessível e confirmável.
Nada impede também, sendo até comum, que as empresas suportem os custos de deslocações relativos a prestadores de serviços como, na situação vertente, as deslocações de advogados, no âmbito dos trabalhos que lhes estão a ser efetuados.
À face do exposto, a AT não cumpriu o ónus de demonstrar, como lhe competia (artigo 74.º, n.º 1 da LGT), factos-índice suscetíveis de afetar a conexão das despesas de deslocação e estadas à atividade e escopo social da Requerente e, consequentemente, a sua relação com a obtenção e a garantia de rendimentos sujeitos a tributação, pelo que a correção em análise padece de vício de erro nos pressupostos, atento o disposto no artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC, assistindo, nesta parte, razão à Requerente.
3. DESPESAS ALEGADAMENTE NÃO JUSTIFICADAS – ARTIGO 23.º DO CÓDIGO DO IRC – ÓNUS DA PROVA
Foi, de igual modo, corrigida a dedução fiscal de gastos no valor de € 19.527,29 relativo a duas faturas emitidas à Requerente por sociedades pertencentes ao Grupo, a G... INC e a DDD... AG.
A primeira fatura, na importância de € 18.433,29, menciona no descritivo “A... …Level 1 Documentation Re-write, ISO/TS 16949 Quality, ISSO 14001 Environmental, OHSAS 18001 Health & Safety, ISO 50001 Energy, ISO 27001 Information Security, PDSSMA, Culture Program”. Refere-se, portanto, a prestações de serviços de sistemas padronizados e certificados de qualidade em diversas áreas (ambiental, de saúde, segurança, energia e informação), certificação que é muitas vezes um requisito para contratar com fornecedores e clientes.
A segunda fatura, no montante de € 1.094,00, consubstancia o redébito de uma fatura dos auditores (I...) devidamente identificada e menciona expressamente duas reuniões realizadas com estes (em 7 e 11 de agosto de 2015), uma das quais sobre a auditoria anual.
Questionada sobre estas faturas, a Requerente respondeu que a primeira era referente a uma prestação intragrupo e a segunda a gastos incorridos no âmbito da atividade acionista de controlo de gestão.
Perante o que a AT considerou que a Requerente não tinha explicado sequer vagamente em que medida os serviços faturados foram utilizados na obtenção de rendimentos sujeitos a IRC. Porém, a juntar-se ao elevado caráter autoexplicativo do descritivo das faturas em questão, tal exigência de uma detalhada explicação sobre a específica “utilização” dos serviços faturados extravasa a previsão e escopo do artigo 23.º do Código do IRC e corresponde a uma visão rejeitada do critério da “indispensabilidade” que postula uma relação necessária e direta entre gastos e rendimentos com a qual não se pode concordar (vide acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, de 24 de setembro de 2014, processo n.º 0779/12; de 15 de novembro de 2017, processo n.º 372/16; e de 28 de junho de 2017, processo n.º 0627/16).
Este último aresto considera “definitivamente arredada uma visão finalística da indispensabilidade (enquanto requisito para que os custos sejam aceites como custos fiscais), segundo a qual se exigiria uma relação de causa efeito, do tipo conditio sine qua non, entre custos e proveitos, de modo que apenas possam ser considerados dedutíveis os custos em relação aos quais seja possível estabelecer uma conexão objetiva com os proveitos”.
Como preconizado pelo acórdão daquele Supremo Tribunal, de 29 de março de 2006, no processo n.º 01236/05, “a Administração só pode excluir gastos não diretamente afastados pela lei debaixo de uma forte motivação que convença de que eles foram incorridos para além do objetivo social, ou seja, na prossecução de outro interesse que não o empresarial, ou, ao menos, com nítido excesso, desviante, face às necessidades e capacidades objetivas da empresa”. Na explicitação do acórdão, de 30 de novembro de 2011, no processo n.º 107/11, “fora do conceito de indispensabilidade ficarão apenas os atos desconformes com o escopo social, aqueles que não se inserem no interesse da sociedade, sobretudo porque não visam o lucro.”
Posição reforçada com a Reforma do IRC, nos moldes referidos na decisão arbitral, de 3 de janeiro de 2019, processo do CAAD n.º 161/2018-T, relativa a situação idêntica, do mesmo sujeito passivo, mas referente a outro exercício:
“Dizer que um custo tem de traduzir uma relação com a atividade, só pode querer significar que tem de se verificar uma relação com as operações económicas globais de exploração ou com as operações ou atos de gestão que se insiram na busca do interesse próprio da entidade que assume tais custos.
É nesse âmbito compreensivo que deve entender-se a nova redação introduzida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que, visando implementar um maior grau de certeza na aplicação concreta dos critérios de dedutibilidade, passou a consagrar como princípio geral que são dedutíveis os gastos relacionados com atividade do sujeito passivo por este incorridos ou suportados, reforçando a ideia de que basta a conexão com a atividade empresarial, independentemente da efetiva contribuição para os rendimentos sujeitos a imposto (cfr. Relatório Final da Comissão para a Reforma do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, 30 de junho de 2013).”
Na situação vertente, o teor dos documentos de suporte evidencia a natureza e tipologia dos gastos e o enquadramento das operações no normal desenvolvimento da atividade da Requerente. Esta prova prima facie satisfaz os requisitos do artigo 23.º, n.º 1 do Código do IRC. Cabia, deste modo, à AT reunir indícios que suscitassem uma dúvida fundada sobre a ligação dos gastos à atividade, nos termos do artigo 74.º, nº 1 da LGT, não o tendo feito, pelo que a correção efetuada é inválida (anulável) por procedência do invocado vício de violação de lei.
4. PRINCÍPIO DE PLENA CONCORRÊNCIA – ERRO NOS PRESSUPOSTOS – ÓNUS DA PROVA
As correções efetuadas pela AT à matéria coletável da Requerente baseiam-se no entendimento de que o resultado tributável desta foi negativamente influenciado por gastos que, por aplicação do Princípio de Plena Concorrência, deveriam ter sido faturados às sociedades destinatárias das prestações de serviços técnicos e de administração realizadas, concluindo, com base nessa premissa, que as prestações de serviços intragrupo foram faturadas às sociedades participadas em violação do disposto no artigo 63.º do Código do IRC.
Neste âmbito, a AT começa por afirmar que a Requerente aplicou às prestações de serviços intragrupo um preço – uma rate horária – não fundamentado, quer quanto à fórmula de cálculo dessa rate, quer quanto à distribuição temporal do total das horas de trabalho [entre atividade de prestação de serviços e atividade acionista], quer no tocante aos custos do acionista e às atividades desenvolvidas enquanto tal. Não obstante, a AT conclui pela aceitação dos gastos qualificados pela Requerente como elegíveis para efeitos da sua potencial imputação às prestações de serviços intragrupo, aceitando ainda o método (MMLO) e a margem de 10% aplicada.
Desta forma, o único ponto de discordância que subjaz a esta correção realizada pela AT ao lucro tributável da Requerente é o do volume de horas gastas pelos colaboradores que esta imputou às prestações de serviços intragrupo. Assim, a liquidação em causa resulta unicamente da desconsideração, pela AT, da ponderação de horas que a Requerente imputou às prestações de serviços. De acordo com o argumento da AT, todas as horas disponíveis dos colaboradores da Requerente (critério de medida/volume de serviços prestados) teriam sido despendidas, em exclusivo, na atividade de prestação de serviços técnicos e de administração às participadas e, em consequência, também consumidos nesta (por esta) atividade todos os gastos classificados como elegíveis.
Caso em que, por oposição, a atividade acionista desenvolvida pela Requerente não teria consumido quaisquer desses gastos elegíveis, nem horas dos seus colaboradores que, para essa finalidade ou destino (acionista), ficariam reduzidas a zero.
Interessa neste ponto relembrar que a Requerente configura uma SGPS, cujo objeto social único, de acordo com os artigos 1.º, n.º 1 e 2.º, n.º 1 do respetivo regime jurídico , consiste necessariamente na “gestão de participações sociais noutras sociedades, como forma indireta de exercício de atividades económicas”, ou seja, encerra pela sua natureza um núcleo relevante de funções de acionista. Mesmo a prestação de serviços técnicos de administração e gestão só é permitida às SGPS, nos termos do artigo 4.º, n.º 1 do regime, com caráter instrumental à gestão de participações, dado que se circunscreve às sociedades participadas ou com as quais a SGPS tenha celebrado contrato de subordinação. A inobservância do regime, se forem desenvolvidas atividades que extravasem este quadro restrito, conduz à dissolução da sociedade, a que acresce a disciplina sancionatória aplicável (como estatui o artigo 8.º, n.º 2 do regime jurídico das SGPS).
O tema da imputação de gastos que servem os interesses dos sócios não é novo e tem consagração expressa desde 1979 nos Relatórios da OCDE, no âmbito das relações intragrupo de empresas multinacionais. O Relatório da OCDE de 1984 – Preços de Transferência e Empresas Multinacionais – Relatórios do Comité dos Assuntos Fiscais da OCDE de 1984, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.° 154, 1987 – desenvolve nos seus § 33 a 43 a análise das “atividades de acionista” caracterizando-as como atividades ligadas à gestão, ao controlo e à proteção do investimento representado por participações da sociedade-mãe. A classificação como gastos de acionista tem manifesta relevância, pois implica que não sejam repassáveis às sociedades participadas e, se, na prática, o forem (indevidamente), não sejam fiscalmente dedutíveis na esfera destas.
Em 2011, a Comissão Europeia, no âmbito do EU Joint Transfer Pricing Forum, estabeleceu uma lista não exaustiva de cinco páginas que inclui elementos da OCDE e serviços adicionais tipicamente classificados e reconhecidos como custos de acionista (“shareholders costs”) , sem prejuízo de tal classificação ficar sempre dependente dos factos e circunstâncias específicas de cada caso. O Fórum indica como teste fundamental para se concluir que se está perante um gasto de acionista, o extraído do parágrafo § 7.9 das guidelines da OCDE, relativo às atividades que as sociedades participadas “não estariam dispostas a pagar se fossem entidades independentes” da casa-mãe .
A Requerente consubstancia uma holding diretiva e em convergência com essa qualificação desenvolve de forma significativa tanto a atividade de acionista (desdobrada em duas vertentes, uma de controlo da gestão das suas participadas, e outra de expansão e internacionalização), como a atividade de prestação de serviços intragrupo. Ficou demonstrado que em ambas foram consumidos recursos que fazem parte integrante dos “gastos elegíveis” (amortizações, outros gastos e perdas, FSE’s e gastos com pessoal) correspondentes a meios humanos e materiais ou técnicos indispensáveis à sua realização.
Isto, sem prejuízo de a Requerente incorrer em gastos específicos imputáveis a cada uma das atividades como, por exemplo, os custos inerentes à consolidação de contas, estritamente afetos à atividade de acionista, e que, por essa razão, são expurgados pela Requerente dos gastos elegíveis passíveis de serem atribuídos também às prestações de serviços intragrupo. No caso de gastos unicamente conexos com a prestação de serviços intragrupo, estes são refaturados na íntegra às sociedades participadas. Com referência ao exercício de 2015, a Requerente reportou € 782.028 de gastos debitados a 100% (facto LL supra), e não apenas com base no rácio proporcional de horas-homem. Não é desses gastos específicos que, todavia, aqui se cuida, mas sim dos gastos que, à partida, não são privativos ou exclusivos, seja da atividade de acionista, seja da de prestação de serviços.
Retira-se do exposto uma primeira conclusão, que é a de que o ajustamento efetuado pela AT à matéria tributável da Requerente é ilegal por enfermar de erro manifesto nos pressupostos de facto, ao tomar como ponto de partida dados que não correspondem à realidade, i.e., que a totalidade das horas dos colaboradores da Requerente e a totalidade dos gastos elegíveis são atribuíveis à realização de prestações de serviços intragrupo, quando, na verdade, o são a título meramente parcial (em componente não despicienda, é certo, mas ainda assim parcial).
Com isso não se pretende significar ou validar que a distribuição das horas efetuada pela Requerente pelas suas áreas de atividade – de acionista (não faturável) e de serviços (faturável) –, para efeitos de determinação do volume de serviços prestados e do respetivo preço (influenciado pela proporção imputada de gastos elegíveis), seja a correta. Com efeito, a quantificação das horas dos colaboradores afetas às prestações de serviço intragrupo e à atividade acionista pela Requerente não assenta num procedimento sólido e sistematizado, mas num casuísmo (que, por esse facto, encerra um risco acrescido de erro).
Não obstante, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial, nos moldes enunciados no artigo 124.º, n.º 2 da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (que autorizou o Governo a legislar no sentido de instituir a arbitragem em matéria tributária), é, como aquele último, um meio processual de mera legalidade, que visa a declaração de ilegalidade de atos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e a eliminação dos efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os, através de uma pronúncia constitutiva e cassatória, ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT].
Sendo o ato impugnado o objeto do processo, não está em causa apreciar se foi globalmente correta a aplicação pela Requerente do regime de preços de transferência, mas apurar se a correção efetuada pela AT tem suporte legal. Isto, mesmo na eventualidade de se demonstrar alguma imperfeição na aplicação in casu daquele regime por parte da Requerente .
Não pode, desta forma, ignorar-se que a legalidade do ato tributário tem de ser apreciada pelo Tribunal à face do seu teor, tal como foi praticado, de onde deriva ainda uma outra ilação: perante a constatação da invocação de um pressuposto ilegal como suporte da decisão administrativa o Tribunal não pode apreciar se a atuação da AT poderia basear-se noutra argumentação .
Acresce que, como se verá de seguida, a correção em análise também padece de erro de direito.
O princípio de plena concorrência visa colocar empresas relacionadas e empresas independentes em igualdade de circunstâncias para efeitos fiscais, servir como princípio geral de igualdade e neutralidade, evitar distorções de concorrência e promover a troca internacional e o investimento, afastando razões fiscais de decisões económicas.
Daí que a lei estabeleça que havendo relações especiais entre contribuintes se as operações por eles realizadas não respeitarem as condições de mercado, provocando aumentos ou reduções “anómalas” da matéria coletável, a AT possa proceder à correção do preço para o seu valor “justo”, no sentido de valor objetivamente adequado às condições de mercado com as quais “normalmente” se determina a matéria coletável (artigos 77.°, n.º 3 da LGT e 63.º do Código do IRC) .
Constitui jurisprudência consolidada que é à AT que cabe provar os pressupostos em que assentam as correções de preços de transferência, ónus que abrange a identificação e prova de relações especiais, de que o preço praticado não é o de mercado, e de qual o preço de mercado aplicável (o preço de plena concorrência), de acordo com a metodologia desenvolvida no âmbito da OCDE e recebida pelo direito interno – acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de maio de 2015, n.º 833/13; de 11 de março de 2015, n.º 145/14; de 1 de junho de 2005, n.º 228/05; de 12 de março de 2003, n.º 1508; e de 21 de janeiro de 2003, n.º 21240.
Assim, de acordo com a regra de distribuição do ónus probatório, impendia sobre a Requerida evidenciar, cumprindo o ónus que lhe cabia ao abrigo do disposto no artigo 74.º, n.º 1 da LGT, que o preço praticado nas operações vinculadas – prestações de serviços intragrupo – não era de plena concorrência, diferindo dos “termos em que normalmente decorrem operações da mesma natureza entre pessoas independentes e em idênticas circunstâncias”, assim como aquele que o seria – veja-se, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo supra citado, de 11 de março de 2015, processo n.º 145/14.
Demonstração que a Requerida não logrou fazer, porque, por um lado, aceitou o método (MMLO) preconizado pela Requerente no Dossier de Preços de Transferência e a margem aí determinada de 10%, e, por outro lado, não alegou sequer qual o preço de mercado que seria aplicável (o que seria contratado entre empresas independentes pela prestação de serviços idênticos aos prestados às sociedades participadas), mediante a análise de situações comparáveis, de acordo com a metodologia obrigatória prevista no regime de preços de transferência
Não estão desta forma reunidos os requisitos de que o artigo 63.º do Código do IRC e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, fazem depender a aplicação corretiva da disciplina de preços de transferência, pelo que, a liquidação impugnada é, neste segmento, ilegal e deve ser anulada, atenta a procedência dos vícios materiais – erro nos pressupostos de facto e erro de direito – apontados.
Sobre a mesma questão se pronuncia a decisão arbitral no processo do CAAD n.º 161/2018-T, em que é parte a Requerente, relativamente a outro exercício. Com relevância para esta matéria fundamenta-se aí o seguinte:
“A Autoridade Tributária sustenta que no procedimento inspetivo não foi efetuada a demonstração do preço/hora aplicado pela Requerente na relação com as suas participadas. Mas o certo é que a Administração não indicou qual era o preço que teria sido contratado entre empresas independentes para a prestação dos mesmos serviços - nem essa prova foi efetuada no âmbito do processo arbitral – e a correção à matéria coletável proposta pelo Relatório de Inspeção Tributária teve por base, não o preço/hora que seria normalmente aplicável em condições de mercado, mas antes a desconsideração de certos gastos como sendo inerentes à função acionista. Sendo que, para esse efeito, foi tido em conta o preço/hora utilizado pela Requerente para o cálculo dos gastos elegíveis.
Ou seja, a Administração Tributária, embora tenha invocado que não se encontra fundamentado no Dossier de Preços de Transferência o preço/hora definido para a prestação de serviços às sociedades participadas, não extraiu daí qualquer consequência – designadamente para efeito de proceder à correção com base no preço que seria contratado entre entidades independentes -, e acabou por validar o preço indicado pelo sujeito passivo.
Neste contexto, a questão que interessa abordar, e que tem direto reflexo no julgamento da causa, relaciona-se com a falada descaracterização dos gastos que são imputados à atividade acionista e que determinou a correção da matéria coletável que é objeto de impugnação no âmbito do pedido arbitral.
[…]
São descritos como exemplos [de custos da função acionista] (a) os custos de atividades inerentes à estrutura jurídica da própria sociedade mãe, tais como a organização de assembleias gerais de acionistas, a emissão de ações desta sociedade e os encargos com o funcionamento do conselho de fiscalização, (b) os custos relativos às obrigações da sociedade mãe em matéria de apresentação de contas e os relatórios de atividades, e (c) os encargos relativos à mobilização dos recursos necessários à sociedade mãe para aquisição das suas participações (sobre todos estes aspetos, cfr. OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinado às empresas multinacionais e às administrações fiscais, §§ 7.6 a 7.10, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal, n.º 189, Lisboa, 2002).
No caso vertente, o que se comprova é que a Requerente prestava às empresas participadas, não apenas serviços de administração e gestão, que eram remunerados por essas entidades, mas também atividades de controlo de gestão e de expansão e internacionalização, que consistiam, por um lado, na recolha de informação sobre a situação de cada uma das empresas participadas destinada a definir a estratégia empresarial, e, por outro, na elaboração de estudos prévios de consultadoria para aferir a viabilidade de aquisição ou constituição de novas unidades industriais. Sendo que para esse efeito a A... SGPS dispunha de uma estrutura própria de pessoal que se deslocava às sedes das empresas subsidiárias e recolhia e tratava a informação que era veiculada para a sociedade mãe.
Afigura-se tratar-se aí de atividades inerentes à própria gestão das participações sociais que se destinam a definir as diretrizes estratégicas, a controlar a atividade das empresas participadas e a impulsionar o crescimento e desenvolvimento do Grupo e de que as empresas associadas apenas podem beneficiar indiretamente na medida em que dele fazem parte integrante.
Para rebater este ponto de vista, o Relatório de Inspeção Tributária limita-se a considerar que «não são descritos pelo sujeito passivo os custos que considera serem do acionista nem demonstra quais as atividades desenvolvidas por cada um dos seus funcionários que qualifica como imputáveis à SGPS enquanto acionista», tendo sido esse o fundamento material que determinou que todos os gastos elegíveis, no montante de […], fossem tidos com debitáveis às empresas participadas.
No entanto, a matéria de facto dada como assente vai no sentido de considerar que a Requerente dispunha de uma estrutura própria que recolhia e tratava a informação destinada a permitir o controlo da atividade e gestão das suas participadas, e que tinha também como função elaborar estudos prévios para aferir da viabilidade da criação ou aquisição de novas unidades industriais, no âmbito da estratégia de expansão e internacionalização. E está também demonstrado que essa atividade, tida como relacionada com a função acionista, se distinguia da dos serviços prestados em exclusivo benefício das empresas participadas, que eram objeto de faturação a essas entidades.
Além de que a distinção entre esses dois tipos de atividades se encontra também suficientemente caracterizada no Dossier de Preços de Transferência.
Não há, por isso, motivo bastante para desconsiderar as atividades que a Requerente declarou como correspondente à função acionista. E, em qualquer caso, por efeito da regra do direito probatório material que resulta do artigo 74.º da LGT, era à Administração Tributária que competia provar que essas atividades não foram realizadas ou correspondem a serviços prestados às subsidiárias no âmbito de relações comerciais intragrupo que não poderiam ter sido incluídas no custo acionista.”
Também por este ponto de vista, que se acompanha, a correção subjacente à liquidação impugnada é inválida.
Dir-se-á que, em rigor, o que começou por ser uma correção de Preços de Transferência por violação do princípio de plena concorrência, se transformou, no percurso argumentativo do Relatório de Inspeção, numa correção baseada na (alegada) “inverdade” das declarações do sujeito passivo – concluindo a AT por um “desvio dos custos elegíveis relativos aos serviços intragrupo para os custos do acionista” . Para além da falta de demonstração pela AT de tal pressuposto de facto, esta não é já uma questão que do ponto de vista técnico-jurídico se afigure enquadrável na temática do princípio da plena concorrência, ao abrigo do qual foram feitas as correções em apreciação.
A este respeito, interessa por fim salientar que não é de aplicar o regime invocado a título subsidiário pela Requerente, previsto no artigo 100.º, n.º 1 do CPPT, porquanto não se suscita dúvida fundada sobre o desenvolvimento de atividade acionista relevante por parte da Requerente e o consumo, também relevante, de recursos qualificados como gastos elegíveis, circunstâncias incompatíveis com o pressuposto da liquidação de IRC, pois obstam à consideração destes gastos elegíveis como integralmente afetos à realização de prestações de serviços intragrupo.
5. ACRÉSCIMO DE ENCARGOS DE € 637.589,33 – ERRO NOS PRESSUPOSTOS – ÓNUS DA PROVA
A AT considerou como afetos à atividade de prestação de serviços intragrupo da Requerente um conjunto de gastos por esta incorridos, tais como honorários de serviços de advogados, serviços prestados por multinacionais de auditoria e consultoria (em grande medida identificados como referentes ao “projeto drift”) e despesas de deslocação e estadas .
Sem prejuízo de reconhecer que se fossem custos de acionista os referidos encargos deviam recair sobre a Requerente, a AT sustenta que os “serviços prestados” não configuram atividade de acionista, em virtude de os encargos em questão não derivarem da prossecução de um interesse próprio e exclusivo da Requerente, sendo as beneficiárias diretas dos serviços as empresas participadas. Acrescenta que uma empresa independente estaria disposta a pagar por esses serviços.
Desta forma, tais encargos foram requalificados pela AT como gastos elegíveis para efeitos de faturação às participadas a título de prestação de serviços intragrupo e acrescidos à matéria coletável da Requerente.
Contudo, de acordo com a posição da Requerente estes gastos reportam-se exclusivamente ao exercício da atividade acionista de controlo de gestão, inexistindo qualquer obrigação de faturação às sociedades participadas.
À semelhança do que foi dito no ponto anterior, a AT não logrou demonstrar o pressuposto que alicerça o acréscimo à matéria coletável, i.e., que os gastos foram incorridos para prestar serviços intragrupo em benefício das participadas (desconsiderando o declarado pela Requerente que os tinha enquadrado como custos de acionista).
Desde logo, resulta do descritivo dos serviços, não contestado pela AT, que a fatia mais significativa dos gastos em causa (€ 389.873,99) respeita a trabalhos de Due Diligence (“... DD” e “Gastos EY DD”), usualmente realizados em momento prévio à realização de investimentos, para identificação e medição de oportunidades de negócio e dos diversos riscos envolvidos na transação (designadamente legais, financeiros e fiscais). A segunda componente mais expressiva (€ 79.339,38) é a de honorários pagos a advogados referentes a projetos de internacionalização (drift, tower, MTP, Ramsay). Trata-se em ambos os casos de gastos suscetíveis de ser enquadrados, no todo ou grande medida, no exercício de atividade de acionista.
O remanescente refere-se serviços de Preços de Transferência (€ 31.177,00) e a despesas de deslocações e estadas.
No tocante a serviços de auditoria, a lista de gastos requalificados e acrescidos pela AT não contém serviços desta natureza, mas apenas duas deslocações de funcionários, de valor reduzido (€ 720,90 e € 637,99), “em serviço de auditoria”. Em qualquer caso, a qualificação de serviços de auditoria depende das circunstâncias concretas. Conforme referido no ponto Q. da matéria de facto, podem ser objeto de prestações de serviços intragrupo pela Requerente às participadas, ou, diversamente, consubstanciar atividade acionista se forem realizados no interesse da sociedade-mãe, como determina a acima citada Comunicação da Comissão, COM(2011)16 final, de 25 de janeiro de 2011 , total ou parcialmente (neste último caso apenas uma parte será custo de acionista).
Resulta do exposto que os gastos em causa são, pela sua natureza, passíveis de enquadramento no exercício da atividade de acionista, que é efetivamente desenvolvida pela Requerente e consumidora não despicienda de recursos. Assim, a requalificação pela AT destes gastos e a consequente imputação à atividade de prestação de serviços intragrupo carecia da demonstração dos respetivos fundamentos (de que tinham sido consumidos por essas prestações de serviços). O que não sucedeu.
Nestes termos, conclui-se como na decisão arbitral n.º 161/2018-T: “Não tendo sido feita essa prova, chega-se a uma situação de incerteza quanto aos factos relevantes que terá de ser resolvida em desfavor da parte sobre quem impende o ónus da prova (artigos 346.º, in fine, do Código Civil, e 414.º do Código de Processo Civil.”, pelo que, nesta parte, é procedente o vício material arguido pela Requerente.
6. DESPESAS DE REPRESENTAÇÃO – TRIBUTAÇÃO AUTÓNOMA – ARTIGO 88.º, N.º 7 DO CÓDIGO DO IRC
A Requerente contabilizou diversos gastos a título de despesas de “Deslocações e Estadas”, “Serviços Especializados”, “Materiais” e “Serviços Diversos” que, segundo a AT, configuram despesas de representação sujeitas a tributação autónoma à taxa de 10%. No caso vertente, não está em causa a realização das despesas nem a sua específica finalidade, mas a própria interpretação o conceito de “despesas de representação”.
Dispõe, neste âmbito, o artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC, na redação à data dos factos [2015], o seguinte:
“São tributados autonomamente à taxa de 10 % os encargos dedutíveis relativos a despesas de representação, considerando-se como tal, nomeadamente, as despesas suportadas com receções, refeições, viagens, passeios e espetáculos oferecidos no País ou no estrangeiro a clientes ou fornecedores ou ainda a quaisquer outras pessoas ou entidades.”
Na perspetiva da AT, a norma deve ser interpretada com a maior latitude e abranger todas as despesas efetuadas em representação da empresa junto de terceiros, o que implica que estejam envolvidos terceiros à empresa, como clientes, fornecedores, mas também quaisquer outras pessoas ou entidades, não se encontrando excluídos os colaboradores da própria empresa.
Interessa notar, no que se refere aos requisitos da tributação autónoma, que esta incide sobre distintas tipologias de despesas, com diferentes objetivos. Como salienta o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de setembro de 2017, processo n.º 146/16, há que ter “presente o tipo de tributações autónomas em causa […], uma vez que, como veremos adiante, sob esta denominação cabem realidades com teleologia e finalidade distintas, a reclamarem tratamento diverso. Desde logo, porque a par das tributações autónomas sobre gastos, as mais frequentes, existem também tributações autónomas sobre rendimentos. Mas também, e essencialmente, porque há tributações autónomas que podem ser deduzidas para efeitos de determinação do lucro tributável e outras insuscetíveis de dedução” – em idêntico sentido veja-se o acórdão do mesmo Tribunal, de 21 de março de 2012, processo n.º 830/11.
Neste contexto, as considerações a respeito de certo tipo de tributações autónomas, podem não ser pertinentes e válidas relativamente a outro tipo de tributações autónomas.
Refere ainda o aresto citado que as “tributações autónomas, inicialmente previstas como meio de combater a evasão e fraude fiscais, designadamente as despesas confidenciais e não documentadas, reportavam-se a encargos fiscalmente não dedutíveis; ulteriormente, na prossecução da obtenção de receita fiscal, o seu âmbito foi progressivamente alargado a despesas cuja justificação do ponto de vista empresarial se revela duvidosa e a despesas que podem configurar uma atribuição de rendimentos não tributados a terceiros, relativamente às quais a dedutibilidade só era admitida se acompanhada pela tributação autónoma.” Continua ainda: “a ratio legis parece ser, não só a de obviar à erosão da base tributável e consequente redução da receita fiscal, mas também a de tributar (na esfera de quem os distribui) rendimentos que de outro modo não conseguiriam ser tributados na esfera jurídica dos seus beneficiários.”
Em relação às despesas de representação, o mecanismo de tributação autónoma tem simultaneamente em vista, como assinalado na decisão arbitral do processo n.º 161/2018-T, “prevenir e evitar que, através dessas despesas, as empresas procedam à distribuição oculta de lucros ou atribuam rendimentos que poderão não ser tributados na esfera dos respetivos beneficiários, tendo também o objetivo de combater a fraude e a evasão fiscais.”
Neste caso, o facto de as despesas terem sido incorridas no exercício da atividade do sujeito passivo e de serem dedutíveis fiscalmente não afasta a incidência, antes a postula, uma vez que o legislador recorta a norma de sujeição (a tributação autónoma) por apelo à expressão “encargos dedutíveis”, o que supõe a respetiva afetação à atividade e enquadramento como gasto fiscal.
A conformação do conceito de despesas de representação não tem, contudo, uma amplitude irrestrita. Salienta a este respeito a mencionada decisão arbitral (processo n.º 161/2018-T) que “[p]arece claro que as despesas de representação são gastos motivados por razões empresariais mas que, de algum modo, possam aproveitar a terceiros externos à sociedade ou ao grupo de sociedades, sendo esse o caso do pagamento de refeições, despesas decorrentes de convites e pagamento de bilhetes para espetáculos a pessoas com as quais a empresa tem ou pretende vir a ter relações comerciais.”
Deste modo, não são de qualificar como “despesas de representação” os gastos diretamente relacionados com a atividade empresarial incorridos com viagens e estadia de administradores e colaboradores para participarem em reuniões de liderança ou em assembleias gerais, da própria sociedade ou de sociedades participadas. Como o não são os gastos decorrentes de reuniões de confraternização quando apenas envolvam administradores e colaboradores, e não outras pessoas estranhas à empresa. Não obstante, nem todas as despesas listadas pela AT revestem estas características.
Nesta parametria, são de considerar excluídos do conceito de “despesas de representação” os gastos de aluguer de salas, apoio audiovisual e aqueles associados a serviços de organização e animação das reuniões e eventos corporativos internos do Grupo C... (Reunião de Liderança, Reunião de apresentação de resultados semestral, Reunião de Assembleia Geral e de apresentação de contas aos bancos), e inerentes refeições e estadias (incluindo estacionamento) dos colaboradores para esse efeito. O mesmo não se dirá, porém, da aquisição de objetos, como aguarelas e peças de aperitivos pintados à mão, placas fotográficas em madeira e estanho, bilhetes para “rugby world cup”, jarras da ... e brindes a atribuir a parceiros de negócio e a outras entidades, que não os colaboradores da Requerente, incluindo refeições realizadas com parceiros de negócios.
Em relação a estas situações, identificadas no quadro seguinte, estamos perante despesas de representação sujeitas a tributação autónoma, em linha com a posição da AT, pelo que o ato de liquidação não enferma, quanto às mesmas, do vício suscitado:
N.º ARQUIVO DESCRITIVO VALOR DESCRIÇÃO
4020063 V/Factura 6/62 1.356,69 € Placas fotog madeira e est. Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4030091 V/Factura 1500/000002 3.874,50 € Conjunto de 5 peças pintadas à mão Gastos com a Reunião de Liderança 2015
4120207 Artigos Oferta-NF ND355 2.045,09 € Bilhetes para rugby ... Oferta para parceiros de negócio – projeto Praga
4040068 Relatorio de Despesas 2.407,31 € Refeição Gastos incorridos com parceiros de negócios referentes à joint venture na Tailândia
1110005 ... F:312312057 540,00 € Jarra Gravada Oferta a parceiros de negócio da J venture na Tailândia no âmbito da atividade acionista
4090097 V/Factura 2015/1443 1.125,61 € Brindes Redébito de despesas a re-debitar no âmbito da prestação de serviços intragrupo
11.349,20 €
Nestes termos, procede parcialmente o pedido da Requerente, por erro de direito na aplicação do artigo 88.º, n.º 7 do Código do IRC, sendo inválida a liquidação adicional de tributação autónoma, exceto no valor de € 1.134,92 (€ 11.349,20 x 10%) relativo às despesas identificadas no quadro supra.
7. SALDO DE BENEFÍCIO FISCAL A DEDUZIR (SIFIDE)
A título subsidiário, i.e., na hipótese de manutenção da liquidação de IRC aqui impugnada e na correspondente medida, a Requerente peticiona a sua anulação por não ter sido deduzido, até à concorrência da coleta “corrigida”, o benefício fiscal do SIFIDE no montante de € 41.284,14.
Atenta a prova adquirida nos autos, constata-se a efetiva existência de um saldo a favor da Requerente (que o conseguiu demonstrar) relativo ao benefício fiscal do SIFIDE. Este saldo ascende ao valor de € 37.118,26 e não de € 41.284,14 (ponto II. da matéria de facto), por (entretanto) ter sido utilizada a diferença em declarações de substituição Modelo 22 submetidas pela Requerente.
Contudo, a liquidação de IRC é, pelas razões acima descritas, anulável, não gerando uma coleta corrigida à qual possa ser abatido o saldo do SIFIDE, com ressalva do montante de € 1.134,92 (€ 11.349,20 * 10%), relativo à tributação autónoma de despesas de representação, objeto de apreciação no ponto antecedente. Só nesta medida (dedução do saldo do SIFIDE à coleta de tributação autónoma até ao valor de € 1.134,92) se suscita tal questão.
Embora a partir de 2016 tenha passado a existir norma legal que afasta a possibilidade de deduções ao montante apurado com tributações autónomas (artigo 88.º, n.º 21 do Código do IRC), à qual foi atribuída natureza interpretativa, o Tribunal Constitucional veio declarar a inconstitucionalidade do caráter interpretativo, e por conseguinte retroativo, dessa alteração (acórdão n.º 267/2017, do Tribunal Constitucional, de 31 de maio de 2017).
Sendo que a nova redação da lei, ao afastar a possibilidade de deduções ao montante global das tributações autónomas ainda que essas deduções resultassem de legislação especial, veio também esclarecer, com natureza interpretativa, que existia legislação especial da qual resultava que fossem feitas deduções ao montante das tributações autónomas.
Assim, a questão que se coloca é a de saber se a dedução do benefício fiscal do SIFIDE às tributações autónomas era permitida em anos fiscais anteriores a 2016.
Sobre esta matéria acompanha-se a fundamentação da decisão do processo arbitral do CAAD n.º 312/2018-T, de 26 de novembro de 2018 , no sentido afirmativo, da dedutibilidade do SIFIDE a essas tributações, tendo em conta os seguintes argumentos.
É hoje pacífico que o imposto cobrado com base em tributações autónomas previstas no Código do IRC tem a natureza de IRC, como foi afirmado pela jurisprudência arbitral e decorre inequivocamente do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do mencionado Código, na redação conferida pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro.
Por seu turno, o artigo 90.º do Código do IRC refere-se às formas de liquidação do imposto, aplicando-se ao apuramento em todas as situações previstas no Código, incluindo as tributações autónomas, “não havendo, com vigência no ano de 2015, qualquer outra disposição que preveja termos diferentes para a sua liquidação”. As formas de liquidação que se preveem no Capítulo V do Código do IRC são, pois, de aplicação comum às tributações autónomas e à restante matéria tributável de IRC. O facto de uma liquidação de IRC poder conter vários cálculos parciais, com distintas taxas, não implica que exista mais do que uma liquidação. Quaisquer que sejam as etapas de cálculo a desenvolver, o resultado é uma liquidação unitária (cf. artigos 89.º, 90.º, n.º 1 do Código do IRC) .
O artigo 90.º, n.º 1 do Código do IRC é, desta forma, aplicável à liquidação de tributações autónomas, quer antes, quer depois da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março. E até esta Lei, não existia norma legal que previsse um procedimento especial de liquidação do IRC resultante de tributações autónomas. A coleta do IRC, seja a resultante do lucro tributável, seja a das tributações autónomas, era apurada através do procedimento de liquidação do artigo 90.º, n.º 1 do Código do IRC, sendo-lhe aplicáveis as deduções previstas no n.º 2 deste artigo, reportadas ao montante apurado no n.º 1, sem distinguir sobre a natureza dos tipos de coleta de IRC incluídos nesse montante.
A este respeito refere o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 267/2017, “a autonomia da tributação em apreço quanto à sua base de incidência, quanto às taxas aplicáveis e até quanto ao momento de pagamento, só por si, não determina – nem lógica nem juridicamente – a irrelevância da coleta obtida com as tributações autónomas no âmbito do apuramento da coleta do próprio IRC – questão regulada, em geral, no artigo 90.º, n.º 1, do CIRC –, nomeadamente quanto à integração daquela nesta última e, por conseguinte, quanto à admissibilidade de consideração do valor da citada coleta para efeito da realização das deduções legalmente previstas no artigo 90.º, n.º 2, do CIRC. Tal questão, na ausência de norma específica de sentido contrário – como aquela que, por exemplo, veio a ser consagrada no artigo 88.º, n.º 21, do CIRC – releva da própria configuração legislativa do IRC, nesta incluída a relevância ou irrelevância, para efeitos de apuramento da coleta final de IRC, dos montantes pagos a título de tributações autónomas.”
Foi apenas com o aditamento do n.º 21 ao artigo 88.º do Código do IRC em 2016 que passou a existir uma norma que afasta a aplicação das deduções previstas no artigo 90.º, n.º 2, nas quais se inclui a relativa a benefícios fiscais (alínea c)), ao montante apurado com tributações autónomas. Não se justificando, em momento anterior, uma interpretação restritiva do artigo 90.º, n.º 2.
Com efeito, como refere a decisão do processo arbitral n.º 312/2018-T, não colhe o argumento de que algumas tributações autónomas – por exemplo, as que têm por base de incidência “despesas” ou “encargos” – visam desincentivar certos comportamentos dos contribuintes suscetíveis de afetarem o lucro tributável (diminuindo a receita fiscal), sendo a sua força desincentivadora restringida pela possibilidade de deduções à coleta. É que, como acabou por ser reconhecido na atual redação do n.º 21 do artigo 88.º, introduzida pela Lei n.º 114/2017, de 29 de dezembro, há legislação especial de que resultam deduções à coleta originada em tributações autónomas (deduções que, entretanto, esse n.º 21 veio impedir).
“Por outro lado, a natureza de normas antiabuso, destinadas a evitar a fraude e a evasão fiscal, não exclui a possibilidade de deduções à coleta de IRC que com a aplicação dessas normas for determinada, o que é manifesto em relação à coleta proporcionada por correções baseadas em normas de natureza indiscutivelmente antiabuso, como, por exemplo, as relativas aos preços de transferência ou subcapitalização e também as correções resultantes da aplicação da norma geral antiabuso prevista no artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
Ainda por outro lado, é também evidente que a natureza antiabuso de algumas das tributações autónomas que visam desincentivar despesas e evitar evasão fiscal não poderia servir para justificar a não dedução dos benefícios fiscais a toda a coleta de IRC resultante de tributações autónomas, pois a prevista no n.º 11 do artigo 88.º do CIRC não incide sobre despesas ou encargos, mas sim sobre «lucros», sendo uma forma de tributação de lucro complementar ou alternativa em relação à prevista para a generalidade dos rendimentos. Para além disso, a tributação autónoma prevista no n.º 8 do artigo 88.º não tem subjacente qualquer intenção de desincentivar a realização das operações a que se refere, mas sim impor aos contribuintes especiais deveres probatórios em situações em a tributação mais favorável dos destinatários das despesas pode suscitar dúvidas sobre a realidade e normalidade das operações, pois a tributação autónoma é afastada «se o sujeito passivo puder provar que correspondem a operações efetivamente realizadas e não têm um caráter anormal ou um montante exagerado». […]
Assim, o entendimento de que todas as tributações autónomas visam tributar despesas ou desincentivar ou sancionar comportamentos, que pode resultar de uma primeira análise aligeirada, depara, numa perceção mais incisiva, com uma incontornável falta de correspondência com a realidade, sendo mais coerente, como explicação global, a ideia de que estamos «perante um mecanismo cujo objetivo último é o de contribuir para a “normalização” da tributação em sede de IRC, isto é, para o funcionamento deste imposto na sua forma mais pura e mais próxima das suas raízes de imposto sobre o lucro obtido pelas pessoas coletivas. Nesse sentido, as tributações autónomas não são mais do que mecanismos coadjuvantes do eixo central do IRC, que é o de tributar lucros permitindo a dedução das despesas em que os sujeitos passivos têm que incorrer com vista à realização dos rendimentos tributáveis». […]
Como também se refere no acórdão do CAAD proferido no processo n.º 59/2014-T, as tributações autónomas em IRC, devem ser consideradas uma forma de tributação de rendimentos empresariais […] através da tributação de certas despesas e encargos que revelam capacidade contributiva ou mesmo, nos casos das tributações autónomas previstas nos n.ºs 8 e 11 do artigo 88.º, como formas complementares de tributar diretamente rendimentos, em situações em que eles serão presumivelmente gerados, sem tributação, na esfera jurídica de terceiros.
Aliás, é um facto que a imposição de qualquer despesa sem contrapartida a uma pessoa coletiva tem como corolário a um potencial decréscimo do seu rendimento, pelo que a imposição de uma obrigação tributária unilateral, mesmo calculada com base em despesas realizadas ou encargos suportados, constitui uma forma de tributar indiretamente o seu rendimento.”
Conceção que foi acolhida na atual redação do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC ao referir o “IRC, incluindo as tributações autónomas, e quaisquer outros impostos que direta ou indiretamente incidam sobre os lucros”, reais ou presumidos.
O SIFIDE, criado pela Lei n.º 40/2005, de 3 de agosto, e objeto de sucessivas alterações e posterior integração no Código Fiscal do Investimento , manteve nas suas diversas conformações a previsão, constante, da dedutibilidade do valor das despesas com investigação e desenvolvimento elegíveis, ao montante da coleta do IRC apurado nos termos do artigo 90.º, n.º 1, a alínea a) do Código deste imposto (cf. artigo 4.º da Lei n.º 40/2005, artigo 36.º do Código Fiscal do Investimento e artigo 38.º do novo Código Fiscal do Investimento).
E como acima salientado, o artigo 90.º, n.º 1 reporta-se também à liquidação de tributações autónomas. “Assim, assente que o IRC inclui as tributações autónomas [como resulta do teor expresso do artigo 23.º-A, n.º 1, alínea a) do Código do IRC], conclui-se, por mera interpretação declarativa, que os créditos do SIFIDE são dedutíveis ao montante das tributações autónomas que se integram na «coleta do IRC apurado nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC».”
Um óbice adicional a uma interpretação restritiva, no sentido de excluir a dedução do SIFIDE à coleta originada em tributações autónomas, é o de, segundo o disposto no artigo 2.º, n.º 1 do Estatuto dos Benefícios Fiscais (“EBF”), os benefícios fiscais concedidos consubstanciarem “medidas de carácter excecional instituídas para tutela de interesses públicos extrafiscais relevantes que sejam superiores aos da própria tributação que impedem”. No caso do SIFIDE, “as razões de natureza extrafiscal que justificam a sua sobreposição às receitas fiscais são, na perspetiva legislativa, de enorme importância, por se entender que a capacidade de investigação e desenvolvimento é fator decisivo para a competitividade das empresas e do país, bem como da produtividade e do crescimento económico a longo prazo, o que se refere com clareza na fundamentação da Proposta de Lei n.º 5/X e no Relatório do Orçamento do Estado para 2011”.
A importância reconhecida ao SIFIDE é também “decisivamente confirmada pelo facto de ele ser indicado como estando especialmente excluído do limite geral à relevância de benefícios fiscais em IRC, que se indica no artigo 92.º do CIRC”, pelo que se trata de um benefício fiscal “cuja justificação é legislativamente considerada mais relevante do que a obtenção de receitas fiscais”, não sendo sequer sujeito aos limites à dedutibilidade da coleta do IRC previstos naquele artigo.
Tendo o legislador optado pela criação do incentivo ao investimento em detrimento da arrecadação de receitas “não se vislumbra como possa ser relevante que as receitas de IRC que se perdem para concretizar o incentivo provenham da tributação geral de IRC prevista no n.º 1 do artigo 87.º ou das tributações a taxas especiais previstas nos n.ºs 4 a 6 do mesmo artigo, ou das tributações autónomas previstas no artigo 88.º: em todos os casos, a alternativa é a mesma entre criação do incentivo e arrecadação de receitas de IRC e a ponderação relativa que se pode fazer dos interesses conflituantes é idêntica, quaisquer que sejam as formas de determinar o montante de IRC de que se prescinde para criar o incentivo.
E, no caso do benefício fiscal do SIFIDE, as razões de natureza extrafiscal referidas legislativamente que justificam o incentivo com perda de receita são fortíssimas, pois considera-se que os investimentos incentivados são um fator decisivo na competitividade futura do país, que é fundamental para o próprio incremento das receitas fiscais.”
Pelo exposto, uma vez que está em causa o exercício de 2015, não pode deixar de ser dedutível o saldo do referido benefício (SIFIDE) à coleta corrigida de tributação autónoma da Requerente no (até à concorrência do) montante de € 1.134,92, ao abrigo do disposto no artigo 90.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea c) do Código do IRC.
Adicionalmente, e noutra perspetiva, também não se adere à tese da Requerida que preconiza uma interpretação por analogia com o regime do reporte dos prejuízos fiscais a que se refere o artigo 71.º, n.º 1, alínea a) do Código do IRC, segundo a qual os prejuízos das sociedades do Grupo verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do RETGS só poderiam ser deduzidos ao lucro tributável do grupo “até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam”.
Neste sentido, compulsa-se, pelo seu mérito, o entendimento sufragado na decisão arbitral do processo do CAAD n.º 482/2019-T, de 26 de março:
“Com efeito, o Código estabelece como regra que, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções relativas a cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente ao grupo (artigo 90.º, n.º 6). E, por outro lado, para efeito da agregação dos resultados, o Grupo A... passou a incorporar os direitos e as obrigações das empresas que passaram a integrar o Grupo, incluindo o direito aos benefícios fiscais que já detinham à data em que se operou a alteração da composição do Grupo.
A lei é clara ao associar a dedução de benefícios fiscais ao resultado fiscal do grupo e não ao resultado que tenha sido apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram.
[…]
E face à configuração legal do regime especial de tributação de grupos de sociedades não se denota qual a utilidade de acrescentar um novo preceito, por integração analógica, que ao invés de completar o regime jurídico, seria contrário ao princípio geral que decorre do artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC.
Também não se descortina a identidade de valoração jurídica entre a dedução de benefícios fiscais e o reporte de prejuízos fiscais a que se refere o artigo 71.º, n.º 1, que pudesse justificar o recurso à analogia. A limitação da dedução dos prejuízos fiscais por referência ao lucro tributável da sociedade a que respeitam, no que concerne aos prejuízos gerados em períodos de tributação anteriores à entrada num grupo societário, tem em vista evitar que, por via da opção pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades ou da alteração da composição do grupo societário, o resultado fiscal positivo do grupo pudesse ser influenciado negativamente pelos prejuízos fiscais cumulados anteriormente por empresas que passam a integrar o grupo.
Assim se compreende, de resto, que não possam fazer parte do grupo as sociedades que registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao início da aplicação do regime (artigo 69.º, n.º 4, alínea c)).
A disposição do falado artigo 71.º, n.º 1, tem, por conseguinte, o sentido de uma norma anti-abuso que visa evitar a obtenção indevida de uma vantagem através de fraude aos princípios do sistema, e mal se compreende que esse mesmo critério houvesse de ser aplicado à dedução de benefícios fiscais quando estes benefícios visam compensar incentivos fiscais na área do investimento e da investigação e desenvolvimento empresarial que têm em vista, essencialmente, promover o crescimento económico e o emprego e contribuir para o reforço da modernização e da competi[ti]vidade do País.
O pedido arbitral mostra-se ser, por conseguinte, procedente por violação do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRC.”
Tendo em conta que a dedução do saldo do benefício do SIFIDE à coleta corrigida de tributação autónoma da Requerente absorve esta coleta na totalidade, conclui-se não ser devida pela Requerente prestação tributária adicional, de IRC e de tributação autónoma, pelo que a liquidação de imposto aqui impugnada, referente ao exercício de 2015 deve ser anulada na totalidade.
8. JUROS COMPENSATÓRIOS
De acordo com o disposto no artigo 35.º, n.º 1 da LGT os juros compensatórios são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Na situação vertente, a liquidação de IRC e de tributação autónoma que originou valor de imposto a pagar é inválida por vício substantivo de erro nos pressupostos, de facto e de direito, gerador de anulabilidade, pelo que não se verifica o requisito constitutivo da obrigação de juros compensatórios (retardamento da liquidação de imposto devido), sendo o ato tributário também inválido neste segmento por vício de violação de lei.
9. QUESTÕES DE CONHECIMENTO PREJUDICADO
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada ou cuja apreciação seria inútil, designadamente no que se refere a vícios procedimentais e às inconstitucionalidades suscitadas pela Requerente à face das soluções alcançadas no plano infraconstitucional (artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT).
EM SÍNTESE,
As correções administrativas ao rendimento tributário são anuladas, com exceção da relativa à exigência de tributação autónoma de algumas despesas (identificadas a p. 79 da presente decisão). Porém, não há imposto a pagar, em resultado do facto do imposto (tributação autónoma) devido resultar compensado pela existência de crédito de imposto, de valor muito superior, resultante do SIFIDE.
Assim, a liquidação impugnada (imposto e juros), referente ao ano 2015, é anulada na totalidade, em virtude da procedência do invocado vício material de erro nos pressupostos (de facto e de direito) e consequente ilegalidade, em conformidade com o disposto no artigo 163.º, n.º 1 do novo CPA (cuja entrada em vigor ocorreu em 8 de abril de 2015), por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alínea d) do RJAT.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar a ilegalidade e consequente anulação da liquidação adicional de IRC e de juros supra identificada, relativa ao ano 2015, resultante no valor a pagar de € 822.955,85, e bem assim da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa que confirmou aquele ato tributário, tudo com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 822.955,85, conforme indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Junho de 2020
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Alexandra Coelho Martins
Rui Duarte Morais
Sofia Ricardo Borges
(conforme declaração de voto junta)
Declaração de voto
Sempre com todo o devido respeito, não acompanhei a Decisão no referente à parte substancial da liquidação adicional que aqui está em causa. Ou seja, à parte da liquidação em crise que tem por base a não aceitação como custos fiscalmente dedutíveis na esfera da Requerente do montante de € 2.207.442, correspondentes a 47,29% do Valor Base (ou Total) dos gastos considerados pela mesma (SP) como gastos elegíveis. Montante (total de € 2.207.442) que, embora tendo sido contabilizado (e, assim, fiscalmente deduzido na esfera do SP) como gastos de actividade accionista, a Requerida não aceitou como tal. E que a Requerida, assim e em consequência, entendeu que deveria também ter sido facturado pelo SP (às participadas). Passando pois, de gastos, a rendimentos do SP. E originando, a final, uma correcção de € 2.428.186 (i.e., € 2.207.442 x 1,10%).
Vejamos. A Requerida partiu da não aceitação como custos daquele montante .
Por o SP não ter fornecido elementos que eram indispensáveis ao controlo da sua situação tributária . E, assim, não tendo sido possível sindicar da “distribuição” feita pelo SP, que imputou à actividade de prestação de serviços de 52,71% dos “custos elegíveis” e, assim, considerou 47,29% dos mesmos como custos – fiscalmente dedutíveis na sua esfera individual – que qualificou de custos de actividade accionista.
Em consequência, e por se estar no seio de uma holding mista, a Requerida considerou aquele mesmo montante, correspondente a 47,29% dos custos elegíveis, como se tratando de valor que o SP deveria ter facturado às suas participadas. Considerou a Requerida, pois, em substância, que houve omissão de facturação. Assumiu aquele montante corresponder a rendimentos do SP. Montante que, assim, entendeu, deveria, ter sido objecto de facturação.
Presumiu, pois, rendimentos. Considerou que eram rendimentos não apenas aqueles que dentro dos “gastos elegíveis” (como tal considerados pelo SP) haviam sido facturados pelo SP às participadas (tratados pois pelo SP como “debitáveis”), como também todos os demais nos “gastos elegíveis”. Ou seja, a Requerida foi à base, ao valor base dos “gastos elegíveis”, e presumiu que não apenas uma parte, mas sim a totalidade, consubstanciava rendimentos do SP. E que assim era devida facturação na parte em que o SP não os havia facturado (ao invés, havia declarado como gastos dedutíveis - custos da sua actividade accionista).
Que assim é fica claro seja no RIT, seja no Despacho de Indeferimento da RG, seja nos articulados nos presentes autos, desde logo no próprio PPA. Senão, vejamos.
Embora a Requerida no RIT desenvolva a sua argumentação, quanto a esta parte da liquidação, em torno da violação do Princípio da plena concorrência, o certo é que a questão se suscitou, ab initio, para verificação/sindicância do critério/da materialização do critério de repartição horária utilizado pelo SP em aplicação do indicador despesas com pessoal (com base no qual o SP depois aplica a proporção, de 52,71%, a todos os “gastos elegíveis”). Uma vez que a Requerida pretendia aferir da aderência à realidade de terem os custos correspondentes aos demais “gastos elegíveis” (portanto, os demais 47,29%) sido incorridos pelo SP “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC” nos termos do art.º 23.º do CIRC.
E porque tal não lhe era dado fazer, com os elementos disponibilizados, solicitando mais informação ao SP foi-lhe fornecido o Dossier de PTs. A partir do qual procura encontrar a resposta para a mesma questão, sem sucesso. Pois que também do Dossier de PTs tal não era dado apurar. Como também não da demais informação que foi sendo fornecida pelo SP.
E é neste contexto que a Requerida desenvolve no RIT a sua argumentação, depois, em torno do referido Princípio e dos PTs, inclusive apreciando a rate horária aplicada. Não faz, porém, a final, qualquer correcção em PTs. Aceita o preço praticado pelo SP. Não se está, no caso, perante uma correcção de PTs. Em substância. Como aliás também já assim se havia concluído no âmbito do Processo n.º 161/2018-T, a que é feita menção na Decisão.
E, mais, aceita o apuramento feito pelo SP de “gastos elegíveis”, ao qual aplica, por fim, a rate horária que o SP havia aplicado. Porém, à totalidade dos “gastos elegíveis”, e não apenas a uma parte. Porque considera, assim, dever ser facturada a totalidade. Desconsidera a outra parte (correspondente aos 47,29%) como custos, via art.º 23.º do CIRC. E presume-a rendimentos.
Houve, pois, recurso a Métodos Indirectos. A Requerida, como é próprio do método residual de avaliação (avaliação indirecta), fundamenta antes de mais a correcção na verificada falta de proporção entre gastos/proveitos. Refere-se também no RIT a sucessiva apresentação de prejuízos fiscais.
Não houve aqui correcções técnicas, muito menos correcções aritméticas. A AT entendeu (e está demonstrado no RIT e nestes autos) que - mesmo com os elementos que lhe foram sendo facultados - tal não era possível. A deficiência em causa não era suprível com meras correcções técnicas - pois que em parte alguma o SP forneceu à AT elementos para tal - para calcular/conferir a repartição entre o que foram (segundo o SP) custos de actividade accionista/de actividade de prestação de serviços às participadas.
E então presumiu um rendimento. Fez uma correcção quantitativa socorrendo-se de métodos indirectos, alterando a matéria colectável com recurso a uma presunção.
Que a avaliação, neste ponto, assentou de forma clara numa presunção decorre, por exemplo, do RIT - “Então, o valor a facturar às participadas deveria ter sido de € (…)”; “…determina-se em € (…) o valor correspondente à facturação devida (…)”. Ou, entre o mais, também no despacho de indeferimento da RG : “(…) a reclamante prestou serviços intragrupo, não facturados (...)”; “(…) os gastos incorridos (…) devem ser objecto de facturação (...)”; “(…) apuraram-se correcções no montante de € (…), valor correspondente à facturação devida”.
E era este o caminho que restava à AT.
Bem ou mal, foi uma correcção por Métodos Indirectos o que, em substância, sucedeu. A AT aceitou o preço hora e a margem operacional. O que a AT coloca em causa, e depois corrige (via presunção), é a base de cálculo, os gastos a considerar para efectiva facturação. Embora fale em PTs e correcções a respeito, não há uma correcção de PTs. Tanto assim que não veio a fazer-se nenhum ajustamento aos PTs. Que era o que sucederia numa correcção de PTs. Em coerência, não se foram “buscar” quaisquer factores de comparabilidade. É à base (o montante de "gastos elegíveis") que a AT vai, e corrige. Assumindo um montante diferente como rendimento. A avaliação assenta, aqui, de forma clara, numa presunção.
Quanto a mim é de Métodos Indirectos que aqui se trata. Nesta parte.
Não obstante não ter sido denominado como tal. Ainda assim é o que efectivamente foi feito. Sendo que estavam reunidos os requisitos legais para tal. Os quais se encontram, afinal, plasmados no RIT.
V. LGT art.º 87./1 al. b) (v. também al. e)); art.º 88.º, a); art.º 90./1 al. d); art.º 62.º/3 RCPITA.
Sendo que, nas circunstâncias descritas, relevam particularmente para o julgamento da matéria de facto as regras aplicáveis nessa sede sobre a distribuição do ónus da prova. V. art.º 74.º, n.º 3 da LGT e art.º 100.º, n.ºs 2 e 3 do CPPT.
*
Por outro lado, refira-se, é também claro que a Requerente assim o inteligiu.
Assim o demonstra quando refere que a AT procedeu a uma correcção baseada em haver uma desproporção entre gastos/proveitos operacionais. Trata assim a questão desde o início, logo desenvolvendo os seus esforços para rebater o argumento. Ou quando nota que o que a AT faz é “concluir (…) que a A... SGPS não faturou serviços que presumivelmente prestou." Para contrapor ao que continua a desenvolver argumentos - sempre em torno da alegada desproprocionalidade custos/proveitos.
Resultou claro para Requerente que é com esta base (“nestas conjecturas”) que a AT veio a concluir como concluiu. Como resultou claro à Requerente também que a AT aceitou o preço hora e que a questão da conformidade do preço hora com o preço de mercado nem sequer se coloca . Compreende também bem a Requerente que o questionado pela AT foi a repartição operada, seus critérios (ao que defende ter respondido/esclarecido informando a AT sobre os conceitos hora accionista/prestação de serviços intragrupo).
É também a própria Requerente que escreve assim no seu PPA : “Ora (…) a estratégia dos SIT assenta primordialmente na falsa ideia de que a A... SGPS tinha de ter uma alegada omissão de facturação. Pois, segundo a AT, não se pode conceber que a A... SGPS tenha elevados gastos operacionais e uma grande estrutura de pessoal quando, na realidade, aufere proveitos operacionais diminutos. E com base neste raciocínio a AT partiu para a correcção."
Em suma, e em nosso entender, qualquer destinatário normal, e desde logo a Requerente, apreende que a ratio decidendi para a correcção foi de Métodos Indirectos. Que foi por ser com recurso à aplicação de Métodos Indirectos que se chegou àquele valor e não a outros.
Ora, entendemos que o julgador não se encontra vinculado à imprópria qualificação de actos tributários por parte da Requerida. E sendo que em processo arbitral tributário, como meio processual de mera legalidade que é, à semelhança do processo de impugnação judicial de que constitui meio alternativo, os actos de liquidação têm que ser apreciados tal como foram praticados. Não já tal como foram denominados. Por força, desde logo, do Princípio da prevalência da substância sobre a forma. Faça-se o paralelo, a propósito, com o que sucede em matéria de procedimentos inspectivos caso a AT tenha, por exemplo, denominado de externo um procedimento, em substância, interno . No presente caso, que envolve, em substância, Métodos Indirectos, por identidade de razão também assim, quanto a nós, pois estão implicadas razões de Ordem Pública, competência absoluta do Tribunal. Aliás, a assim não se entender, abrir-se-ia a porta ao uso indevido de regras de Ordem Pública através da adopção de qualificações impróprias. Parece-nos.
A competência material é um pressuposto processual de conhecimento oficioso (cfr. art.º 578.º do CPC). Como pressuposto processual que é, dele depende a possibilidade e o dever do juíz de se pronunciar sobre a procedência ou improcedência do pedido. Os pressupostos processuais condicionam todo o poder-dever de apreciação do mérito da acção.
Estabelece o art.º 13.º do CPTA , quanto ao conhecimento da competência e do âmbito da jurisdição, que “O âmbito da jurisdição administrativa e a competência dos tribunais administrativos em qualquer das suas espécies, é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria”.
Cfr. art.º 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1 do CPC, a infracção das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal e a mesma pode ser arguida pelas partes e deve ser suscitada oficiosamente pelo Tribunal. A incompetência absoluta do tribunal constitui excepção dilatória (cfr. art.º 577.º, al. a) do CPC). As excepções dilatórias obstam a que o Tribunal conheça do mérito da causa, conduzem à absolvição da instância (cfr. art.º 576.º, n.º 2).
O Tribunal Arbitral tem competência para decidir sobre a sua própria competência. É o “princípio da competência da competência do Tribunal Arbitral” , desde há muito reconhecido como regra em matéria de arbitragem. A arbitragem tributária, como arbitragem institucionalizada que é, reveste-se de especificidades próprias. Desde logo a que decorre de, não obstante a sua natureza de arbitragem, tratar de direitos (créditos) indisponíveis. Assim, o respeito pelo Princípio da indisponibilidade, aplicável à AT, conduziu a que o legislador - cfr. art.º 4.º do RJAT - tivesse sido exigente ao ponto de determinar que a comum convenção de arbitragem sofresse aqui adaptações e, assim, que a AT se vinculasse à via da arbitragem, previamente, por Portaria. De onde decorre que a competência do presente Tribunal Arbitral se afere pelo disposto a este respeito no RJAT em conjugação com o disposto na Portaria de vinculação. Através da qual uma das partes, a AT, veio previamente vincular-se à jurisdição dos Tribunais Arbitrais a funcionar sob a égide do CAAD. À qual decidiu assim submeter-se, nos termos e condições que aí definiu.
Ora, se por um lado no RJAT a competência dos Tribunais Arbitrais é estabelecida nos termos do seu art.º 2.º, n.º 1, por outro, nos termos do art.º 2.º da referida Portaria, a AT recortou (excluindo) daquela delimitação de competência a apreciação das pretensões relativas a determinadas situações, a que não aceitou vincular-se. E incluem-se nesse “recorte” precisamente, cfr. al. b) do art.º 2.º da Portaria de vinculação, as “Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos (...)”. Não se incluindo pois - na auto-vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais - apreciações por estes de pretensões dos SP relativas a actos de determinação da matéria tributável por métodos indirectos, como, em substância, é o caso. Do procedimento inspectivo resultou, nesta parte da liquidação, a fixação da matéria tributável por métodos indirectos.
Sendo o acto de liquidação em crise, nesta parte, directamente determinado por uma fixação da matéria tributável por métodos indiretos, a apreciação da pretensão solicitada ao presente Tribunal Arbitral extravasa, nesta parte - nos termos conjugados dos art.ºs 2.º, n.º 1 do RJAT e 2.º, al. b) da Portaria - o âmbito da competência material do mesmo. É este o nosso entendimento.
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Teria, assim, notificado as Partes para o exercício do contraditório, convidando-as a que se pronunciassem sobre a intenção de declarar a incompetência absoluta do Tribunal em razão da matéria nesta parte do objecto do processo. Cfr. art.º 16.º, a) do RJAT e art.º 3.º, n.º 3 do CPC. E, na falta de convencimento em contrário, teria decidido pela referida incompetência, com a consequente absolvição da instância, nesta parte.
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Note-se ainda que contra o que antecede não resulta o facto de estarmos a apreciar um só acto de liquidação, pois que é Jurisprudência assente que o mesmo é divisível. Como também não obsta ao que fica dito o procedimento correctivo em causa envolver também avaliação directa (noutras partes), pois que o procedimento inspectivo pode ser em parte de avaliação directa e em parte de avaliação indirecta. V., a propósito, Acórdão do TCA Norte, proc.º 00295/12, de 07.06.2018.
Mais, os direitos de defesa da Requerente não resultariam por esta via preteridos, parece-nos, pois que, desde logo e por um lado, pelo art.º 117.º do CPPT o SP não deixa de poder impugnar directamente a liquidação que tenha por base Métodos Indirectos com fundamento em ilegalidades de outra espécie que não quanto a (i) pressupostos para recurso a Métodos Indirectos e (ii) quantificação ; e, por outro, tendo em consideração que os Princípios da protecção da confiança e da boa fé sempre seriam invocáveis para que não saíssem prejudicados os direitos de defesa por virtude de errónea qualificação de actos tributários. Tenha-se também em vista o consagrado pelo legislador no art.º 62.º do CIRC.
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Sem prejuízo do que antecede, e em coerência também com o que ali fica dito, refira-se ainda.
Mesmo que se entendesse que o Tribunal era materialmente competente nesta parte (o que não entendemos, como ficou exposto), também não aderiríamos à fundamentação da Decisão (ponto 4., pp. 64-74). Pela principal razão de que não acompanhamos a aplicação que ali é feita das regras da repartição do ónus da prova. Assim.
Na origem da correcção efectuada neste ponto pela Requerida está, como ficou claro quanto a nós, a inexistência de uma concretização - materialização, que permitisse aferir da respectiva aderência à realidade - do método utilizado pelo SP ao abrigo da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro. No caso, a “chave de repartição” por que optou, construída com base nas despesas com o pessoal - um dos indicadores, pois, possíveis para o efeito (cfr. art.º 12.º, n.º 6 e 7 da Portaria) e que, assim, poderão ser aceites. Indicadores relativamente aos quais se exige - diz também o legislador naquela mesma norma (n.º 7 do art.º 12.º da Portaria) – “reflictam de forma adequada a natureza e a utilização dos serviços prestados”.
Conforme perpassa todo o RIT (e como no PPA também assim a Requerente revela bem o ter compreendido), é esse o ponto origem da correcção em apreço. A matriz da repartição que foi feita pelo SP ao utilizar o indicador que utilizou – as despesas com o pessoal. A razão pela qual se considerou ser uma percentagem (“média ponderada debitável”) de 52,71% (dos gastos que considerou como sendo elegíveis) a correspondente à prestação de serviços às participadas, prestação de serviços intragrupo. Donde, e simultaneamente, a razão pela qual se considerou ser de 47,29% a percentagem (dos mesmos gastos que considerou como sendo elegíveis) correspondente aos custos incorridos na actividade accionista. Porquê essa, e não outra, a percentagem que aplicou aos gastos que considerou serem os elegíveis, assim apurando – na respectiva medida (52,71%) -, desses, os que deveria facturar (como facturou) às participadas. Como também, desses, os que deveria considerar como gastos da sua actividade accionista (os correspondentes a 47,29%) e que, consequentemente, declarou como custos fiscalmente dedutíveis na sua esfera. (Deixando agora aqui de parte a questão de se estar a tratar de custos mistos e, portanto, de através da liquidação não se colocar em causa a existência de outros custos, para além destes, que serão exclusivos de uma/de outra das actividades e, assim, que existirão também custos exclusivos, desde logo, da actividade accionista).
O SP não facultou nem na sua documentação de suporte, contabilidade incluída, nem no procedimento inspectivo, ou sequer depois, a concretização da “chave de repartição”. Não foram facultados à AT elementos que a esta permitissem aferir da adequação, justeza, materialidade, aderência à realidade na aplicação da mesma. O SP não facultou a matriz, a chave, da repartição horária a que procedeu (ao considerar que, da totalidade de horas em gastos com o pessoal, as horas de trabalho debitáveis - às participadas - correspondiam a 52,71%; e, assim, a todos os demais gastos que considerou elegíveis aplicar a percentagem em causa para determinar o que facturar). Seja na contabilidade, seja na documentação que estava obrigado a facultar, Dossier de PTs incluído, seja nas respostas que deu e informações que forneceu à AT no procedimento inspectivo, seja, por fim, e do mesmo modo, nos presentes autos. Como ficou demonstrado. Não foram facultados, desde logo à AT (tendo o mesmo depois sucedido nos autos), elementos que lhe permitissem de alguma forma (como depois ao Tribunal) escrutinar, sindicar se assim foi ou não reflectida “de forma adequada a natureza e a utilização dos serviços prestados”.
É com base na desconhecida (pela Requerida, e, diga-se, pelo Tribunal) fórmula de aplicação, em concreto, dessa chave de repartição que o SP considera (declara) fiscalmente dedutíveis no âmbito do seu lucro tributável (individual, cfr. RETGS) os custos em que se traduzem os ditos 47,29% da totalidade do que considerou serem custos elegíveis (portanto custos apenas potencialmente afectos à actividade de prestação de serviços às participadas).
E é aqui que, com base no art.º 23.º do CIRC, e dada a insuficiência/inexistência de demonstração da credibilidade/substanciação de tal repartição, a Requerida retira a consequência de que não poderão tais custos ser aceites como fiscalmente dedutíveis na esfera da Requerente. O que também significa (é o mesmo que) que não poderão ser aceites como custos da sua actividade accionista.
E então, não podendo ser aceites como custos – parte a AT para o mais. Que vimos supra.
Ora, é, depois, a especificidade da situação – o facto de estarmos no âmbito de um Grupo de empresas, no caso uma holding mista e suas participadas, e em RETGS – que tem por consequência que, existindo aqueles gastos, reflectidos na sua contabilidade (e que a Requerente considerou fiscalmente dedutíveis no seu resultado individual), e não podendo os mesmos ser validados como tendo sido incorridos pela Requerente “para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC”, hão-de os mesmos traduzir na esfera da Requerente não gastos (pois que o SP não fez prova, como lhe competia, da respectiva indispensabilidade à actividade accionista) mas sim - já que eram gastos elegíveis e, depois, a sua “exclusão” dos (ou não inclusão nos) debitáveis (operada pelo SP) não resultou justificada – não gastos, dizíamos, mas proveitos. Proveitos resultantes pois da sua actividade de prestação de serviços às participadas. Provado que ficou que a actividade de prestação de serviços era, também ela, uma actividade de relevo da Requerente: cfr. Dossier de PTs (no PA), os contratos com as participadas permitiam prestar um conjunto bastante alargado de serviços, aí longamente identificados, sendo esses seviços essenciais para o desenvolvimento dos seus negócios, e a estrutura empresarial existente para prestar tais serviços assim o confirmando (cfr. também PA). Foi este o procedimento correctivo operado pela Requerida.
Note-se, ainda aqui, como da própria lei decorre que o SP está obrigado a dispor na sua documentação de devida “identificação dos encargos que são imputáveis aos serviços e critérios utilizados para a respectiva repartição” - cfr. art.º 16.º, n.º 2, al. d) da mesma Portaria.
Ora, quanto a nós, não só a documentação contabilística e relacionada, legalmente exigida no caso, se demonstrou incompleta, insuficiente desde logo nesta medida que vimos, como também - parece-nos - a demonstração da indispensabilidade daqueles custos (na medida daquela parte, que traduz os tais 47,29% dos custos elegíveis) não se fez, precisamente não sendo possível fazê-lo (essa demonstração) em consequência da inexistência de materialidade, concretização, justificação (por inexistência de elementos para a respectiva verificação) do critério (“chave de repartição”). E é essa a origem da correcção.
Posto isto.
A mais importante missão do direito contabilístico, da contabilidade, é a de facultar uma visão objectiva e clara da realidade económica ou financeira das empresas. Para isso regem nesse contexto uma série de regras e de Princípios. A tradução dessas realidades, no caso, ficou afectada, quanto a nós, pela não substanciação do critério já referido, e, assim, pela não disponibilização de elementos de aferição da sua potencial aderência à realidade. Não se permitindo, assim, entre o mais, uma representação fidedigna das realidades em causa, como se exigia. Para casos como o dos autos, o próprio legislador estabeleceu exigências acrescidas, específicas (ref. Portaria), como bem se compreende, em contexto de PTs e conexos.
Por outro lado, e mesmo que, diferentemente, se entendesse que a presunção de veracidade do art.º 75.º da LGT não teria ficado afastada, a prova da indispensabilidade também não resultou feita.
A AT demonstrou, quanto a nós, factos-índice com base nos quais lhe era (e foi) possível concluir que a afectação daqueles custos (47,29% dos custos elegíveis), na sua totalidade, à actividade accionista não tem sustentação real, comprovada ou comprovável. Desde logo, o de não lhe ser desvendada, facultada a razão de ser da distribuição aplicada pelo SP nas despesas com o pessoal (47,29% / 52,71%). Do apuramento da parte relevante para “um lado/outro lado”. Que, em conjugação com outros (como a verificação reiterada de prejuízos avultados, a desproporção que entendeu verificada entre proveitos/gastos operacionais, a - como reconhecida pela Requerente e traduzida no Dossier PT – considerável importância da actividade de prestação de serviços às participadas), e à luz das regras da experiência (e, diga-se, tal ficou claro nos autos, que há uma relevante dimensão do Grupo da Requerente que convive com uma total a informalidade e falta de critério pré-definido, ou sequer definido, na contabilização da repartição de horas de funcionários entre actividade accionista e actividade de prestação de serviços; num contexto em que, note-se também, todas as participadas são detidas a 100%), lhe permitiu, fundadamente quanto a nós, concluir que aquela totalidade (47,29% dos gastos elegíveis) não era tradução verdadeira dos custos efectivamente incorridos no âmbito e para os fins da sua actividade accionista (que não para os fins da, também sua, actividade de prestação de serviços às participadas).
O facto de a holding em causa (Requerente) ser mista não deve levar-nos a deixar de considerar a realidade da sua actividade (do seu objecto social) como ela é – com os referidos dois âmbitos de actividade (cfr. art.ºs 1.º e 4.º do DL n.º 495/88). Parece-nos. Desde logo pelas relevantes consequências fiscais que o devido enquadramento numa ou na outra acarretam. Nem se deve desconsiderar a exigência desse devido enquadramento, quanto a nós, tendo em conta a já de si difícil linha divisória entre ambas, em vista do que o legislador consagrou exigências especiais. Mesmo que se tratando, no caso, de um “método indirecto” (cfr. art.º 12.º/ 6 e 7 da Portaria). Sob pena de se aceitar, diríamos, a normalização de situações em que à AT fica vedado controlar a materialidade/veracidade das operações, relevantes para efeitos fiscais, tal como reflectidas na contabilidade do SP.
E é nesta realidade que a correcção em crise tem lugar.
Assim, quer se entenda afastada a presunção de veracidade da contabilidade da Requerente (do art.º 75.º da LGT), quer, em todo o caso, não tendo ficado provada a indispensabilidade (art.º 23.º do CIRC) daqueles gastos no âmbito e para os fins especificamente da actividade accionista (que é um elemento a aferir num momento ulterior, o da indispensabilidade – v. parte final do n.º 1 do art.º 75.º da LGT) - seja por que perspectiva for, era sobre a Requerente que recaía o ónus de provar que aquela repartição que fez, aquelas percentagens a que chegou (e consequente consideração como custos de actividade accionista que considerou na sua Declaração Mod. 22), tinham materialidade, sustentação na realidade. (Ou, pelo menos, demonstrar como fez esse apuramento, assim permitindo a respectiva sindicabilidade e, assim também, diga-se, quaisquer correcções directas).
Uma vez isso provado (o que não sucedeu) teria logrado afastar a base da correcção a que a Requerida procedeu. Não o tendo provado, não logrando pois provar que aqueles custos se destinam à actividade accionista - e, assim, não provando a dedutibilidade daqueles custos - como a ela Requerente lhe competia - não pode tal non liquet resultar senão em prejuízo da própria, Requerente. Era a prova da relação causal e justificada daqueles custos com a actividade accionista que havia de ser feita, e cabia ao SP.
Nem de outra forma poderia de qualquer modo entender-se, aquilo que é já uma decorrência do que vimos de expôr, cfr. art.ºs 75.º, n.º 1 e n.º 2, al. a) e al. b), e art.º 74.º, n.º 1, todos da LGT, e 342.º, n.º 1 do CC. Não poderia entender-se que seria sobre a AT que recairia o ónus de provar outra realidade – como a do que foram e do que não foram custos incorridos na actividade de prestação de serviços, da Requerente, às participadas. Ou provar que não foram custos incorridos na actividade accionista. Como bem se compreende, quanto a nós, não poderia o legislador ter assim querido.
Sem prejuízo de a nosso ver, se dever depois aferir quanto à aplicabilidade do art.º 100.º, n.º 1 do CPPT, também contrariamente ao vertido, a este respeito, na Decisão.
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Por fim, refira-se ainda que em matéria de SIFIDE não decidiríamos pelo abatimento do respectivo crédito à colecta decorrente das Tributações Autónomas. Não acompanhamos, pois, no geral, a fundamentação que na presente Decisão se desenvolve a respeito da referida dedutibilidade (e, conexamente, da natureza e funcionamento da tributação autónoma em sede de IRC, cfr. ponto 7.). Pelas razões que já desenvolvidamente expusemos em Decisão Arbitral, proc.º n.º 542/2017-T (cfr. também Declaração de voto no proc.º n.º 384/2017-T).
Sofia Ricardo Borges