Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 264/2019-T
Data da decisão: 2020-05-29  IVA  
Valor do pedido: € 40.552,07
Tema: IVA - Prestações de serviços; Nutrição em ginásios; Isenção do art.º 9.º, 1) do CIVA; Interpretação estrita; Operação económica única composta por vários elementos.
*Decisão arbitral confirmada por acórdão do STA de 21 de outubro de 2021, recurso n.º 77/20.2BALSB, que uniformiza jurisprudência.
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DECISÃO ARBITRAL

1. Relatório

 

A..., doravante designada por “Requerente”, “Sujeito Passivo”, “SP” ou simplesmente “Ginásio” , com o nipc ... e sede na Rua ..., n.º..., ...-... Porto, veio, ao abrigo dos art.ºs 2.º, n.º 1 al. a) e 10.º, n.º 1 al. a) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (D.L. n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante “RJAT”) submeter ao CAAD pedido de apreciação da sua pretensão de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos e, assim, pedido de constituição do Tribunal Arbitral.

 

Peticiona a declaração de ilegalidade (i) de actos de liquidação de tributos, mais concretamente de actos de liquidação adicional de IVA referentes ao ano de 2015, a saber, a todos os respectivos períodos, trimestrais (a que na presente Decisão também nos referiremos como liquidações dos períodos de 201503T até 201512T), e, bem assim, (ii) das correspectivas liquidações de juros compensatórios (em conjunto também “as Liquidações”), no montante global (imposto mais juros) de € 40.552,07.

 

As Liquidações foram promovidas na sequência de acção de inspecção de que a Requerente foi alvo, que teve origem na ordem de serviço n.º OI2017..., através da qual a Autoridade Tributária e Aduaneira visou apreciar o enquadramento fiscal aplicado pela Requerente em sede de IVA, nos períodos em causa, na facturação dos serviços por si prestados aos Clientes (“Sócios”) do Ginásio que explora, e que incluem serviços que foram facturados com isenção de IVA. A saber, facturados a título de serviços de nutrição e toalhas. Sendo que a Autoridade Tributária e Aduaneira veio a concluir ter havido erro na quantificação do IVA conforme liquidado pela Requerente, por ter a mesma aplicado indevidamente a isenção constante do art.º 9.º, 1) do CIVA e, assim, ocorrendo falta de pagamento do imposto.

 

A Requerente não se conforma com as correcções efectuadas na sequência da acção inspectiva, a não ser no que se refere ao “serviço de toalhas”, que aceita, assumindo ter havido da sua parte a esse respeito “um erro de digitalização”.

 

No mais, refere que é uma sociedade por quotas, tem por objecto social “Ginásio, manutenção física, estética e similares, spa, aconselhamento em matéria de nutrição, cafetaria, bar, comércio a retalho de produtos desportivos”, tem registada como actividade principal a de “Actividades de Ginásio-Fitness” e como actividades secundárias duas, sendo uma a de “Outras actividades de saúde humana não especificadas”. E que, nos períodos em causa, “prestou a título principal serviços de ginásio (fitness) abrangendo treinos individuais, livres ou com acompanhamento personalizado (PT – personal training), aulas em grupo, piscina e prestação de serviços de nutrição”.

 

Os “clientes aderentes” têm que subscrever um contrato de adesão, assegurando inicialmente o pagamento de uma verba a título de inscrição e efectuando um pagamento mensal. O valor da mensalidade depende da modalidade de frequência escolhida, sendo que “a frequência das prestações de serviços oferecidas pela Requerente são em regime livre (todo o dia no horário de funcionamento, sem restrição de horário)”, existindo as modalidades de (i) adesão mensal com acompanhamento nutricional, e (ii) adesão mensal sem acompanhamento nutricional. Dispunha ainda de uma outra modalidade, denominada off-peak (horário parcial pré-determinado), que veio a ser eliminada. Os clientes que aderem “à mensalidade com acompanhamento nutricional” têm direito a uma consulta de nutrição por mês. Incluída na mensalidade.

Expõe que a Administração Tributária e Aduaneira entendeu as prestações de serviços que designou por Consultas de Nutrição como não podendo beneficiar da isenção do art.º 9.º, 1) do CIVA por (i) não corresponderem a efectivas prestações de serviços mas ao direito às mesmas, e, ainda, (ii) porque teriam sido facturadas operações, pelo menos em parte, não ocorridas, manipulando-se os preços a fim de conferir maior relevância à componente nutrição e beneficiar da isenção.

 

No seu Pedido de Pronúncia Arbitral (doravante também “PPA”) passa depois a percorrer os argumentos que refere invocados no RIT, aos quais contrapõe os seus. Sumariamente, a Requerente defende que:

- as prestações de serviços de nutrição “ainda que no contexto de ambiente de ginásio, e ainda que, nalguns casos respeitem somente à sua disponibilização”, têm fins terapêuticos, tendo vindo a ser prática corrente no sector de actividade em que se insere a disponibilização de consultas e aconselhamento nutricional, numa lógica de complementaridade na promoção da saúde e do bem estar físico; a este respeito a Requerente se reportando depois a Parecer Jurídico que junta aos autos e que transcreve em boa medida;

- independentemente do peso relativo da prestação de serviços de nutrição no total do seu volume de negócios ser de 36,54%, e o correspectivo peso relativo de gastos com pessoal (no total de gastos com pessoal) ser de 1,6%, o facto é que foram disponibilizadas e efectivamente realizadas consultas de nutrição e aconselhamento nutricional, que a Requerente  disponibilizou aos seus clientes “através de técnica especializada (nutricionista) contratada em regime de avença mensal, mediante um horário fixo de 4 horas semanais (trabalho independente), dispondo de instalações próprias para o efeito”;

- o pouco investimento, reduzida área disponível e baixos gastos na actividade de nutrição (e a dedução pela Requerente da quase totalidade do IVA suportado na aquisição de bens e serviços, não obstante qualificar, via nutrição, como SP misto e ter adoptado o método da afectação real) não podem servir de parâmetro para avaliar da alegada não prestação destes serviços pela Requerente; tal avaliação deverá fazer-se pelo número de consultas “efectivamente realizadas ou disponibilizadas pela Requerente aos seus clientes”; os investimentos com gabinetes ou clínicas de nutrição são parcos, a situação não se altera nas suas instalações, e as únicas verbas por si dispendidas mensalmente na actividade de nutrição respeitam aos honorários da nutricionista; como declarado pela nutricionista em auto, as prestações de serviços realizadas no período em análise materializavam-se essencialmente na realização de consultas de nutrição presenciais e aconselhamento alimentar em que, como contrapartida dos serviços prestados, a Requerente pagava uma avença mensal de € 150,00;

- não pode“obrigar” os clientes a aderir às modalidades de frequência com aconselhamento nutricional, apesar de praticar preços mais baixos nas mesmas do que nas que não o incluem; a sua política de preços resulta da constatação de que os clientes quando complementam a actividade física com o acompanhamento nutricional se mantêm por mais tempo; preferiu “sacrificar” uma mensalidade maior de prestação de serviços de actividade física em exclusivo, em benefício de uma mensalidade menor mas com aconselhamento nutricional, pela maior rentabilidade a longo prazo via permanência dos clientes; política de preços e modelo de negócio que se enquadram na sua liberdade de iniciativa económica; o seu modelo de negócio assenta num conceito integrado de saúde e “na venda da disponibilização de serviços, independentemente de os mesmos virem ou não a ser frequentados pelos clientes”;

- o desconto nas mensalidades com aconselhamento nutricional resulta da necessidade de estabelecer um tarifário que contemple a disponibilização de serviços de nutrição, atentos os custos, sem comprometer a rentabilidade do negócio nem a aderência dos clientes, pretendendo-se a adesão pelo período mais longo possível; não traduz um meio para, isentando uma parte da mensalidade, diminuir o IVA a entregar ao Estado;

- apesar de nos contratos de adesão não vir discriminada “a verba atribuída à nutrição”, no campo referente ao valor da 1.ª prestação a pagar vem expressamente referido que a mesma “inclui avaliação + consulta de nutrição”, e da tabela junta ao RIT decorre que o valor da prestação de serviços de nutrição está discriminado, pelo que o cliente fica ciente de que lhe são disponibilizadas consultas de nutrição, e do seu valor; as mesmas constam da mensalidade que lhes é facturada, e é-lhes assim perfeitamente perceptível a disponibilização das consultas e aconselhamento, condições de acesso e valores cobrados;

- não estamos perante prestações principais versus acessórias, pois que as operações de prestação de serviços de actividade física em ginásio e de consulta e aconselhamento de nutrição prestadas ou disponibilizadas pela Requerente são perfeitamente autonomizáveis e independentes entre si; a respeito remete seja para Informação n.º 1.558 da Direcção de Serviços do IVA (de 26.06.2017), seja de novo para o Parecer Jurídico que junta aos autos, daí transcrevendo longos excertos, incluindo de Jurisprudência do TJUE, e reiterando a conclusão de que a prestação de serviços de consulta e aconselhamento de nutrição “não é uma prestação acessória da principal de prestação de serviços de prática de actividade física”, não constitui juntamente com ela uma operação complexa única; é sim uma prestação de serviços cindível, independente e totalmente autonomizável para efeitos de IVA; remete, ainda, para Acórdão Arbitral no qual, em situação que entende semelhante à dos autos, se decidiu que a prestação de serviços de nutrição era autonomizável das prestações integrantes da actividade principal ; refere, neste contexto, que também dispõe de dois gabinetes identificados para o efeito, que nas mensalidades da prática de actividade física com acompanhamento nutricional os clientes têm direito a uma consulta mensal, normalmente com a duração de 30 minutos, e que no período de tributação em causa não foram contabilizadas consultas a elementos exteriores ao ginásio mas que, se existir interesse de um possível sócio só para a prestação de serviços de nutrição, a prática seguida é oferecer a consulta e depois convencer das vantagens de conjugar com a actividade física;

- na facturação é discriminada uma verba referente a consulta de nutrição, isenta de IVA cfr. art.º 9.º do CIVA; essa verba variou, conforme a modalidade de frequência, entre € 9,96 no contrato bianual, e € 16,21 no anual; sobre a parte restante é liquidado IVA à taxa de 23%; em 2015 a prestação de serviços de consulta e aconselhamento nutricional foi assegurada por uma nutricionista com horário de 4 horas/semana, que podiam ser ultrapassadas em caso de maior procura pelos clientes, como chegou a suceder; pelo que, a actividade de prestação de serviços de nutrição foi efectivamente realizada, disponibilizada de molde a ser utilizada pelos clientes como melhor lhes conviesse e não é acessória da principal; são prestações independentes, a prática de uma não condiciona a prática da outra;

- não é pelo facto de a prestação de serviços de nutrição ser disponibilizada e eventualmente não ser usufruída pelos seus clientes que deixa de poder beneficiar da isenção; é suficiente, para esta ser aplicável, a mera disponibilização dos serviços, desde que observados os requisitos legais, como é o caso: serviços paramédicos assegurados por profissional habilitado; em abono da sua posição neste ponto remete para o mesmo Parecer Jurídico, e assim para Jurisprudência do TJUE aí percorrida (ref. ao conceito de assistência médica e à suficiência da mera disponibilização dos serviços), e para o mesmo Acórdão Arbitral;

- a sua capacidade instalada é adequada porquanto os serviços de nutrição facturados foram disponibilizados, embora nem todos tendo sido efectivamente realizados;

- não há manipulação na facturação, via desagregação do preço contratualizado pelos clientes em duas parcelas distintas sujeitas a diferentes regimes de IVA, ao invés do que pretende a AT ao referir-se a uma facturação com uma parcela no valor de € 14,36/mês (nutrição, isenta) e outra no valor € 12,64/mês (ginásio, taxa normal); a AT ateve-se a este respeito a um caso isolado, em regime off-peak, em que a parcela da prestação de serviços de ginásio é mais baixa que a da nutrição; nessa opção de frequência do ginásio a parcela serviços ginásio é mais baixa, mantendo-se a parcela serviços nutrição no montante normalmente praticado, por a frequência de ginásio ser aí em horário parcial, numa única utilização diária, e serem prestações completamente distintas, autónomas, sem qualquer relação de dependência recíproca; o regime off-peak foi uma experiência de opção de frequência, veio a ser abandonado, e da análise à facturação de 2015 decorre que a prestação de serviços de nutrição é, regra geral, de montante substancialmente inferior à prestação de serviços de ginásio; 

- o que antecede confirma-se também pelo peso da actividade de nutrição no total dos rendimentos no período de 2015, que não excedeu 36,54%; as conclusões da AT a este respeito revelam desconhecimento do seu ramo de negócio e da prestação de serviços de nutrição em ambiente de prática desportiva; não houve manipulação de preços nem a AT   sustenta ter havido empolamento artificial dos preços dos serviços de nutrição, ou que estes sejam incompatíveis com os usualmente praticados no mercado; o que redundaria em violação do princípio da neutralidade, que não ocorreu (como também desenvolve).

 

Concluindo que os actos de liquidação em crise, a cujo pagamento procedeu, padecem de vício de violação de lei, por erro quanto aos pressupostos e violação do princípio da descoberta da verdade material, requer, em consequência, (i) a anulação das Liquidações e a devolução das quantias pagas, bem como (ii) juros indemnizatórios.

É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “AT” ou “Requerida”).

 

O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à AT a 16.04.2019.

 

Nos termos do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Conselho Deontológico designou como árbitro do Tribunal Arbitral singular a ora signatária, que atempadamente aceitou o encargo.

 

A 03.06.2019 as Partes foram notificadas da designação de árbitro e não manifestaram intenção de a recusar, cfr. art.º 11º, n.º 1, al. a) e b) do RJAT e art.ºs 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

Nos termos do disposto na al. c) do n.º 1 do art.º 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 26.06.2019.

 

Notificada para o efeito, a AT apresentou Resposta, pugnando pela total improcedência do PPA, e pela consequente manutenção das Liquidações em crise na Ordem Jurídica.

 

Começa por referir a conclusão dos SIT, no procedimento de inspecção que deu origem às Liquidações, no sentido de que as prestações de serviços de nutrição em causa estão sujeitas a IVA, à taxa de 23%, cfr. art.º 18.º, n.º 1, al. c) do CIVA. Donde a falta de liquidação e pagamento do imposto na parte correspondente, uma vez que a Requerente, indevidamente, beneficiou da isenção constante do art.º 9.º, 1) do CIVA ao facturar aqueles serviços no âmbito de uma mensalidade única contratada.

 

Mais refere a conclusão dos SIT de benefício indevido da isenção do art.º 9.º do CIVA nos montantes cobrados pela Requerente relativamente ao serviço de toalhas. Notando que nos presentes autos nada foi apresentado como causa de pedir quanto a esta parte das Liquidações.

 

Focando-se na primeira e única questão assim a apreciar – a referente aos serviços de nutrição - reporta-se ao constante do RIT, começa por referir que existem duas isenções em IVA no âmbito de prestações de serviços de saúde, que constam do Artigo 132.º, n.º 1 da Directiva IVA, alíneas b) e c), e que, nos autos, apenas a al. c) poderia conjectuar-se aplicável.

 

Nota que as isenções previstas naquele Art.º 132.º são de interpretação estrita, por constituírem excepções ao princípio geral de tributação em IVA. Decorre da interpretação do TJUE sobre a al. c) do Art.º 132.º que ela se aplica independentemente da forma jurídica do SP que fornece as prestações médicas ou paramédicas, como plasmado no Acórdão Kügler, Proc. C-141/00, onde se afirma que a norma tem um carácter objectivo definindo as operações isentas em função da natureza dos serviços prestados. E decorre também da interpretação do TJUE que as “prestações de serviços de assistência” ali previstas revestem uma finalidade terapêutica - Acórdãos Dornier, Proc. C-45/01, e D., Proc. C-384/98 - ou seja, têm como objectivo diagnosticar, tratar e, na medida do possível, curar doenças ou anomalias de saúde.

A norma do nosso Direito interno correspondente àquela é a constante do art.º 9.º, 1) do CIVA, e a Doutrina Administrativa (refere a Informação Vinculativa no proc. n.º 3251, de 28.06.2012) a ela referente vai no mesmo sentido, condicionando a isenção ao mencionado fim terapêutico.

 

As profissões paramédicas vêm tratadas no nosso Direito interno pelo DL n.º 261/93, de 24 de Julho, e na lista anexa ao mesmo vem incluída, entre aquelas profissões, a actividade de dietética, aí definida como a aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral (e na educação), quer em situação de bem-estar quer na doença. Exige-se formação específica e carteira profissional para o respectivo exercício.

 

Para o funcionamento de estabelecimento prestador de cuidados de saúde exige-se registo na Entidade Reguladora da Saúde (“ERS”). Nos termos do DL n.º 279/2009, de 6 de Outubro, a abertura e funcionamento de uma unidade privada de serviços de saúde depende da obtenção de licença emitida pela Administração Regional de Saúde (“ARS”) e do registo na ERS, e o SP informou estar inscrito na ERS desde 2014.

Em 2015, a par do quadro de pessoal, no âmbito do qual paga rendimentos da Categoria A (cfr. Código do IRS - “CIRS”), e onde se incluem 8 pessoas, o SP socorreu-se dos serviços de 31 outras pessoas, às quais pagou rendimentos da Categoria B (cfr. CIRS). Entre estas últimas pagou rendimentos à Dra. D..., com quem havia celebrado em 2012, verbalmente, um contrato de prestação de serviços de nutrição. No total das 39 pessoas a quem pagou rendimentos não se incluía qualquer outra a título de nutricionista. E no total dos encargos incorridos com pessoal (Categorias A + B) o valor pago à nutricionita correspondeu, em 2015, a 1,6%. E no total da área do estabelecimento “E...”, de aproximadamente 750m2, o gabinete em que se realizam os serviços de nutrição tem entre 15 a 20m2.

 

Na análise dos valores declarados pelo SP para efeitos de IVA com referência aos períodos em causa, os SIT verificaram, entre o mais, que as bases tributáveis foram, nos serviços à taxa normal e nos serviços isentos sem direito a dedução, respectivamente, de € 272.090,11 e de € 156.676,77. O total de imposto liquidado foi de € 63.416,89, de imposto deduzido foi de € 39.461,31, e o imposto a entregar ao Estado foi de € 23.955,58. A actividade tratada como isenta sem direito a dedução - nutrição - teve um peso de 36,53% no total do volume de negócios. E foi deduzido praticamente o total do IVA suportado na aquisição de bens e serviços (por afectos ao sector sujeito - ginásio).

 

Foi facultada aos SIT uma tabela de preços, em vigor ao tempo da inspecção, da qual constam os diversos tipos de cartões de acesso às actividades, e de cuja análise resulta que o SP pratica um preço muito mais baixo quando incluídos serviços de nutrição face a quando não incluídos. Comparados os diversos preços, verifica-se que quando incluídos serviços de nutrição há um desconto considerável e os clientes que não aderissem às modalidades de adesão que os incluem teriam que pagar mensalidades de montante superior. O SP cria assim um mecanismo justificativo para poder isentar uma parte da mensalidade contratualizada com os clientes. Praticamente os obrigando a optar pelas modalidades em causa.

 

Para a frequência do estabelecimento do SP os clientes tornam-se sócios do “E...”, mediante a assinatura de um contrato de adesão, pagando inscrição e mensalidade/anuidade de forma antecipada, cujo valor depende essencialmente dos serviços disponibilizados, do n.º de vezes/horários que ficam com direito de frequentar o estabelecimento, e das modalidades de pagamento. Os contratos de adesão indicam apenas o valor global da mensalidade contratualizada, e nas condições gerais nada consta quanto a nutrição. A repartição é efectuada só depois, no momento da facturação, unilateralmente pelo SP. O SP contratualiza, pois, com os clientes, uma prestação única.

 

Para saber se as operações subjacentes aos serviços contratados consistem numa prestação de serviços única ou, diferentemente, em duas, distintas e independentes - neste último caso a ser apreciadas separadamente para efeitos de IVA - há que considerar a Jurisprudência do TJUE. Segundo a qual se está perante uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo SP estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indivisível, que seria artificial separar. E também assim segundo a mesma Jurisprudência - também se está perante uma prestação única - quando uma ou várias prestações constituem a principal, e a outra ou outras constituem prestações acessórias.

 

Pelo que há que analisar as características das operações em causa, para apreender a sua razão económica. E a diferente distribuição gastos/rendimentos no sector sujeito (ginásio) versus no sector isento (nutrição) é de salientar. No sector ginásio concentram-se 99,40% dos gastos, sendo que o rendimento neste mesmo sector é, no global do rendimento do SP, de 63,46%. Já no sector isento concentram-se 0,60% dos gastos e o rendimento, no rendimento global do SP, corresponde a 36,54% .

 

A estrutura de gastos ou custos (tendo em conta que 99,40% são no sector sujeito), que não é tão facilmente manipulável, indica que o negócio principal do SP é o ginásio.

 

E o SP procede a uma desagregação dos preços contratualizados com os clientes, em duas parcelas distintas, com diferentes regimes de IVA. A exemplo analisa-se o caso de uma cliente do SP no ano de 2015, confrontando o respectivo contrato de adesão e as sucessivas facturações à mesma. Donde se retira que lhe é facturado um total de € 29,90 (IVA incluído), mensal, constituído por duas parcelas, uma de € 12,64 (ginásio), a que acresce IVA a 23%, e uma de € 14,36 (nutrição), isenta de IVA.

 

A análise ao SAFT-Facturação e à contabilidade do SP permitem confirmar e desenvolver o que antecede, como se concretiza no RIT, e concluir, além do mais, que a componente nutrição é facturada à quase totalidade dos clientes (93,7%). A grande maioria dos clientes sem componente nutrição na facturação corresponde à modalidade “golfinhos” - aulas de natação para crianças. Que é a única excepção à decomposição da facturação em duas parcelas (cobrando aí o SP IVA sobre o total da mensalidade).

 

Os serviços de aconselhamento nutricional foram prestados pela colaboradora nutricionista, inscrita na respectiva Ordem Profissional, que no âmbito do procedimento de inspecção prestou declarações em auto. Declarou que as prestações de serviços que realizou em 2015 se materializavam em consultas de nutrição presenciais e aconselhamento alimentar e que, como contrapartida dos serviços prestados, o SP lhe pagava uma avença mensal de € 150,00, correspondentes a um total de 4 horas semanais, não estando sujeita a um horário pré-estabelecido. Que facturava os seus serviços à (aqui) Requerente trimestralmente (cerca de € 450,00/trimestre), e que as consultas presenciais duravam em média 30 minutos. Que grande parte das consultas correspondia às consultas a que os clientes têm direito tendo em conta os contratos celebrados com a (aqui) Requerente.

 

Em 2015 a nutricionista emitiu cinco recibos verdes à (aqui) Requerente, como constante da contabilidade desta e corroborado via e-factura. No valor global de € 2.370,00, isento de IVA.

 

Em 2015 foram facturadas pela Requerente aos seus clientes 11.290 (onze mil duzentas e noventa) consultas de nutrição. Apurado o número de horas de prestação de serviços da nutricionista incluídas no contrato de avença (4 horas/semana máximo) no ano, e considerando que cada consulta era de 30 minutos em média, conclui-se que o tempo disponibilizado pela nutricionista corresponde a 3,68% daquele que seria necessário para serem prestadas as 11.290 consultas (que implicariam 5.645 horas no ano). Pelo que as facturas em causa não correspondem a operações que tenham tido efectivamente lugar, pelo menos nos termos que decorrem das mesmas facturas. Foram facturadas prestações de serviços de nutrição que não poderiam ter existido. Donde a respectiva invalidação como suporte comprovativo dos requisitos do direito à isenção. E o ónus da prova desses requisitos recai sobre quem o invoque.

 

O SP facturou consultas de nutrição que não foram efectivamente prestadas, e a respectiva referência nas facturas corresponde a uma disponibilização do direito a usufruir de uma consulta mensal. Esta mera disponibilização dos serviços não cabe no conceito de prestação de serviços médicos ou paramédicos, inexiste finalidade terapêutica. O SP isentou, pois, indevidamente uma parte do valor dos serviços facturados a título de serviços de nutrição.

 

Resume os motivos pelos quais se questiona no RIT a aplicação da isenção, assim: (i) inexistência de finalidade terapêutica - o objectivo dos clientes é o de pagarem muito menos pelos mesmos serviços de ginásio; (ii) acessoriedade dos serviços de nutrição em relação ao serviço principal, de acesso ao ginásio (sendo que na contratação não é possível separar as duas componentes); (iii) a grande maioria das consultas disponibilizadas não terem sido efectivamente realizadas; (iv) ausência de racionalidade económica na facturação, onde uma quase inexistência de inputs dá lugar a um enorme rácio de outputs (actividade isenta).

 

Refere ainda quanto a estes motivos, que:

ref. (i) – não há dúvidas quanto à inexistência de fins terapêuticos, pois os destinatários não visam diagnosticar, tratar e na medida do possível curar um problema de saúde;

ref. (ii) – há uma operação complexa única, que não deve ser artificialmente decomposta, sendo que as prestações acessórias devem acompanhar o enquadramento em IVA da principal; a Jurisprudência do TJUE (que invoca) esclarece quando se deve entender que uma prestação é a principal e outra(s) a(s) acessória(s); as operações em causa nos autos devem ser tratadas como uma única operação complexa, composta de vários elementos; do preçário do SP resulta que é muito mais barato a um cliente que apenas queira frequentar o ginásio aderir ao plano que inclui também nutrição, do que ao plano que a não inclui, e o conteúdo do contrato de adesão é um indício da existência de uma prestação única, por revelador da sua razão económica; é patente o carácter acessório da prestação de serviços dietéticos associada à prestação de utilização do ginásio, e esta relação de acessoriedade leva à necessária consideração de que o serviço de nutrição visa servir de mero apoio à prática desportiva, não partilhando do objectivo terapêutico reconhecido à nutrição quando fim único e exclusivo; há tão-só a disponibilização de um serviço com características de aconselhamento ao cliente, o qual apenas ocorre – apenas é realizado – caso o cliente o “procure”, sendo que caso o cliente assim o não faça, ele lhe é igualmente facturado. Tendo este fim de apoio/complemento à actividade física, estas prestações (ref. nutrição) não são autonomizáveis. Cfr. Jurisprudência do TJ apenas devem ser vistas como independentes as prestações que não possam objectivamente considerar-se indissociáveis ou acessórias face à principal, apresentando com esta um nexo artificial. No caso, os serviços dietéticos não são independentes, pois os serviços de ginásio não podem ser (não são) fornecidos de forma isolada nas mesmas condições de preço, logo o nexo daqueles com a prestação principal não é artificial, e deve dar lugar à tributação como uma operação única. Nesta análise a intenção/interesse das partes deve prevalecer (face ao que conste das facturas) e, no caso, a adesão ao plano que inclui a nutrição é uma forma de aceder à prestação principal nas melhores condições de preço. Os clientes contratam um conjunto de serviços em que o principal é o de ginásio, sendo os serviços de dietética, quanto àquele, acessórios; e sendo necessários ao resultado pretendido (ficar em forma) pelo que não podem ser autonomizados; não são um fim em si mesmos mas sim uma forma de beneficiar do serviço principal nas melhores condições. Assim resulta da análise casuística, e assim se dando prevalência à substância sobre a forma.

ref. (iii) – a maioria das consultas não foi prestada;

ref. (iv) – a ausência de racionalidade económica, verificada, evidencia a acessoriedade da nutrição, a qual também já decorre do número de consultas prestadas / contratadas, e põe em causa a neutralidade do imposto.

 

As isenções do art.º 9.º são de interpretação estrita e assim não podem aplicar-se quando, como no caso, os destinatários não “procuram” os serviços de nutrição para os fins terapêuticos ali previstos. Acresce que só é possível aplicar a isenção, no caso, através da decomposição artificial de uma operação complexa única.

 

Caso o Tribunal não se considere suficientemente esclarecido quanto ao carácter de acessoriedade destas prestações de serviços (nutrição) deverá proceder a Reenvio Prejudicial. A Requerida entende que tanto não se revela necessário, requerendo-o à cautela (cfr. artigos 54-57, inclusive, 67, 85 e 86 da Resposta). Avançando com as questões prejudiciais que, em caso de Reenvio, e em seu entender, deverão ser colocadas ao TJ. Refere seguidamente Processo Arbitral  em que foi decidido proceder a Reenvio Prejudicial com vista à resposta de questões também aqui por si levantadas, transcreve as questões ali colocadas ao TJ, concluindo que, caso este Tribunal Arbitral considere por iguais factos na base daquelas questões colocadas, deverá suspender a instância até decisão do TJ naquele processo e colocar ao TJ apenas as demais questões que aqui sugere. Ou proceder a Reenvio colocando apenas estas últimas. Refere Jurisprudência a respeito de necessidade/desnecessidade de proceder a Reenvio Prejudicial. Embora a certo ponto na Resposta refira que o Reenvio se deve ter por obrigatório (artigo 82), é patente que o requer a título subsidiário (cfr. artigos supra referidos da Resposta).

 

Conclui pugnando pela improcedência do PPA com as demais consequências.

 

Por despacho de 24.09.2019 decidiu este Tribunal notificar as Partes para a reunião prevista no art.º 18.º do RJAT, atento o requerimento da Requerente de produção de prova testemunhal. E por despacho de 26.09.2019 o Tribunal reagendou a respectiva marcação, na sequência do Requerimento da Requerente nesse sentido.

 

A reunião teve lugar a 29.10.2019. O Tribunal solicitou à Requerente a junção aos autos do Código de Acesso à Certidão Permanente, após o que se deu início à inquirição das testemunhas. Finda a produção da prova testemunhal, ambas as Partes manifestaram a  vontade de produzir de imediato alegações orais, ao que o Tribunal acedeu, ficando as mesmas devidamente gravadas em áudio nos autos, conforme determinado pelo Tribunal com o acordo das Partes.

 

O Tribunal conferiu em seguida a palavra ao Ilustre Mandatário da Requerente para alegações.

 

Alegando, a Requerente refere que se discute saber se o aconselhamento nutricional é uma actividade que complementa a actividade de exercício físico, e se as respectivas prestações são autonomizáveis das prestações que integram a actividade principal. Saber se aquela actividade é ou não, do ponto de vista jurídico-tributário, uma actividade autonomizável. Ou se, pelo contrário, a decomposição reveste um carácter artificial, como defende a AT.

 

Esta a questão jurídica, ponto de partida do enquadramento, e a Requerente pela prova testemunhal aportou ao Tribunal a explicação dinâmica do quotidiano do ginásio e a razão de se incluir no exercício da actividade física o acompanhamento nutricional.

 

Tratar-se de consulta de nutrição ou de aconselhamento nutricional não releva. Era disponibilizado ao cliente o acompanhamento personalizado relativamente a disciplina alimentar. Quem procura o ginásio com o propósito de perder peso – cfr. a esmagadora maioria dos clientes da Requerente, como se viu - tem que associar ao exercício físico a disciplina alimentar. O exercício físico resulta da utilização dos equipamentos disponibilizados pelo ginásio, ou, de forma mais incisiva, através do PT. Mas era preciso depois associar ao exercício físico o acompanhamento através de uma nutricionista, de onde decorria a elaboração de um plano alimentar, que sendo seguido pelo utente lhe permitiria atingir mais rapidamente os objectivos. Quem consegue atingir os objectivos de perda de peso, e portanto se sente bem do ponto de vista físico, tem todas as condições para manter uma relação prolongada com o ginásio. E foi este o propósito da Requerente ao introduzir no pacote dos seus serviços o aconselhamento nutricional.

Pacote de serviços que não era imposto, era negociado, pois quem não quisesse não tinha acesso ao acompanhamento nutricional. Mas percebeu-se que era uma valência muito importante, com o propósito do ponto vista do utente de conseguir atingir e manter os objectivos a que se propunha, e do ponto vista do ginásio um objectivo de natureza comercial, a saber, o prolongamento da relação com o cliente.

 

São assim prestações autonomizáveis, ou seja há uma clara distinção entre o que é a prestação relativa à actividade física e a prestação de natureza médica aconselhamento nutricional. Do ponto de vista da estruturação comercial são autonomizáveis, pelo que têm que ter do ponto de vista jurídico um tratamento diferenciado.

 

Não há uma decomposição artificial de duas realidades, há uma distinção de realidades em si diferenciadas. Com reflexo também documentalmente, seja nas facturas emitidas ao balcão, com “a desagregação destes dois valores, evidenciando-se num só documento, mas em duas linhas distintas, o que era a actividade da prestação de serviços físicos, e o que era a actividade da nutrição”, seja nos pagamentos por transferência bancária, com duas facturas distintas. Portanto há uma total autonomização das prestações, com um tratamento tributário diferenciado.

 

A AT procurou argumentos para desvalorizar a disponibilidade do aconselhamento nutricional. Como quando compara os custos fixos do SP com a nutricionista face aos custos de pessoal ligados ao exercício físico. É certo que só existia um nutricionista, cujo número de horas era suficiente, e se não fosse era reforçado. Mas daí não se pode concluir como pretende a AT. O mesmo quando se compara o custo da actividade nutrição com os custos de funcionamento do ginásio, estes últimos naturalmente muito diferentes dos custos com o pagamento da nutricionista. Com esta lógica a AT visou transmitir que o nutricionismo aparece aqui apenas com um propósito de rentabilidade fiscal, e conseguiu-se demonstrar o contrário.

 

Conclui que em linha com o Parecer Jurídico junto e com o Acórdão Arbitral referido nos autos as prestações são autonomizáveis e as Liquidações devem ser anuladas.

 

Sendo-lhe dada a palavra pelo Tribunal, alegou em seguida o Ilustre Representante da Requerida. Refere que as correcções em apreço foram promovidas, em síntese, com base em três questões jurídicas, todas relativas à aplicação da isenção na facturação dos packs, que englobavam serviços de ginásio, de toalha - estes não contestados -, e de aconselhamento nutricional.

 

Quanto à primeira questão, de os destinatários dos serviços não procurarem fins terapêuticos, expõe que tal foi corroborado pela testemunha B..., que ao responder sobre o aconselhamento nutricional, e sobre a associação do exercício físico com a nutrição e suas vantagens para os clientes, (i) afirmou que o aconselhamento era ajustado em função de diversos factores, indicando vários mas nenhum relacionado com saúde/problemas de saúde, e (ii) mencionou vantagens para os clientes mas não se referiu a qualquer diagnóstico, prevenção, tratamento de um problema de saúde. Donde, os fins terapêuticos aqui não são os previstos na Directiva e, como tal, ab initio não permitiriam aplicar a isenção. Ainda que esta seja nalguns casos concretos aplicável, de acordo Ofício que a AT prestou a dada altura.

 

No que se refere à questão de as prestações de serviços de nutrição serem autonomizáveis, refere que tal não significa que sejam autónomas. Há que verificar - caso a caso - se o são ou não. Cada situação terá as suas especificidades. No presente caso, quanto ao que se entende ser uma decomposição artificial na facturação daquilo que não é possível na contratação, constatou-se, cfr. RIT e Resposta, que aquando da celebração do contrato era contratada uma prestação única, cujos valores nem sequer estavam autonomizados. O que foi corroborado também pela mesma testemunha ao dizer que o serviço de acompanhamento nutricional foi um bom complemento para o serviço, referindo-se nestes termos genéricos a um serviço, sem lhe dar um nome. O facto de a testemunha ser Director do ginásio e entender que se trata de um serviço, que não tem nome, e que engloba as várias vertentes - desmobilização das toalhas, utilização das máquinas para exercício físico, e aconselhamento nutricional - demonstra que se está perante um serviço único, complexo, que envolve várias vertentes, sendo que a que se tem que ter por principal, como tal dando o seu enquadramento em IVA às demais, é a da prática de exercício físico.

A mesma testemunha, sobre qual o mobis do cliente, respondeu que este procurava um sítio para praticar exercício físico. Não procura, pois, um serviço de nutrição para o qual depois entenda ser um bom complemento o serviço de exercício físico. É o contrário. Mais não foi exposto um único caso em que um cliente tivesse procurado um serviço de nutrição e mais tarde viesse a entender que o ginásio seria um bom complemento para tal serviço.

Não restam dúvidas de que o serviço principal neste processo é o serviço de ginásio, ainda que associado a um aconselhamento nutricional possa permitir conseguir melhores resultados e manter as pessoas mais tempo no ginásio. Este último tendo sido, segundo a Requerente, o móbis da ampliação do serviço prestado juntando o aconselhamento nutricional ao serviço de exercício físico. Feita esta descrição pela própria Requerente, pelo Director do ginásio, não há como concluir senão estarmos perante um serviço único, complexo, em que a vertente  principal é a prática de exercício físico.

Quanto à não realização efectiva das prestações, a nutricionista estava contratada por 4 horas semanais e, cfr. a testemunha C..., auferia cerca de €200/mês. Dos autos constam gastos com a nutricionista em 2015 de pouco menos que € 2.400,00, próximo pois dos € 200/mês. As horas extra que pudesse prestar seriam pagas à parte, cfr. a mesma testemunha, pelo que se conclui que prestou 4 horas semanais em 2015. Terá assim prestado entre 8/12 consultas semanais, numa média de 10. Que reportada a meses dará 40 consultas/mês. Para o universo de clientes contratantes de tais serviços, cfr. a mesma testemunha, de 1000 a 1100.  Pelo que, não obstante alegar o sucesso do serviço junto dos clientes, a Requerente não tinha capacidade para prestar o serviço de nutrição que facturava. Tinha capacidade para prestar 2,5% do mesmo (universo de 40 pessoas em 1000).  Nota também que se trataria de aconselhamento nutricional e não de consultas de nutrição,  cfr.  a mesma testemunha no pack só estavam incluídos aconselhamentos nutricionais, e se o cliente quisesse uma consulta nutricional teria de a pagar à parte. Como parece resultar do preçário.

 

A utilização da isenção nestes moldes constitui/pode constituir uma violação do Princípio da neutralidade. Um ginásio que contrate por 4 horas semanais, € 200/ mês, uma nutricionista, adquire uma vantagem comercial, mesmo que preste apenas 2,5% dos aconselhamentos nutricionais. Com um gasto de € 2.400/ano deixaria de liquidar imposto no caso de € 40.000 no ano. O que comparativamente à concorrência que não contrate tal nutricionista - e não preste, ainda que em 2,5% dos casos, tal serviço - é uma vantagem de € 37.600/ano. Vantagem comercial que o IVA não deve conferir e que, a ocorrer, viola do Princípio da neutralidade.

 

Esta a posição da Requerida, como também bem desenvolvida no RIT e na Resposta, inexistindo dúvidas no enquadramento jurídico pugnado.

 

Tendo em conta o reenvio prejudicial no Proc.º 504/2018-T CAAD, sendo as posições jurídicas das Partes opostas, não havendo litigância de má fé e tão só entendimento de que podem ser apreciadas de diversas maneiras, a haver dúvidas deverá proceder-se a reenvio prejudicial, cfr. Resposta. Sendo certo que entende no caso presente não restarem dúvidas de se ter verificado o que ficou referido.

 

Conclui pugnando pela manutenção na Ordem Jurídica das Liquidações, por legais.

 

Por despacho de 18.11.2019 o Tribunal solicitou à Requerente novo código de acesso à Certidão Permanente, por insuficiência do anterior, e junção de cópia da Decisão de Reenvio por si mencionada nos autos à Requerida, ao que cada uma das Partes deu cumprimento.

 

Por despacho de 20.12.2019 o Tribunal, por motivos de períodos de férias judiciais e complexidade da causa, prorrogou, por dois meses, o prazo constante do art.º 21.º, n.º 1 do RJAT, cfr. n.º 2 do mesmo dispositivo legal, determinando-se as demais comunicações devidas. O mesmo voltou a suceder por despachos de 26.02.2020 e de 26.04.2020.

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, é competente e as Partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente representadas, cfr. art.s 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e art.º 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

 

O Processo não enferma de nulidades e não existe matéria de excepção, nada obstando ao conhecimento do mérito da causa.

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os factos que seguem:

 

a) A Requerente é uma sociedade por quotas constituída ao abrigo da lei portuguesa que ao tempo dos factos nos autos tinha por objecto “Ginásio, manutenção física, estética e similares, spa, aconselhamento em matéria de nutrição, cafetaria, bar, comércio a retalho de produtos desportivos” (cfr. Certidão Permanente);

 

b) A Requerente encontra-se registada nas finanças com a actividade principal de “Acitividades de ginásio (fitness)” - Código das Actividades Económicas (“CAE”) 93130, e as actividades secundárias de “Outras actividades de saúde humana, N.E.”, CAE 86906, e “Outros estabelecimentos de bebidas sem espetáculo”, CAE 56304 (cfr. RIT);

 

c) No período em apreço a Requerente desenvolvia a sua actividade no estabelecimento comercial, ginásio, designado “E...”, sito na - ao tempo dos factos nos autos - morada da sua sede, no Porto, onde disponibilizava aos clientes 3 estúdios de fitness, 1 sala de musculação e cárdio, 2 balneários, piscina, e 2 gabinetes (cfr. RIT, Certidão Permanente, PPA e prova testemunhal);

 

d) A Requerente dedica-se essencialmente à actividade de ginásio e no exercício em causa prestou serviços de ginásio (fitness), abrangendo treinos individuais, livres ou com acompanhamento personalizado (PT – personal training), aulas em grupo, piscina e serviços de nutrição (cfr. RIT e cfr. resulta das posições de ambas as Partes nos autos);

 

e) A Requerente posiciona-se no segmento de mercado “mid-market”, i.e. preço normal de mensalidade com valor médio de € 35,00 / € 39,00 (cfr. PPA e prova testemunhal);

 

f) Nos períodos em causa nos autos (ano 2015) - no que se refere a horários de utilização do ginásio - a frequência das prestações de serviços da Requerente fez-se (i) em regime livre (todo o dia no horário de funcionamento, sem restrições de horário), e/ou (ii) em regime off-peak (acesso ao ginásio em horário parcial com uma  utilização diária dentro de um determinado horário) (cfr. PPA/PA e Resposta, e prova testemunhal);

 

g) Nos períodos em causa nos autos (ano 2015), na frequência em regime (horário) livre (cfr. f ) supra) havia serviços de adesão com e sem compromisso de fidelização, sendo que nesta última hipótese existiam as modalidades de (i) Adesão mensal com acompanhamento nutricional e (ii) Adesão mensal sem acompanhamento nutricional; nas modalidades com compromisso de fidelização havia fidelização anual e bianual, ambas com acompanhamento nutricional (cfr. 21.º – 22.º, 211.º, items 3 e 6 do PPA, documentação junta pelo SP, PA e prova testemunhal);

 

h) A frequência em regime off-peak (cfr. f ) supra), que vigorou em 2015, tinha compromisso de fidelização anual/bianual, e incluía serviços de ginásio e serviços de nutrição (cfr. 211.º, item 6 do PPA e doc. 16 junto com o PPA, PA e prova testemunhal);

 

i) Os clientes “aderentes” têm que subscrever um contrato de adesão e assegurar inicialmente o pagamento de um valor de “inscrição”, e o pagamento mensal, por débito directo, transferência bancária ou ao balcão; 

 

j) O valor da mensalidade (cfr. al. anterior) depende da modalidade de frequência escolhida;

 

k) Os clientes que aderem a uma opção (“pacote”, “cartão”) com acompanhamento nutricional têm direito a uma consulta de nutrição/aconselhamento nutricional incluída na mensalidade (seja no caso de adesão meramente mensal, seja no caso de adesão com fidelização) e, em 2015, a percentagem de clientes (“sócios”) da Requerente que pagavam serviços de nutrição era de 93,7%, sendo que os remanescentes 6,3% correspondiam na sua maioria à modalidade “Golfinhos” - aulas de natação crianças, que não incluía nutrição (cfr. PPA e RIT);

 

l) A primeira consulta (cfr. al. anterior) era agendada na recepção do ginásio, e as seguintes podiam também ser agendadas diretamente com a nutricionista, duravam entre 20 a 30 minutos cada, e em 2015 foram facturadas pela Requerente 11.290 (onze mil duzentas e noventa) consultas;

 

m) A Requerente é sujeito passivo de IVA e está enquadrada no regime normal trimestral;

 

n) A Requerente foi alvo de um procedimento inspectivo com origem na OS n.º OI2017..., de âmbito parcial, em IVA, tendo por extensão temporal o exercício de 2015, e cuja motivação assentou na verificação de que a esmagadora maioria das facturas por si emitidas continha uma parcela isenta de IVA sem aparente razão que o justificasse face à legislação aplicável (cfr. RIT);

 

o) A Requerente implementou a disponibilização de um serviço com acompanhamento de nutricionista como forma complementar de proporcionar aos seus clientes um melhor desempenho físico, de lhes possibilitar complementar a actividade física com o acompanhamento nutricional e assim alcançarem mais rapidamente os objectivos (cfr. PPA, prova testemunhal e alegações da Requerente);

 

p) No ano em apreço, a Requerente disponibilizou aos seus clientes os serviços na área da nutrição através de técnica especializada, nutricionista, com a qual celebrou verbalmente em 2012 um contrato de avença, nos termos do qual a segunda se obrigou à prestação dos seus serviços com um máximo de 4 horas semanais (cfr. PPA e depoimento da nutricionista em auto, no PA);

 

q) Caso a nutricionista excedesse o número de horas contratadas na avença (4h/semana) as horas a mais eram-lhe pagas à parte, a acrescer ao montante mensal, de € 150,00 (cento e cinquenta euros), conforme acordado no contrato de avença (cfr. PPA, PA e Resposta);

 

r) O pagamento dos honorários à nutricionista pela sua prestação de serviços era efectuado pela Requerente a título de rendimentos da Categoria B, cfr. CIRS (profissional independente);

 

s) A nutricionista emitia os seus recibos, com isenção de IVA, pelas quantias que lhe eram pagas pela Requerente, como contrapartida dos serviços por si prestados, habitualmente a cada trimestre;

 

t) Em 2015 a nutricionista emitiu à Requerente cinco recibos verdes electrónicos, os quatro primeiros no valor de € 450,00 cada, datados de 12 de Janeiro, 15 de Abril, 13 de Julho, e 5 de Outubro, respectivamente, e o quinto, no valor de € 570,00, de 27 de Dezembro, perfazendo o total de € 2.370,00;

 

u) A nutricionista, Dra. D..., encontrava-se inscrita na Ordem dos Nutricionistas desde Junho de 2012, com o n.º ...N (cfr. RIT), e tinha formação, entre o mais, em nutricionismo no desporto (cfr. https://www.lugarseguro...  consultado a 04.04.2020);

 

v) As consultas realizadas pela nutricionista em 2015 correspondem às consultas mensais a que os clientes têm direito ao abrigo dos contratos celebrados entre estes e a Requerente (cfr. auto da própria, PA e docs. juntos pelo SP);

 

w) As prestações de serviços realizadas pela nutricionista em 2015 materializaram-se em consultas de nutrição presencial e aconselhamento alimentar, consistindo em avaliação física, definição de objectivos, averiguação dos hábitos alimentares e prescrição alimentar  (cfr. auto da própria, PA);

 

x) As consultas eram marcadas com um intervalo de 30 minutos entre si, eram prestadas nas instalações próprias da Requerente para o efeito de acordo com as marcações, e havia uma coordenação de trabalho entre preparador/treinador físico e nutricionista (cfr. auto de declarações da nutricionista, PA, e prova testemunhal);

 

y) A Requerente tinha dois gabinetes disponibilizáveis para efeitos dos serviços de nutrição, sendo que o segundo poderia vir a ser útil caso viesse a pretender prestar mais consultas (cfr. prova testemunhal);

 

z) Na prestação dos serviços a nutricionista podia fazer uso de computador, fita métrica, acesso a impressora, acesso a internet, e da balança de bioimpedância existente no gabinete;

 

aa) Os honorários da nutricionista são as únicas verbas dispendidas mensalmente pela Requerente na actividade de nutrição (cfr. PPA);

 

bb) Os gastos com equipamento na actividade de nutrição são baixos quando comparados com o investimento incorrido na prestação de serviços de ginásio;

 

cc) No ano de 2015, nas modalidades de adesão em que oferecia as duas possibilidades, i.e., com e sem disponibilização de serviços de nutrição - que são as que não têm compromisso de fidelização -, naquelas que são comparáveis a Requerente praticava preços mais baixos quando incluído aconselhamento nutricional: os clientes tinham opção de escolha na “Adesão mensal” entre com/sem serviços de nutrição, sendo que com nutrição pagavam um preço mais baixo do que sem nutrição (cfr. PPA e docs. juntos pelo SP, e PA);

 

dd) Em 2015 a Requerente facturou os seguintes preços nas modalidades de frequência das suas prestações de serviços: 

 

(i) em regime livre (i.e., horário livre, acesso sem restrição de horário)

A)           sem fidelização (i.e., Adesão mensal)

- com acompanhamento nutricional: “Mensalidade 2x”: € 42,75

Discriminado assim: Mensalidade 2x - € 21,58 (+ IVA); Consulta Nutrição - € 16,21

(cfr. facturação de 2015 junta aos autos pela Requerente - doc. 19)        

 

- sem acompanhamento nutricional: “Mensalidade 2x c/ Toalha”: € 49,90

Discriminado assim: Mensalidade 2x c/ Toalha  - € 40,57 (+ IVA)

(cfr. facturação de 2015 junta aos autos pela Requerente - doc. 16-A)

 

“Protocolo livre”: € 35,60  (€ 28,94 (+ IVA)) = (doc. 15-A)

“Treino livre”: € 7,32 (+ IVA) = € 9,00 (doc. 16-B)

“Golfinhos”: € 20,33 (+ IVA) = € 25,00 (doc. 17-A)

(tudo cfr. facturação de 2015 junta aos autos pela Requerente)

 

B) com fidelização

B.1) adesão anual (com acompanhamento nutricional): € 39,90

Discriminado assim: C. Anual 39 - € 20,28 (+ IVA) + Consulta Nutrição Anual - € 14,96

(cfr. facturação de 2015 junta aos autos pela Requerente doc. 17 + doc. 18)

 

B.2) adesão bianual (com acompanhamento nutricional): € 29,90

Discriminado assim: C. Bianual - €16,21 (+IVA) + Consulta Nutrição Bianual 24m - €9,96

(cfr. facturação de 2015 junta aos autos pela Requerente - doc. 15, e 211 do PPA)

 

(ii) em regime off-peak (i. e., acesso em horário parcial)

Anual: € 40,50

Discriminado assim: Off-Peak 3x - € 19,75 (+ IVA) + Consulta Nutrição - € 16,21 (isento)

(cfr. facturação de 2015 junta aos autos pela Requerente - doc. 16, e 211, ponto 6, do PPA)

 

Bianual: € 29,90

Discriminado assim:  Off-Peak Bianual - € 12,64 (+ IVA) + Consulta Nutrição - 14,36 (isento)

(cfr. PA e Resposta, cópia contrato adesão sócio n.º ..., de Fev. 2015, aí e – Quadro 11 RIT - respectivo extracto de conta cliente de Fev. - Dez. 2015, e  275-279 e ss PPA)

 

ee) A disponibilização dos serviços de nutrição visa possibilitar aos clientes da Requerente melhor alcançar os objectivos que têm ao aderir ao ginásio (i.e., aos serviços de ginásio – fitness), a perda de peso é o principal desses objectivos e o serviço prestado pelo ginásio - fitness - faz sentido em conjugação com serviços de nutrição e de treino personalizado (cfr. PPA, prova testemunhal e alegações da Requerente);

 

ff) O modelo de negócio da Requerente assenta na venda da disponibilização de serviços independentemente de os mesmos virem ou não a ser frequentados pelos clientes, e estes   quando se inscrevem no ginásio procuram essencialmente um sítio para praticar exercício físico (cfr.116.º PPA, PPA e prova testemunhal);

 

gg) Nos contratos com os seus clientes, “contratos de adesão”, não constava no clausulado (“condições gerais”), qualquer referência a serviços de nutrição; na contrapágina do clausulado, na qual se continham três items para preenchimento manual (1. Identificação do Sócio, 2. Pagamentos e 3. Contrato Pretendido), no item “2. Pagamentos”, abaixo de “1.ª prestação: __ € ”, em letra de tamanho mais reduzido, havia uma referência entre parêntesis como segue: “(inclui avaliação física + consulta nutrição)”, e o valor inserido à frente de “1.ª prestação: __ € ” era um valor único (cfr. PPA e doc. 14 junto pelo SP, PA e Resposta);

 

hh) O contrato de adesão era como segue   (cfr. doc. 14 junto pelo SP,  RIT e Resposta):

 

ii) A tabela de preços da Requerente, reportada ao ano de 2018 (ao tempo da inspecção) e que foi a única que - a solicitação dos SIT - lhes foi facultada (cfr. reconhecido por ambas as Partes), era a seguinte (cfr. RIT e Resposta):

 

jj) A Requerente podia disponibilizar serviços de nutrição a não sócios, e aos sócios que não tivessem direito aos mesmos na modalidade em que estavam inscritos, e em 2015 não houve qualquer consulta de nutrição a não aderentes do ginásio (“não sócios”), nem foi facturada qualquer consulta de nutrição/aconselhamento nutricional isoladamente (cfr. PPA - v. 211 ponto 5, doc.s juntos, PA e prova testemunhal);

 

kk) A prestação de serviços de nutrição era disponibilizada, podendo ser usufruída pelos clientes no momento que lhes fosse mais conveniente (cfr. PPA, PA e docs. juntos pelo SP);

 

ll) As prestações de serviços de nutrição, frequentadas ou não pelos clientes, eram-lhes facturadas, de forma discriminada face à restante prestação de serviços e, assim, nem todos os serviços de nutrição facturados pela Requerente eram efectivamente realizados (cfr. PPA 252, 264 e 265, Resposta, PA e docs. juntos);

 

mm) Nos períodos em causa nos autos, ano de 2015, a Requerente, na sua facturação, liquidou IVA à taxa de 23% nos serviços de ginásio, e aplicou a isenção nos serviços de nutrição, com a menção “Isento Artigo 9.º do CIVA”, discriminando em linhas diferentes cada um dos dois items;

 

nn) No total da área do estabelecimento “E...”, de aproximadamente 750m2, o gabinete em que se realizavam os serviços de nutrição tinha entre 15 a 20m2 (cfr. RIT e Resposta);

 

oo) Em 2015, nos valores declarados pela Requerente para efeitos de IVA, as bases tributáveis foram, nos serviços à taxa normal/isentos (sem direito a dedução), respectivamente, € 272.090,11 e € 156.676,77, o total de imposto liquidado € 63.416,89, o imposto deduzido € 39.461,31, e o imposto a entregar ao Estado € 23.955,58; a actividade  nutrição, tratada como isenta e sem direito a dedução, teve um peso de 36,53% no total do volume de negócios, e o IVA suportado pela Requerente na aquisição de bens e serviços foi deduzido na quase totalidade, por se tratar de bens e serviços afectos ao sector ginásio (cfr. Resposta e RIT);

 

pp) Do RIT, que se dá por integralmente reproduzido, consta, entre o mais:

 

(…)

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(…)

 

(...)

 

(…)

 

(...)

 

(…)

 

(…)

 

(...)

 

qq) Por Ofício da Requerida de 22.10.2018, recepcionado pela Requerente a 31.10.2018, foi esta notificada do projecto de RIT, não tendo exercido direito de audição;

 

rr) Na sequência da notificação do RIT, em que se confirmaram as correcções propostas, foram emitidas e notificadas à Requerente as liquidações adicionais infra (imposto e juros compensatórios), que perfazem no total € 40.552,07, com prazo de pagamento até 11.01.2019:

 

ss) A 11.01.2019 a Requerente procedeu ao pagamento do montante total das Liquidações;

 

tt) Em 11.04.2019 a Requerente deu entrada no sistema do CAAD ao Pedido que dá origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados

Não ficou provado que a Requerente fosse titular de “licença para abertura ou funcionamento de uma unidade privada de saúde”, nem que estivesse registada na Entidade Reguladora da Saúde (“ERS”).

Não ficou provado que ao acrescentar aos seus serviços a disponibilização de consultas de nutrição/aconselhamento nutricional a Requerente o tenha feito com o objectivo de aumentar a fidelização dos clientes.

 

Com relevo para a decisão da causa não existem outros factos que não tenham ficado provados.

 

2.3. Fundamentação da matéria de facto

Os factos foram dados como provados e/ou como não provados com base nos documentos juntos aos autos, incluindo com o PPA, Requerimento posterior do SP (Certidão Permanente) e Processo Administrativo (“PA”) (onde também se inclui o depoimento da nutricionista Dra. D...), criticamente apreciados, todos documentos que se dão por integralmente reproduzidos, e, bem assim, nas posições manifestadas pelas Partes nos articulados e nas alegações orais, bem como na prova testemunhal produzida e criticamente apreciada.

Em relação à prova documental e ao facto provado na al. kk), de notar que a Requerente junta como “doc. 17” duas páginas, e depois como documento distinto - “doc 18” - (intercalado por outro, “doc. 17-A”) aquela que é, afinal, a página 3 do mesmo “doc. 17”, da qual consta  apenas a discriminação de “Consulta de Nutrição Anual 39” - € 14,96. Constando porém no canto inferior direito deste “doc. 18” um valor total facturado que corresponde ao dos primeiros 6 meses do contrato [“doc 17”] anual em causa (i. e., € 39,90 x 6).

Em relação à prova testemunhal, oferecida pela Requerente nos autos, quer a primeira testemunha a depôr, de nome C..., quer a segunda, de nome B..., tinham um vínculo profissional com a mesma (a primeira entretanto saiu por acordo, como disse, por opção, com a venda da sociedade, posterior a 2015; a segunda ainda o mantendo). Em 2015 ambas eram funcionários da Requerente. A primeira, como explicou, exercia funções na área administrativa, tratava dos pagamentos, documentos para a contabilidade, algum tratamento de clientes, acompanhamento de equipa, e durante todo o ano de 2015 esteve ao serviço da Requerente. A segunda, professor de educação física, era na Requerente o Director Técnico do ginásio (E...), funções que exercia ao tempo, desde cerca de 2006, e exerce até hoje (a Requerente continua a explorar o ginásio).

O depoimento das testemunhas não foi, na livre apreciação do Tribunal, cfr. art.º 607.º, n.º 5 do CPC , de total espontaneidade. Sobretudo no caso da primeira testemunha, cujo depoimento revelou contradições indiciadoras de falta de isenção.

Assim, e a título de exemplo, esta testemunha começou por responder - quanto às opções oferecidas aos clientes em 2015 - que disponibilizavam aos clientes “três valências”: serviços de exercício físico, exercício físico com nutrição, e exercício físico com PT. O cliente poderia contratar o serviço de exercício físico, o serviço de exercício físico aliado com nutrição, e o serviço de exercício físico aliado com o serviço de PT. Mais adiante, directamente questionada sobre a disponibilização de consultas soltas a clientes que não fossem sócios do ginásio respondeu que sim, que ofereciam serviços de nutrição isolados, que era uma forma de angariação, que o faziam para captar também clientes por essa via, pessoas que assim começavam como clientes de serviço de nutrição e depois poderiam também vir a ser clientes de serviços de exercício físico. Depois, questionada pela Requerida sobre os “serviços de nutrição à parte” que havia referido, como eram contratados esses serviços, respondeu que as pessoas se dirigiam ao balcão, “normalmente as pessoas é que perguntavam primeiro”, se faziam consultas sem serem clientes, “nós dizíamos que sim”, a pessoa queria marcar ou se houvesse disponibilidade no dia podia fazê-lo na mesma, e era um serviço vendido à peça. E à pergunta sobre se um cliente de ginásio, só de piscina por exemplo, poderia contratar uma consulta individual, à parte, respondeu que sim, e questionada se acontecia, respondeu que não sabia se nesse ano tinha acontecido. Questionada pela Requerida sobre quando numa situação dessas, de um cliente que não tinha no seu pack serviços de nutrição, que marcasse um aconselhamento nutricional e depois não comparecesse, o que acontecia, respondeu que “é como outra consulta que nós marcamos numa qualquer outra entidade e depois não comparecemos”, “não é realizada, não é paga”. E ao pedido de esclarecimento do Tribunal sobre se alguma vez ocorrera uma pessoa não cliente do ginásio ter lá ido apenas para ter uma consulta de nutrição, respondeu que, “não [lhe] consigo dizer que houvesse esse caso”, de que tivesse conhecimento, não, ao que prontamente acrescentou que poderia ter ocorrido sem que se apercebesse, pois que “o meu trabalho não era na recepção, estava no escritório”. A mesma testemunha que antes descrevera, com aparente total conhecimento directo, a relação entre os clientes e o ginásio, e que havia já respondido, quando lhe foi perguntado pela Requerente se contactava directamente com os clientes, “sim, todos os dias”, e referira, além disso, que tratava dos documentos para a contabilidade.

Questionada sobre quais as opções de adesão, de que forma era subscrito o contrato entre o ginásio e os clientes, respondeu que tinham adesões livres, i.e. sem compromisso de fidelização, com opção ou não de serviços de nutrição, ou compromissos de adesão (fidelização). Aqui em coerência quer com o que havia sido alegado pela Requerente no PPA, bem interpretado o PPA, quer com o que de facturação consta nos autos, em que inexiste qualquer factura de serviços de adesão com fidelização que não inclua serviços de nutrição.

Já na resposta ao pedido de esclarecimento do Tribunal sobre os serviços serem facturados em separado, se isso era assim mas tratando-se de uma mesma factura na qual se indicava em separado uma coisa e a outra, confirmou que sim que era isso, e de pronto acrescentou que sim mas isso era no caso de o pagamento ser feito ao balcão, era feito assim para poupar papel, mas que já se os pagamentos fossem por transferência ou débito em conta “pode ter” uma factura em separado para cada coisa; e ao pedido de clarificação do Tribunal sobre se “pode ter” ou se “tem”, respondeu que “tem”. O que não é coerente seja com o que inicialmente questionada sobre o mesmo assunto respondera, seja com o que a Requerente alega a respeito no PPA, seja com a documentação nos autos, inexistindo qualquer factura separada com (apenas) serviço de nutrição.

Com relação à segunda testemunha, cujo depoimento foi mais consistente, e que tem hoje pelo menos 13 anos de experiência na direcção do ginásio E... e no contacto com o cliente, saliente-se que à pergunta sobre o que é que os clientes procuram quando se dirigem ao ginásio para se inscreverem, respondeu que procuram essencialmente um sítio para praticar exercício físico.

Quanto ao propósito da inclusão dos serviços de nutrição respondeu que foi o de promover uma maior satisfação do cliente, um melhor serviço, resultante da união entre nutrição e exercício físico, saúde e bem estar.

Ao pedido de esclarecimento do Tribunal (i) sobre se antes de terem sido introduzidos os serviços de nutrição teriam também já fidelização dos clientes, respondeu que sim, que tinham, e (ii) sobre qual o objectivo dos clientes a que tentam corresponder, no trabalho que explicou ser de colaboração entre si e a nutricionista, respondeu que grande percentagem tem por objectivo perder peso. Se a pessoa não quisesse perder peso, como questionou então o Tribunal, disse que “há muitos outros objectivos”, sem concretizar nenhum.

Em relação ao primeiro dos factos dados como não provados, refira-se, a Requerente alegara no PPA estar “inscrita desde 2014 na ERS (…) (licença para abertura ou funcionamento de uma unidade privada de saúde)”, não juntou documento comprovativo e tentou depois prová-lo na produção de prova testemunhal. No RIT refere-se que o SP informou estar inscrito na ERS. A primeira testemunha, à pergunta sobre se sabia que a Requerente estava inscrita na ERS respondeu “creio que sim, não tenho precisão”, e a segunda testemunha tendo sido questionada assim: “O E... estava devidamente habilitado com licença da ERS. Sabe disso?”, respondeu “sim”. A licença a que a Requerente se refere, como mais adiante se verá, não poderia ter sido emitida ao ginásio. O registo na ERS poderia ter sido solicitado e obtido, o que não ficou provado ter sucedido.

Na sala de audiêncas encontrava-se presente o Sr. F..., sócio da Requerente, e  gerente em parte do período em causa nos autos.

Ao Tribunal cabe seleccionar, de entre os alegados pelas Partes, os factos que importam à apreciação e decisão da causa, perspectivando as hipotéticas soluções plausíveis das questões de direito (v. art.º 16.º, al. e) e art.º 19.º do RJAT e, ainda, art.º 123.º, n.º 2 do CPPT e art.º 596.º do CPC ), abrangendo os seus poderes de cognição factos instrumentais e factos complemento ou concretização dos que as Partes alegaram (cfr. art.s 13.º do CPPT, 99.º da LGT, 90.º do CPTA e art.ºs 5.º, n.º 2 e 411.º do CPC ).

Não se deram como provadas ou não provadas alegações das Partes apresentadas como factos mas consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja validade será de aferir em face da matéria de facto considerada assente.

 

3. Matéria de Direito

3.1. Questões a decidir

A matéria em causa nos autos é, antes de mais, de interpretação e aplicação de regras de Direito. Cabe apreciar a factualidade subjacente e decidir se é ou não subsumível à previsão normativa da isenção que a Requerente aplicou. E que a Requerida entende que não cabia aplicar.

 

É, assim, a seguinte a principal questão a decidir:

- A prestação de serviços da Requerente aos seus Clientes, na parte referente a serviços de nutrição/aconselhamento nutricional, deve ou não beneficiar da isenção do art.º 9.º, 1) do CIVA?

 

Melhor explicado:

- Na prestação de serviços da Requerente aos seus Clientes, no que a nutrição/aconselhamento nutricional respeita, preenche-se a previsão da norma de isenção constante do art.º 9.º, 1) do CIVA, devendo, nessa parte, e consequentemente, a prestação de serviços da Requerente ser tratada como isenta de IVA?

 

Para responder à questão decidenda haverá que percorrer as principais subquestões seguintes:

a) - Reveste a isenção constante do art.º 9.º, 1) do CIVA uma natureza exclusivamente objectiva?

b) - Reveste a prestação de serviços da Requerente aos Clientes, no que a nutricionismo se refere, autonomia em face da sua prestação de serviços aos Clientes no que à actividade de ginásio - fitness, se refere?

 

Implicadas nestas últimas estarão, como veremos, outras como:

- Terá sido aplicada pela Requerente (colocando a questão de forma simples e mesmo antes de enquadrá-la em sede de Direito da UE) uma isenção que se destina a ser aplicada a determinada prestação de serviços que ela (o SP em causa) não prestou?

- Qual é, afinal, a prestação de serviços da Requerente aos seus Clientes no que a nutricionismo respeita, onde - aí - acrescenta a Requerente valor?

 

Haverá que decidir, ou não, do pedido subsidiário de reenvio prejudicial. Não havendo que decidir, sempre caberá uma referência à matéria, mesmo que muito breve.

 

E, ainda, quanto aos pedidos de reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios.

 

Vejamos. 

 

Em suma, a Requerente pugna pela aplicação da isenção e a Requerida pelo oposto. A primeira isentou de IVA as prestações em causa nos períodos em apreço, tendo a segunda procedido a correcções, pelas quais aplicou IVA à taxa normal às prestações de serviços que haviam sido tratadas como isentas pela primeira, emitindo as Liquidações aqui em crise .

Resumindo e recapitulando. A Requerente defende que a sua prestação de serviços aos seus clientes na parte respeitante a nutrição/aconselhamento nutricional se deve considerar isenta de IVA cfr. art.º 9.º, 1) do CIVA, por se encontrarem preenchidos todos os requisitos de aplicação da isenção em causa: no período em apreço foram efectivamente disponibilizadas - mesmo que nem todas tendo sido realizadas - consultas de nutrição/aconselhamento nutricional por profissional especializada. E entende que nenhuma das razões invocadas pela Requerida para concluir (como concluiu) pela não aplicabilidade da isenção procede.

A Requerida, por seu lado, defende que a isenção não é aplicável àquelas prestações de serviços, desde logo por razões que se prendem com o princípio da interpretação estrita das isenções em IVA e, em concreto, por não se tratar no caso de uma prestação de serviços com fins terapêuticos. Por não se verificar um objectivo de diagnosticar, tratar, e/ou curar doenças ou anomalias de saúde, como exposto na Informação Vinculativa no proc.º n.º 3251. Mais invoca a Requerida, como impeditivas à aplicabilidade da isenção no caso, outras razões – as quais, como mais adiante veremos, deverão todas elas ser ponderadas a respeito de uma fundamental, também invocada. A saber, a relacionada com a natureza/estrutura/composição das prestações de serviços da Requerente: a Requerida defende que estamos perante uma prestação única complexa, e que nela a prestação de serviços relacionados com nutrição não reveste autonomia em relação à prestação principal. É-lhe sim acessória. E invocam-se também as outras razões: a artificialidade na decomposição daquela prestação única, a esmagadora maioria das prestações de serviços em causa não ter sido efectivamente realizada e, ainda, a falta de racionalidade económica evidenciada na forma de facturar aqueles serviços e que permite (permitiu) a aplicação da isenção. Com o potencial, aqui, de violação do princípio da neutralidade.

 

Apreciemos. E tendo presente que o julgador – cfr. art.º 5.º, n.º 3 do CPC – não está sujeito às alegações das Partes “no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”.

Começando pelo quadro legal (potencialmente) aplicável.

 

No Código do IVA :

Art.º 9.º - Isenções nas operações internas

Estão isentas do imposto:

1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico, odontologista, parteiro, enfermeiro e outras profissões paramédicas;

 

E ainda no CIVA:

Art.º 1.º – Incidência objectiva

1. Estão sujeitos a imposto sobre o valor acrescentado:

a) As transmissões de bens e as prestações de serviços efetuadas no território nacional, a título oneroso, por um sujeito passivo agindo como tal; (...)

 

Art.º 2.º – Incidência subjectiva

1. São sujeitos passivos do imposto:

a) As pessoas singulares ou colectivas que, de um modo independente e com carácter de habitualidade, exerçam actividades de (…), comércio ou prestação de serviços, incluindo as actividades (…) e as das profissões livres, (…).

(…)

 

Art.º 4.º – Conceito de prestação de serviços

1. São consideradas como prestações de serviços as operações efectuadas a título oneroso que não constituem transmissões, aquisições intracomunitárias ou importações de bens.

(…)

 

Na Directiva IVA (“DIVA”):  

Título IX – Isenções

Capítulo 1 – Disposições gerais

Artigo 131.º

As isenções previstas nos Capítulos 2 a 9 aplicam-se sem prejuízo de outras disposições comunitárias e nas condições fixadas pelos Estados-Membros a fim de assegurar a aplicação correcta e simples das referidas isenções e de evitar qualquer possível fraude, evasão ou abuso.

 

Capítulo 2 - Isenções em benefício de certas actividades de interesse geral

Artigo 132.º

1. Os Estados-Membros isentam as seguintes operações: (…)

c) As prestações de serviços de assistência efectuadas no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas, tal como definidas pelo Estado-Membro em causa.

 

E ainda na DIVA:

Título I - Objecto e âmbito de aplicação

Artigo 2.º

1. Estão sujeitas ao IVA as seguintes operações: (…)

c) As prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade;

 

Título III – Sujeitos passivos

Artigo 9.º

1. Entende-se por “sujeito passivo” qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade.

Entende-se por “actividade económica” qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo as actividades extractivas, agrícolas e as das profissões liberais ou equiparadas. (...)

 

Artigo 10.º

A condição de a actividade económica ser exercida de modo independente, tal como referido no n.º 1 do artigo 9.º, exclui da tributação os assalariados e outras pessoas na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação no que diz respeito às condições de trabalho e de remuneração e à responsabilidade da entidade patronal.

 

Artigo 11.º

Após consulta do Comité Consultivo (…), cada Estado-Membro pode considerar como um único sujeito passivo as pessoas que (…), embora juridicamente independentes, (…).”

Um Estado-Membro que exerça a faculdade prevista no primeiro parágrafo pode adoptar todas as medidas necessárias para evitar (…) fraude ou evasão fiscais (…).

 

Título IV – Operações tributáveis

Artigo 24.º

1. Entende-se por prestação de serviços qualquer operação que não constitua uma entrega de bens. (…)

 

Artigo 25.º

Uma prestação de serviços pode consistir, designadamente, numa das seguintes operações: (…)

c) A execução de um serviço em virtude de acto das (…) ou em seu nome próprio (…).

Título VI – Facto gerador e exigibilidade do imposto

Artigo 62.º

Para efeitos da presente Directiva, entende-se por:

1) “Facto gerador do imposto”, o facto mediante o qual são preenchidas as condições legais necessárias à exigibilidade do imposto; (…)

 

Artigo 63.º

O facto gerador do imposto ocorre e o imposto torna-se exigível no momento em que é efectuada a entrega de bens ou a prestação de serviços.

 

DL n.º 261/93, de 24 de Julho  (regulamenta o exercício das actividades paramédicas)

Art.º 1.º

1- O presente diploma regula o exercício das actividades profissionais de saúde, adiante designadas por actividades paramédicas, que compreendem a utilização de técnicas de base científica com fins de promoção da saúde e de prevenção, diagnóstico e tratamento da doença, ou de reabilitação.

(...)

3- As actividades paramédicas a que se refere o n.º 1 são as constantes da lista anexa.

 

ANEXO

(…)

5 – Dietética. - Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares. (…)

 

Código Civil (“CC”)

Livro II – Direito das Obrigações

Cap. II – Fontes das obrigações

Secção I – Contratos

Subsecção IX – Contrato a favor de terceiro

Art.º 443. º - Noção

1. Por meio de contrato, pode uma das partes assumir perante outra, que tenha na promessa um interesse digno de protecção legal, a obrigação de efectuar uma prestação a favor de terceiro, estranho ao negócio; (…).

 

Artigo 770.º – Prestação feita a terceiro

A prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, excepto:

a) se assim for estipulado ou consentido pelo credor; (...)

 

Cap. IX – Prestação de serviço

Art.º 1154.º - Noção

Contrato de prestação de serviço é aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

 

 

Lei n.º 126/2015, de 03.09 (altera e republica o Estatudo da Ordem dos Nutricionistas)

Anexo (Estatuto da O. N.)

 

Art.º 3.º – Modalidades de exercício da profissão

1- A profissão de nutricionista pode ser exercida por conta própria, quer em nome individual quer em sociedade, ou por conta de outrem, tanto no setor público, privado, ou cooperativo e social. (…)

 

Art.º 61.º - Obrigatoriedade

1- A atribuição do título profissional, o seu uso e o exercício da profissão de nutricionista, em qualquer sector de actividade, individualmente ou em sociedade profissional, dependem da inscrição na Ordem como membro efectivo (…).

2- Para efeitos do disposto no número anterior, considera-se qualquer setor de atividade, o setor público, privado, cooperativo, social ou outro, independentemente do exercício por conta própria ou por conta de outrem.

(...)

 

Art.º 62.º - Inscrição

(...)

3- Inscrevem-se ainda na Ordem, como membros:

a) As sociedade profissionais de nutricionistas (…).

 

DL n.º 126/2014, de 22 de Agosto (aprova os Estatutos da Entidade Reguladora da Saúde)

Anexo (Estatutos da ERS)

Art.º 4.º

(…)

2- Estão sujeitos à regulação da ERS (…) todos os estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, do setor público, privado, (…) independentemente da sua natureza jurídica, nomeadamente hospitais, clínicas, centros de saúde, consultórios, laboratórios de análises clínicas, equipamentos ou unidades de telemedicina, unidades móveis de saúde e termas.

3- Não estão sujeitos à regulação da ERS:

a) Os profissionais de saúde no que respeita à sua atividade sujeita à regulação e disciplina das respetivas associações públicas profissionais; (…)

 

Regulamento n.º 66/2015, de 11.02, DR, 2.ª série  (estabelece as regras de registo dos estabelecimentos sujeitos à jurisdição regulatória da ERS e o pagamento da taxa de registo e demais contribuições regulatórias)

 

Art.º 2.º

1 – Para efeitos do presente Regulamento entende-se por:

(…) b) “Estabelecimento prestador de cuidados de saúde”: todos os estabelecimentos previstos no n.º 2 do artigo 4.º dos Estatutos da ERS, aprovados pelo Decreto-Lei n.º 126/2014, de 22 de Agosto, nomeadamente os que se dediquem a uma ou mais das atividades constantes no Anexo ao presente Regulamento (…);

 

Anexo

Estabelecimentos Prestadores de Cuidados de Saúde fixos ou móveis, designadamente:

(…) Consultórios de Nutrição e Dietética;(…)

 

DL n.º 163/2006, de 8 de Agosto

(define as condições de acessibilidade a satisfazer no projecto e na construção de espaços públicos, equipamentos colectivos e edifícios públicos e habitacionais)

 

Art.º 2.º

(…)

2- As normas técnicas [sobre acessibilidades] aplicam-se também aos seguintes edifícios, estabelecimentos e equipamentos de utilização pública e via pública:

(…) o) Instalações desportivas, designadamenete (…) incluindo ginásios e clubes de saúde; (...)

 

DL nº 381/2007, de 14.11 (aprova a lista da Classificação Portuguesa das Actividades Económicas)

Anexo – CAE -Rev. 3

(...)

Actividades de saúde humana e apoio social

                (…) Outras actividades de saúde humana, não especificadas - CAE 86906

Actividades desportivas, de diversão e recreativas

                (…) Actividades de ginásio (fitness) – CAE 93130

 

*

Percorrido o principal quadro normativo, deixemos nota de três pontos prévios à interpretação normativa que nos será exigida:

 

1. Doutrina Administrativa

Ao julgador cabe decidir a causa submetida a juízo aplicando a lei, que deve interpretar de acordo com os competentes ditames hermenêuticos. A Doutrina Administrativa vincula apenas a própria Administração.  As orientações genéricas emanadas da AT  enquadram-se no princípio/dever de colaboração que sobre si recai.  Entre o mais, revelam publicamente o seu entendimento/interpretação das normas tributárias. Não constituindo fonte de Direito, não sendo pois vinculativas senão internamente, a AT fica por elas autovinculada, passando a ser do conhecimento dos contribuintes a interpretação que está, nessa medida, obrigada a seguir das normas em causa.  Que não constituem fonte de Direito e que, assim, como não poderia deixar de ser, não vinculam também os Tribunais, está patente e decorre, desde logo, do art.º 68.º-A, n.º 4 da LGT.

 

2. Direito da União Europeia

A interpretação conforme ao Direito da UE é um cânone interpretativo incontornável, cada vez mais relevante, e com maior preponderância numas matérias (tributárias) que noutras. Em aplicação do elemento lógico na interpretação, diremos, e sujeito a um requisito de razoabilidade. Em tributação indirecta, e no caso do IVA em especial, esta interpretação conforme será por demais relevante. Como imposto de matriz Comunitária que é. Fortemente harmonizado. Onde, ademais, existem zonas de diferente intensidade dessa harmonização: zonas de harmonização alta/média/baixa. Incluindo-se a matéria das isenções na de alta (forte) harmonização. Tendo a Jurisprudência do Tribunal de Justiça (“TJUE”, “TJ”) um papel central, aqui, a desempenhar. Certo, que é, que a harmonização em IVA é alcançada não apenas por via da legislação Comunitária como também - e em grande medida - pela aplicação que da mesma o TJ vai fazendo.

 

3. Isenções em IVA

Estamos em tributação indirecta, perante um imposto geral sobre o consumo, de bens e serviços, cuja principal característica é a de o fazer - tributar o consumo - de uma forma “neutra”. É assim que o imposto sobre o valor acrescentado, como o nome indica, conduz à tributação do valor acrescentado em cada fase do circuito económico, fazendo repercutir o seu ónus no final da cadeia, sobre o consumidor final, aquando da aquisição, por este, do bem ou do serviço. Para assim suceder, o imposto estrutura-se com base no denominado método subtractivo indirecto, pelo qual cada sujeito passivo (“sp”) liquida IVA nas suas operações activas mas, por outro lado, deduz o IVA por si suportado a montante nas suas aquisições de bens e serviços, inputs, no âmbito da actividade tributada. Sendo a diferença entre os dois valores, em cada período de referência/período de tributação, o montante a entregar ao Estado. Como bem se compreende, o objectivo que assim se visa prosseguir, de neutralidade, funcionará tanto melhor quanto mais alargada for a base de incidência do imposto e quanto menores forem as possíveis distorções ao seu funcionamento nos termos expostos. O imposto será, por um lado, tanto mais neutral quanto mais ampla for a concessão aos sp do direito à dedução. À contrario, quanto maior o número de situações em que o exercício do direito à dedução fique vedado, menor a neutralidade do imposto. O IVA caracteriza-se por uma vocação de universalidade, e as isenções constituem, com uma particular singularidade neste imposto, a excepção à regra. 

Em IVA existem dois tipos de isenções. As simples ou incompletas, por um lado, e as totais, completas ou verdadeiras, por outro. Sendo a principal distinção entre elas precisamente a de – isentando o sp da liquidação – as primeiras o inibirem de exercer o direito à dedução, ao contrário do que sucede nas segundas. E todas as isenções do art.º 9.º do CIVA são isenções incompletas.

Confrontando isenções em geral, nas leis fiscais, com isenções em IVA – e com as isenções incompletas em mente - escrevia Saldanha Sanches assim: "A isenção conduz, em princípio, a uma menor tributação do sujeito passivo, a um aumento do seu lucro ou do seu rendimento tributável, mas nem sempre sucede assim com as isenções em IVA.”  Não sucede assim nas isenções incompletas. O que justifica a consagração da isenção, em certos casos muito especiais como o dos serviços de saúde, é a intenção de beneficiar o consumidor final. É essa a intenção do legislador.

 

Avançando.

 

a) - Reveste a isenção constante do art.º 9.º, 1) do CIVA  uma natureza exclusivamente objectiva?

 

Na interpretação das leis tributárias regem os critérios gerais da hermenêutica jurídica - art.º 11.º, n.º 1 da LGT  e, por via deste, cfr. art.º 9.º do CC.  Ponto de referência da interpretação há-de ser “a unidade do sistema jurídico”.  “(…) A obtenção dessa unidade sistemática, (...), passa necessariamente por uma interpretação que assegure a coerência, como um postulado a obter, na ordenação das consequências do Direito, (...).

 

Interpretemos então o art.º 9.º, 1) do CIVA em conformidade com o que antecede e com o Direito da UE, à luz da Jurisprudência do TJUE.

 

O TJUE, em coerência com o que vimos quanto à estrutura de funcionamento deste imposto,  interpreta (e manda interpretar) as isenções em IVA de uma forma estrita. Cfr. Acórdão Gregg : “(...) segundo uma jurisprudência constante do Tribunal de Justiça, os termos empregues para designar as isenções visadas pelo artigo 13.º da Sexta Directiva são de interpretação estrita, dado constituirem derrogações ao princípio geral de que o IVA é cobrado sobre (…) todas as prestações de serviços efectuadas a título oneroso por um sujeito passivo (...)”.  Sendo porém que, essa interpretação estrita, como também o TJ vem esclarecendo, não poderá colocar em causa os fins visados pela consagração da isenção. Como no Acórdão Don Bosco  “(...) Todavia, a interpretação desses termos deve ser feita em conformidade com os objectivos prosseguidos pelas referidas isenções e respeitar as exigências do princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA. Assim, esta regra da interpretação estrita não significa que os termos utilizados para definir as isenções previstas no referido artigo 13.° devam ser interpretados de maneira a privá-las dos seus efeitos.” A isenção deve, em suma, diremos, aplicar-se ao que se pretendia aplicar. Como refere o Advogado Geral J. Mischo nas suas Conclusões no Caso SUFA  “as isenções, enquanto excepções à regra geral da tributação das actividades económicas, são de interpretação estrita e não devem ir além do que está expressa e claramente previsto”. É em não ultrapassar o sentido literal da norma que consiste, afinal, a restrição a que o intérprete está sujeito.  Há-de ser essa a base - o que está expressa e claramente previsto na norma - e, preferencialmente, o resultado da interpretação.

E a interpretação terá que ser feita no respeito pelo princípio da neutralidade (como também noutros, veremos). Cfr., ainda, Acórdão Gregg  “(...) esta interpretação (…) está em conformidade designadamente com o princípio da neutralidade fiscal (…) no respeito do qual as isenções (…) devem ser aplicadas.” Sendo que, com este mesmo princípio se conexiona também a Jurisprudência firmada pelo TJ no sentido de que as isenções em IVA são taxativas: cfr. Acórdão Zimmermann , “no contexto da interpretação das isenções previstas no artigo 13.º da Sexta Directiva, o princípio da neutralidade fiscal deve ser aplicado paralelamente com o princípio segundo o qual essas isenções devem ser interpretadas de forma estrita” e “não permite alargar o âmbito de aplicação dessa isenção quando não exista uma disposição inequívoca”. No Acórdão Comissão/Itália  expressamente se declara que as disposições do Título X da Sexta Directiva possuem um carácter exaustivo, e que uma isenção que não se encontre ali prevista traduzirá uma derrogação à regra geral do Art.º 2.º da Directiva, não admitida. E, assim, na interpretação das normas que consagram isenções, o principal critério interpretativo deverá ser o da interpretação literal , voltamos ao início.

E o fim. Sempre o fim da isenção a perpassar tudo o mais a que o intérprete se deve ater (seja da isenção da al. c), seja da da al. b) do Art.º 132.º da DIVA): não encarecer os serviços de saúde, torná-los mais acessíveis, reduzir o custo dos cuidados de saúde e tornar esses cuidados mais acessíveis aos particulares. 

 

Descendo mais concretamente aos autos.

 

As isenções do art.º 9.º do CIVA  abrangem um conjunto de situações tidas por actividades de interesse geral,  em que se visa proteger certos consumos finais. É o caso da área da saúde. E o artigo corresponde, na al. 1), quase fielmente ao Art.º 132.º, al. c) da DIVA (v. supra).

 

Que, no nosso caso, estamos perante uma profissão das incluídas na norma não há dúvidas. Sendo também nesse ponto unânime a posição das Partes. Com efeito, nos termos da legislação Portuguesa as profissões de Dietista/Nutricionista são profissões paramédicas (“como definidas pelo Estado-Membro em causa”, pois). Estabelece o DL n.º 261/93  que as actividades profissionais de saúde paramédicas são as constantes da lista que lhe é anexa, onde se lê, entre o mais, assim: “5. Dietética. - Aplicação de conhecimentos de nutrição e dietética na saúde em geral e na educação de grupos e indivíduos, quer em situação de bem estar quer na doença, designadamente no domínio da promoção e tratamento e da gestão de recursos alimentares.”. E o DL n.º 320/99 , que veio regulamentar o seu exercício, identifica,  entre essas profissões, a de Dietista e, ao definir  as actividades aí incluídas, remete para aquela mesma lista anexa ao DL n.º 261/93.

 

A questão que se coloca, neste particular, e por parte da Requerida, é a de que, embora se trate, no caso, de profissão paramédica, ainda assim a situação não pode beneficiar da isenção pois que é entendimento do TJUE que na norma (Art.º 132.º, al. c) DIVA) se contêm apenas as respectivas prestações de serviços quando levadas a cabo com fins terapêuticos. E que, como tal, haveria que estar presente - cfr. também Informação Vinculativa n.º 3251 – pelo menos algum dos seguintes elementos: diagnosticar, tratar e na medida do possível curar doenças ou anomalias de saúde. O que não sucede.

Vejamos.

 

A norma (Art.º 132.º/1, al. c) DIVA) refere literalmente “prestações de serviços de assistência”, “no âmbito do exercício de profissões médicas e paramédicas”. Sendo que nas profissões paramédicas entre nós - como definido pois pelo EM em causa, Portugal - estão contidas as de Dietista/Nutricionista (não vem questionado nos autos que “Dietética”, cfr. lista anexa ao DL   n.º 261/93, inclua a profissão de nutricionista - o que se acompanha desde logo por na descrição de Dietética, ali contida, se identificar a aplicação de “conhecimentos de nutrição e dietética”). Na definição que o legislador português faz destas profissões paramédicas refere “Aplicação de conhecimentos (...) na saúde em geral (...), quer em situação de bem estar quer na doença (...)”. E no art.º 1.º/1 do mesmo DL refere “fins de promoção da saúde e de prevenção (...)”. O que não parece deixar de ser conforme ao que o TJ vem entendendo como abrangido nas prestações de serviços de assistência. Como em outros, no Acórdão Kügler o TJ , ao referir a necessária finalidade terapêutica, acaba por aí incluir, também, fins de prevenção. Como também já reconheceu - v. Acórdão d’ Ambrumenil  - que o requisito do objectivo terapêutico “não implica necessariamente que a finalidade terapêutica de uma prestação deva ser entendida num sentido demasiado estrito”. Retirando ali a conclusão de que só as prestações médicas efectuadas com um objectivo diferente do de proteger, incluindo o de manter ou restabelecer, a saúde das pessoas não podem beneficiar da isenção prevista no artigo 13.º, A, n.º 1, al. c) da da Sexta Directiva”.

Assim, e ainda que se conheça também existirem especificidades/especialidades possíveis dentro da área da nutrição, sendo que o denominado nutricionismo no desporto é já reconhecidamente praticado em ginásios (formação específica que a própria nutricionista nos autos detém, v. factos provados), seja como for - independentemente de se tratar de consulta de nutrição, aconselhamento nutricional em ambiente ginásio/nutrição no desporto - não deixaremos, por aqui, de reconhecer a situação nos autos como passível de ser subsumível à previsão da norma de isenção. Pois que, ainda que outros objectivos possam estar presentes (mais relacionados com níveis de massa muscular ou outros), e mesmo o objectivo da perda de peso, só por si, não seja necessariamente e em todos os casos promotor da saúde, não deixará de reconhecer-se como possível de estar presente a vertente de prevenção da doença (que o TJ aceita incluída nos fins terapêuticos) quando se trate de cuidar, contribuir para, uma boa condição física, e/ou para a sua manutenção. Que a alimentação sob aconselhamento de um nutricionista poderá potenciar. Não é de excluir à partida  que pudesse ser essa a finalidade principal da prestação profissional no caso dos autos.

E também não vem questionado nos autos que a nutricionista dispunha do título profissional que a enquadra na dita profissão paramédica, como aliás resultou provado que dispunha (cfr. matéria de facto assente).

Pelo que, até aqui, o princípio da interpretação estrita das disposições que consagram as isenções não afastaria a aplicabilidade da isenção.

Já não assim, quanto a nós, em relação ao que passamos a percorrer.

Consta também da norma que as prestações isentas são as “efectuadas no âmbito do exercício de profissões (…) paramédicas”. E, no nosso art.º 9.º, 1), assim: “efectuadas no exercício das  (…) profissões paramédicas”.

Ora, por tudo quanto já ficou exposto, também não poderemos olvidar a letra da lei nesta parte da norma. E o exercício de uma determinada profissão, médica ou paramédica, aqui expressa e claramente previsto, não deixa de, necessariamente, delimitar a possível interpretação da norma. Numa interpretação que se pretende – cfr. Jurisprudência do TJ - preferencialmente de encontro ao sentido literal.

 

Quem é que actua no exercício de uma determinada profissão, no nosso caso?

A nutricionista, certamente.

E o Ginásio (a Requerente), também?

Não cremos.

 

Comecemos por pensar a relação existente entre a nutricionista e o Ginásio.

A nutricionista obrigou-se a prestar os seus serviços de nutricionismo - prestações de serviços no exercício da sua profissão de nutricionista - obrigou-se, dizíamos, perante o Ginásio. Não se obrigou a prestar os seus serviços ao Ginásio, como bem se vê.

Entre ambos foi celebrado para o efeito um contrato de prestação de serviços sob a modalidade de contrato de avença (cfr. factos provados).

A nutricionista obrigou-se pois a, no exercício da sua profissão de nutricionista, por conta própria, e não por conta de outrem , prestar os seus serviços aos clientes da Requerente. Ao abrigo daquele contrato de avença a nutricionista prestava os serviços (as consultas de nutrição/aconselhamento nutricional) a que os clientes tinham direito ao abrigo dos contratos celebrados com a Requerente. Em contrapartida do que a nutricionista recebia da Requerente o pagamento dos seus honorários, na qualidade de profissional independente, Categoria B do CIRS, no valor de € 150,00/mês (ou, caso lhe fosse solicitado prestar os seus serviços por um período superior às 4 horas/semana, sendo-lhe pagos honorários adicionais). Como acordado no contrato de avença. Tudo cfr. factos provados.

 

Assim, e primeiro que tudo, note-se como a prestação de serviços de nutrição aos clientes do Ginásio era levada a cabo pela nutricionista, no exercício da sua profissão paramédica. Como? Ao abrigo de um contrato - de prestação de serviços - a favor de terceiro, cfr. art.º 443.º do Código Civil (v. supra). Com efeito, o facto de o destinatário do cumprimento ser outrem que não o credor da prestação não desvirtua o contratualizado entre as partes (no caso Ginásio/nutricionista) – cfr. também art.º 770.º, al. a) do CC , que dispõe que “A prestação feita a terceiro não extingue a obrigação, excepto: a) se assim for estipulado (...) pelo credor”.

O objecto do contrato de avença nos autos são aquelas prestações de serviços, e os beneficiários das mesmas são os clientes do Ginásio. Porque assim acordado entre credor (Ginásio) e devedor (nutricionista), no contrato de avença. O cumprimento do contrato, de avença, terá necessariamente por objecto aquele mesmo facto sobre que versa a obrigação: a realização de consultas de nutrição/aconselhamento nutricional.

E assim também se compreende, desde já, que ao a nutricionista cobrar os respectivos honorários à Requerente o faça ao abrigo do art.º 9.º, 1) do CIVA, ou seja, aplicando a isenção de que se vem tratando nestes autos.

Até aqui temos, assim, que a nutricionista presta serviços aos clientes da Requerente e é paga por esses seus serviços ao abrigo do contrato de avença. É paga pois pela Requerente.

Quando os clientes da Requerente, do Ginásio, recebem/utilizam essa prestação de serviços a mesma encontra-se já paga, ou irá ser paga, pelo Ginásio à nutricionista. Isenta de IVA. Ao abrigo do contrato de avença. Cfr. factos provados. E uma vez que, nesse contexto, o facto gerador e a exigibilidade do imposto - e, logo, a aplicação da norma de isenção - ocorrem no termo do prazo acordado (Ginásio/nutricionista) para o pagamento ao abrigo do contrato de avença.

 

Se dúvidas houvesse, e não deixando de enquadrar o próprio conceito de contrato de prestação de serviços sob a modalidade de contrato de avença também no Direito da UE e no sistema comum do IVA, v. como decidiu o TJ no Acórdão Asparuhovo Lake , onde se lê, entre o mais, que o artigo 24.º, n.º 1 da DIVA deve interpretar-se no sentido de que o conceito de “prestação de serviços” abrange os contratos de avença para a prestação de serviços de consultoria a uma empresa “(…) no âmbito dos quais o prestador se colocou à disposição do cliente durante o período de vigência do contrato”. Conforme o Art.º 64.º, n.º 1 da DIVA, se os serviços dão lugar a pagamentos sucessivos, expõe ali o TJ, hão-de considerar-se efectuados no termo do prazo a que cada um respeita; e consistindo a prestação de serviços na colocação permanente à disposição do cliente do exercício (naquele caso) da consultoria, deve a mesma prestação ser considerada efectuada no período de pagamento respectivo, quer o prestador tenha realizado a prestação ao seu cliente nesse período quer não.

 

E, voltando ao caso. Aqui sim - na prestação de serviços da nutricionista ao abrigo do contrato de avença com o Ginásio - não se suscitam dúvidas quanto à subsunção na norma de isenção em causa. Estamos em face de prestações de serviços “efectuadas no exercício” de uma profissão paramédica, conforme a letra da lei.

 

Quanto ao mais.

A prestação de serviços entre o Ginásio e os seus clientes. No âmbito dos serviços de nutrição. Vejamos.

O Ginásio não exerce uma profissão paramédica.

Como bem vistas as coisas já decorre do que antecede, e como passamos a aprofundar.

Como se estabelece no art.º 3.º, n.º 1, do Estatuto da Ordem dos Nutricionistas (“Estatuto da O.N.”), “A profissão de nutricionista pode ser exercida por conta própria, quer em nome individual quer em sociedade, ou por conta de outrem”. (v. supra)

O Ginásio exerce a profissão de nutricionista por conta própria?

O Ginásio exerce a profissão de nutricionista por conta de outrem?

Pois bem, não exerce. Se dúvidas houvesse, v. entre o mais, no mesmo Diploma, os art.ºs 61.º e 62.º (supra), que definem os termos em que o título profissional de nutricionista é atribuído e quem pode inscrever-se na respectiva Ordem, assim podendo legitimamente exercer a profissão.

E o que a norma de isenção - art.º 9.º, 1) do CIVA (doravante também “a nossa norma”) - nos diz é que estão isentas as prestações de serviços “no exercício” da profissão.

O Ginásio é uma sociedade.

Mas é uma sociedade de profissionais (médicos/paramédicos)?

Não. (Cfr. factos provados).

Caso fosse, desde logo caberia no âmbito dos artigos do mesmo Estatuto, acima aflorados.

Não sendo, como se conseguiria qualificar como alguém que presta aqueles serviços no exercício  da profissão paramédica em causa (como a nossa norma exige - numa interpretação de encontro ao sentido literal da mesma, que é como o TJ reiteradamente manda interpretar as normas de isenção)?

Resulta do acervo fáctico assente que o Ginásio não estava registado na ERS e, mais, que não dispunha de licença de estabelecimento para prestação de cuidados de saúde.

Mas sempre se diga. Se dispusesse, seja do registo, seja da licença, tal faria a diferença? Tal faria com que passasse – por isso – a enquadrar-se na previsão da nossa norma?

É aqui pertinente a jurisprudência do TJ no sentido de que não é a existência / cumprimento de regras regulamentares aquilo que é determinante para a qualificação das situações de facto na previsão das normas de isenção. Esse não é um critério determinante. V. o Acórdão Belgisch Syndicat van Chiropraxie  onde se lê que o quadro regulamentar estabelecido pelo EM é apenas um elemento, entre outros, a ter em conta para aferir se o contribuinte reúne as qualificações profissionais exigidas para que lhe seja aplicável a isenção. Do facto de não estar regulamentada, como era nesse o caso, não decorria que uma profissão deixasse de poder considerar-se isenta. Assim como, no sentido inverso – de não ser por estar regulamentada que a profissão teria que considerar-se isenta, e assim, de não ser o quadro regulamentar/legislação especial vigente no EM o critério determinante para o efeito – se decidiu no Acórdão Solleveld . Com as devidas adaptações, e no entender deste Tribunal Arbitral, não seria por a Requerente estar registada na ERS (ou mesmo ser titular da licença a conferir pela ERS, o que nem seria possível, veremos) que consequente e automaticamente seria de reconhecer ser-lhe aplicável a isenção do art.º 9.º, 1) do CIVA.

 

Mas mais, ainda que fosse. Poderia a Requerente ter obtido a referida Licença? Não. Nos termos do Regulamento n.º 66/2015 , e conforme respectivo anexo, os ginásios não são estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde, não constam da respectiva lista. E apenas é dado à ERS  emitir Licença para estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde. 

E o registo na ERS? Poderia, ao que parece resultar do quadro regulatório em causa. Simplesmente porque nos termos do Regulamento n.º 66/2015 a ERS é competente para registar estabelecimentos “sujeitos à sua jurisdição regulatória” e receber o pagamento das respectivas taxas, sendo que para o efeito se incluem entre os “estabelecimentos prestadores de cuidados de saúde fixos ou móveis, designadamente: (…) consultórios de nutrição (...)”. Não já, mais uma vez, ginásios. Porém, “presume-se” (cfr. art.º 3.º, n.º 2 da Portaria  que aprova a “Taxa de registo e contribuição regulatória”) que exerce actividade profissional por conta própria quem proceda à prestação de cuidados de saúde de modo autónomo, assumindo-se perante o utente como entidade responsável pela prestação de tais cuidados, “nomeadamente emitindo facturas ou recibos próprios aos utentes”. Uma entidade que queira registar-se nestes termos, é do conhecimento de ofício deste Tribunal, é aceite a fazê-lo, desde que faculte via internet os elementos de informação solicitados no site da ERS , pague as taxas devidas (de registo e subsequentes) e cumpra com os requisitos de acessibilidade (de edifícios) constantes do DL n.º 163/2006, de 8 de Agosto . Sem maiores desenvolvimentos, refira-se ainda quanto ao dito registo na ERS que ele deverá ser feito não já pela entidade em cujas instalações um consultório de nutrição se localize, mas sim pelo próprio profissional, caso seja este a facturar directamente os seus serviços a quem o consulte. E, neste quadro, ainda se refira, “Não estão sujeitos à regulação da ERS: a) os profissionais de saúde no que respeita à sua atividade sujeita à regulação e disciplina das respetivas associações públicas profissionais” . Não obstante estarem “sujeitos à regulação da ERS, no âmbito das suas atribuições e para efeitos dos presentes estatutos, (…) consultórios (…).”  Enfim. Decerto nada que fosse de considerar pelo TJUE como suficiente para qualificar a entidade como exercendo profissão paramédica para efeitos da norma de isenção. Confirmando-se a justeza da ratio da Jurisprudência, que atrás referimos, quanto à relativização da importância do quadro regulatório como critério determinante também quando aplicada ao nosso caso.

 

Depois. Tentemos ainda a qualificação da Requerente para efeitos da nossa norma.

 

Primeiro. E ainda na linha do que antecede. Igualmente não será por a Requerente ter feito constar do seu objecto social, também, “aconselhamento em matéria de nutrição”, e mais ter registado como actividade secundária a de “Outras actividades de saúde humana, n.e.”, CAE 86906, que a realidade das coisas se altera para efeitos de qualificar como exercendo uma profissão paramédica. Por um lado, para efeitos fiscais um dos objectos sempre deverá ser considerado como principal. Por outro, a actividade principal - “Actividades de ginásio (fitness)”, CAE 93130, não deixa ela própria de conter em si precisamente a oferta de actividades que visam preservar ou melhorar a condição física  (pelo que também seria aqui enquadrável, quanto a nós, a nutrição no desporto). E, por outro ainda, até à data a actividade de ginásio (fitness) não é, no nosso país pelo menos, considerada uma actividade médica ou paramédica. A Requerente não é uma entidade cuja actividade se desenvolva na área da saúde.

 

Segundo. O conceito de sujeito passivo, em IVA.

 

Em IVA também a qualificação como sujeito passivo é fundamental, dela dependem aspectos essenciais da aplicação do imposto. Aplicação das isenções incluída.

Num contrato de prestação de serviços – principal característica que o distingue de um contrato de trabalho – não existe um vínculo de subordinação jurídica. Não há, pois, uma relação de trabalho subordinado, nos nossos autos. Não está, a nutricionista, sujeita ao poder de direcção da Requerente, nem ao mais que é próprio de um vínculo laboral .

A regra geral da DIVA no que aos autos releva, e que as isenções afastam, dispõe que: “Estão sujeitas ao IVA (…) [a]s prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade”.

Por sujeito passivo, por sua vez, entende-se “qualquer pessoa que exerça, de modo independente e em qualquer lugar, uma actividade económica, seja qual for o fim ou o resultado dessa actividade”, e por actividade económica “qualquer actividade de produção, de comercialização ou de prestação de serviços, incluindo (…) e as das profissões liberais ou equiparadas”.

A nossa norma dispõe, voltemos à letra da mesma, que “Estão isentas de imposto: 1) As prestações de serviços efectuadas no exercício das profissões de médico (…) e outras profissões paramédicas” .

A “actividade económica” é, em IVA, pelas razões que se conhecem, um conceito de sentido amplo e de carácter objectivo.

A letra da nossa norma, porém, não refere qua tale o exercício de uma actividade, refere o exercício de uma profissão.

Pela letra da norma é, quanto a nós, de pessoas singulares o sujeito passivo de que primacialmente se trata. Pessoas singulares no exercício de profissões. “A letra do preceito é bem clara; a norma isenta prestações de serviços efectuadas no exercício de profissões de médico (…) e outras profissões paramédicas. Serviços pois realizados no exercício de profissões, o que exclui obviamente a actividade de pessoas colectivas. (…) No n.º 1 do artigo 9.º, isentam-se as prestações de serviços de profissionais (…).” 

O cotejo com a redacção das demais normas, desde logo do próprio art.º 9.º, não deixa dúvidas de que a situação visada é específica, e não replicada nas demais alíneas. E o próprio confronto entre as al.s 1) e 2), considerando que na 2) o sp tem a possibilidade de renunciar à isenção , ao contrário do que sucede na 1), aporta-nos também sentido à interpretação literal da 1) ao considerar primacialmente ali pessoas individuais, que no seu trabalho terão em princípio menos custos que pessoas colectivas e, assim, não sairão tão prejudicadas pela aplicação de uma isenção incompleta.

 

Temos, pois, que, a par de elementos objectivos, a nossa norma contém outros elementos, referentes às qualidades de quem presta os serviços em causa, que será o sujeito passivo, e ao como (se se quiser, a condicionante dinâmica da norma) os presta. Não se exige, como sucede na al. 2), que os serviços sejam prestados em contexto de ambiente hospitalar, bastanto, na al. 1), que sejam exercidos por quem reúna as qualidades técnicas exigidas - no âmbito de uma relação de confiança médico/paciente, em consultório ou outro local - (mas) no exercício de profissões determinadas.

 

Cfr. Jurisprudência do TJUE, as normas que consagram isenções contêm, muitas, um elemento subjectivo, sem que as isenções se definam nesses casos por referência a noções meramente materiais ou funcionais. No Acórdão Comissão/Alemanha  refere o TJ que, não obstante as isenções serem concedidas em benefício de actividades que prosseguem determinados objectivos, a maior parte das disposições igualmente define quem está autorizado a fornecer os serviços isentos. Pelo que não é correcto afirmar que os serviços são definidos por referência a critérios exclusivamente materiais ou funcionais.  Quanto a nós, a nossa norma só visa os serviços prestados por determinados operadores - e - prestados no exercício de determinadas (as suas respectivas) profissões, abrangidas pela norma. Como expressa e claramente ali previsto.

 

E que é relevante, e até determinante, este elemento da norma de isenção que nos ocupa - “no exercício de uma profissão” - se denota também na Jurisprudência do TJ se atentarmos, por ex., no Despacho no Caso Gabarel:  sem entrar em desenvolvimentos do caso, dali se retira que quando prestada por um profissional paramédico, isoladamente, uma prestação de serviços que, contudo, não se integra no exercício da profissão paramédica desse profissional, tal prestação de serviços não beneficia da isenção. Não é prestada no exercício da sua profissão paramédica, logo não cabe na previsão da norma, não obstante se estar perante uma prestação de serviços de um paramédico. O TJ começara por esclarecer que, cfr. jurisprudência assente, hão-de estar preenchidos, para a isenção ser aplicável, necessariamente, dois requisitos: (i) tratar-se de prestação de serviços de assistência e, (ii) efectuada no âmbito do exercício de actividades médicas e paramédicas conforme definidas pelo EM.

 

Acresce ao que vimos antes com referência ao conceito de sp, e nos termos do Art.º 10.º da DIVA, que “A condição de a actividade económica ser exercida de modo independente (...) exclui da tributação os assalariados e outras pessoas na medida em que se encontrem vinculados à entidade patronal por um contrato de trabalho ou por qualquer outra relação jurídica que estabeleça vínculos de subordinação (...).”

 

Ou seja, enquanto que a nutricionista nos autos qualifica seja como profissional paramédica no exercício dessa sua profissão (presta serviços de nutrição e está devidamente credenciada para o efeito pela respectiva Ordem Profissional), seja como sujeito passivo em IVA (exerce de modo independente uma profissão liberal)  - e assim beneficia da isenção do art.º 9.º, 1) - já o mesmo não sucederia caso estivesse a exercer a sua profissão de nutricionista enquanto trabalhadora por conta de outrem (como também permitido pelos Estatutos da O.N., supra). Ao abrigo não de um contrato de prestação de serviços mas sim de um contrato de trabalho, com a Requerente.

 

E é assim que o que vimos de ver não contradiz, é o entendimento deste Tribunal, a Jurisprudência do TJ plasmada no Acórdão Kügler .  Senão vejamos.

 

Desde logo, a pergunta a que o TJ ali é chamado a responder (no que aos presentes autos releva) é essencialmente a de saber se a isenção constante do Art.º 13.º, A, n.º 1, al. c) da Sexta Directiva  depende da forma jurídica do sp que fornece as prestações. Depois de expôr que a norma não requer, numa interpretação literal, que as prestações sejam fornecidas por um sp dotado de uma forma jurídica particular, e que é suficiente que se verifiquem duas condições - a saber, prestações médicas e fornecidas por pessoas que possuam as qualificações profissioais exigidas -, o TJ passa a explicar o racional desta sua interpretação. Nestes termos: não deixa de se dar cumprimento, assim, à interpretação estrita das normas de isenção, uma vez que isentar as referidas prestações quando elas sejam fornecidas por pessoas colectivas é conforme com o objectivo da redução do custo dos cuidados médicos, e com o princípio da neutralidade fiscal. E, aqui, explica: este princípio opõe-se “a que operadores económicos que efectuem as mesmas prestações sejam tratados diferentemente em matéria de cobrança do IVA”, pelo que o princípio não seria respeitado “se a possibilidade de invocar o benefício da isenção (…) estivesse dependente da forma jurídica sob a qual o sujeito passivo exerce a sua actividade.”   Daqui então extraindo a conclusão/resposta no sentido de que a isenção não depende da forma jurídica do sp que fornece as prestações médicas/paramédicas abrangidas.

 

Portanto, a fundamentar que o benefício da isenção não fique dependente da forma jurídica sob a qual o sp exerce, temos:

- Interpretação estrita e sua relação com os fins da isenção;

- Interpretação estrita e sua relação com o princípio da neutralidade: exigência de tratamento igual em IVA dos agentes económicos que efectuem as mesmas prestações e, assim, aplicabilidade da isenção também a sociedades.

 

Pois bem. Antes de mais, diga-se, a questão nos autos não se coloca da mesma forma, não resulta questionada a aplicabilidade da norma de isenção em função da forma jurídica do SP.

 

Assim, e como deixámos já exposto, a estarmos perante uma sociedade de profissionais (médicos e/ou paramédicos) - o que não sucede - a isenção não deixaria de se aplicar. Mas mais. Fosse a Requerente uma sociedade com a sua actividade devidamente enquadrada e prosseguida no âmbito da prestação de cuidados de saúde, uma pessoa colectiva que desenvolvesse actividade médica e/ou paramédica - o que, igualmente, não sucede - também a aplicabilidade da isenção não ficaria desde logo afastada. Desde que. Mais. As prestações de serviços no exercício das actividades médicas/paramédicas fossem qualificáveis como sendo por si prestadas. Prestadas no exercício das profissões em causa, por si, enquanto sp. O que sucederia, sim, se recaíssemos no âmbito do Art.º 10.º da DIVA (supra). Ou seja, se as prestações em causa (no exercício de uma profissão...) tivessem lugar no âmbito de uma relação jurídica de subordinação à Requerente. Por via da qual se torna a entidade patronal afinal também responsável pelas prestações.  É da natureza da personalidade colectiva, e sua decorrência, que as pessoas colectivas carecem de pessoas físicas para agir. “Carecem de um organismo físico-psíquico, só podendo agir por intermédio de certas pessoas físicas, cujos actos projectarão a sua eficácia na esfera jurídica do ente colectivo” . O que se coaduna, sem surpresa, com a não qualificação como sp em IVA de trabalhadores por conta de outrem. Como claramente o legislador comunitário plasmou na DIVA e ao que o nosso legislador interno não deixou de se ater, não obstante ter optado por não vertê-lo em norma expressa idêntica no CIVA, mas decorrendo também assim do art.º 2.º, n.º 1 al. a)  (CIVA) ao delimitar para efeitos do conceito de sp o exercício de actividades como o sendo “de um modo independente”.  E assim, neste quadro, se compreende que sairia prejudicado o princípio da neutralidade se se concedesse um tratamento em IVA distinto consoante uma prestação fosse exercida por uma pessoa singular de forma autóma, profissional liberal, ou, diferentemente, a mesma prestação (prestação idêntica) fosse exercida por uma pessoa singular ao abrigo de uma relação de trabalho subordinada com uma pessoa colectiva e assim, por esta via, por esta pessoa colectiva. Como sucedia no caso Kügler em que (como se retira das Conclusões do Advogado Geral no processo  e em conjugação com o Acórdão) se tratava de enfermeiros trabalhadores por conta da pessoa colectiva (pessoa colectiva que explorava um serviço de cuidados ambulatórios ao domicílio através de enfermeiros qualificados ). (Note-se como no Caso Dornier  a situação subjacente contém igualmente, como não poderia deixar de ser, este “detalhe”, aí sendo até de forma mais clara explicitada no Acórdão: “(...) prestados por uma fundação (…) através de psicoterapeutas empregados por esta (…)” ).

 

No nosso caso, porém, não se coloca sequer a possibilidade de tratamento discriminatório entre pessoa singular (nutricionista, a dos autos ou outro nutricionista no exercício da sua profissão) e pessoa colectiva (o Ginásio). Pelo que antecede. Não há situações comparáveis. Não há aqui como comparar uma prestação por uma nutricionista através de uma pessoa colectiva (via contrato de trabalho) com aquela que seria a de uma prestação por uma nutricionista independente. Para assim aferir do cumprimento do princípio da neutralidade.

 

Mais. Sempre se diga.

Por um lado, como melhor, ainda, se verá, a Requerente - pessoa colectiva (sp que invoca a aplicabilidade da isenção) - não fornece prestação de serviços idêntica àquela que uma pessoa singular - como a nutricionista nos autos - fornece; por outro, como já decorre do que antecede e como também melhor veremos, a pessoa colectiva nestes autos, simplesmente, não é sp na prestação de serviços abrangida pela norma de isenção do art.º 9.º, 1).

Na qualidade de sp a Requerente adquiriu serviços paramédicos.

Mas a Requerente, na qualidade de sp, não prestou serviços paramédicos (no exercício da profissão de nutricionista).

O que a Requerente prestou na qualidade de sp foi um serviço de disponibilização de um conjunto de serviços, entre os quais se incluíam serviços de nutrição (prestados pela nutricionista no exercício da sua profissão de nutricionista, ao abrigo do contrato de avença). Tudo cfr. factos provados.

E a possibilidade de os considerar como um único sp, ademais, sempre teria que passar, quanto a nós, pelo previsto no Art.º 11.º da DIVA  - procedimento de Portugal junto do Comité Consultivo (Comité do IVA) e, a ser aceite, possíveis medidas para evitar fraude ou evasão fiscais.

Por outro lado, uma interpretação estrita da isenção, no caso dos autos (e diferentemente do que sucedia no caso Kügler), não reclamaria que – em nome dos fins visados pela consagração da isenção – se reconhesse à pessoa colectiva em causa (Requerente) lhe fosse aplicável a isenção. Pois que, o objectivo da redução dos custos com os cuidados de saúde - redução para o consumidor final, de notar (redução de certos consumos finais) - não será melhor prosseguido dessa forma. Pelo contrário, como mais adiante melhor veremos também.

 

Ao a nutricionista aplicar a isenção já estão a ser prosseguidos os fins visados pela isenção. É essa a razão que justifica a aplicação da isenção em causa, pela nutricionista.

E, diga-se, já estão nesse momento a ser pagos os serviços de saúde que o consumidor final (os Clientes do Ginásio) vai (ou não) utilizar.

O que também é fácil de ver se se pensar que a nutricionista não vai certamente ser paga duas vezes pela mesma sua prestação de serviços.

Não há, neste contexto, ou noutro contexto como este, agentes económicos que efectuem as mesmas (idênticas) prestações. E não se prossegue melhor o fim visado pela isenção por se reconhecer à Requerente utilizá-la.

Como já terá ficado claro, a Requerente não estará, por essa via, a contribuir para a redução dos custos dos cuidados de saúde dos seus Clientes.

Estará - num sentido afinal inverso ao dos fins da isenção - a fazer os seus Clientes pagar mais pelos ditos serviços de saúde.

Como bem se compreende. Atentando na matéria de facto assente. Pensemos no número de horas prestadas pela nutricionista / o número de consultas que a mesma poderia assim no máximo ter prestado / o número de consultas pagas pelos Clientes do Ginásio. Nos períodos em causa nos autos. É forçoso concluir que os consumidores finais pagaram, por serviços de saúde que lhes foram disponibilizados, um preço consideravelmente superior àquele que lhes  seria devido pagar pelos serviços que, desses, efectivamente utilizaram. Se alguém utilizou, por hipótese, no ano de 2015, duas consultas, sendo que por elas pagou não o preço de duas, mas sim o preço de doze (que é o número de consultas que a Requerente lhe disponibilizou no ano), a isenção terá contribuído para a redução dos custos com cuidados de saúde? Contribuiu sequer para não os encarecer? Teve por consequência reduzir o preço pago pelos  consumidores finais com os serviços de saúde em causa?

Com base nos factos provados, e relembrando que a nutricionista recebia € 150,00 mensais correspondentes a 4h/semana, 16 horas/mês; que em 2015 recebeu, no total, € 2.370,00; temos que, prestou, no máximo (i.e., se todas as horas que lhe foram pagas tiverem sido efectivamente utilizadas sem excepção em prestação de consultas) 504 consultas. Assim: € 150,00/16h = € 9,38/h (preço hora pago pela Requerente à nutricionista pelas horas abrangidas no contrato de avença). € 2.370,00/ € 9,38 = 252 (horas pagas, se assumirmos que mesmo as horas pagas extra avença eram ao mesmo valor e não a um valor superior). 252x2 (cada hora duas consultas: meia hora duração de cada consulta) = 504.

A nutricionista, em 2015, prestou, no máximo, 504 consultas.

Os Clientes pagaram, em 2015, 11.260 consultas.

A terem sido prestadas 504 consultas (o que se vai admitir como hipótese ), foram pagas pelos Clientes (consumidores finais) 10.756 consultas não realizadas.

Fica ao nosso olhar claro que o fim prosseguido pela isenção não resultou assim melhor alcançado. Pelos consumos finais (portanto, efectivos) daqueles serviços foram necessariamente pagos montantes consideravelmente mais elevados do que os que teriam sido normalmente devidos. Mais uma vez, se alguém utilizou seja duas, seja uma, seja cinco, seja até nenhuma, ou seja, em qualquer caso, consultas em menor número do que as que pagou, então pagou mais do que – em circunstâncias normais – teria pago para usufruir dos consumos finais que realizou.

E, assim, no caso, não há - por todas as razões que vimos - elementos a justificar uma interpretação que não a interpretação estrita da norma de isenção, a qual eventualmente se flexibilizaria – cfr. Jurisprudência do TJ em matéria de isenções na saúde - em certa medida a fim de dar por essa via cumprimento aos fins visados pela isenção.

 

Acresce, ainda se diga, que no caso também não vemos verificar-se a - igualmente exigida pelo TJ na interpretação desta norma  – relação de confiança prestador/paciente. Que quanto a nós é algo que não se coaduna com a absoluta impossibilidade de escolha do prestador: o prestador daqueles serviços é, no caso, escolha totalmente alheia aos Clientes do Ginásio. Havendo, como se viu, uma profissional nutricionista apenas.

 

E acresce por fim, e a concluir a nossa apreciação na devida interpretação estrita da norma, que estando nós perante uma isenção incompleta é desde logo acrescida a delicadeza em proceder a uma interpretação que não estrita, tendo em vista a distorção que lhe é inerente (não dedutibilidade dos custos a montante) e que provoca no funcionamento do imposto.

 

Temos, pois, que responder à primeira subquestão

a) - Reveste a isenção constante do art.º 9.º, 1) do CIVA uma natureza exclusivamente objectiva?

Não. Não reveste uma natureza exclusivamente objectiva no sentido em que não é bastante considerar (apenas) os requisitos de se tratar de prestações paramédicas fornecidas por pessoas qualificadas. Primeiro, porque estas prestações têm que ser efectuadas no exercício daquelas profissões. O elemento dinâmico da norma, que é também um elemento subjectivo, do “exercício” de uma determinada profissão na saúde, é aqui de relevo, pelo que deixámos exposto. Depois, e em conexão, porque o exercício de uma profissão, médica ou paramédica, só pode ser feito por pessoas singulares. E estas só actuam através de pessoas colectivas quando com as mesmas tenham um vínculo de subordinação no âmbito do qual exercem essas suas profissões. Actuando de forma independente são elas o sujeito passivo visado na norma de isenção.

 

E não só nada levaria a, no caso, se dever afastar/flexibilizar a interpretação estrita da norma, pelas razões que vimos, como o próprio sistema de funcionamento do imposto, tal como configurado na DIVA, Sistema Comum do IVA, pelo que também vimos, não se compatibiliza, a nosso ver, com outra solução .

 

Por isto, e por tudo o que vimos, devidamente interpretada a norma teremos que responder à questão decidenda

- A prestação de serviços da Requerente aos seus Clientes, na parte referente a serviços de nutrição/aconselhamento nutricional, deve ou não beneficiar da isenção do art.º 9.º, 1) do CIVA?

Não. Não deve beneficiar da isenção.

 

*

Mas sempre se diga.

Ainda que assim não fosse, i.e., ainda que se entendesse (ao contrário do entendimento deste Tribunal, que é o que ficou exposto) que a devida interpretação estrita da nossa norma, como acabámos de fazer, não era de molde a concluir pela não aplicabilidade da isenção no caso.

Conjecturemos, ainda que brevemente, a hipótese da prestação de serviços da Requerente aos seus Clientes, no que a nutrição diz respeito, recair na previsão da nossa norma. (Ficcionemos pois que a Requerente é o sp da prestação de serviços no exercício da profissão paramédica, e assumindo que os demais requisitos para a aplicação da isenção, vistos, estariam reunidos).

Cairíamos depois na impossibilidade da sua aplicação por se estar perante uma prestação acessória de uma principal, a qual não beneficia da isenção e, assim, por força do Princípio de que o acessório segue o principal, à mesma não seria aplicável a isenção?

 

Estamos na segunda subquestão

b) - Reveste a prestação de serviços da Requerente aos Clientes, no que a nutricionismo se refere, autonomia em face da sua prestação de serviços aos Clientes no que à actividade de ginásio - fitness, se refere?

Vejamos.

 

Tudo passará afinal aqui por apreender qual é a “operação a título oneroso” que é realizada entre a Requerente e os consumidores finais. I.e., qual é, em que consiste, a prestação de serviços do Ginásio aos seus Clientes.

 

Nas apreciações a respeito de operações únicas complexas/operações independentes é comum tomar como ponto de partida o Art.º 2.º, n.º 1, al. c) da DIVA, que dispõe que estão sujeitas a IVA “as prestações de serviços efectuadas a título oneroso no território de um Estado-Membro por um sujeito passivo agindo nessa qualidade”. Refere-se mais habitualmente que deste artigo faz o TJ decorrer que cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente. E indica-se a propósito, em especial, o Acórdão do TJ no Caso CPP. 

 

Deve notar-se, porém, que o que se lê no dito Acórdão a este respeito é, em rigor, que deste artigo decorre uma dupla circunstância, assim : “(...) tendo em conta a dupla circunstância de que decorre do artigo 2.º, n.º 1, da Sexta Directiva que cada prestação de serviços deve normalmente ser considerada distinta e independente e de que a prestação constituída por um único serviço no plano económico não deve ser artificialmente decomposta para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA”. E continua o TJ, assim : “importa procurar encontrar os elementos característicos da operação em causa para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor - aqui entendido como consumidor médio – diversas prestações principais distintas ou uma prestação única”.

 

Como o TJ ali expõe, estar-se-á perante uma prestação única quando um ou vários elementos devam ser considerados a prestação principal, ao mesmo tempo que outro ou outros, diversamente, devam ser considerados prestações acessórias. Sendo que, se assim for, estes últimos partilharão do tratamento fiscal da prestação principal.

 

E continua o TJ assim: “Uma prestação deve ser considerada acessória em relação a uma prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si, mas um meio de beneficiar nas melhores condições do serviço principal do prestador” .

 

Na sequência do que faz também o TJ notar que não deve ter-se nesta apreciação por decisivo o facto de ser facturado um preço único, mesmo que tal possa constituir “um elemento importante a favor da existência de uma prestação única” . Explica o Tribunal que mesmo num tal caso, de ser facturado um único preço, pode chegar-se à conclusão de que não se está perante uma prestação única. Como sucederá se decorrer das circunstâncias que os clientes pretendem adquirir duas prestações distintas. Assim como, por outro lado, no Acórdão Levob e OV Bank  explica que “A circunstância (…) de terem sido contratualmente previstos preços distintos (…) não é por si só determinante.”  A separação de preços não permite afastar a relação objectiva estreita entre as prestações, nem a sua integração numa operação económica única. E não poderemos deixar de referir também o decidido pelo TJ no Acórdão Stadion Amsterdam,  onde selou, entre o mais, a interpretação de que uma prestação composta por dois elementos - mesmo que prestados em separado - deverá ser tratada como uma operação única, com o tratamento correspondente ao do elemento principal, ainda que sendo possível identificar o preço de cada um dos elementos que integram o preço total.

 

No Caso Gabarel , como noutros , o TJ refere também que se deve considerar que existe uma prestação única “quando dois ou mais elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo ao cliente estejam tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição teria carácter artificial”. 

 

E no Acórdão Part Service  que “Todavia, em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes” .

 

Ao longo de toda a jurisprudência do TJ neste tema, mesmo mais recente, é constante uma primacial referência: é devida a apreciação das circunstâncias do caso para se poder concluir se se está perante uma ou a outra das situações. Como se refere no Acórdão Talacre “(...) não existe um regra absoluta quanto à determinação do alcance de uma prestação do ponto de vista do IVA e, por conseguinte, para determinar o alcance de uma prestação, há que tomar em consideração todas as circunstâncias, (...).”  E essa apreciação cabe ao julgador do EM que tenha o caso para decisão. “É ao órgão jurisdicional nacional que compete apreciar se os elementos que lhe são submetidos caracterizam a existência de uma operação única, independentemente da sua articulação contratual.”

 

Na linha desta relativização, para a apreciação em causa, daquilo que conste dos contratos, refira-se ainda, o TJ vem apelando aos conceitos de realidade económica e comercial/ perspectiva económica . A apreciar do ponto de vista do consumidor médio.

 

Atentemos então nas circunstâncias do nosso caso. Como segue.

 

- Aos Clientes não é dada qualquer liberdade de escolha quanto ao prestador dos serviços de nutrição; não há alternativa de profissional caso não se sintam satisfeitos;

- Em 2015 não havia modalidades de adesão com fidelização (anual/bianual) sem nutrição;

- Nas adesões mensais (adesões sem fidelização), ano de 2015, a Requerente ofereceu/disponibilizou duas possibilidades: com nutrição e sem nutrição, com preço mais baixo na primeira (que assim incluía os dois serviços);

- Quando comparados os preços (ano 2015) facturados nos contratos (de fidelização) bianuais versus anuais conclui-se que as diferenças dos valores cobrados do contrato de 24 para o de 12 meses é maior (aumenta mais) na componente nutrição (que é sempre 1 consulta/mês) do que na componente ginásio (que é de utilização em horário livre/mês);

- Nos contratos (de fidelização) off-peak (ano 2015) bianuais o valor base cobrado na componente nutrição foi mais elevado que o cobrado na componente ginásio (€ 14,36/€ 12,64, respectivamente); e nos off-peak anuais o valor base nutrição foi € 16,21 e ginásio € 19,75;

- Também ao tempo da inspecção (2018) a Requerente oferecia as opções com nutrição a preços  consideravelmente mais baixos do que quando não incluída a nutrição;

- Em 2015 a nutricionista prestou um número total de horas que não permitiu a realização de mais do que 504 consultas no ano, e nesse ano a Requerente facturou 11.260 consultas; assim, o serviço facturado pela Requerente (e pago pelos consumidores) não foi utilizado em pelo menos em 10.756 dos casos, confirmando também a realidade comercial/económica de se tratar de um serviço que é de mera disponibilização de um outro serviço;

- A contratação dos serviços entre o Cliente e o Ginásio obriga à subscrição de um contrato de adesão e os serviços de nutrição apenas têm lugar no âmbito da vigência desse contrato, e são pagos na mensalidade, que é única, paga numa regularidade que é mensal, portanto, tudo pois num único momento e pagamento, independentemente de os serviços (seja de utilização de ginásio seja de nutrição) serem ou não utilizados;

-  A mensalidade é devida pelo valor total independentemente da utilização efectiva ou não dos serviços, da mesma maneira para os serviços de utilização de ginásio e para os serviços de nutrição; o que também significa que não é possível aos Clientes, quando não utilizem os serviços de nutrição, deixar de pagar por esses serviços; como também significa que o não pagamento desses serviços constituiria incumprimento do contrato de adesão;

- Em 2015, na facturação dos contratos com fidelização, bem como na dos sem fidelização (“adesão mensal”) com nutrição, a Requerente discrimina os serviços de ginásio e os serviços de nutrição;

- A Requerente factura os serviços de nutrição directamente aos Clientes e os mesmos são prestados por profissional independente (que, assim, poderia facturar directamente aos Clientes do Ginásio os custos do serviço, ou o Ginásio podia simplesmente redebitá-los aos Clientes);

- A Requerente disponibiliza também serviços de treino personalizado aos Clientes e não os inclui na facturação das mensalidades das opções de adesão contratadas com os Clientes;

-  Do clausulado do contrato nada consta quanto a serviços de nutrição; no verso há um local de preenchimento manual ref. (apenas) à primeira prestação a pagar, onde se lê “1.ª prestação: __ € ” e, por baixo:“(inclui avaliação física + consulta nutrição)”;

-  Os Clientes inscrevem-se no ginásio E... essencialmente por pretenderem um sítio para praticar exercício físico;

-  Em 2015, 93,7% dos Clientes pagavam os serviços do ginásio com nutrição incluída;

-  A Requerente disponibiliza os serviços de nutrição aos Clientes a fim de lhes facultar melhor atingir os objectivos que têm ao frequentar o ginásio, para promover uma maior satisfação dos Clientes, um melhor serviço, resultante da união entre nutrição, exercício físico, saúde e bem estar, e os serviços de nutrição e de treino personalizado dão sentido ao serviço ginásio - fitness;

- Havia um trabalho de coordenação entre preparador físico e nutricionista no trabalho da nutricionista com os Clientes.

*

Posto isto.

Como decorre do que havíamos percorrido, “em determinadas circunstâncias, várias prestações formalmente distintas, susceptíveis de serem realizadas separadamente e de dar, assim lugar, em cada caso, a tributação ou a isenção, devem ser consideradas como uma operação única quando não sejam independentes”.

 

É o caso, nos nossos autos.

De tudo o que antecede, fica claro que - não obstante os serviços de ginásio e os serviços de nutrição serem realidades que, em abstracto, podem existir autonomamente (autonomizáveis, portanto, em abstracto) - percorridas todas as circunstâncias do nosso caso, há que concluir, os dois estão interligados, sendo indissociáveis, e os serviços de ginásio são os que assumem - aos olhos do consumidor médio, típico (e até mesmo da própria Requerente, como se viu) - o papel principal. É essa a prestação principal, aquela que leva os Clientes a aderir ao ginásio, a se fazerem “sócios” do mesmo. E a prestação de serviços de nutrição existe, no quadro das circunstâncias do nosso caso, como meio de permitir aos Clientes melhor alcançar os resultados que visam ao aderir ao serviço principal, de exercício físico.

Aos olhos do consumidor médio, é essa a possível mais valia dos serviços de nutrição que lhe são disponibilizados. O consumidor médio não adere ao Ginásio (via contrato de adesão) para assim poder utilizar serviços de nutrição. Adere para praticar exercício físico. E, nessa adesão, são-lhe disponibilizados vários serviços, nos quais se incluem também serviços de nutrição que se ele quiser utilizar utiliza. Mas que em nada afectam desde logo o valor mensal que se obriga a pagar ao Ginásio para praticar exercício físico (no sentido em que, aos olhos do Cliente - consumidor, não paga mais por isso). Note-se como caso o Cliente não utilize os serviços de nutrição continua, sempre, a pagar o mesmo ao fim do mês. E note-se, também, como a utilização efectiva dos serviços de nutrição, não obstante a percentagem de Clientes (“sócios”) do Ginásio que os paga ser de 93,7%, é tão baixa  (como vimos).

Como se não bastasse, ninguém contratou serviços de nutrição que não contidos no valor de uma mensalidade de ginásio, e ninguém (dos Clientes) escolheu a nutricionista (não era possível).

Nos períodos em causa nos autos não foram prestados serviços com fidelização sem nutrição.

O próprio facto de os serviços em causa, do Ginásio, serem apenas de disponibilização de serviços (de nutrição), e os Clientes pouco (nas proporções vistas) os utilizarem, aponta no sentido de confirmar o que se concluiu. A relativa irrelevância dos serviços de nutrição para os Clientes (consumidores finais). O não ser essa uma prestação independente. O ser a prestação de serviços de ginásio a principal.

A própria escolha que é feita pelos Clientes - escolha racional pelos serviços de preço mais baixo quando a opção com/sem nutrição existe – conduzir (em consequência da forma como são organizados os “pacotes” pela Requerente) a que estejam a ser-lhes facturados (e disponibilizados) serviços de nutrição é conforme com tudo o mais que se apura. Uma operação que é vista pelos Clientes como uma  única.

 

A nutrição, para os Clientes, na perspectiva destes, era um serviço que poderiam utilizar com vista a, conjugando-o com o exercício físico, melhor beneficiar dos objectivos que este lhes permite alcançar. De boa forma, boa condição física, bem estar. Fitness, pois.

Desde logo na perspectiva do próprio Cliente, este contratava com o Ginásio um serviço, pelo qual pagava um determinado valor. Que até lhe era mais vantajoso por conter dentro dele, entre outros serviços possíveis (como o de disponibilização de toalhas), a disponibilização de um serviço de nutrição.

 

Aos olhos do consumidor médio era pois de uma prestação acessória à principal, aquilo de que se tratava. A nutrição. Esta não constitui para os Clientes, no caso, um fim em si mesmo. O que aliás é também coerente, não deixa de se notar, com o contexto em que é disponibilizada: nutrição em ambiente ginásio, nutrição no desporto.

 

Está aqui em causa pois uma prestação constituída por um único serviço no plano económico, que - cfr. Acórdão do TJ CPP e tantos outros  - não deve ser artificialmente decomposta. Sob pena de alterar a funcionalidade do sistema do IVA.

 

E isto, independentemente do que consta do contrato - que já se viu também, indicia no sentido da não relevância (e assim não autonomia) da nutrição (não será por constar em letra quase ilegível no verso do clausulado que na 1.ª prestação a pagar se inclui consulta de nutrição que o que dizemos fica prejudicado) -, e independentemente de na facturação a Requerente indicar um valor separado para cada um dos dois items - que poderia indiciar serem prestações autónomas. Mas que não sendo critério determinante  (cfr. Jurisprudência do TJ supra), e perante as circunstâncias do caso, não se confirma, infirma. O que se vem de concluir decorre sim da apreciação criteriosa de todas as circunstâncias que se verificam no caso dos nossos autos. Como o TJ manda fazer-se: “tomar em consideração todas as circunstâncias em que se desenvolve a operação em questão, para determinar se essa operação dá lugar, para efeitos de IVA, a duas ou mais prestações distintas ou a uma prestação única.”; “procurar os elementos característicos da operação em causa, para determinar se o sujeito passivo fornece ao consumidor, entendido como um consumidor médio, diversas prestações principais distintas ou uma prestação única.”

As características, analisadas, na situação dos nossos autos, que nos permitiram apreender a natureza e o âmbito da operação, revelam uma realidade económica e comercial que é a de uma operação, muito embora contendo vários elementos. Uma operação económica complexa. Indivisível do ponto de vista do consumidor médio, do consumidor típico. Pelo que seria artificial decompô-la, no sentido em que só de uma forma sem correspondência na realidade poderia ser decomposta. Decomposição que resultaria em prejuízo da funcionalidade do sistema do IVA.

 

Assim, e tendo em conta que é Jurisprudência assente do TJ que nestes casos - de haver uma operação complexa única, na qual coexiste uma prestação principal (ou mais) e uma prestação  acessória (ou mais) - o regime da acessória em IVA segue o da principal - accessorium sequitur principale  - temos que a prestação de serviços da Requerente, no que aos serviços de nutrição respeita, não beneficia da isenção, pois que deve seguir o regime da prestação principal, sujeita a IVA à taxa normal.

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Por fim, e já a concluir, diga-se ainda que, parece-nos, a própria mera disponibilização do serviço nos nossos autos não nos parece conviver bem com a finalidade da isenção consagrada pelo legislador no âmbito do art.º 9.º, 1). Com efeito, ao meramente disponibilizar-se o serviço, multiplicando-se as vezes em que o mesmo é cobrado (por ser meramente disponibilizado), na prática na grande maioria dos casos não sendo utilizado, parece-nos de certa forma, desde logo, a prestação mais orientada para fins financeiros, do que para fins de cuidados de saúde. Que são aqueles com vista à redução de cujos custos a norma de isenção existe. 

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Em suma, seja por que perspectiva for, não se alcançaria a verificação da condição de a funcionalidade do sistema do IVA permanecer inalterada se se admitisse fazer a decomposição da operação, nos nossos autos.

 

E neste contexto, também, o mesmo quanto ao princípio da neutralidade. Princípio que visa também evitar a dupla tributação e, dir-se-à, a dupla não tributação. Sendo que, no caso, o que resulta é, afinal, a aplicação de uma isenção duas vezes, supostamente sobre um mesmo serviço. O que já de si o princípio afastaria. Mas sendo que, no final, o serviço não é o mesmo, é sim um serviço (o do Ginásio) de disponibilização de serviços (de nutrição). Acrescentando portanto aí o Ginásio um valor à operação, valor que o IVA tende a tributar, e que, assim, deixa de ser tributado. Não enquadramento na funcionalidade do sistema do IVA (que resultaria da decomposição, artificial).

Ou, se visto por outro prisma, aquilo que o sistema comum do IVA sobretudo visa, que é a neutralidade na tributação do consumo – aqui na perspectiva dos operadores económicos - no sentido de a carga fiscal ser neutra e não influenciar as decisões dos agentes económicos, não os levando assim a deixar de recorrer a serviços externos para evitarem ficar prejudicados com carga tributária, é aqui subvertido, fazendo-se uso de uma isenção, recorrendo a serviços externos, e através dela moldando a base tributável do sp. O que, mais uma vez, não é conforme ao sistema, seus princípios e razão de ser, objectivo da cobrança uniforme das receitas nos EM incluído .

Em cumprimento, pois, seja da interpretação estrita das isenções em IVA e do aí também implicado devido enquadramento do conceito de sujeito passivo, seja do princípio da neutralidade bem como dos demais princípios a ter em conta, como desde logo o da prevalência da substância sobre a forma, e sem que para decidir nos autos nos seja necessário entrar em maiores desenvolvimentos quanto ao mais que pudesse conjecturar-se aqui implicado, antecipa-se a decisão. A isenção não era aplicável. Também porque de uma prestação acessória contida numa operação única complexa se trata.

 

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Antes de concluir, ainda, duas notas.

Uma, para referir que o que antecede não se opõe ao Douto Parecer da Sra. Professora Doutora Clotilde Celorico Palma, junto aos autos pela Requerente. Com efeito, o que aí se conclui é que tudo depende, sempre, das circunstâncias de cada caso, e que determinados elementos, a estarem reunidos, serão indícios da existência de prestações autónomas e independentes. No nosso caso, porém, dos indícios ali identificados nenhum vem a confirmar-se ser demonstrativo da autonomia da prestação de serviços de nutrição. Até mesmo o da existência de instalações adequadas que, como resulta provado, nos autos, são de muito parca exigência e até, a nosso ver, se confundem (no sentido em que podem coincidir) com as instalações utilizadas pelos PTs nas avaliações que fazem – desde logo a balança de bioimpedância, que é utilizada para os mesmos fins em ambas as situações, como se conhece.

Outra, para dar nota de que, em nosso entender, e sempre com todo o devido respeito por opinião divergente, o art.º 8.º , n.º 3 do Código Civil não pretende determinar-nos a decidir no mesmo sentido em que se vem formando Jurisprudência Arbitral em matéria também aqui apreciada e que não acompanhamos. E fazemos a referência por em alguma da mesma Jurisprudência se fazer menção à norma. Desde logo, vemos a norma como a interpretar no contexto dos demais números do artigo. Acompanhamos Pires de Lima e Antunes Varela  ao comentar o referido n.º 3: “A doutrina do n.º 3 é, pode dizer-se, complementar da do número anterior. É precisamente contra a equidade (justiça do caso concreto em desacordo com a justiça do princípio geral) que o legislador reage, procurando evitar desacordos na aplicação das leis.” O que se não coloca. E, além disso, e sem necessidade de maiores desenvolvimentos, entendemos que a norma deve ser interpretada sistematicamente, no nosso Ordenamento Jurídico, que consagra a independência dos Tribunais, que estão sujeitos à lei e ao Direito, “cumprindo, nos termos da lei, as decisões dos tribunais superiores” .

*

Ficou prejudicado o conhecimento do pedido subsidiário da Requerida de reenvio prejudicial (v. art.º 130.º do CPC).

Sendo que este Tribunal entende que estavam já disponíveis, pela Jurisprudência do TJUE, os elementos de interpretação do Direito Comunitário bastantes para a decisão nestes autos.

 

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Havíamos antecipado já mais atrás a nossa decisão, quando concluímos que, pela devida interpretação estrita das normas de isenção em IVA, a norma do art.º 9.º, 1) do CIVA não tem aplicação à prestação de serviços da Requerente no que se refere a nutrição.

Caso não tivessemos entendido daquela forma, teríamos chegado também à mesma resposta à questão decidenda, por via da apreciação de todas as circunstâncias do caso, que nos conduziria, como conduziu, à conclusão de que estamos perante uma operação única composta por vários elementos, de tal forma estreitamente ligados que uma sua decomposição, que seria artificial, prejudicaria a funcionalidade do sistema do IVA.

 

4. Reembolso das quantias pagas e juros indemnizatórios

 

Decorre do que antecede que não se verificam os vícios imputados pela Requerente às Liquidações que colocou em crise. Não há que as anular, pelo que não houve pagamento indevido.

Assim, não se encontram reunidos os pressupostos de procedência seja do pedido de reembolso de quantias pagas, seja do pedido de juros indemnizatórios (v. art.ºs 43.º, n.º 1 da LGT e 99.º do CIVA), que improcedem.

 

5. Decisão

 

Termos em que decide este Tribunal Arbitral julgar totalmente improcedente o PPA, e assim:

a)            Absolver a Requerida do pedido de anulação das liquidações em IVA referentes aos períodos de 201503T a 201512T (inclusive), imposto e juros compensatórios, melhor identificadas nos autos;

b)           Absolver a Requerida do pedido de devolução das quantias pagas e do pedido de juros indemnizatórios.

 

6. Valor do processo

Nos termos conjugados do disposto nos art.ºs 3.º, n.º 2 do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT, e 306.º, n.º 2 do CPC, fixa-se o valor do processo em € 40.552,07.

 

7. Custas

Conforme disposto no art.º 22.º, n.º 4 do RJAT, no art.º 4.º, n.º 4 do Regulamento já referido e na Tabela I a este anexa, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00, a cargo da Requerente.

 

Lisboa, 29 de Maio de 2020

 

O Árbitro

(Sofia Ricardo Borges)