DECISÃO ARBITRAL
1 - Relatório
1.1 – A..., contribuinte n.º ..., residente na ..., n.º..., ..., ..., ..., São Paulo, Brasil, doravante designado por «Requerente», representado em Portugal por B..., contribuinte n.º..., vem, ao abrigo dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária), doravante apenas designado por «RJAT» e artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, requerer a constituição de tribunal arbitral singular, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante “Requerida” ou “AT”).
1.2 - O pedido de pronúncia arbitral, apresentado em 4 de outubro de 2019, tem por objeto os atos de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e de outras nove, proferidos pelo Chefe do Serviço de Finanças de ..., em 2 de julho de 2019, bem como a liquidação do imposto do selo n.º 2018..., efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira em 1 de outubro de 2018, no montante de 2 156,68€ (dois mil, cento e cinquenta e seis euros e sessenta oito cêntimos), com data limite de pagamento em 12 de novembro de 2018.
1.3 – Com o pedido de pronúncia arbitral, o Requerente juntou dez documentos, além da procuração forense e do documento comprovativo do pagamento da taxa arbitral inicial.
1.4 - O Requerente optou por não designar árbitro.
1.5 - O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à AT em 14 de outubro de 2019.
1.6 - O signatário foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD como árbitro do tribunal arbitral singular, nos termos do disposto no artigo 6.º do RJAT, e comunicada a aceitação do encargo no prazo aplicável.
1.7 – Em 27 de novembro de 2020, as Partes foram notificadas dessa designação, não se tendo oposto à mesma, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
1.8 - Assim, em conformidade com o preceituado no artigo 11.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, o tribunal arbitral singular ficou constituído em 30 de dezembro de 2019.
1.9 - A AT foi notificada, por despacho arbitral da mesma data, nos termos do artigo 17.º, n.º 1 do RJAT, para, no prazo de 30 dias, apresentar Resposta, querendo, e solicitar a produção de prova adicional.
1.10 - Mais foi notificada para, no mesmo prazo, apresentar o processo administrativo (P.A.) referido no artigo 111.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).
1.11 – Em 30 de janeiro de 2020 a Requerida, nos termos do n.º 2 do artigo 19.º do RJAT e n.º 5 do artigo 569.º do Código de Processo Civil (CPC), veio aos autos requerer a prorrogação do prazo para apresentação da Resposta e junção do P.A., por um período não inferior a 15 dias, de forma a poder exercer eficazmente o seu direito de defesa.
1.12 – Por despacho da mesma data foi deferida a pretensão da Requerida, sendo fixado o prazo de 20 dias.
1.13 – Em 18 de fevereiro de 2020, a Requerida apresentou a sua Resposta, defendendo-se por impugnação, pugnando pela improcedência, por não provada, do pedido de pronúncia arbitral, mantendo-se na ordem jurídica os atos de indeferimento das reclamações graciosas instauradas bem como a liquidação do imposto do selo, com a consequente absolvição do pedido.
1.14 – Na mesma data juntou o Processo Administrativo composto por dez documentos.
1.15 - Considerando que as Partes não requereram a produção de qualquer prova, para além da documental junta ao processo, o Tribunal Arbitral, face aos princípios da autonomia na condução do processo, da celeridade, da simplificação e informalidades processuais, ínsitos nos artigos 16.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, por despacho de 19 de fevereiro de 2020, dispensou a realização da reunião prevista no artigo 18.º do mesmo diploma, tendo ainda decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas, simultâneas, a apresentar pelas Partes, querendo, no prazo de 20 dias.
1.16 - Pelo mesmo despacho foi determinado que a decisão arbitral seria proferida até ao termo do prazo a que alude o artigo 21.º/1 do RJAT, devendo até essa data a Requerente efetuar o pagamento da taxa de arbitragem subsequente, cfr. n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
1.17 – Em 11 de março de 2020 o Requerente apresentou as suas alegações, concluindo pela ilegalidade dos atos de indeferimento das reclamações graciosas instauradas bem como da liquidação do imposto do selo, e pugnando pela anulação de tais atos com a consequente restituição do montante indevidamente pago, de modo a se proceder à imediata e plena reconstituição da legalidade. Na mesma data juntou o comprovativo da taxa arbitral subsequente.
1.18 – Alegações que a Requerida também apresentou, em 16 de março de 2020, pugnando pela improcedência do pedido de pronúncia arbitral, com a manutenção na ordem jurídica dos atos tributários impugnados e a consequente absolvição do pedido.
Posição das Partes
Do Requerente -
Sustenta o seu pedido de pronúncia arbitral, sinteticamente, da seguinte forma:
Que o ato de liquidação do imposto do selo bem como as decisões proferidas nos processos de reclamação graciosa não se mostram devidamente fundamentadas, pelo que deverão ser anuladas por vício de falta de fundamentação;
Que nem o Requerente, nem nenhum dos herdeiros recebeu bens de valor superior à sua quota-parte na herança. Nem se vê como isso poderia suceder, havendo apenas três herdeiros e tendo todos recebido o mesmo, quer em termos de valor, quer em termos de bens.
Não tendo existido um excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilhas, a tributação imposta pela liquidação em causa afigura-se ilegal.
Termina pugnando pela procedência do pedido de pronúncia arbitral, com a consequente anulação da liquidação do imposto do selo e dos atos de indeferimento das reclamações graciosas, com a consequente restituição do valor indevidamente pago.
Da Requerida -
Defendendo-se por impugnação, invoca os seguintes argumentos:
Que foram à partilha todos os bens, sendo que para a quota ideal só concorrem os bens imóveis;
No que respeita à liquidação controvertida, o excesso em bens imóveis apurado, resulta da consideração de uma quota de 1/2 para o cônjuge sobrevivo e de quotas de 1/6 para os herdeiros.
Partindo dessa premissa, uma vez que a atribuição dos imóveis na partilha se fez unicamente a favor dos filhos na proporção de 1/3 para cada, apurou-se um excesso correspondente a metade, ou seja a 1/6.
A partilha de bens imóveis gerará imposto, na medida em que uma das partes fique com bens em valor superior ao da respetiva quota-parte na totalidade dos imóveis objeto da partilha.
Relativamente à alegada falta de fundamentação da liquidação de IS impugnada, o Requerente não tem razão nos argumentos invocados, desde logo, porque dos documentos juntos aos autos, se verifica que a liquidação em causa cumpre todos os requisitos, nomeadamente contém as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, conforme estabelece o artigo 77º da LGT.
Acresce, que se considera que o ato está devidamente fundamentado sempre que o destinatário do ato revele ter compreendido os seus fundamentos.
Do teor da petição inicial ficou devidamente comprovado que o Requerente compreendeu todas as razões que fundamentaram o ato visado, não tendo demonstrado qualquer incompreensão quanto aos fundamentos da liquidação impugnada.
Face ao exposto resulta que o ato impugnado não padece de qualquer vício tendo procedido a uma correta e adequada interpretação da lei, improcedendo a pretensão do Requerente.
2. Saneamento
2.1 - As Partes têm personalidade e capacidades judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
2.2 - O processo não enferma de nulidades, o pedido foi tempestivamente apresentado e não foram invocadas outras exceções além da já referida caducidade do direito de ação.
2.3 - O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, cfr. artigo 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
2.4 - Não se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
3. Matéria de Facto
3.1 Factos provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas, dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
a) Em 13 de outubro de 2017, em ..., distrito de ..., São Paulo, Brasil, faleceu C..., natural da freguesia de ..., concelho de Ansião, Portugal, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, no estado de casado com D..., sob o regime da comunhão de adquiridos, com última residência habitual em ..., São Paulo, Brasil, cfr. escritura de habilitação de herdeiros realizada em 30-01-2018, no Cartório Notarial de, sito na Rua ..., n.º..., em Lisboa, e que constitui o documento n.º 7 E... junto ao ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
b) Em virtude de o falecido, no momento do óbito, ter a residência habitual no Brasil, sucederam-lhe como seus únicos herdeiros legítimos, segundo o artigo 1829.º-I do Código Civil Brasileiro, aplicável por força do disposto nos artigos 20.º, 21.º e 23.º do Regulamento (EU) número 650/12 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, os seguintes três filhos do casal: O Requerente, natural de ..., Brasil, casado no regime da comunhão de adquiridos com F..., residentes na Avenida ..., n.º..., ..., ..., ..., Brasil; G..., natural de ..., Brasil, divorciada, residente na Avenida ..., n.º ..., ..., ..., ..., São Paulo, Brasil; e H..., natural de ..., Brasil, casado no regime da comunhão de adquiridos com I..., residentes na Rua ..., n.º..., ..., ..., ..., São Paulo, Brasil, cfr. escritura de habilitação de herdeiros antes referida;
c) A viúva D..., natural da freguesia de ..., concelho de Ansião, Portugal, apenas seria herdeira do de cujus quanto aos bens próprios pelo mesmo deixados, se existentes, cfr. escritura de habilitação de herdeiros antes referida;
d) O referido casal contraiu matrimónio em 28 de março de 1971, em ..., Portugal, sob o regime da comunhão de adquiridos, pelo que ao casamento e ao regime de bens, foi aplicada a lei nacional comum, ou seja, a lei portuguesa, por força do disposto nos artigos 52.º e 53.º do Código Civil Português (C.C.), uma vez que ambos tinham a nacionalidade portuguesa, cfr. documento particular autenticado de Partilha da Meação e da Herança, outorgado em 18 de julho de 2018 perante J..., solicitador, com escritório na Rua ..., n.º..., ...º, em Lisboa, e que constitui o documento n.º 8 junto ao ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
e) Os bens do de cujus são bens comuns do casal, uma vez que foram adquiridos por ambos os cônjuges na constância do matrimónio, como dispõe a alínea b) do artigo 1724.º do C.C., cfr. documento particular autenticado antes referido;
f) Pela dissolução do casamento por morte do C..., a viúva D... é titular do direito à meação no património comum do casal, correspondente a metade no ativo e no passivo da comunhão, nos termos do n.º 1 dos artigos 1689.º e 1730.º do mesmo código, cfr. documento particular autenticado antes referido;
g) A comunhão conjugal a partilhar (casal) compõe-se dos bens e direitos descritos nas seguintes verbas, representado pelo quadro que segue, cfr. documento particular autenticado antes referido:
Verbas
Natureza dos bens ou direitos Valor patrimonial tributário (€) Valor atribuído (€)
1 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da união de freguesias de ... e ..., Cascais, sob o artigo ...-P 230 310,00 850 000,00
2 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 14 212,75 80 000,00
3 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 14 212,75 80 000,00
4 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 14 212,75 80 000,00
5 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 15 398,85 90 000,00
6 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 14 212,75 80 000,00
7 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 48,98 15 000,00
8 Prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 78 200,00 300 000,00
9 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 30,80 12 500,00
10 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 2,71 30 000,00
11 Quota na sociedade K..., Ld.ª – NIPC ... - 3 500,00
12 Veículo automóvel da marca ..., com a matrícula n.º ... - 13 850,00
13 Veículo automóvel da marca ..., com a matrícula n.º ... - 12 100,00
14 Veículo automóvel da marca ..., com a matrícula n.º ... - 9 569,00
15 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco L... (L...) - 73 841,25
16 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... - 35 554,59
17 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... - 6 728,84
18 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... - 9 960,92
19 Saldo da conta bancária a prazo n.º ... no Banco M... - 64 520,43
20 Saldo da conta bancária a prazo n.º ... no Banco M... - 8 333,33
21 Crédito de suprimentos sobre a sociedade K..., Ld.ª – NIPC ... - 3 117 416,16
22 Conta de valores mobiliários n.º..., com 1294335 ações L... nominativas - 325 266,39
23 1 255 431 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ... - 14,16
24 0.220976 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ... - 2,49
25 0.020434 unidades de participação no Fundo de Investimento O... com o n.º de contrato ... - 0,11
26 3 387 181 unidades de participação no Fundo de Investimento O... com o n.º de contrato ... - 18,32
TOTAL 5 298 175,99
h) O valor a partilhar é de 5 298 175,99€ (cinco milhões, duzentos e noventa e oito mil, cento e setenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos), cfr. documento particular autenticado antes referido;
i) O valor da meação do cônjuge supérstite é de 2 649 088,00 (dois milhões, seiscentos e quarenta e nove mil e oitenta e oito euros), cfr. documento particular autenticado antes referido;
j) A referida meação foi partilhada, sendo adjudicada àquela parte da verba n.º 21 (crédito de suprimentos sobre a sociedade K..., Ld.ª – NIPC...), no valor de 2 649 088,00€, cfr. documento particular autenticado antes referido;
k) A parte restante da referida verba n.º 21, no montante de 468 328,16€, destinou-se a preencher a herança, representado pelo quadro que segue, cfr. documento particular autenticado antes referido:
Verbas
Natureza dos bens ou direitos Comunhão conjugal Meação Herança
1 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da união de freguesias de ... e ..., Cascais, sob o artigo ... 850 000,00 - 850 000,00
2 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 - 80 000,00
3 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 - 80 000,00
4 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 - 80 000,00
5 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 90 000,00 - 90 000,00
6 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 - 80 000,00
7 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de..., Ansião, sob o artigo ... 15 000,00 - 15 000,00
8 Prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ...Ansião, sob o artigo ... 300 000,00 - 300 000,00
9 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 12 500,00 - 12 500,00
10 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 30 000,00 - 30 000,00
11 Quota na sociedade K..., Ld.ª – NIPC..., 3 500,00 - 3 500,00
12 Veículo automóvel da marca ..., com a matrícula n.º ... 13 850,00 - 13 850,00
13 Veículo automóvel da marca..., com a matrícula n.º ... 12 100,00 - 12 100,00
14 Veículo automóvel da marca ..., com a matrícula n.º ... 9 569,00 - 9 569,00
15 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco L... (L...) 73 841,25 - 73 841,25
16 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... 35 554,59 - 35 554,59
17 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... 6 728,84 - 6 728,84
18 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... 9 960,92 - 9 960,92
19 Saldo da conta bancária a prazo n.º ... no Banco M... 64 520,43 - 64 520,43
20 Saldo da conta bancária a prazo n.º ... no Banco M... 8 333,33 - 8 333,33
21 Crédito de suprimentos sobre a sociedade..., Ld.ª – NIPC ... 3 117 416,16 2 649 088,00€ 468 328,16€
22 Conta de valores mobiliários n.º ..., com 1294335 ações L... nominativas 325 266,39 - 325 266,39
23 1 255 431 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ... 14,16 - 14,16
24 0.220976 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ... 2,49 - 2,49
25 0.020434 unidades de participação no Fundo de Investimento O... com o n.º de contrato ... 0,11 - 0,11
26 3 387 181 unidades de participação no Fundo de Investimento O... com o n.º de contrato ... 18,32 - 18,32
TOTAL 5 298 175,99 2 649 088,00€ 2 649 088,00€
l) O valor da herança é de 2 649 088,00€, cabendo a cada um dos herdeiros (o Requerente e os seus irmãos G... e H...), o quinhão hereditário no valor de 883 029,33€ (oitocentos e oitenta e três mil, vinte e nove euros e trinta e três cêntimos), cfr. documento particular autenticado antes referido;
m) Aos bens imóveis (verbas n.ºs 1 a 10) foi-lhes atribuído o valor de 1 617 500,00€;
n) A referida herança foi partilhada, sendo adjudicados aos referidos herdeiros, em compropriedade e em partes iguais, os bens e direitos descritos sob as verbas números um a vinte e vinte e dois a vinte e seis e ainda a parte remanescente do crédito de suprimentos descrito sob a verba número vinte e um, representado pelo quadro que segue, cfr. documento particular autenticado antes referido:
Verbas
Natureza dos bens ou direitos Herança Bens adjudicados ao Requerente Bens adjudicados à G... Bens adjudicados ao H...
1 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da união de freguesias de ... e ..., Cascais, sob o artigo ... 850 000,00 283 333,33 283 333,33 283 333,33
2 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 26 666,66 26 666,66 26 666,66
3 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 26 666,66 26 666,66 26 666,66
4 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 26 666,66 26 666,66 26 666,66
5 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 90 000,00 30 000,00 30 000,00 30 000,00
6 Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da freguesia de ..., Cascais, sob o artigo ... 80 000,00 26 666,66 26 666,66 26 666,66
7 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 15 000,00 5 000,00 5 000,00 5 000,00
8 Prédio urbano inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 300 000,00 100 000,00 100 000,00 100 000,00
9 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 12 500,00 4 166,66 4 166,66 4 166,66
10 Prédio rústico inscrito na matriz da freguesia de ..., Ansião, sob o artigo ... 30 000,00 10 000,00 10 000,00 10 000,00
11 Quota na sociedade K... Ld.ª – NIPC..., 3 500,00 1 166,66 1 166,66 1 166,66
12 Veículo automóvel da marca ..., com a matrícula n.º ... 13 850,00 4 616,66 4 616,66 4 616,66
13 Veículo automóvel da marca..., com a matrícula n.º ... 12 100,00 4 033,33 4 033,33 4 033,33
14 Veículo automóvel da marca ..., com a matrícula n.º ... 9 569,00 3 189,66 3 189,66 3 189,66
15 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco L... (L...) 73 841,25 24 613,75 24 613,75 24 613,75
16 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... 35 554,59 11 851,53 11 851,53 11 851,53
17 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... 6 728,84 2 242,94 2 242,94 2 242,94
18 Saldo da conta bancária à ordem n.º ... no Banco M... 9 960,92 3 320,30 3 320,30 3 320,30
19 Saldo da conta bancária a prazo n.º ... no Banco M... 64 520,43 21 506,81 21 506,81 21 506,81
20 Saldo da conta bancária a prazo n.º ... no Banco M... 8 333,33 2 777,77 2 777,77 2 777,77
21 Crédito de suprimentos sobre a sociedade K..., Ld.ª – NIPC ... 468 328,16€ 156 109,38 156 109,38 156 109,38
22 Conta de valores mobiliários n.º..., com 1294335 ações L... nominativas 325 266,39 108 422,13 108 422,13 108 422,13
23 1 255 431 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ... 14,16 4,72 4,72 4,72
24 0.220976 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ... 2,49 0,83 0,83 0,83
25 0.020434 unidades de participação no Fundo de Investimento O... com o n.º de contrato ... 0,11 0,03 0,03 0.03
26 3 387 181 unidades de participação no Fundo de Investimento N... com o n.º de contrato ... 18,32 6,10 6,10 6,10
TOTAL 2 649 088,00€ 883 029,33€ 883 029,33€ 883 029,33€
o) Ao Requerente e a cada um dos restantes herdeiros foram adjudicados bens imóveis no valor de 539 166,63€, correspondente à terça parte do valor atribuído aos bens imóveis, como decorre da referida partilha da herança;
p) Nos termos do artigo 36.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT) o cônjuge supérstite requereu ao Serviço de Finanças de ... a liquidação do IMT e do imposto do selo que se mostrassem devidos pelas partilhas da meação e da herança do de cujus, cfr. documento n.º 9 junto ao ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
q) Em 1 de outubro de 2018, o referido serviço de finanças procedeu, em nome do Requerente, à liquidação do imposto do selo n.º 2018..., nos termos da verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), no montante de 2 156,68€ (dois mil, cento e cinquenta e seis euros e sessenta oito cêntimos), com data limite de pagamento em 12 de novembro de 2018, por considerar a existência de excesso da quota-parte nos bens imóveis que na partilha da herança antes referida coube ao Requerente, no montante de 269 583,32€, cfr. documentos n.ºs 1, 2 e 3 juntos ao ppa, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
r) O imposto liquidado foi pago em 12 de novembro de 2018, cfr. documento n.º 10 junto ao ppa, cujo teor se dá por integralmente reproduzido;
s) Em 12 de março de 2019 o Requerente deduziu reclamação graciosa, nos termos dos artigos 68.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), da referida liquidação do imposto do selo, cfr. P.A. e documento n.º 4 junto ao ppa, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
t) Face a constrangimentos do sistema informático foram instaurados e tramitados os seguintes dez processos de reclamação graciosa, um por cada imóvel adquirido pelo Requerente, tendo todos por objeto o mesmo ato tributário (liquidação do imposto do selo n.º 2018...), cfr. alínea l) do ponto 3 da Resposta da AT, P.A. e documentos n.ºs 5 e 6 ao mesmo juntos, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
Processos n.ºs: ...2019...; ...2019...; ...2019...; ...2019...; ...2019...; ...2019...; ...2019...; ...2019...; ...2019...; e ...2019... .
u) Pelo ofício n.º ... do Serviço de Finanças de ..., de 4 de junho de 2019, foi o Requerente notificado, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT) para, no prazo de quinze dias, pronunciar-se, querendo, sobre o projeto de despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e respetiva informação de 28 de maio de 2019, cfr. P.A. e documento n.º 5 junto ao ppa, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
v) Idênticas notificações foram efetuadas pelos ofícios n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., todos de 04 de junho de 2019, para os restantes processos pela ordem constante da alínea s) supra, cfr. P.A. e documento n.º 5 junto ao ppa, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
w) Pelo ofício n.º ... do mesmo serviço de finanças, de 3 de julho de 2019, foi o Requerente notificado do despacho de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019... e respetiva informação de 2 de julho de 2019, cfr. P.A. e documento n.º 6 junto ao ppa, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
x) Idênticas notificações foram efetuadas pelos ofícios n.ºs ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., todos de 3 de julho de 2019, para os restantes processos pela ordem constante da alínea s) supra, cfr. P.A. e documento n.º 6 junto ao ppa, cujos teores se dão por integralmente reproduzidos;
y) Em 4 de outubro de 2019 o Requerente apresentou pedido de constituição de Tribunal Arbitral, ao abrigo da alínea a) do número 1 do artigo 2.º e do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que deu origem ao presente processo, peticionando a anulação dos atos de indeferimento das reclamações graciosas instauradas bem como da liquidação do imposto do selo, no montante de 2 156,68€, e a sua restituição, por forma a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade.
3.2 Factos não provados
Não há factos relevantes para a decisão da causa que devam considerar-se não provados.
3.3 Motivação
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem o dever de se pronunciar sobre toda a matéria alegada, tendo antes o dever de selecionar a que interessa para a decisão, levando em consideração a causa (ou causas) de pedir que fundamenta o pedido formulado pelo autor [(cfr. artigos 596º, nº 1 e 607º, nºs 2 a 4 do CPC, aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT)] e consignar se a considera provada ou não provada (cfr. artigo 123º, nº 2 do CPPT).
Segundo o princípio da livre apreciação da prova, o Tribunal baseia a sua decisão, em relação às provas produzidas, na sua íntima convicção, formada a partir do exame e avaliação que faz dos meios de prova trazidos ao processo e de acordo com a sua experiência de vida e conhecimento das pessoas (cfr. artigo 607.º, n.º 5 do CPC). Somente quando a força probatória de certos meios se encontrar pré-estabelecida na lei (e.g. força probatória plena dos documentos autênticos, cfr. artigo 371.º do Código Civil) é que não domina na apreciação das provas produzidas o princípio da livre apreciação.
Assim, a convicção do Tribunal fundou-se no acervo documental junto aos autos bem como nas posições assumidas pelas partes.
4 - Matéria de Direito (fundamentação)
Objeto do litígio
A questão que constitui o thema decidenduum reconduz-se a saber se, resultando da partilha da meação do casal bens imóveis que, no seu todo, passaram a integrar a herança do de cujus, a partilha desta pelos respetivos herdeiros, segundo a lei aplicável, consubstancia um excesso da quota-parte que a cada um pertencer, quando o valor dos bens adjudicados corresponder a esse quinhão.
Questões a decidir:
Da cumulação de pedidos;
Da falta de fundamentação dos atos tributários (despachos de indeferimento das reclamações graciosas e liquidação do imposto do selo); e
Da (i)legalidade da liquidação impugnada.
*
- Da cumulação de pedidos:
O n.º 1 do artigo 3.º do RJAT refere: “A cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Do petitório constante do p.p.a. é referido: “(…) ordenar a anulação dos atos de indeferimento da Reclamação Graciosa deduzida pelo Requerente e, consequentemente, da liquidação adicional de Imposto do Selo supra identificada que lhe estava subjacente, por vício na interpretação dos factos e da aplicação do direito, tal como supra mencionado, e com todas as consequências legais, designadamente a restituição da quantia indevidamente paga pelo Requerente, de modo a proceder-se à imediata e plena reconstituição da legalidade”.
São os seguintes os pedidos formulados pelo Requerente:
a) Anulação dos atos de indeferimento das reclamações graciosas;
b) Anulação da liquidação do imposto do selo; e
c) Restituição da quantia indevidamente paga pelo Requerente.
Como refere a AT na alínea l) do ponto 3 da sua Resposta “Entre 25/03/2019 e 26/03/2019, por constrangimentos do sistema informático, foram abertos 10 procedimentos da Reclamação Graciosa, conforme PA ora junto, um por cada bem imóvel, e foram tramitados um por cada diferente prédio enquadrado na liquidação reclamada”.
Assim, por cada processo de reclamação graciosa, foi proferido o mesmo despacho de indeferimento, reportado à mesma e única liquidação de imposto do selo.
Por outro lado a anulação da liquidação e a restituição da quantia indevidamente paga são consequências da anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas.
Assim a procedência dos pedidos depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito, motivo pelo qual se defere o pedido de cumulação de pedidos nos termos do artigo 3.º do RJAT.
*
- Da falta de fundamentação dos atos tributários (despachos de indeferimento das reclamações graciosas e liquidação do imposto do selo):
Refere o n.º 1 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), que «A decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».
Também o n.º 2 do mesmo preceito legal refere que «A fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, devendo sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Este dever de fundamentação dos atos administrativos é corolário do n.º 3 do artigo 268.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), que prescreve: «Os atos administrativos estão sujeitos a notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos».
Deste modo, fundamentar um ato administrativo, «consiste em indicar, concretamente, as razões de direito e de facto por que se tomou a decisão em determinado sentido» .
Porém, «as exigências de fundamentação do acto tributário não são rígidas, variando de acordo com o tipo de acto e as circunstâncias concretas em que este foi proferido como seja a participação do interessado no procedimento e a extensão dessa participação – não tendo de reportar, por princípio, todos os factos considerados, todas as reflexões feitas ou todas as vicissitudes ocorridas durante essa deliberação ».
Segundo Diogo Freitas do Amaral , «A fundamentação de um acto administrativo consiste na enunciação explícita das razões que levaram o seu autor a praticar esse acto ou a dotá-lo de certo conteúdo”.
Para José Carlos Vieira de Andrade «(…) o dever da fundamentação expressa obriga a que o órgão administrativo indique as razões de facto e de direito que o determinaram a praticar aquele acto, exteriorizando, nos seus traços decisivos, o procedimento interno de formação da vontade decisória».
Como referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa «No que concerne à fundamentação, a CRP garante aos administrados o direito a fundamentação expressa e acessível de todos os actos administrativos (conceito em que se inserem os actos tributários, à face do preceituado no art. 120.º do CPA) que afectem direitos ou interesses legalmente protegidos (art. 268.º, n.º 3) (…)».
Em matéria tributária, o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.
Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que se decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.
A fundamentação deve consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária.
No mesmo sentido podem ver-se, entre muitos outros, os seguintes acórdãos do STA:
Acórdão de 21-06-2017 (Processo n.º 068/17):
«A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
A fundamentação, ainda que feita por remissão, não pode deixar de ser clara e congruente e de enunciar as razões de facto e de direito que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do acto».
Acórdão de 07-06-2017 (Processo n.º 0723/15):
«A exigência legal e constitucional de fundamentação do acto tributário, decorrente dos arts. 268º da CRP, 77º da LGT e 125º do CPA, visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a Administração a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.
No que concerne aos actos tributários de liquidação, o nº 2 do artº. 77º da LGT estabelece os parâmetros mínimos de fundamentação. Estes actos podem conter uma fundamentação sumária, que, no entanto, não pode deixar de conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo».
Acórdão de 09-09-2015 (Processo n.º 01173/14):
«A AT tem o dever legal de fundamentar os actos de liquidação (cfr. art. 268.º da CRP, bem como os art.s 21.º do CPT, 125.º do CPA e 77.º da LGT). A fundamentação, ainda que feita por remissão ou de forma sucinta, não pode deixar de ser clara, congruente e de contemplar os aspetos, de facto e de direito, que permitam conhecer o itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela Administração para a determinação do ato».
Para o Requerente, na liquidação de Imposto do Selo, a AT indicou como facto tributário, subjacente e justificativo da liquidação, a existência de um alegado «excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilha», sem qualquer indicação adicional.
E nos atos de indeferimento das reclamações graciosas, manteve a mesma fundamentação «obscura e pouco evidente», limitando-se a transcrever os preceitos legais que, no seu entender, são aplicáveis, mas sem os correlacionar com os respetivos factos.
Pelo que, face ao défice de fundamentação, «coube ao Requerente a tarefa ingrata de procurar, não sem algum esforço, reconstruir o itinerário cognoscitivo que conduziu à liquidação impugnada, numa tentativa de descortinar o seu fundamento».
Compulsando a nota de cobrança (Demonstração de Compensação) integrada no documento n.º 1 junto ao p.p.a., conjugada com o documento n.º 2 (Demonstração de liquidação provisória), admitiu o Requerente que, para a AT, todos os bens que compunham o património conjugal foram divididos entre as meações de ambos os cônjuges numa ótica de bem-a-bem, não podendo cada meação ser preenchida com bens específicos, por inteiro, como consta dos artigos 50.º e seguintes do p.p.a..
Para tal partiu da matéria coletável no montante de 141 666,67€, atribuída ao imóvel referido sob a verba n.º 10 do documento n.º 2 (Fração autónoma do prédio inscrito na matriz da união de freguesias de ... e ... Cascais, sob o artigo ...), aquando da partilha, e adicionando à referida matéria coletável montante idêntico, por cada um dos restantes herdeiros G... e H..., obteve o montante de 425 000,00€, que corresponde a 50% do valor de 850 000,00€, atribuído na partilha à totalidade do imóvel. Assim, metade, no valor de 425 000,00€, pertenceria ao cônjuge supérsite a título de meação, e a outra metade, no mesmo montante, à herança aberta por óbito do de cujus.
Para o Requerente, foi entendimento da AT que cada um dos bens que integrava o património conjugal tinha de ser dividido rigorosamente entre os dois cônjuges meeiros – 50% para a meação de D... e 50% para a meação (herança) de C...-.
Resultando o excesso da quota-parte do Requerente e de cada um dos restantes dois herdeiros no facto de considerar que cada um tinha direito a 1/3 da herança, mas apenas composta por metade de todos os dez prédios relacionados e não pela totalidade, já que a outra metade pertencia à meação. Deste modo, sendo de 1/6 (1/3 : 2) o quinhão hereditário de cada herdeiro, e tendo-lhes sido adjudicados imóveis na proporção de 1/3 para cada, verificar-se-ia um excesso de 1/3 da quota-parte de cada.
Esta foi a interpretação que o Requerente fez da liquidação do imposto do selo efetuada pela AT, de onde se pode concluir que, não obstante a muito parca fundamentação, conseguiu, mesmo assim, chegar lá.
O mesmo se diga dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas constantes do documento n.º 6, ainda que por declaração de concordância com os fundamentos das informações prestadas no âmbito da instrução dos processos, mormente no que concerne ao direito aplicável.
Também aqui, tendo em conta o teor das referidas reclamações graciosas, nomeadamente o referido nos artigos 30.º a 54.º, podemos concluir que tais atos foram compreendidos no essencial pelo Requerente, pelo que não se verificam os vícios formais, invocados por este, da falta de fundamentação e de ofensa do conteúdo essencial de um direito fundamental.
Deste modo o pedido de anulação dos atos de indeferimento das reclamações graciosas instauradas bem como da liquidação do imposto do selo, por violação do vício de falta de fundamentação, deverá ser julgado improcedente.
*
Da (i)legalidade da liquidação impugnada -
O n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo, dispõe “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”.
Por sua vez a verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS), dispõe: “Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respetivos contratos - sobre o valor 0,8%”.
A liquidação do imposto do selo impugnada nos presentes autos resulta do procedimento de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), promovido nos termos do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT “Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas a IMT, designadamente: “alínea c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas …”, conjugado com a alínea a) do artigo 4.º “Nas divisões e partilhas, o imposto é devido pelo adquirente dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens” e, também com a regra 11.ª, n.º 4 do artigo 12.º do mesmo código, que refere: “Nas partilhas judiciais ou extrajudiciais, o valor do excesso de imóveis sobre a quota-parte do adquirente, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º, é calculado em face do valor patrimonial tributário desses bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial ou, caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha”.
Efetuada com base na legislação supra referenciada, importa apreciar a legalidade da liquidação impugnada e consequentemente mantê-la ou anulá-la da ordem jurídica.
Com efeito:
Em 13 de outubro de 2017, em ..., distrito ..., São Paulo, Brasil, faleceu C..., natural da freguesia de ..., concelho de Ansião, Portugal, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, no estado de casado com D..., com última residência habitual em ..., São Paulo, Brasil.
O referido casal contraiu matrimónio em 28 de março de 1971, em ..., Portugal, sob o regime da comunhão de adquiridos, pelo que ao casamento e ao regime de bens, foi aplicada a lei nacional comum, ou seja, a lei portuguesa, por força do disposto nos artigos 52.º e 53.º do Código Civil Português (C.C.), uma vez que ambos tinham a nacionalidade portuguesa.
Além do Requerente, natural de ..., Brasil, casado no regime da comunhão de adquiridos com F..., residentes na Avenida ..., n.º..., ..., ..., ... Paulo, Brasil, são filhos do referido casal: G..., natural de ..., Brasil, divorciada, residente na Avenida ..., n.º..., ..., ..., ..., São Paulo, Brasil; e H..., natural de ..., Brasil, casado no regime da comunhão de adquiridos com I..., residentes na Rua ..., n.º..., ..., ..., ..., São Paulo, Brasil.
O património conjugal (casal) compõe-se dos bens e direitos constantes da alínea g) do probatório, no montante de 5 298 175,99€, atribuído pelos interessados aquando da partilha da meação e da herança, efetuada em 18 de julho de 2018, não havendo quaisquer bens próprios dos cônjuges.
O património comum do casal representa uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afetação, a lei concede certo grau de autonomia - embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela, constituindo, assim, objeto de uma propriedade coletiva ou de mão comum.
Pelo que «Constitui uma massa patrimonial a que, em vista da sua especial afectação, a lei concede certo grau de autonomia – embora limitada e incompleta - mas que pertence aos dois cônjuges, em bloco, sendo ambos titulares de um único direito sobre ela.
Os bens comuns dos cônjuges constituem objecto não duma relação de compropriedade - mas duma propriedade colectiva ou de mão comum.
Cada um dos cônjuges tem uma posição jurídica em face do património comum, posição que a lei tutela. Cada um dos cônjuges tem, segundo a expressão da própria lei, um direito à meação, um verdadeiro direito de quota, que exprime a medida de divisão e que virá a realizar-se no momento em que esta deva ter lugar».
Para Esperança Pereira Mealha «A caraterização da comunhão conjugal como propriedade colectiva ou de mão comum tem a grande vantagem de imediatamente a diferenciar da compropriedade comum ou de tipo romano, salientando as suas principais características:
-Indivisão - Inexistência de um direito sobre uma parte (fracção abstracta) e consequente impossibilidade de dispor desse direito, uma vez que os cônjuges são contitulares de um único direito sobre um património global (que não abrange apenas situações de natureza real);
- Indivisibilidade – Obrigação de manter a indivisão enquanto subsistir a relação familiar à qual está afecto esse património».
Nos termos do n.º 1 do artigo 1730.º do C.C., no regime da comunhão de adquiridos, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, sendo nula qualquer estipulação em sentido contrário.
Assim cada um dos cônjuges terá direito à meação. Mas esta deve ser encarada como a participação ideal que incide sobre todo o património comum, em conjunto, e não sobre cada bem em concreto. Como referem Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira «o direito a metade é, assim, um direito ao valor de metade».
No mesmo sentido, vide o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 14-06-2018, Proc. 5245/14.3YYLSB-B.L1-8, «A meação reporta-se ao conjunto dos bens comuns/património comum – quaisquer bens que advenham ao executado após a partilha, bem como o direito deste sobre bens comuns - e não já a bens individualizados/concretos.
Deste modo a meação do cônjuge supérsite é de 2 649 088,00 (5 298 175,99€ : 2), cfr. alínea i) do probatório.
Em 18 de julho de 2018 procedeu-se à partilha da meação, sendo adjudicada ao cônjuge sobrevivo parte da verba n.º 21 (crédito de suprimentos sobre a sociedade K..., Ld.ª – NIPC...), no valor de 2 649 088,00€ (correspondente ao valor da meação), sendo a parte restante da referida verba, no montante de 468 328,16€, destinada a preencher a outra metade do património conjugal (herança), agora destinado à sucessão por óbito do de cujus, juntamente com a totalidade dos bens e direitos que integram as restantes verbas do património conjugal, incluindo os bens imóveis constantes das verbas n.ºs 1 a 10, cfr. alíneas j) e k) do probatório.
A partilha da meação do cônjuge meeiro foi efetuada nos termos do n.º 1 do artigo 1689.º do C.C., que refere «Cessando as relações patrimoniais entre os cônjuges, estes ou os seus herdeiros recebem os seus bens próprios e a sua meação no património comum, conferindo cada um deles o que dever a este património», por meio de documento particular autenticado de Partilha da Meação e da Herança, outorgado em 18 de julho de 2018 perante J..., solicitador, com escritório na Rua Castilho, n.º 165, 6.º, em Lisboa (alínea j) do probatório).
Como refere Esperança Pereira Mealha , «A partilha da comunhão conjugal pode coexistir com a partilha da herança nos casos de dissolução do casamento por morte. Aí haverá duas partilhas, sujeitas a regras distintas (…)».
(…) No caso de dissolução do casamento – que ocorre por morte ou divórcio – esta acarreta necessariamente a dissolução da comunhão conjugal, como integrante das relações patrimoniais dos cônjuges, efetuando-se a partilha, no primeiro caso entre o cônjuge sobrevivo e os herdeiros do que faleceu (pelo que o sobrevivo assume o duplo papel de meeiro e herdeiro) …»
Determinados os bens que compõem a herança seguiu-se a respetiva partilha.
Porém a lei reguladora da sucessão do falecido C... foi a lei brasileira.
Se bem que, nos termos do artigo 62.º do C.C. a sucessão por morte fosse regulada pela lei pessoal do autor da sucessão ao tempo do falecimento deste (13 de outubro de 2017) e esta, por força do n.º 1 do artigo 31.º do mesmo código, fosse a da nacionalidade, a lei convocada para regular a sucessão do bens do falecido foi a brasileira, apesar de o mesmo ter a nacionalidade portuguesa, por ter nascido em Portugal, mais precisamente na freguesia de ..., concelho de Ansião.
Com efeito, nos termos do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 4.657, de 4 de Setembro de 1942, da República Federativa do Brasil, mais conhecido por Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINB), «A sucessão por morte ou por ausência obedece à lei do país em que domiciliado o defunto ou o desaparecido, qualquer que seja a natureza e a situação dos bens».
Por outro lado, de acordo com o disposto nos artigos 20.º, 21.º e 23.º do Regulamento (EU) n.º 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 4 de julho de 2012, a lei aplicável ao conjunto da sucessão é a lei do Estado onde o falecido tinha residência habitual no momento do óbito, e que regula toda a sucessão, nomeadamente a determinação dos beneficiários, das respetivas quotas-partes, a capacidade sucessória e a partilha da herança.
Assim, face ao disposto no n.º 4 do artigo 8.º da Constituição da República Portuguesa (CRP), segundo o qual «As disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna, nos termos definidos pelo Direito da União, com respeito pelos princípios fundamentais do Estado de Direito Democrático» (primado do direito da União Europeia sobre o direito nacional) e como no momento do óbito o falecido tinha residência habitual em..., São Paulo, Brasil, foi aplicada, na partilha da herança, a lei brasileira, mais precisamente o Código Civil Brasileiro (C.C.B.), aprovado pela Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002.
Nos termos do artigo 1785.º desde código, a sucessão abre-se no lugar do último domicílio do falecido e, sendo legítima, defere-se primeiramente «aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal ou no da separação obrigatória (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no mo regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares», cfr. artigo 1829.º-I do mesmo código.
Assim, como o regime de casamento dos esposados foi o da comunhão de adquiridos (que no Brasil corresponde ao regime da comunhão parcial) e os bens que compõem a herança são comuns, por terem sido adquiridos por ambos os cônjuges na constância do matrimónio, foram chamados à sucessão os herdeiros, filhos do de cujus (o Requerente e os seus irmãos G... e H...), sucedendo-lhe por cabeça, nos termos do artigo 1835.º
Como assente na alínea l) do probatório, o valor da herança é de 2 649 088,00€, cabendo a cada um dos herdeiros o quinhão hereditário no valor de 883 029,33€ (oitocentos e oitenta e três mil, vinte e nove euros e trinta e três cêntimos), cfr. documento particular autenticado supra referido;
A herança foi partilhada, nos termos dos artigos 2013.º e seguintes do C.C.B., sendo adjudicados aos referidos herdeiros, em compropriedade e em partes iguais, os bens e direitos descritos sob as verbas números um a vinte e vinte e dois a vinte e seis e ainda a parte remanescente do crédito de suprimentos descrito sob a verba número vinte e um, no valor de 883 029,33€, cfr. documento particular autenticado supra e mapa referido na alínea n) do probatório.
Assim, como a herança integrava bens imóveis (verbas n.ºs 1 a 10) aos quais foi atribuído o valor de 1 617 500,00€, cfr. alínea m) do probatório, o Requerente e cada um dos restantes herdeiros recebeu bens imóveis no valor de 539 166,63€, correspondente à terça parte do valor que lhes foi atribuído, como decorre da referida partilha da herança;
Deste modo nem o Requerente, nem nenhum dos outros herdeiros, recebeu bens imóveis que tivessem excedido a quota-parte de um terço, que lhes pertence.
Termos em que deverá a liquidação impugnada bem como os despachos de indeferimento das reclamações graciosas ser anulados, por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito.
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5 - Decisão
Em face do exposto, decide-se:
a) Julgar procedente o pedido de cumulação de pedidos;
b) Julgar improcedente o pedido de anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas instauradas bem como da liquidação do imposto do selo, no montante de 2 156,68€, por violação do vício de falta de fundamentação;
c) Julgar procedente o pedido de anulação da liquidação do imposto do selo n.º 2018..., efetuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 1 de outubro de 2018, no montante de 2 156,68€ (dois mil, cento e cinquenta e seis euros e sessenta oito cêntimos) por vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito;
d) Julgar procedente o pedido de anulação dos despachos de indeferimento das reclamações graciosas instauradas;
e) Julgar procedente o pedido de condenação da AT ao reembolso do imposto indevidamente cobrado, no referido montante; e
f) Condenar a Requerida nas custas arbitrais.
Valor do Processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC, 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT), fixa-se ao processo o valor de 2 156,68€ (dois mil, cento e cinquenta e seis mil e sessenta e oito cêntimos).
Custas
Nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do citado RCPAT e artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, fixa-se o montante das custas em 612,00 € (seiscentos e doze euros), nos termos da Tabela I, anexa àquele regulamento, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.
Notifique.
Lisboa, CAAD, 25 de maio de 2020.
O Árbitro,
(Rui Ferreira Rodrigues)
Texto elaborado em computador, nos termos do disposto no artigo 131.º, n.º 5, do CPC, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT.