Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 652/2019-T
Data da decisão: 2020-05-06  IRC  
Valor do pedido: € 62.310,05
Tema: IRC – RFAI; Pagamentos especiais por conta; dedução de benefício fiscal; obrigações acessórias; princípio inquisitório.
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DECISÃO ARBITRAL   (consultar versão completa no PDF)

Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Jónatas Machado e Henrique Nogueira Nunes (árbitros vogais), designa¬dos, pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:

I. Relatório

1. A..., S.A., pessoa coletiva n.º..., com sede na ..., n.° ..., ..., ..., ...-... Lisboa (adiante designada por «REQUERENTE»), notificada, no passado dia 1 de julho 2019, da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico que manteve na ordem jurídica os atos tributários de demonstração de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») n.° 2018... e correspondente demonstração de acerto de contas n.º 2018..., referentes ao exercício de 2016,  veio, nos termos do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 10.º, n.º 1, alíneas a) e n.° 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, no dia 30.09.2019, requerer a constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, com vista à obtenção da declaração de ilegalidade dos atos tributários acima identificados.

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite, em 01.10.2019, pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT ou Requerida).

2.1. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

2.2. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

 

2.3. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 20.12.2019.

 

2.4. Por razões de indisponibilidade superveniente devidamente justificadas, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD procedeu à substituição de um dos árbitros vogais no dia 21.02.2020.

 

2.5. Por razões substantivas e processuais, entendeu o Tribunal Arbitral, em despacho proferido em 05.02.2020, dispensar a realização da reunião prevista no art. 18.º do RJAT, ao abrigo dos princípios da autonomia do Tribunal na condução do processo, e em ordem a promover a celeridade, simplificação e informalidade deste, tendo notificado ambas as partes para produzirem alegações escritas, no prazo de quinze dias a partir da notificação do referido despacho.

 

3. Serviram de base ao presente litígio jurídico-tributário os seguintes factos;

a)            No cumprimento das suas obrigações declarativas em sede de IRC, a Requerente, apresentou, no dia 31.05.2016, a sua declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC relativa ao exercício de 2015 (cf. Doc. 1);

b)           No dia 19.05.2017, a Requerente apresentou uma declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2015; (cf. DOC. 2).

c)            No dia 31.05.2017, a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC relativa ao exercício de 2016; (cf. Doc. 3).

d)           Na sequência de uma revisão interna aos procedimentos adotados desde o período de tributação de 2015, a Requerente verificou que não haviam sido considerados os créditos fiscais decorrentes da aplicação do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (adiante abreviadamente designado por «RFAI») aos investimentos relevantes por si realizados em 2015 e em 2016 para diversificação da sua atividade no estabelecimento sito na ... do Concelho, Albufeira;

e)           No dia 31.05.2018, a Requerente apresentou, ao abrigo do disposto no artigo 122.º, n.º 2, do Código do IRC, uma declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição relativa ao ano de 2016, refletindo o valor estimado dos créditos fiscais a que tinha direito, resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados nos períodos de tributação de 2015 e de 2016, tendo declarado na linha 742, do quadro 074, do anexo D à referida Modelo 22 de IRC, relativo ao RFAI, o seguinte: saldo não deduzido no período anterior - € 16.457,00; dotação do período - € 370.000,00; dedução do período - € 161.309,86; saldo que transita para período(s) seguinte(s) - € 225.147,14 (Doc. 4, esp. p. 11).

f)            A Requerente inscreveu o valor de € 128.395,86 no campo referente ao pagamento especial por conta («PEC») dedutível no exercício de 2016 [cf. campo 356, do quadro 10, da mesma Modelo 22 de IRC de substituição (cf. p. 5 do cit. Doc. 4)].

g)            O valor declarado a título de PEC dedutível no exercício de 2016 resultou da consideração do RFAI dedutível no exercício de 2015, patente no apuramento de um «saldo não deduzido no período anterior - € 16.457,00», que teve por efeito incrementar o valor do PEC reportável para o - e dedutível no - exercício de 2016 para o indicado valor de € 128.395,86 (cf. cit. p. 11 do Doc. 4).~

h)           Em junho de 2018, a Requerente apurou o valor final dos créditos fiscais a que tinha direito, resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados nos períodos de tributação de 2015 e de 2016:

Período de tributação    Investimentos Relevantes

Realizados          Crédito fiscal do RFAI

Apurado

 

2015      1.029.325,96€    102.932,60€

2016      3.426.635,70€    342.663,57€

i)             No dia 27.06.2018, na sequência do processamento da mencionada declaração de substituição, a AT notificou a Requerente dos atos tributários de demonstração de liquidação de IRC n.° 2018 ... e de demonstração de acerto de contas n.º 2018 ... relativos ao exercício de 2016, onde se reconheceu o direito da Requerente à dedução dos créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados conforme declarados na linha 742, do quadro 074, do anexo D à Modelo 22 de IRC de substituição (cf. cit. p. 11 do Doc. 3)], corrigindo-se, porém, o valor do PEC dedutível no exercício de 2016, mediante redução do valor declarado (de € 128.395,86) para o montante de € 66.085,81 (cf. cit. Doc. 5)

j)             Por discordar da identificada correção oficiosa do valor do PEC dedutível no exercício de 2016, a Requerente apresentou, no dia 25 de outubro de 2018, Reclamação Graciosa contra os referidos atos tributários (cf. Doc. 7).

k)            A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 28 de dezembro de 2018, tendo a Requerente interposto Recurso Hierárquico contra a mesma (cf. cit. Doc. 7).

l)             No dia 1 de julho 2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do Recurso Hierárquico (cf. cit. Doc. 7)

4. A fundamentar o presente pedido, a Requerente vem aos autos aduzir, em síntese, os seguintes argumentos: 

a)            A Requerente entende que os referidos atos tributários n.° 2018... e n.º 2018..., referentes ao exercício de 2016, violam o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da Lei Geral Tributária («LGT»), o qual impunha à Administração tributária o dever de «realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade material» no sentido de confirmar o valor do PEC dedutível declarado pela Requerente relativamente ao exercício de 2016, resultando no vício de violação de lei;

b)           O princípio do inquisitório justifica-se pela obrigação de prossecução do interesse público imposta à atividade da administração tributária (arts. 266.º, n.º 1, da CRP. e 55.º da LGT) e é corolário do dever de imparcialidade que deve nortear a sua atividade (art. 266.º, n.º2, da CRP. e 55.º da LGT;

c)            No domínio procedimental, esta obrigação impõe que a AT não aguarde pela iniciativa do interessado que formulou o pedido que deu origem ao procedimento, devendo ela própria tomar a iniciativa de realizar as diligências que se afigurem relevantes para a correta averiguação da realidade factual em que deve assentar a sua decisão;

d)           O dever de imparcialidade reclama que a AT procure trazer ao procedimento todas as provas relativas à situação fáctica em que vai assentar a decisão, mesmo que elas tenham em vista demonstrar factos cuja prova seja contrária aos interesses patrimoniais da Administração;

e)           A iniciativa da procura da verdade material pertence à própria AT, mesmo nos casos em que os pedidos dos contribuintes fiquem aquém das diligências necessárias ao apuramento real dos factos e da aplicação do direito, o que se pode traduzir, de alguma maneira, na correção de erros de cálculo ou de escrita constantes dos elementos fornecidos pelos interessados;

f)            Devem ser efetuadas todas as diligências, ainda que as mesmas não tenham sido requeridas, não dependendo por isso de um qualquer impulso procedimental do sujeito passivo;

g)            O alcance impositivo do princípio do inquisitório manifesta-se de forma particularmente incisiva quando surja na sequência de um pedido formulado pelo respetivo sujeito passivo, sendo que relativamente ao pedido formulado, o que será relevante é o seu alcance essencial e não os próprios termos em que seja formulado;

h)           Porque a efetivação do princípio da investigação é um direito dos contribuintes, são anuláveis os atos tributários e outros, conclusivos de procedimentos, em que se mostre que a AT não cumpriu, nos limites do razoável, com as obrigações que para ela decorrem de tal princípio;

i)             Antes de valorar a prova produzida há que aferir - como questão autónoma - da suficiência da investigação feita, se era razoavelmente possível e exigível que a administração fiscal, por sua iniciativa ou no seguimento de pedido do interessado, levasse mais longe a atividade investigatória;

j)             A não averiguação dos elementos necessários à descoberta da verdade material com a consequente violação do princípio do inquisitório é fundamento da ilegalidade do ato tributário ou cm matéria tributária;

k)            No caso, a Requerente manifestou a sua intenção de relevar os créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados nos anos de 2015 e de 2016 no prazo de dois anos após a apresentação da primeira declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2015 e no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal para apresentação da declaração modelo 22 de IRC do exercício de 2016;

l)             A AT identificou, em termos materiais, as pretensões manifestadas pela Requerente e os motivos que as justificavam, através da submissão da declaração Modelo 22 de IRC de substituição no dia 31.05.2018;

m)          A AT considerou, no apuramento da coleta do IRC devido no exercício de 2016, os créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados pela Requerente;

n)           O fundamento subjacente à correção oficiosa do PEC dedutível em 2016, através da redução do valor declarado de € 128.395,86 para € 66.085,81, sobressai, de forma objetiva, no excerto da decisão de indeferimento do Recurso Hierárquico interposto pela Requerente, onde se lê: «estando correta a liquidação de IRC do exercício de 2016, pretendendo a recorrente deduzir um valor superior de PEC neste exercício, o qual não é possível, na sequência dos valores declarados em 2015, considerando o sujeito passivo que esta declaração/liquidação não reflete de forma adequada a realidade, deveria também no que respeita ao período de 2015, ter substituído a declaração, deduzido reclamação graciosa ou revisão oficiosa, caso cumprisse as condições para tal, solicitando as correções quanto ao exercício de 2016, que daí resultassem»;

o)           A AT, não obstante identificar os motivos subjacentes ao apuramento do valor do PEC declarado pela Requerente na sua declaração modelo 22 de substituição (decorrentes da circunstância de a declaração/liquidação de 2015 não refletir de forma adequada a realidade, escusou-se de promover a análise dos factos determinativos da subsistência de uma tal desconformidade com a realidade para efeitos de confirmação do valor declarado pela Requerente a título de PEC dedutível em 2016;

p)           A AT, apesar de confrontada com a possibilidade de subsistência de factos determinativos de uma desadequação entre o valor inicialmente declarado pela Requerente, a título de PEC dedutível no exercício de 2016, e a realidade, limitou-se a corrigir oficiosamente, de forma automática e acrítica, o valor declarado pela Requerente, sem realizar qualquer outra diligência tendente à descoberta da verdade material,  violando, por esse motivo, o princípio do inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT;

q)           A AT estava legalmente vinculada a realizar todas as diligências tendentes à descoberta da verdade material relativamente ao pedido formulado - e corretamente compreendido pelos respetivos Serviços – na declaração de substituição apresentada pela Requerente no dia 31.05.2018, tanto mais que se encontrava em curso o prazo de caducidade do direito à liquidação do IRC relativo aos exercícios de 2015 e de 2016 com a consequente faculdade de a Administração tributária poder corrigir quaisquer desconformidades que viesse a apurar neste âmbito (cf. artigo 90., n.° 12, do CIRC).

 

 4.1. Em face do exposto, vem a Requerente sustentar que  atuação da AT violou o disposto no artigo 58.º da LGT, ferindo, nessa medida, os atos praticados (e ora contestados) do vício de violação de lei e requerer a sua consequente anulação, na parte em que os mesmos traduzem a referida correção realizada pela AT ao valor declarado a título de PEC dedutível no exercício de 2016.

 

5. Na Resposta, a Requerida respondeu, por impugnação, defendendo que o presente pedido deve ser julgado improcedente:

a)            A Requerente contesta a liquidação de IRC n.º 2018... e demonstração de acerto de contas n.º 2018..., relativa ao exercício de 2016, pois entende que teria um valor superior de PEC para deduzir, se no exercício de 2015 tivesse efetuado, à totalidade da coleta apurada, a dedução do benefício fiscal RFAI;

b)           A análise do cadastro da AT e do Saldo do PEC, permite extrair, desde o ano de 2010 até o ano de 2018, os elementos que se demonstram no quadro infra:

 

c)            Na liquidação nº 2018..., relativa ao exercício de 2016, objeto de reclamação graciosa, posteriormente de recurso hierárquico e agora no presente pedido de pronuncia arbitral, não poderia ser considerado o valor de € 128.395,86, nas deduções à coleta, a título de PEC, porque apenas se encontrava disponível para dedução o valor de € 66.085,81;

d)           Ainda que sobre a contestação a uma liquidação do exercício de 2016, a AT pudesse oficiosamente corrigir a liquidação de 2015, imporia que estivesse na posse de elementos para tal, nomeadamente de elementos que pudessem provar a elegibilidade da dedução do RFAI;

e)           A liquidação nº 2017..., de 25-05-2017, relativa ao exercício de 2015, não é objeto dos presentes autos arbitrais, sendo que da declaração que em 2017 veio proceder à substituição da declaração modelo 22 inicialmente entregue continuava a nada constar quanto à dedução do beneficio fiscal RFAI, bem como quanto ao preenchimento do anexo D - quadro 074 – RFAI, tendo-se mesma consolidado na esfera fiscal da Requerente com base nos elementos por si apresentados e da sua responsabilidade;

f)            Estando correta a liquidação de IRC do exercício de 2016, não é possível à recorrente deduzir um valor superior de PEC neste exercício, na sequência dos valores declarados em 2015, visto que, se a Requerente considerava que aquela declaração/liquidação não reflete de forma adequada a realidade, deveria também no que respeita ao período de 2015, ter acionado os mecanismos legais ao seu dispor, solicitando as correções que no seu entendimento devessem ter lugar;

g)            Os deveres decorrentes, para a AT, do princípio inquisitório consagrado no artigo 58.º da LGT devem ser interpretados em termos hábeis, sendo importante, nomeadamente, ter em atenção que não poderá significar a obrigatoriedade de realizar todas as diligências que sejam requeridas ou mais tarde reclamadas, nem a admissibilidade absoluta e inquestionável de todos os meios probatórios, mas apenas a vinculação da realidade e da verdade dos factos, admitindo e valorando as provas com as quais os interessados podiam razoavelmente confiar como provas atendíveis, para em seguida decidir sobre essa base;

5.1. Em face do acima exposto, a Requerida conclui que o presente pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente por não provado e, assim, absolvida a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

6.Nas suas alegações, apresentadas respetivamente em 24.02.2020 e 11.03.2020, a Requerente limita-se, no essencial, a recapitular e a reiterar a argumentação aduzida na petição inicial, ao passo que a Requerida remete, sem mais, para os termos da sua resposta.

II. Saneamento

7. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, como se dispõe nos artigos 2.º, n.º 1, al. a), e 4.º, ambos do RJAT.

8. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (vd. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma, e artigos 1.º a 3.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

9. O processo não enferma de nulidades e não há, em face do exposto, qualquer obstáculo à apreciação do mérito da causa.

 

III. Do Mérito

III.1. Factos provados

10. Consideram-se provados os seguintes factos:

a)            A Requerente, apresentou, no dia 31.05.2016, a sua declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC relativa ao exercício de 2015 (cf. Doc. 1);

b)           No dia 19.05.2017, a Requerente apresentou uma declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição relativamente ao exercício de 2015; (cf. DOC. 2).

c)            No dia 31.05.2017, a Requerente apresentou a sua declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC relativa ao exercício de 2016; (cf. Doc. 3).

d)           No dia 31.05.2018, a Requerente apresentou uma declaração de rendimentos (Modelo 22) de IRC de substituição relativa ao ano de 2016, refletindo o valor estimado dos créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados nos períodos de tributação de 2015 e de 2016, tendo declarado na linha 742, do quadro 074, do anexo D à referida Modelo 22 de IRC, relativo ao RFAI, o seguinte: saldo não deduzido no período anterior - € 16.457,00; dotação do período - € 370.000,00; dedução do período - € 161.309,86; saldo que transita para período(s) seguinte(s) - € 225.147,14 (Doc. 4, esp. p. 11).

e)           A Requerente inscreveu o valor de € 128.395,86 no campo referente ao pagamento especial por conta («PEC») dedutível no exercício de 2016 [cf. campo 356, do quadro 10, da mesma Modelo 22 de IRC de substituição (cf. p. 5 do cit. Doc. 4)].

f)            Do cadastro da AT e do Saldo do PEC extrai-se, desde o ano de 2010 até o ano de 2018, a “conta corrente” com os seguintes PEC efetuados e deduzidos:

 

g)            No dia 27.06.2018, a AT notificou a Requerente dos atos tributários de demonstração de liquidação de IRC n.° ... e de demonstração de acerto de contas n.º 2018 ... relativos ao exercício de 2016, corrigindo-se, porém, o valor do PEC dedutível no exercício de 2016, mediante redução do valor declarado (de € 128.395,86) para o montante de € 66.085,81 (cf. cit. Doc. 5)

h)           A Requerente apresentou, no dia 25.10.2018, Reclamação Graciosa contra os referidos atos tributários (cf. Doc. 7).

i)             A Reclamação Graciosa foi indeferida por despacho de 28.10.2018, tendo a Requerente interposto Recurso Hierárquico contra a mesma (cf. cit. Doc. 7).

j)             No dia 1 de julho 2019, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento do Recurso Hierárquico. (cf. cit. Doc. 7)

 

III.2. Factos não provados

 

11. Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

 

III.3. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

12. O Tribunal não tem que se pronunciar sobre todos os detalhes da matéria de facto que foi alegada pelas partes, cabendo-lhe o dever de selecionar os factos que interessam à decisão e discriminar a matéria que julga provada e declarar a que considera não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT, e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

13. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são selecionados e conformados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções para o objeto do litígio no direito aplicável (vd. art. 596.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

14. Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental apresentada, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

 

 

III.4. Matéria de direito

 

15. A questão fundamental a decidir gira em torno de saber se, com base numa declaração de substituição relativa ao exercício de 2016, apresentada no prazo de um ano nos termos do n.º 2 do artigo 122.º do Código do IRC, onde a Requerente adicionou, em seu favor, um benefício fiscal, a AT está vinculada a corrigir oficiosamente o exercício de 2015, como se um "ato consequente" se tratasse. A fundamentar o pedido a Requerente apoia-se exclusivamente, no "princípio do inquisitório". Vejamos.     

 

16. Da factualidade dada como provada decorre que a Requerente apresentou uma Declaração de Substituição relativamente ao exercício de 2016 onde declarou um benefício fiscal (RFAI) que, entretanto, apurara (depois de alterar procedimentos internos) e um valor de PEC que supunha a consideração do mesmo benefício fiscal (RFAI) relativo a 2015, mas que nunca declarou quanto a este exercício.  Isto porque se o benefício fiscal relativo ao RFAI de 2015 fosse levado em conta, o PEC naquele ano deduzido à coleta do IRC não o poderia ser na totalidade e o "saldo" transitava para dedução em 2016.

 

17. Antecipando este reporte de saldo de PEC para deduzir, a Requerente "atualizou", na declaração de substituição do exercício de 2016, o PEC que considerava dedutível.

 

18. A AT, aplicando as normas legais da liquidação previstas no CIRC, designadamente o n.º 2 do artigo 90.º, relativo à ordem por que são feitas as deduções, reduziu automaticamente o montante do PEC que a Requerente pretendia dedutível em 2016, donde resultou para a Requerente um reembolso de valor inferior àquele que esperava obter, em virtude da redução automática do PEC do valor declarado para dedução de € 128.395,86 para o valor dedutível de € 66.085,81. Como decorre das disposições conjugadas do n.º 9 do artigo 90.º e do n.º 1 do artigo 93.º do Código do IRC, da dedução do PEC não pode resultar valor negativo, fixando-se um direito, ainda condicionado, ao reporte para a frente do montante que não possa ter sido deduzido.

 

19. Foi esta a situação que levou a Requerente a contestar a liquidação, primeiro em reclamação graciosa, depois em recurso hierárquico e agora em pedido de constituição de tribunal arbitral, por "ter recebido um reembolso inferior àquele a que se considerava com direito".

 

20. Repare-se que a Requerente concorda com a "conta corrente" do PEC que, nomeadamente na Informação prestada no âmbito da decisão sobre a reclamação graciosa, a AT põe em evidência. Refere a Requerente expressamente, no pedido de reclamação graciosa, que “nada tem a referir e concorda com os valores de PEC que a Autoridade Tributária indica-como realizados por período.” O que significaria por si só que a liquidação que é objeto do pedido estaria correta e não mereceria reparo.

 

21. “No entanto, continua a Requerente na reclamação graciosa, “a Exponente não pode concordar com os valores indicados pela Autoridade Tributária no que diz respeito aos PEC deduzidos no período de tributação de 2015 e de 2016, em face do direito aos créditos fiscais do RFAI atribuíveis nesses períodos.” Direito à dedução que resultaria, ainda segundo a Requerente, do facto de a administração tributária ter reconhecido "o direito da REQUERENTE à dedução dos créditos fiscais resultantes da aplicação do RFAI aos investimentos realizados (conforme declarados na linha 742, do quadro 074, do anexo D à declaração Modelo 22 de IRC de substituição".

 

22. Ora, no rigor dos factos, a administração tributária reconheceu o crédito fiscal do RFAI declarado em 2016, não estando, no entendimento deste Tribunal, vinculada a qualquer outra conduta. E, nesse sentido, teve de reduzir, em cumprimento da lei, o valor do PEC declarado para dedução.

 

23. A Requerente, invocando o princípio do inquisitório, entende que a AT deveria ter ido mais longe e ter corrigido ex-ofício, a conta-corrente do PEC em 2015, como se o benefício relativo ao RFAI respeitante àquele exercício tivesse sido declarado, do que resultaria um saldo maior de PEC a deduzir em 2016.

 

24. O RFAI, Regime Fiscal de Apoio ao Investimento, consagrado nos artigos 22.º e ss do Código Fiscal do Investimento, aprovado pelo DL 162/2014, de 31/10, consiste num benefício fiscal automático, pelo que a sua efetivação depende de mera declaração do contribuinte, não existindo qualquer conhecimento prévio, por parte da AT, da constituição do direito a esse benefício.

 

25. Com efeito, são apenas impostas, no artigo 25.º do Regime, as seguintes obrigações acessórias:

1 - A dedução prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 23.º, é justificada por documento a integrar o processo de documentação fiscal a que se refere o artigo 130.º do Código do IRC, que identifique discriminadamente as aplicações relevantes, o respetivo montante e outros elementos considerados relevantes.

 

2 - Do processo de documentação fiscal relativo ao exercício da dedução deve ainda constar documento que evidencie o cálculo do benefício fiscal, bem como documentos comprovativos das condições de elegibilidade previstas no artigo 22.º.

 

 

26. Não tem, portanto, qualquer sustentação legal o fundamento que a Requerente sucessivamente invocou de que a não inscrição do Crédito fiscal RFAI na declaração relativa a 2015 não tem qualquer impacto no IRC. Pode não ter impacto no IRC, mas a não declaração do RFAI dedutível em 2015, um dever exclusivamente imputável à Requerente, degenerou na não constituição do direito à sua dedução, ou, pelo menos, à sua consequente contabilização para efeitos das deduções a efetuar, nos termos legais, no exercício de 2015.

 

27. Nestas circunstâncias, afigura-se não caber à AT o dever de conhecer o direito ao benefício, uma vez que nunca a Requerente o declarou, ou, por via da pretensão de exercer o direito à dedução, acionou algum mecanismo de reapreciação da liquidação relativa ao exercício de 2015, e, como se dispõe no artigo 130.º, o processo de documentação fiscal não é, na generalidade das situações (apenas se excetuam os Grandes Contribuintes) entregue à AT, sendo os sujeitos passivos que são obrigados a mantê-lo em boa ordem durante 10 anos.

 

28. Por conseguinte, a subsistir qualquer erro o mesmo é inteiramente imputável à Requerente que, em seu próprio benefício, não cumpriu um dever declarativo (declaração do RFAI em 2015) a que se encontrava adstrita.

 

29. Acresce que, na verdade, em última análise, como bem se refere na fundamentação quer da reclamação graciosa, quer do recurso hierárquico, o que a Requerente pretende, por via indireta e imprópria, é contestar agora a liquidação de 2015, o que, não constando sequer do pedido, seria sempre de considerar extemporâneo.

 

30. Perante o exposto, afigura-se claro que o princípio do inquisitório não tem por escopo suprir falhas das partes, designadamente nas hipóteses em que estas não procedem ao cumprimento de deveres declarativos ou à impugnação oportuna de atos tributários

 

 

IV. DECISÃO

 

Em face do supra exposto, decide-se julgar o presente pedido de pronúncia arbitral improcedente, por não provado e, assim, absolver a Requerida de todos os pedidos, tudo com as devidas e legais consequências.

 

V. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 62.310,05 (sessenta e dois mil trezentos e dez euros e cinco cêntimos), nos termos do disposto no art. 32.º do CPTA e no art. 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, als. a) e b), do RJAT, e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

VI. Custas

Nos termos da Tabela I anexa ao RCPAT, as custas são no valor de € 2448,00 (dois mil quatrocentos e quarenta e oito euros), a pagar pela Requerente, conformemente ao disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do RCPAT.

 

Notifique-se.

Lisboa, 06 de maio de 2020

 

Árbitro Presidente

(Fernanda Maçãs)

 

Árbitro Vogal

(Jónatas Machado)

 

 Árbitro Vogal

(Henrique Nogueira Nunes)