ACÓRDÃO ARBITRAL
Os árbitros Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Prof. Doutor Vasco Valdez e Mestre João Taborda da Gama (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 22 de novembro de 2019, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A... LDA., número de identificação fiscal..., com sede na Rua ..., n.º..., ...-... Lisboa (doravante, a “Requerente”), veio nos termos e para os efeitos dos artigos 2.º, n.º 2, al. a), 5.º, n.º 2, als. a) e b), 6.º, n.º 1 e 10.º, n.º 1, al. a) e n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, “RJAT”), requerer a constituição do tribunal arbitral coletivo, em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, a “Requerida” ou “AT”), tendo em vista a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do Imposto Municipal sobre a Transmissão Onerosa de Imóveis (doravante, “IMT”), dos atos de liquidação do Imposto do Selo (doravante, “IS”) e dos atos de liquidação consubstanciados na liquidação adicional de Imposto Municipal sobre Imóveis (doravante, “IMI”), relativos aos exercícios de 2012, 2013, 2015 e 2016:
Declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do IMT e de juros compensatórios resultantes dos Ofícios abaixo identificados no montante total de €33.728,55
(i) Ofício n.º..., de 13/06/2019;
(ii) Ofício n.º 2019..., de 30/05/2019;
(iii) Ofício n.º..., de 01/04/2019;
(iv) Ofício n.º..., de 10/04/2019;
(v) Ofício n.º 2019..., de 10/05/2019;
Bem como a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação do IS e de juros compensatórios, dos quais resulta um montante total de €18.810,65, resultantes dos Ofícios abaixo identificados:
(i) Ofício n.º..., de 13/06/2019;
(ii) Ofício n.º 2019..., de 30/05/2019;
(iii) Ofício n.º..., de 01/04/2019;
(iv) Ofício n.º 2019..., de 10/05/2019;
2. E, ainda, a declaração de ilegalidade dos atos de liquidação consubstanciados na liquidação adicional de IMI, abaixo identificados:
(i) Ato de liquidação adicional n.º 2013..., de 22/05/2019, relativo ao ano de 2013, no montante total de €29.683,48, referente a diversos prédios sitos em diversos concelhos;
(ii) Ato de liquidação adicional n.º 2015..., de 28/02/2019, relativo ao ano de 2015, no montante total de €21.729,65, referente a diversos prédios sitos nos municípios de Braga, Coimbra, Montemor-o-Velho, Soure, Olhão, Amadora, Paredes, Vila Nova de Gaia, Almeirim, Barreiro, Seixal, Sesimbra, outros prédios não listados e o prédio sito no concelho de Braga, na freguesia de ... inscrito sob o artigo matricial ...;
(iii) Ato de liquidação adicional n.º 2016..., de 22/02/2019, relativo ao ano de 2016, no montante total de €18.110,17, referente a diversos prédios sitos nos concelhos de Braga, Montemor-o-Velho, Soure, Olhão, Amadora, Barreiro, Seixal, Sesimbra, outros prédios não listados, e os prédios sitos no concelho de Braga, na freguesia de ... inscrito sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ... e no concelho de Montemor-o-Velho, inscrito sob o artigo matricial ...;
(iv) Ato de liquidação adicional n.º 2015 ..., de 02/05/2019, relativo ao ano de 2015, no montante total de €2.395,84, referente aos prédios sitos no concelho de Torres Vedras, sitos na freguesia de ..., sob os artigos matriciais ... e ..., na freguesia de ..., inscrito sob o artigo matricial ... e na freguesia de ..., inscritos sob os artigos matriciais ... a ..., e outros prédios não listados;
(v) Ato de liquidação adicional n.º 2016 ..., de 02/05/2019, relativo ao ano de 2016, no montante total de €2.395,84, referente aos prédios sitos no concelho de Torres Vedras, sitos na freguesia de ..., inscritos sob os artigos matriciais ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... .
3. O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 22/11/2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
4. Nos termos do disposto na al. a) do n.º 2 do artigo 6.º e da al. b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.
5. Notificada para o efeito, a Requerida apresentou a sua resposta em 14/01/2020.
6. Por despacho de 17/01/2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e concedido prazo para produção de alegações escritas.
7. As alegações finais escritas, em que as partes mantiveram as suas posições iniciais, foram apresentadas pela Requerente no dia 04/02/2020 e pela Requerida em 20/02/2020.
8. A Requerente alega, em síntese, que:
8.1. A cumulação de pedidos de declaração de ilegalidade dos atos tributários de IMT, IS e IMI em apreço é admissível por estarem verificados os pressupostos exigidos no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, i.e., assentam na mesma base factual e de direito.
8.2. Em causa está a ilegalidade dos atos tributários de IMT, IS e IMI referentes a 2012, 2013, 2015 e 2016, resultantes da ação de inspeção tributária interna, sob a ordens de serviço n.ºs OI 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., ao Fundo B..., por caducidade das isenções de IMT, IS e IMI aplicadas por força do Regime Jurídico aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (“FIIAH”) e Sociedades de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (“SIIAH”), previsto e aprovado pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro (“Lei do Orçamento do Estado para 2009” ou “LOE 2009”).
8.3. No âmbito destas operações, o Fundo beneficiou da isenção de IMT, IS e IMI, prevista no artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8 do Regime Jurídico dos FIIAH, consagrado no artigo 104.º da LOE 2009, referentes a aquisição de prédios urbanos ou frações autónomas, destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente.
8.4. De acordo com a fundamentação do projeto de inspeção, os serviços de inspeção verificaram que “(…) todos os imóveis adquiridos pelo FUNDO B... (FIIAH) foram alienados por uma única sociedade, o BANCO C..., S.A., (…) (conforme os citados resumos das escrituras notariais e as liquidações isentas de IMT e IS dos naos de 2012 e 2013) (…). Este facto revela que existiu a consciência e a vontade própria de as aquisições estarem a ser efetuadas não a famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, mas sim ao BANCO C..., S A, que também é o depositário dos ativos do FUNDO e a entidade comercializadora responsável pela colocação das unidades de participação do FUNDO junto dos investidores (…)” (cf. pág. 22 e 23 do projeto de relatório).
8.5. Os serviços de inspeção concluíram que “Assim não se cumpre um pressuposto primordial da lei, o pressuposto de concorrer para o desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros dos anos da crise, não se cumprindo o auxílio às famílias em dificuldades financeiras, auxílio previsto no Relatório OE2009 (Orçamento do Estado para 2009),que está na génese do Regime Especial aplicável aos FIIAH e na Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de Dezembro. Nestes termos propõe-se que seja liquidado o IMT, o IS e o IMI relativamente a todos imóveis que viram a sua isenção caducar, face ao disposto no Regime Especial aplicado aos FIIAH.” (cf. pág. 23 do projeto de relatório).
8.6. O artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT, e o artigo 39.º, n.º 1, do Código do IS, fixam os prazos de caducidade do direito à liquidação, porém, no caso vertente, para os atos tributários de IMT, IS e de IMI, aplica-se o prazo de quatro anos previsto no artigo 31.º do Código do IMT, o artigo 39.º, n.º 1, 1.ª parte do Código do IS e o artigo 116.º, n.º 1, 1.ª parte do Código do IMI, a contar das datas das certidões emitidas pelo Serviço de Finanças de Lisboa ... (código ...) de 14/11/2012, 20/12/2012, 15/02/2013, 22/05/2013, 20/06/2013, 20/09/2013 e 23/12/2013, na sequência da apresentação da declaração Modelo 11.
8.7. Os prazos de caducidade das liquidações de IMT e IS terminaram nos dias 14/11/2016, 20/12/2016, 15/02/2017, 22/05/2017, 20/06/2017 e 23/12/2017 e quanto à liquidação do IMI, a caducidade ocorreu no ano de 2017.
8.8. Nos casos do IMT e do IS, a iniciativa da liquidação é do sujeito passivo e a competência para a liquidação pertence à AT, com base na declaração do sujeito passivo ou, oficiosamente, sendo, em regra, antes do ato ou facto translativo dos bens (cf. artigos 19.º a 22.º do Código do IMT e artigo 23.º do Código do IS). A liquidação é oficiosa sempre que os interessados não tomem a iniciativa de o fazer e quando houver lugar a qualquer liquidação adicional.
8.9. No caso do IMI, o artigo 113.º, n.º 5, do Código do IMI prevê que “Sempre que os pressupostos da isenção deixem de verificar-se e os sujeitos passivos não deem cumprimento ao disposto na alínea g) do n.º 1 do artigo 13.º, a administração fiscal procede à liquidação extraordinária do imposto desde o ano, inclusive, ao da caducidade da isenção”.
8.10. No caso concreto, verificou-se a iniciativa do sujeito passivo antes do ato translativo do imóvel, perante a qual os serviços da AT entenderam não promover a liquidação do IMT e do IS por aplicação da isenção, tendo emitido certidão de forma a viabilizar a escritura notarial.
8.11. O mesmo sucedeu no caso da liquidação do IMI, tendo o Fundo beneficiado das isenções do artigo 8.º, n.º 6, do Regime Jurídico dos FIIAH.
8.12. As liquidações em apreço são liquidações oficiosas adicionais/extraordinárias nos termos dos artigos 19.º, n.º 2, e 31.º, n.º 2, do Código do IMT, artigo 23.º, n.º 4, do Código do IS e artigo 113.º, n.os 4 e 5, do Código do IMI.
8.13. Para efeitos de aplicação dos artigos 31.º e 35.º do Código do IMT, artigo 33.º do Código do IS e artigo 116.º, n.º 1, do Código do IMI, a distinção entre a primeira liquidação e a liquidação adicional baseia-se em haver ou não uma alteração a uma prévia definição da situação tributária por parte da AT e relativamente a determinado facto tributário.
8.14. A delimitação entre o campo de aplicação dos dois prazos de caducidade prende-se não com a circunstância de se apurar um montante adicional de imposto, mas com a circunstância de a AT já ter ou não conhecimento dos factos tributários e já ter ou não previamente promovido pela definição da situação tributária em relação àqueles factos.
8.15. No caso concreto, a Requerida tinha conhecimento, ab initio, da alegada falta de preenchimento das condições para benefício das isenções em sede de IMT, IS e IMI, pois o Fundo adquiriu os imóveis a um Banco, pelo que, na sua ótica, a situação fática não se enquadrava nos cânones do Regime Jurídico dos FIIAH.
8.16. Se não estavam preenchidas as condições à data de aquisição dos imóveis, então a AT não deveria ter concedido as isenções, como o fez, ou no limite dispunha de 4 anos para liquidar o imposto.
8.17. Em resultado da ação inspetiva, a Requerida concluiu que a isenção verificada anteriormente pelo serviço de finanças e pelo notário que lavrou a escritura, não refletia uma correta subsunção à previsão normativa, pelo que procedeu à correção e liquidou o imposto que entendeu ser devido.
8.18. Para a Requerente trata-se de uma liquidação adicional, pelo que não é pelo facto de anteriormente a AT ter declarado verificada uma isenção e não ter sido pago qualquer imposto que se pode qualificar a liquidação de “inicial” e aplicar o prazo de caducidade de 8 anos (cf. artigo 31.º do Código do IMT e do artigo 23.º, n.º 4, do Código do IS).
8.19. No caso alega a Requerente aplicar-se o prazo de 4 anos previsto no artigo 31.º do Código do IMT, do artigo 39.º, n.º 1, do Código do IS e dos artigos 116.º, n.º 1, primeira parte do Código do IMI, às situações como a vertente correção.
8.20. A Requerente alega falta de fundamentação das liquidações de IMI n.ºs 2013..., de 22/05/2019; 2015..., de 22/02/2019; e 2016... de 22/02/2019, porquanto não são identificados os imóveis em causa (salvo em casos pontuais), mas apenas o código da freguesia e o município a que respeita o imóvel, assim como também não é identificado (salvo em casos pontuais) o valor patrimonial, a taxa ou qualquer outro tipo de informação que permita ao sujeito passivo avaliar a liquidação e a forma de cálculo.
8.21. No caso da liquidação do IMI n.º 2013..., de 22/05/2019, não é identificado o código da freguesia ou os municípios, existindo apenas uma menção à totalidade dos Municípios, ao ano da liquidação e ao montante total da coleta, o que impossibilita a avaliação da legalidade da liquidação, nos termos do artigo 77.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária (“LGT”).
8.22. Os atos tributários em apreço são claramente insuficientes quanto à necessária fundamentação, pois não permite conhecer na íntegra a relação entre a incidência adicional do IMI e os imóveis em causa ou os seus valores patrimoniais tributários e taxas aplicáveis, devendo ser anulados conforme o artigo 163.º do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”).
8.23. Quanto aos atos de liquidação de IMT e IS emitidos pelos Ofícios n.ºs..., de 13/06/2019, do serviço de finanças da ... ; 2019... de 30/05/2019, do serviço de finanças da Matosinhos ...; ... de 01/04/2019, do serviço de finanças de ...; e 2019..., de 10/05/2019, do serviço de finanças de Vila Nova de Gaia ..., a fundamentação de facto e de direito não é coincidente com a fundamentação de facto e de direito expressa no Relatório de Inspeção.
8.24. As correções ao IMT, IS e IMI propostas pelo Relatório de Inspeção têm como fundamentos: (i) o facto de o Fundo ter beneficiado indevidamente das isenções de IMT, IS e IMI, ao abrigo do Regime Jurídico dos FIIAH, dado que esse Fundo havia adquirido todos os seus imóveis a uma única entidade – o Banco C..., S.A. – não cumprindo o pressuposto referente ao desagravamento dos encargos das famílias no contexto dos mercados financeiros nos anos da crise; (ii) o facto de os serviços de inspeção terem considerado que a mera intenção de destinar os prédios a arrendamento, sem a sua efetivação, não era suficiente para manter em vigor a isenção do IMT, IS e IMI; e (iii) da interpretação do preâmbulo da Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de dezembro, do Relatório do OE 2009 e do artigo 5.º do Regime Jurídico dos FIIAH, a AT entendeu que não estariam reunidos os pressupostos para o Fundo beneficiar das isenções.
8.25. De acordo com o Relatório de Inspeção, a inconstitucionalidade do artigo 236.º, n.º 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro (“LOE 2014”), declarada pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 175/2018, de 29 de maio, proferido no processo n.º 175/17, “(…) nada afeta a presente proposta de correções.”.
8.26. No entanto, o Tribunal Constitucional julgou inconstitucional “(…) por violação do princípio da proteção da confiança, decorrente do artigo 2.º da Constituição, a norma decorrente do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, em conjugação com o n.º 16 do artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH e às SIIAH, na versão decorrente das alterações levadas a cabo pela aludida Lei, de acordo com a qual as isenções em sede de IMT e de Imposto de Selo previstas nos n.os 7, alínea a), e 8, daquele artigo 8.º caducam se o imóvel adquirido for alienado no prazo de três anos, contados de 1 de janeiro de 2014.” (cf. acórdão n.º 175/2018, de 29/05, 175/17 e 246/17; DR, 2ª Série, n.º 103, de 29/05/2018).
8.27. Os atos de liquidação acima têm como fundamento a caducidade das isenções do IMT e IS pelo facto de os imóveis, adquiridos em 2012 e 2013, terem sido alienados antes de decorrido o prazo de 3 anos, como previsto no artigo 8.º, n.ºs 14 e 16, do Regime Jurídico dos FIIAH, ou não terem sido objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de 3 anos contados a partir de 01/01/2014.
8.28. Ainda que se admitisse que os Ofícios se poderiam fundamentar no Relatório de Inspeção – o que parece ser o caso dada a expressa remissão para este – sempre se terá de exigir que a fundamentação dos atos tributários se bastasse com tal remissão, não podendo a AT invocar outros argumentos, a posteriori, contraditórios com o Relatório de Inspeção.
8.29. Relativamente à ilegalidade das correções ao IMT, IS e IMI propostas pelos serviços de inspeção, a AT, após análise das amostras das escrituras públicas de compra e venda dos imóveis celebradas pelo Fundo, concluiu que todos os imóveis foram alienados por uma única sociedade – o Banco C..., S.A..
8.30. Segundo a AT “Este facto revela que existiu a consciência e a vontade própria de as aquisições estarem a ser efetuadas não a famílias oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, mas sim ao BANCO C..., S A, que também (…)” (cf. págs. 22 e 23 do Relatório de Inspeção).
8.31. Partindo desta observação e baseados no Relatório do OE 2009, na Portaria n.º 1553-A/2008, de 31 de dezembro, e no artigo 5.º do Regime Jurídico dos FIIAH, os serviços de inspeção defendem a caducidade das isenções ao IMT, IS e IMI aplicadas aquando da aquisição e manutenção dos imóveis pelo Fundo, porquanto não foram observados os pressupostos legais, como a aquisição dos imóveis às famílias oneradas com prestações dos empréstimos à habitação.
8.32. Para a Requente trata-se de interpretação restritiva ilegal do Regime Jurídico dos FIIAH, e em especial a parte relativa aos benefícios fiscais consagrados no artigo 8.º e errónea.
8.33. De acordo com o artigo 8.º, n.º 7, al. a) do Regime Jurídico dos FIIAH, o Fundo pode beneficiar da isenção do IMT na condição de o prédio urbano ou fração autónoma do prédio urbano se destinar exclusivamente ao arrendamento para habitação permanente.
8.34. De igual modo, na isenção de IS, o legislador exige que os atos praticados têm de estar conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados à habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no artigo 5.º, n.º 3 do aludido regime, não sendo imperativo que se observe a prorrogativa do exercício da opção de compra.
8.35. Assim sendo, analisado o Regime Jurídico dos FIIAH, nomeadamente o artigo 8.º, não se alcança a conclusão da Requerida, porquanto a lei não exige que, para beneficiar das isenções de IMT, IS e IMI, o Fundo tem de adquirir os imóveis a famílias oneradas com prestações dos empréstimos à habitação.
8.36. Por outro lado, não resulta do artigo 5.º do Regime Jurídico dos FIIAH que o Fundo seja obrigado a adquirir todos os imóveis a mutuários de contratos de crédito à habitação e muito menos que exista a obrigação de permitir a opção de compra nas condições estabelecidas no n.º 3.
8.37. O entendimento expresso no Relatório de Inspeção, segundo o qual as isenções de IMT, IS e IMI não são devidas pelo facto de o Fundo ter adquirido os imóveis a uma única entidade e não a pessoas singulares oneradas com as prestações dos empréstimos à habitação, viola o princípio da legalidade na vertente de tipicidade, sendo inconstitucional e inadmissível no nosso ordenamento jurídico-tributário.
8.38. O artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH apenas dispõe que haverá isenção de IMT e IS nas operações e atos associados à aquisição de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos, se os mesmos se destinarem exclusivamente a arrendamento para habitação permanente e forem adquiridos por um FIIAH.
8.39. De acordo com o mesmo regime, ficam isentos de IMI, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH.
8.40. Contrariamente ao invocado pelos serviços de inspeção, inexiste na letra do artigo 8.º, n.os 6 a 8, do Regime Jurídico dos FIIAH qualquer elemento que permita afirmar que apenas as operações de aquisição de imóveis celebradas entre o Fundo e os particulares estão isentas de IMI, IMT e IS.
8.41. O Banco C..., S.A., realizou diversas operações de aquisição de imóveis, nomeadamente os imóveis em apreço, mediante apresentação de proposta em carta fechada em processos de execução civil nos quais figuravam como executados pessoas singulares que não conseguiram efetuar o pagamento das prestações de empréstimos habitacionais às diversas instituições de crédito.
8.42. Considerando que o objeto do Banco C..., S.A., não se centrava na gestão e manutenção de imóveis, os imóveis em questão foram alienados ao Fundo que os integrou na sua carteira de imóveis e que os passou a gerir e a rentabilizar, através do arrendamento habitacional às famílias que, com o agravamento da crise, não lograram firmar seus compromissos assumidos junto das instituições de crédito.
8.43. Quanto à mera intenção de arrendamento dos imóveis, houve, efetivamente, a celebração de contratos de arrendamento sobre alguns imóveis destinados à habitação permanente.
8.44. Do artigo 8.º, n.os 6 a 8, do Regime Jurídico dos FIIAH resulta que “destinar um prédio exclusivamente a habitação” não equivale a “afetar”, pois, caso contrário, deveria ser estabelecida a exigência dum prazo para tal afetação sob pena de perda da isenção, como sucede no caso do artigo 11.º, n.º 7, do Código do IMT.
8.45. Nos casos das aquisições de imóveis descritas, a AT não ilidiu qualquer presunção de que os imóveis não se destinavam exclusivamente ao arrendamento habitacional, tendo admitido as isenções do IMT, IS e IMI.
8.46. Só por impossibilidades alheias à entidade gestora do Fundo é que não foi possível arrendar os imóveis.
8.47. O argumento dos serviços de inspeção constitui uma penalização na esfera tributária do Fundo, na medida em que pretende fazer caducar isenções pelo facto de o contrato não ter sido efetivamente celebrado ou de o imóvel adquirido não ter permanecido na propriedade do Fundo por determinado prazo, apesar da ausência de qualquer alternativa financeiramente sustentável para a sua detenção.
8.48. Do artigo 8.º, n.os 6 a 8, do Regime Jurídico dos FIIAH, não decorre qualquer regra idêntica ao disposto no 14.º, n.º2, do EBF, e muito menos à caducidade do benefício, nem à possível autorização ministerial que impedisse tal caducidade e, consequentemente, nem os possíveis fundamentos para a hipotética autorização (cf. decisão arbitral n.º 275/2016-T).
8.49. Quanto à inconstitucionalidade por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei e da proteção da confiança jurídica, cumpre realçar que todos os atos de liquidação têm em comum a aplicação do Regime Jurídico dos FIIAH, com a redação da LOE 2014, que aditou à redação concedida pela LOE 2009, os n.os 14 a 16, do artigo 8.º e criou um regime transitório consagrado no artigo 236.º, n.º 2.
8.50. A partir de 2014, o artigo 8.º do aludido Regime jurídico passou a prever as seguintes imposições legais “14 — Para efeitos do disposto nos nºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.os 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.”.
8.51. Por sua vez, o artigo 236.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 (“LOE 2014”) consagrou o seguinte regime transitório: “1 - O disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 -A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64 A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando -se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”.
8.52. A correção baseada no artigo 236.º, n.º 2, da Lei 83-C/2013, de 31 de dezembro, e dos n.ºs 14, 15 e 16 do Regime jurídico dos FIIAH, nos termos da qual a aquisição e manutenção dos imóveis em causa, que ocorreu antes de 01/01/2014, é alvo de tributação, por caducidade de isenção, pelo facto de o imóvel ter sido vendido antes de decorrido o prazo de três anos contados a partir de 01/01/2014 ou após essa data, é violadora do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que determina que “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos (…) que tenham natureza retroativa (…)” e do princípio da tutela da confiança jurídica.
8.53. Todos os imóveis em causa foram adquiridos em 2012 e 2013, pelo que a aplicação das isenções foi concedida com base na LOE 2009, mas os atos de liquidação têm por base as alterações introduzidas pela LOE 2014 ao Regime Jurídico dos FIIAH, alargando o âmbito de incidência do IMT, IMI e IS, na medida em que impõem novos requisitos necessários à concessão das isenções.
8.54. O artigo 236.º, n.º 2, da LOE 2014, impõe que as aquisições onerosas de imóveis e atos e contratos conexos anteriores à sua entrada em vigor, passem a estar sujeitas à observância dos requisitos previstos nos n.os 14 a 16 do artigo 8.º do aludido regime, por força dessa disposição transitória especial, sendo essa norma fiscal dotada de retroatividade autêntica.
8.55. Do artigo 236.º, n.º 2, da LOE 2014 em conjugação com os n.ºs 14 a 16, do artigo 8.º da LOE 2009, na nova redação, decorre uma tributação retroativa (retroatividade autêntica), violadora do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, sendo os atos de liquidação em apreço inconstitucionais e deverão ser anulados em conformidade com o artigo 204.º da CRP (cf. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 617/2012, de 19/12/2012, processo n.º 150/12).
8.56. Para a Requerente haveria sempre lesão do princípio da proteção da confiança, ainda que se entendesse tratar-se de retroatividade inautêntica.
8.57. Quanto à ilegalidade das liquidações de juros compensatórios, no caso do ato de liquidação do IMT e IS consubstanciado no Ofício n.º 2019..., de 10/05/2019, do serviço de finanças Vila Nova de Gaia ..., não comporta identificação do apuramento dos juros compensatórios de acordo com o artigo 35.º da LGT.
8.58. A AT apenas faz menção que os juros compensatórios foram calculados desde a data limite para pedir a liquidação (que o Requerente desconhece) até à data da conclusão da ação inspetiva (05/12/2018), não identificando a taxa nem o número de dias sobre os quais versou o apuramento destes juros.
8.59. Da conjugação do artigo 35.º com o artigo 77.º, ambos da LGT, impera sobre a AT o dever de demonstrar o apuramento dos juros compensatórios, indicando as datas de início e do fim do cálculo dos juros compensatórios, bem como a taxa aplicada e o número de dias contabilizados.
8.60. A liquidação de juros compensatórios é ilegal porque não estão verificados os pressupostos para a sua liquidação previstos no artigo 35.º da LGT.
8.61. No caso concreto, não existiu retardamento de IMT, IS e IMI porquanto a respetiva liquidação emitida pela Requerida é ilegal e também não existiu culpa, pois não merece qualquer censurabilidade a conduta da entidade gestora do Fundo ou da Requerente.
8.62. Quanto ao pagamento voluntário e aos juros indemnizatórios, uma vez que procedeu ao pagamento dos atos tributários deve ser reembolsada dos montantes indevidamente pagos nos termos do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, o direito a juros indemnizatórios.
9. Por sua vez, a Requerida alega que:
9.1. O sujeito passivo apresentou uma declaração prevista no artigo 19.º, n.º 1, do Código do IMT, e só posteriormente é que a AT promoveu uma fiscalização, analisando a verificação dos pressupostos da isenção, conforme o artigo 7.º do EBF.
9.2. O artigo 7.º do EBF determina que o reconhecimento dos benefícios está sujeito a controlo e após esse controlo, é que é aferida a verificação dos pressupostos da isenção, que foi o que aconteceu, no caso concreto, só depois de realizada a fiscalização.
As liquidações de imposto ora impugnadas não podem ser consideradas liquidações adicionais, como decorre da decisão de 02/12/2016, no processo n.º 224/2016-T, tese à qual adere a Requerida e onde se faz referência ao acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido em 14/09/2011 no processo n.º 0294/11, onde se conclui que “No caso em concreto, não existe uma liquidação prévia, mas apenas o reconhecimento automático de uma isenção, tendo vindo, posteriormente, a ser emitida a liquidação.
Nesses termos, o prazo de caducidade não é de 4 anos, conforme o artigo 45º, nº 1 da LGT, mas de 8 anos, de acordo com o artigo 35º, nº 1 do CIMT.”.
9.3. O documento emitido para permitir a realização da escritura e que por vezes faz referência ao valor da liquidação a 0,00€ não foi uma liquidação no verdadeiro sentido do termo, mas um documento que teve como objetivo permitir o contrato de aquisição (escritura pública ou outro).
9.4. Não há, portanto, um ato de reconhecimento da isenção, mas sim, um efeito automático do benefício, em função apenas da declaração do sujeito passivo.
9.5. De acordo com o artigo 35.º, n.º 1, do Código do IMT, conjugado com o disposto nos n.ºs 1 e 4 do artigo 45.º da LGT, o prazo para praticar o ato tributário, sob pena de caducidade do respetivo direito é fixado em 8 anos, contados da data em que ocorra o facto tributário, pelo que as liquidações foram efetuadas e validamente notificadas ao contribuinte dentro do referido prazo.
9.6. Não tendo existido qualquer liquidação de imposto, antes da celebração da escritura, não se pode considerar que as liquidações impugnadas constituem uma liquidação adicional.
9.7. A AT não estava impedida de liquidar o imposto em falta no prazo legalmente previsto para o efeito de 8 anos, conforme veio a suceder, inexistindo qualquer violação ao direito aplicável nem a quaisquer princípios, como o da certeza e segurança jurídica.
9.8. Quanto à interpretação e aplicação do Regime Jurídico dos FIIAH, as liquidações impugnadas foram emitidas com fundamento na caducidade da isenção de IMT, IS e de IMI a que se referem os n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 8.º do Regime Jurídico dos FIIAH, aprovado pelos artigos 102.º e 104.º da LOE 2009, de que o Fundo B... beneficiara aquando da aquisição, ao Banco C..., S.A., nos anos de 2012 e 2013, dos imóveis identificados.
9.9. Ao contrário do alegado no PPA, mostram-se reunidos os pressupostos de caducidade da isenção de IMT, IS e IMI em causa, dado que os imóveis não foram objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente nos termos das alterações introduzidas pelos artigos 235.º e 236.º da LOE 2014 ao Regime Jurídico dos FIIAH.
9.10. O Regime Jurídico dos FIIAH foi aprovado pelo artigo 102.º da LOE 2009. O subsequente artigo 103.º da referida Lei dispõe que aquele regime é aplicável aos FIIAH ou SIIAH constituídos durante os cinco anos subsequentes à entrada em vigor da presente lei aos imóveis adquiridos no mesmo período.
9.11. Com a criação do Regime Jurídico aplicável dos FIIAH, o legislador teve em vista os seguintes objetivos: “Em conclusão o presente regime pretende atingir dois objetivos fundamentais: o primeiro, acudir a situações de dificuldade, o segundo, incentivar o arrendamento para habitação própria e permanente.” (cf. In Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento habitacional, Âmandio Fernandes Silva, Jornal de negócios de 19 de janeiro de 2009).
O regime tributário dos FIIAH é regulado pelo artigo 8.º do respetivo Regime Jurídico, e que, com as alterações introduzidas pelo artigo 235.º da LOE 2014, que aditou os n.ºs seguintes:
“(…)
14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.
9.12. Trata-se de um regime jurídico especial, autónomo e transitório, que determina que ficam isentos daqueles impostos as aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a habitação própria e permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1.
9.13. Por sua vez, o artigo 236.º da LOE 2014 estabelece uma norma transitória sobre o âmbito de aplicação do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH com o seguinte teor:
“1- O disposto nos nºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2- Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos nºs. 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.”.
9.14. A partir de 01/01/2014, a isenção de IMT dos imóveis integrados no Fundo tendo em vista o arrendamento foi alargada até 2015, contudo, para efeitos de cumprimento do pressuposto de arrendamento para habitação permanente, passou a ser exigida prova da existência de contrato de arrendamento.
9.15. Em rigor, a lei não estabeleceu nenhum novo requisito apenas fixou um prazo para cumprimento desse requisito.
9.16. O legislador estabeleceu um período transitório para aplicação das alterações de forma a que o requisito expressamente estabelecido na lei seja aferido para futuro, para os prédios adquiridos antes e após 01/01/2014.
9.17. In casu, os imóveis não foram objeto de contrato de arrendamento nas condições exigidas pelo artigo 8.º, n.º 14, do Regime Especial dos FIIAH – razão pela qual a AT entendeu, e bem, pela caducidade da isenção de impostos anteriormente concedida, visto que não se verificou a afetação dos mesmos à finalidade para que foram concedidas as isenções, i.e., destinar os imóveis ao arrendamento habitacional.
9.18. Ocorrendo uma afetação a finalidade diferente, tal determina a caducidade da isenção concedida, por violação da ratio legis da norma de isenção fiscal por aplicação do artigo 14.º, n.º 3, do EBF, (artigo 12.º, n.º 3, na redação do EBF que se encontrava em vigor previamente à republicação do mesmo pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho).
9.19. Como resulta do artigo 14.º, n.º 2, da LGT que “Os titulares de benefícios fiscais de qualquer natureza são sempre obrigados a revelar ou a autorizar a revelação à administração tributária dos pressupostos da sua concessão, ou a cumprir outras obrigações previstas na lei ou no instrumento de reconhecimento do benefício, nomeadamente as relativas aos impostos sobre o rendimento, a despesa ou o património, ou às normas do sistema de segurança social, sob pena de os referidos benefícios ficarem sem efeito.”.
9.20. Assim sendo, no caso dos presentes autos, atento o Regime Especial dos FIIAH, tendo ocorrido a caducidade da isenção por via da aplicação do disposto no artigo 14.º, n.º 3, do EBF, nem sequer se coloca a questão da retroatividade ou não da norma prevista no artigo 236.º da LOE 2014.
9.21. As liquidações impugnadas devem manter-se, por corresponderem a uma correta interpretação e aplicação da lei aplicável aos FIIAH.
9.22. Quanto à falta de fundamentação dos atos tributários, não tem qualquer sustentação a tese da Requerente, porquanto as liquidações notificadas à Requerente são a consequência de um procedimento inspetivo, no âmbito da qual, foi notificada para o exercício do direito de audição.
9.23. De acordo com a doutrina, o ato administrativo-tributário encontra-se devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final.
9.24. No caso vertente, a fundamentação é suficientemente clara e inequívoca, tanto mais que a Requerente através do PPA e em face dos argumentos por si explanados, demonstra ter compreendido o quadro fáctico e legal em que assentou a decisão, já que tenta rebater, ponto por ponto.
9.25. Ainda que o ato sub judice padecesse de fundamentação deficiente, tais deficiências constituiriam meras irregularidades não essenciais.
9.26. Quanto aos juros compensatórios, o direito a estes depende da conjugação de um elemento objetivo - o atraso na liquidação, e de um elemento subjetivo - a culpa do contribuinte, seja a título de dolo ou mera negligência.
9.27. Por todo o exposto, as liquidações em apreço assentam numa correta interpretação e aplicação das normas aplicáveis, não podendo colher nenhum dos argumentos, nem podendo proceder nenhum dos vícios imputados pela Requerente.
II. SANEADOR
10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente.
11. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (arts. 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
12. O presente Pedido Arbitral é deduzido com cumulação de pedidos, nos termos do artigo 3.º, n.º1, do RJAT, segundo o qual é admissível a cumulação de pedidos quando “(…) a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito”.
Verificando-se os pressupostos mencionados a cumulação é legal.
13. O processo não enferma de nulidades.
Cumpre decidir.
III. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
14. O sujeito passivo, o Fundo B... - Fundo de Investimento Imobiliário Fechado para Arrendamento Habitacional (“Fundo B...” ou “Fundo”), foi constituído a 06/06/2012 e era representado e gerido pela sociedade D..., S.A. (“D...”).
15. O Fundo B... era um fundo de investimento imobiliário fechado para arrendamento habitacional, de subscrição particular, constituído a 06/06/2012 e era representado e gerido pela sociedade D... .
16. No âmbito da sua atividade, a sociedade D... adquiriu, em 2012 e em 2013, os prédios urbanos, afetos à habitação, a que se referem os atos tributários com vista a integrá-los no património do Fundo.
17. O Fundo adquiriu ao Banco C..., S.A., em 2012 e 2013, prédios urbanos ou frações autónomas destinadas exclusivamente a arrendamento habitacional, beneficiando de isenção de IMT, IS e IMI ao abrigo do artigo 8.º, n.ºs 6, 7 e 8 do Regime Jurídico dos FIIAH.
18. O benefício fiscal verificou-se por iniciativa do sujeito passivo antes do ato translativo dos imóveis, perante a qual os serviços da AT entenderam não promover a liquidação do IMT, do IS e do IMI, por aplicação da isenção, tendo sido emitidas certidões de forma a viabilizar a escrituras notariais, pelo serviço de Finanças de Lisboa-... (código ...) de 14.11.2012, 20.12.2012. 15.02.2013, 22.05.2013, 20.06.2013, 20.09.2013, e 23.12.2013, na sequência da apresentação da declaração Modelo 11 modelo (cfr. ponto III. 1., pág. 22 do doc. n.º 7 e pontos 30.º, 37.º e 38.º do Pedido Arbitral).
19. Por escritura pública lavrada a 06/04/2017, o Fundo foi dissolvido e liquidado, tendo sido acordada a transferência global do seu património a favor da Requerente que, em 2017, era a única participante do Fundo.
20. Em 2018, o Fundo foi objeto de uma ação inspetiva interna, efetuada em cumprimento das Ordens de Serviço n.ºs OI 2018..., 2018..., 2018..., 2018... e 2018..., realizada pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças de Lisboa.
21. Por Ofício n.º..., de 06/11/2018, e no decurso da ação inspetiva relativa aos anos de 2012 a 2016, a Requerente, em representação do Fundo, foi notificada do projeto de relatório de inspeção tributária no qual foram propostas correções em sede de IMT, IS e IMI.
22. No dia 7 de janeiro de 2019, a Requerente, em representação do Fundo, foi notificada do relatório final de inspeção tributária.
23. Entre abril e julho de 2019, a Requerente foi notificada dos atos de liquidação de IMT, IS e IMI.
24. A Requerente efetuou o pagamento voluntário do imposto, conforme decorre dos comprovativos de pagamento das respetivas guias juntos ao PPA.
A.2. Factos dados como não provados
Não existem factos relevantes para a decisão que não tenham sido considerados provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, als. a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. art. 596.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, al. e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, a prova documental e o Processo Administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
IV. DO DIREITO
São, fundamentalmente, os seguintes os fundamentos para a Requerente pedir a anulação das liquidações descritas em 1. e 2. do Relatório da presente decisão arbitral: (i) Da caducidade do direito à liquidação de IMT, IMI e IS relativos aos imóveis adquiridos ao Banco C... SA pelo Fundo B... (beneficiando de isenção daqueles impostos) e transmitidos à ora Requerente que sucedeu ao sobredito Fundo aquando da respetiva dissolução e liquidação, na qualidade de única participante no mesmo (a que correspondem detalhadamente os factos descritos nos pontos 8.6 a 8.19 e 9.1 a 9.7, para os quais remetemos); (ii) Do vício de falta de fundamentação por falta de identificação de certos imóveis havendo, ainda, uma incoerência de fundamentação dos atos face ao Relatório de Inspeção Tributária e de (iii) se verificar uma inconstitucionalidade por força de se querer aplicar regras específicas aditadas pelo artigo 236.º, n.º 2, da Lei do OE 2014 que exigem um mínimo de permanência dos prédios na esfera dos fundos, antes de poderem ser vendidos (a que se alude nos pontos 8.9 a 8.25 e 9.5 a 9.12) e, finalmente, a Requerente contesta a obrigação de pagamento de juros compensatórios (a que se alude nos pontos 8.31 e 9.13).
Vejamos.
i) Da Caducidade
Delimitada a matéria de Direito sub judice, vamos principiar por analisar a questão da liquidação atempada ou não de IMI, IMT e IS (por virtude de ter ocorrido ou não a caducidade ao direito à liquidação), impostos esses que haviam supostamente beneficiado de isenção aquando da mencionada aquisição pelo Fundo ao Banco C... dos imóveis, já anteriormente descritos no Relatório e cuja finalidade seria serem frações autónomas exclusivamente destinadas a arrendamento habitacional.
Tendo o Relatório descrito de forma exaustiva e minuciosa a argumentação das partes, Requerente e AT, é escusado estar a reapresentar tais argumentos uma vez mais, pelo que passaremos de imediato à apreciação do Direito.
Assim, verifica-se que, no caso concreto e no que respeita ao IMT e IS, a legislação referente aos impostos em causa estabelece que a caducidade se dá, não no prazo normal de quatro anos, mas antes no de oito anos contados da data em que ocorra o facto tributário. A iniciativa da liquidação é do sujeito passivo antes do facto translativo dos bens, sendo emitida certidão de isenção pelos serviços de finanças competentes de forma a viabilizar as escrituras notariais. A questão que divide as partes gira em torno de saber se a emissão desta certidão consubstancia ou não um primeiro ato de liquidação, orientação que transformaria as liquidações em causa subsequentes como verdadeiras liquidações adicionais, com reflexo nos prazos de caducidade do direito à liquidação dos tributos.
Reconhece-se a controvérsia da questão e também que a própria AT designou de liquidações oficiosas algumas correções que entretanto fez exigindo imposto por entender que não havia direito a isenção (cfr. inter alia artigos 55.º e 56.º do pedido arbitral da Requerente), estribados no entendimento tirado no processo arbitral n.º 224/2016-T e na jurisprudência do STA proferida em 14-09-2011, no processo n.º 0294/11, “a liquidação que deu origem à dívida exequenda não foi efectuada em ordem a corrigir ou rectificar uma liquidação anterior viciada por erro de facto ou de direito ou por omissões ou inexactidões praticadas nas declarações prestadas para efeitos de liquidação. Desde logo porque, como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, a transmissão do imóvel que consitui o facto tributário não havia dado lugar à liquidação de imposto porque, atento o valor e o destino declarados, dele estava isento”.
No caso em apreço, o nosso entendimento, na esteira deste Acórdão e também do entendimento que fazemos dos factos é o seguinte: o Fundo apresentou-se perante a AT mencionando que ia adquirir certo número de imóveis que preenchiam os requisitos para gozar de isenção dos três impostos, pelo que tais benefícios lhe foram automaticamente concedidos, em função da declaração por si efetuada. Não há propriamente uma liquidação de imposto pela AT, mas sim o reconhecimento automático do benefício. Só em momento ulterior, para controlar a concessão dos benefícios em causa, conforme dispõe o artigo 7.º do EBF, é que se dá verdadeiramente uma liquidação do tributo, por discordância com algum dos pressupostos que a AT considerou que não se verificavam para o reconhecimento dos mesmos, pelo que não estaremos perante uma verdadeira liquidação adicional, mas de uma primeira liquidação, pelo que, nessa medida, não procede o pedido da Requerente de que já havia sido ultrapassado o prazo para se poder fazer a liquidação dos tributos em causa e, por consequência, que tais liquidações não eram válidas e deviam ser objeto de anulação pelo Tribunal com este fundamento.
No que respeita ao IMI, determina a lei (artigo 116.º, n.º 1 e 113.º, n.º 5 do Código do IMI) que o prazo de caducidade é quatro anos, sendo, contudo, de oito anos nos casos em que os pressupostos da isenção deixaram de se verificar. Desta feita, a determinação de uma possível caducidade do direito à liquidação relativamente às liquidações IMI implica uma análise sobre a questão de fundo sobre os pressupostos da isenção, que se efetua nos termos (iii) infra.
ii) Da falta de fundamentação
Seguidamente, a Requerente solicita que o Tribunal decida pela anulação de atos de liquidação de IMI em relação a uns tantos prédios que identifica nos artigos 68.º a 80.º do pedido arbitral e constantes do Relatório com o fundamento de que em vários casos não se identificaram claramente os prédios ou estão omissos alguns elementos essenciais como o valor patrimonial, a taxa ou qualquer outro tipo de informação que permita ao sujeito passivo avaliar a liquidação e a forma de cálculo do imposto a pagar. É por demais evidente que, ao abrigo, entre outros, do artigo 77.º, n.º 2, da LGT que há um dever de fundamentação dos atos tributários, que a doutrina e a jurisprudência têm sublinhado com todo o vigor. Simplesmente, também aqui aderimos ao ponto de vista expresso pela AT, nos artigos 50.º a 67.º da sua contestação (mormente nas citações jurisprudenciais dos Tribunais superiores), porquanto, como aí se diz, tudo indica que a Requerente foi visada no âmbito de um processo inspetivo e, nessa medida, acabou por tomar conhecimento da fundamentação dos atos de liquidação em termos que lhe permitiram assegurar a sua defesa. Finalmente, sempre poderia ter lançado mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT, solicitando que lhes fossem expressamente notificados os elementos em falta ou passada certidão com os mesmos, o que não foi feito. Por consequência, é entendimento do Tribunal que também aqui não há razão para anular as liquidações de IMI com o fundamento invocado pela Requerente.
iii) Quanto às questões de inconstitucionalidade
Lido o Relatório de inspeção tributária (RIT) que fundamenta as correções que foram efetuadas e que ora se encontram em apreciação por este Tribunal em virtude das liquidações já identificadas, verifica-se que o mesmo, a págs. 21 e ss., menciona que dos 501 imóveis adquiridos pelo Fundo ao Banco C... (nos anos de 2012 e 2013) somente 151 deles foram objeto de celebração de contratos de arrendamento para habitação própria e permanente posteriormente à aquisição e que em relação a 4 deles haviam precedido a aquisição, sendo, aliás, um deles destinado a garagem. Por outro lado, os restantes não chegaram a ser objeto de arrendamento, tendo o Fundo procedido a vendas desses outros imóveis. Além de que o Fundo não adquiriu os imóveis a famílias oneradas com empréstimos à habitação, mas diretamente ao Banco C..., tudo isto, em violação do já identificado regime jurídico dos Fundos e sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, que se regia pelo disposto no Regime Jurídico dos Fundos de Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 60/2002, de 20 de março, que sofreria diversas alterações e aditamentos, mormente aprovados pela Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, e mais tarde pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, que aditou ao regime dos FIIAH os números 14 a 16 ao artigo 8.º que contém o regime o regime fiscal dos citados FIIAH.
Isto dito, embora já no Relatório se haja feito referência à legislação aplicável, importa recapitular o regime fiscal dos FIIAH à data das aquisições e ulteriormente, para procurar extrair conclusões úteis ao nosso processo. Assim, na parte que importa, deve levar-se em consideração os números 6, 7 e 8 do artigo 8.º do referido regime, que dispõem:
6-Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação própria e permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no nº1.
7- Ficam isentos de IMT: A) As aquisições de prédios urbanos ou de frações de prédios urbanos destinados exclusivamente: a) arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no nº 1; b) As aquisições de prédios urbanos ou de frações autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o nº 3 do artigo 5º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no nº 1.
8- Ficam isentos de imposto de selo todos os atos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o nº 3 do artigo 5º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no nº 1.
Importa, ainda, ter em linha de conta que este artigo sofreu aditamentos conforme se referiu supra, através do acréscimo dos números 14 a 16, que, basicamente, vieram estipular, no n.º 14, que para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8 (do artigo 8º), “considera-se que os prédios urbanos são destinados a arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo”. Por seu turno, o n.º 15 mencionado, estipulou que: “Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.”. Finalmente, o n.º 16, estipulou que “caso os prédios sejam alienados, com excepção dos casos previstos no artigo 5º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no nº 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior”.
Sucede que, como se disse anteriormente, foi aditado um regime transitório para os normativos 14 a 16 do artigo 8.º acabados de transcrever, através do artigo 236.º da Lei do Orçamento para 2014 mediante o qual o disposto nesses números é aplicável aos prédios que os FIIAH adquirissem a partir de 1 de janeiro de 2014, sendo igualmente aplicáveis aos prédios já adquiridos pelos FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, “contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no nº 14 a partir de 1 de janeiro de 2014”. Todavia, por Acórdão do Tribunal Constitucional de 5 de abril de 2018, proferido no âmbito do processo n.º 175/2018, o n.º 2 do artigo 236.º da Lei do Orçamento do Estado para 2014 foi declarado inconstitucional por violação do princípio da proteção da confiança, na justa medida em que, à data da aquisição dos prédios (anterior a 2014), não vigorava o princípio de que os mesmos só podiam ser vendidos nas condições aí previstas ou em que havia um prazo máximo para a celebração do contrato de arrendamento para habitação própria e permanente.
Desta já longa digressão em torno do quadro legal que rege a situação importa agora ver se no nosso entender a Requerente terá razão quando alega que carece de base legal a correção feita pela AT às isenções, daí decorrendo as liquidações de tributo sob apreciação.
Começaremos por mencionar que não somos sensíveis ao argumento da AT constante do RIT de que o regime de isenção não se aplica ao Fundo porque compraram os prédios a uma única entidade (o Banco C...) e não às famílias carenciadas que supostamente estariam oneradas com empréstimos em condições porventura menos favoráveis, fundamentando-se num excerto já mencionado do relatório do OE2009. A verdade é que se olharmos para o já tantas vezes mencionado artigo 8.º do regime dos FIIAH o que vemos, nos números 6,7 e 8 do mesmo, é que o Fundo goza de isenção de IMI, IMT e Imposto de Selo, na medida em que os prédios se mantiverem na carteira dos FIIAH (IMI), que forem comprados com o intuito de os destinar ao mercado de arrendamento de habitação própria e permanente ou por aquisição no âmbito da opção de compra por parte dos locatários, prevista no artigo 5.º e de imposto de selo por efeitos da transmissão de tais imóveis. Por consequência, o ponto de vista expendido no RIT não colhe como fundamento para determinar a caducidade da isenção, ao contrário do pretendido pela AT.
Quanto ao aspeto de os prédios não terem sido, todos eles, objeto de arrendamento, há que dizer que a lei, o já mencionado artigo 8.º, torna irrelevante tal argumentação porquanto face à redação do mesmo à data os factos tal obrigação não constava expressamente da lei. Com efeito, o aspeto primordial é que, como se viu da descrição anterior das sucessivas alterações legislativas e da decisão do Tribunal Constitucional, nada na lei determinava, à data dos factos, em que é que se traduzia a obrigação de comprar para arrendamento de habitação própria, pelo que a exigência em que se fundou a AT para determinar no relatório a caducidade das isenções carece de base legal. Nada, a nosso ver, proibia que ao fim de um lapso de tempo o FIIAH não pudesse vender os imóveis que não conseguisse arrendar. De facto, só através dos aditamentos dos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º é que se veio expressamente dizer e de forma claramente inovadora qual o prazo máximo que o Fundo tinha para arrendar os imóveis pelo que não colhe a argumentação da AT ao dizer que a nova legislação não continha nada de novo e se destinou a regulamentar os normativos anteriormente existentes. De tal sorte assim não é, que o TC considerou que a simples aplicação aos prédios adquiridos antes de 1.1.2014 dos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime dos FIIAH era inconstitucional por violação do princípio da confiança. Dito por outras palavras, o prazo máximo de 3 anos não podia sem mais ser aplicado e, por outro lado, o normativo na versão inicial falava em aquisição de prédios para habitação própria e permanente, tendo os mesmos sido disponibilizados para o efeito e a isenção continuava a ser válida ainda que nenhum contrato viesse a celebrar-se no referido prazo, conforme, aliás, se acentua no Acórdão do Tribunal Constitucional, por razões de funcionamento do mercado. Ora, a Requerente invoca justamente que adquiriu os imóveis com essa finalidade,
O Tribunal entende que o artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH não foi objeto de violação no caso sub judice, pelo que, em consequência determina a anulação das liquidações de IMT, IMI e Imposto de Selo com fundamento em ilegalidade.
Ao considerar que a Requerente tem razão no pedido formulado, deixa de fazer sentido apreciar a questão dos juros compensatórios devidos por aquela.
Mais se refere, no que respeita à caducidade das liquidações de IMI, que tendo este Tribunal considerado que os pressupostos da isenção não se deixaram de se verificar, o prazo de caducidade é de quatro anos. Contudo, face ao exposto, tendo-se concluído pela ilegalidade das liquidações objeto da presente ação arbitral, incluindo as de IMI, que deverão, como tal, ser anuladas, fica prejudicado o conhecimento da caducidade das referidas liquidações.
(iv) juros indemnizatórios
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido. No caso, o erro que afeta as liquidações adicionais anuladas é de considerar imputável à Requerida, que as praticou sem o necessário suporte factual e legal.
Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do ato parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data do correspondente pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
V. DA DECISÃO
Face ao que ficou dito, o Tribunal decide:
A) Julgar procedente por provada a ilegalidade apontada pela Requerente no que respeita às liquidações de IMI, IMT e IS, na sequência de inspeção tributária por violação do Direito aplicável, pelo que se determina a anulação das liquidações efetuadas;
B) Condenar a AT a restituir o imposto pago pela Requerente, acrescido de juros indemnizatórios.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 126.854,18, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a), do CPPT, aplicável por força das als. a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VII. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 12 de maio de 2020.
O Presidente do Tribunal Arbitral,
(Fernanda Maçãs)
O Árbitro vogal,
(Vasco Valdez)
O Árbitro vogal,
(João Taborda da Gama)