DECISÃO ARBITRAL
I - Relatório
1. A A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ... n.º..., ..., ...-... Lisboa (doravante designado por “Requerente”), apresentou, em 28-08-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a anular o ato de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (“AIMI”) n.º 2018..., relativo ao ano de 2018, no valor de € 33.051,49 (trinta e três mil e cinquenta e um euros e quarenta e nove cêntimos), e, bem assim, o despacho proferido pelo Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira que indeferiu a reclamação graciosa n.º ...2019..., em 23-05-2019, sobre o mencionado ato de liquidação.
3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante designada por “Requerida”).
4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 29-08-2019.
5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.
6. A Requerente foi notificada, em 14-10-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 14-11-2019.
8. A Requerida, devidamente notificada através do despacho arbitral, de 14-11-2019, apresentou, em 18-12-2019, a sua Resposta.
9. O Tribunal Arbitral por despacho, de 31-12-2019, notificou a Requerida para, no prazo de cinco dias, arguir as exceções que referiu na Resposta, mas não as concretizou no texto da referida Resposta. A Requerida não se pronunciou.
10. O Tribunal Arbitral por despacho, de 07-02-2020, determinou: (i) considerando que não foi invocada matéria de exceção, não foi requerida a produção de prova testemunhal nem de outras diligências probatórias dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT; (ii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (iii) indicar o dia 16 de março de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.
11. A Requerente apresentou, em 03-03-2020, alegações.
12. O Tribunal Arbitral através do despacho, de 13-03-2020, estabeleceu que a decisão arbitral será proferida no prazo previsto no n.º 1 do artigo 21.º do RJAT e revogou o disposto no n.º 4 do Despacho Arbitral de 07-02-2020.
13. A Requerida, em 17-03-2020, requereu o desentranhamento das alegações da Requerente, apresentadas em 03-03-2020, por serem manifestamente extemporâneas.
14. Por despacho de 18-03-2020, o Tribunal Arbitral determinou que a questão suscitada no requerimento da Requerida, de 17-03-2020, será apreciada e decidida na decisão final
15. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:
15.1. Tendo por base os elementos de interpretação estabelecidos nos artigos 11.º da Lei Geral Tributária (LGT) e no 9.ºdo Código Civil conclui-se que, os Terrenos para Construção que não tenham edificação prevista ou autorizada exclusivamente para habitação (como o Terreno para Construção em análise que se destina exclusivamente a serviços) devem ser excluídos do âmbito de incidência objetivo do AIMI.
15.2. A Requerente defende que o n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI deve ser objeto de interpretação extensiva devendo, por conseguinte, entender-se que a exclusão de tributação em AIMI é aplicável não só aos prédios urbanos não habitacionais (i.e., aos prédios classificados como prédios comerciais, industriais e para serviços e aos prédios classificados como outros) mas também aos terrenos para construção, cuja edificação prevista ou autorizada se destine aos referidos fins, sob pena de se tributar uma realidade que o legislador manifestamente não pretendeu sujeitar a tributação, i.e., os terrenos para construção sem edificação prevista ou autorizada para habitação (como o Terreno para Construção em análise que tem autorização prevista ou autorizada exclusivamente para serviços).
15.3. Importa reiterar que não nos encontramos no domínio da integração analógica de normas tributárias mas antes no domínio da interpretação extensiva das referidas normas tributárias e, bem assim, que o objeto da presente análise não são normas de incidência tributária mas antes normas de exclusão tributária (em concreto, o que está aqui em causa é a interpretação da norma de exclusão tributária estabelecida no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI).
15.4. No que diz respeito ao elemento teleológico, parece evidente que a intenção anunciada do legislador aquando da criação do AIMI foi a de tributar a titularidade de direitos sobre habitações de luxo (i.e., sobre prédios com afetação a habitação considerados de luxo), por ela revelar superior capacidade contributiva de quem as detém, concretizando, assim, o princípio da repartição justa e da capacidade contributiva.
15.5. A intenção do legislador foi a de excluir da tributação em sede de AIMI todos os prédios urbanos não habitacionais (incluindo os terrenos para construção cuja edificação prevista ou autorizada não seja exclusivamente para habitação à semelhança do que sucedia com o Imposto do Selo da Verba 28.1. da TGIS). E ainda que tal intenção não tenha sido adequadamente expressa na lei (e, em concreto, na norma de exclusão tributária constante do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI), impõe-se, em respeito pela ratio da norma, uma interpretação extensiva da mesma no sentido de serem excluídos de tributação em AIMI não só os prédios comerciais, industriais e para serviços como também os terrenos para construção cuja edificação prevista e autorizada seja para os referidos fins (comerciais, industriais e para serviços) como o Terreno para Construção que foi objeto da Liquidação Contestada que tem edificação prevista ou autorizada para serviços.
15.6. No que diz ao elemento histórico, cumpre referir que se os pressupostos de criação do AIMI e do Imposto do Selo são idênticos não existe qualquer razão ou fundamento legal para que o âmbito de incidência objetiva de tais tributos seja distinto nem tal razão foi, por qualquer forma, anunciada pelo legislador.
15.7. No que diz respeito ao elemento sistemático - i.e., numa perspetiva que tenha em mente a unidade do sistema jurídico que tem valor interpretativo decisivo, imposto pelo princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica (BAPTISTA MACHADO, Introdução do Direito e ao Discurso Legitimador, página 191), impõe-se igualmente adotar uma interpretação extensiva da norma de exclusão prevista no n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI com vista a abranger na referida norma não só os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» mas também os terrenos destinados à construção de prédios com tais afetações.
15.8. Acresce que, no que diz respeito à norma de exclusão tributária constante do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, a mesma poderá ser configurada como uma norma que estabelece um benefício fiscal. Ora, conforme estabelece o artigo 10.º do Estatuto dos benefícios fiscais (“EBF”): “(...) as normas que estabeleçam benefícios fiscais não são suscetíveis de integração analógica, mas admitem interpretação extensiva”.
15.9. No caso em análise, os elementos teleológico, sistemático e histórico que são essenciais à correta interpretação do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI apontam, num sentido diverso da letra desse normativo legal, impondo assim uma interpretação extensiva por forma a abarcar na exclusão de tributação em AIMI igualmente os terrenos para construção nos quais serão construídos prédios comerciais, de indústria ou para serviços (no caso em apreço, “(...) destinado à construção de um aldeamento turístico com 149 unidades de alojamento - 29 T1 + 94 T2 + 26 T3”
15.10. De onde decorre que muito embora nas suas palavras o legislador possa ter limitado a exclusão de tributação em AIMI aos prédios classificados como prédios comerciais, industriais e para serviços, no espírito (que é “tudo”) e tendo por base a unidade do sistema e o elemento histórico tal exclusão de tributação deverá aplicar-se aos terrenos para construção cuja edificação prevista ou autorizada não seja exclusivamente para habitação (à semelhança do que sucedia com a Verba 28.1 da TGIS, cuja revogação deu origem ao AIMI), ou sairia frustrada a ratio da referida exclusão de tributação em AIMI.
15.11. No mesmo sentido existem diversas decisões dos tribunais arbitrais para as quais o artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI deve ser interpretado no sentido de que não estão abrangidos no seu âmbito de incidência objetivo os terrenos para construção que não se destinam a habitação.
15.12 Em face de tudo o que se vem expondo, deve concluir-se que, e não obstante a letra do n.º 2 do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, a intenção do legislador foi a de excluir da tributação em AIMI todos os terrenos para construção que não se destinem à edificação de prédios habitacionais, interpretação esta que está igualmente alinhada com os elementos histórico e sistemático e que é admitida em normas de exclusão tributária como a que ora se analisa.
15.13. Daqui resulta que a Liquidação Contestada e a decisão de indeferimento expresso da reclamação graciosa, que manteve na ordem jurídica tal liquidação, assentam em erro na aplicação do direito resultante de erro na interpretação da norma de exclusão tributária estabelecida no artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI, o que inquina de ilegalidade e determina a anulabilidade dos referidos atos contestados. Anulação que desde já se requer nos termos e para os efeitos previstos no artigo 163.º, n.º 1, do CPA aplicável ex vi do artigo 29.º do RJAT e com todas as consequências legais.
15.14. Sem conceder no anteriormente exposto e a título meramente subsidiário que se expõe por mero dever de patrocínio, importa ainda acrescentar que a interpretação do artigo 135.º B, n.º 2, do Código do IMI reclamada pela Requerente nos presentes autos é aquela que, entre diversas interpretações possíveis (ainda que todas conformes à Constituição), é suscetível de gerar menos desigualdades, obviando à distinção injustificada no tratamento fiscal a dar a duas situações que são fáctica e economicamente iguais (o caso dos prédios urbanos comerciais, industriais ou para serviços e dos terrenos para construção, cujo projeto de licenciamento aprovado estabeleça uma edificação prevista ou autorizada para comércio, indústria ou para serviços).
15.15. A Requerente não desconhece que o Tribunal Constitucional proferiu recentemente um Acórdão no qual emitiu pronúncia sobre a conformidade constitucional da “(...) norma extraída do artigo 135.º-B do Código do IMI, no sentido de incluir, no âmbito de aplicação do Adicional ao IMI, os «terrenos para construção» com fins de comércio, indústria, serviços ou outros, em face dos princípios da igualdade e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da Constituição.”, tendo concluído que a referida interpretação normativa “(...) não merece censura à luz dos princípios da igualdade, da proporcionalidade e da capacidade contributiva (artigos 13.º, 18.º, n.º 2 e 104.º, n.º 3, da Constituição)” - cf. Acórdão n.º 299/2019 (Processo n.º 752/2018). No entanto, o facto de a referida interpretação normativa não ser - no entendimento do douto Tribunal Constitucional e no caso específico escrutinado por aquele tribunal no âmbito da fiscalização concreta da constitucionalidade -, desconforme à Constituição, não impede que exista outra interpretação da referida norma que se afigura mais conforme a tais princípios constitucionais.
15.16. Em face do exposto, a conclusão necessária aponta no sentido de que aquilo que o Tribunal Constitucional decidiu foi que a interpretação literal / automática do artigo 135.º-B, n.º 2, do Código do IMI adotada em algumas decisões arbitrais não se afigura desconforme à Constituição. Não obstante, em nenhum momento o douto Tribunal Constitucional decidiu que a interpretação reclamada pela ora Requerente e adotada por outra corrente jurisprudencial (i.e. nas catorze decisões acima enunciadas) não é aquela que - entre várias interpretações possíveis e todas conformes à Constituição -, se afigura mais conforme à Constituição.
15.17. Ora, no caso em análise, deve concluir-se que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa e a Liquidação Contestada assentam em erro na aplicação do direito e, em concreto, em erro na interpretação do artigo 135.º- B, n.º 2, do Código do IMI. Tendo o referido erro sido imputável aos serviços e tendo a Requerente procedido ao pagamento integral da Liquidação Contestada, a Requerente tem inequivocamente direito a juros indemnizatórios, nos termos e para os efeitos previstos nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT.
16. A posição da Requerida, expressa na resposta, pode ser sintetizada no seguinte:
16.1. A lei clara e inequivocamente estabelece a incidência do imposto sobre os '' terrenos para construção", e isto independentemente da afetação potencial que a este venha a caber uma vez que não constam da delimitação negativa de incidência, ou seja, o legislador não estabeleceu o afastamento da norma de incidência fiscal dos terrenos para construção por motivos relacionados com a sua afetação potencial.
16.2. Aliás, já no âmbito do IMI a jurisprudência dos tribunais superiores tem vindo a entender que “Na determinação do valor patrimonial tributário dos terrenos para construção não há lugar à consideração dos coeficientes de afectação (ca) e de qualidade e conforto (cq) supra identificados.” Neste sentido vejam-se os Acórdãos STA, 18/11/2009, rec.765/09, 20/4/2016, rec.824/15, acs. TCA SUL, 9/02/2017, proc.5366/12, Proc. n.º 907/07.9, de 11.16.2017. Assim, conclui-se inequivocamente que a sujeição dos terrenos para construção e dos prédios classificados como habitacionais à norma de incidência do AIMI é efetuada independentemente da sua afetação potencial, bem como da natureza e especificidades do seu titular.
16.3. É este, pois, o enquadramento em que se moveu o legislador ao traçar a configuração do âmbito de incidência subjetivo e objetivo do AIMI e as opções do legislador foram igualmente balizadas pela necessidade de mitigar o impacto desta tributação sobre o exercício empresarial das atividades económicas em geral o que veio a acontecer através da exclusão dos prédios urbanos com fins industriais, comerciais e de serviços, e “outros”. Ainda assim, apesar de ter afastado da incidência os prédios urbanos classificados como “industriais, comerciais ou de serviços” e “outros”, o legislador, optou expressamente por manter outros prédios que também integram o ativo das empresas, como sejam os classificados como habitacionais ou os terrenos para construção.
16.4. Os prédios que integram o ativo das empresas classificados como habitacionais ou terrenos para construção não estão incluídos na disposição de delimitação negativa por exclusão do âmbito de aplicação. Ou seja, o legislado não garantiu, nem pretendeu garantir, em todos e quaisquer casos que não fosse atingido “o património imobiliário afeto ao exercício de qualquer atividade económica”. Assim, a supressão dessa alusão à afetação dos imóveis no texto final da lei, revela inequivocamente a intenção do legislador no sentido de lhe retirar qualquer relevância para efeitos de exclusão de tributação. Nesta delimitação da incidência real fica patente que o critério adotado pretende ser universalmente objetivo, induzindo maior uniformidade e igualdade no tratamento dos prédios alvo da tributação, em detrimento de outros critérios que apelassem a verificações casuísticas sobre o destino efetivo dado aos prédios.
16.5. Uma vez que na versão final aprovada e que encontra em vigor foi expressamente estabelecido a delimitação da incidência e da exclusão de incidência apenas com base nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, há, pois, que respeitar a opção do legislador. Na falta de outros elementos “o intérprete deve optar em princípio por aquele sentido que melhor e mais imediatamente corresponde ao significado natural das expressões verbais utilizadas, e designadamente ao seu significado técnico-jurídico, no suposto de que o legislador soube exprimir com correcção o seu pensamento.” Acresce ainda que não há razão para concluir que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, pelo contrário, a questão foi devidamente ponderada, tendo sido abandonada na redação final.
16.6 À luz do que ficou exposto, impõe-se determinar se as escolhas subjacentes à delimitação da incidência objetiva do AIMI, efetuadas dentro da margem de “liberdade de conformação legislativa”, constituem ou não uma lesão do princípio da igualdade. Cumpre, pois, analisar, por um lado, se o regime legal do AIMI, em concreto o respetivo artigo 135.º-B do Código do IMI - quando interpretado no sentido de incluir no âmbito de aplicação do AIMI a "terrenos para construção" com fins de "comércio, indústria, serviços" ou "outros" - é manifestamente contrário ao princípio da igualdade, constitucionalmente consagrado. E ainda se a aplicação do regime do AIMI, quando interpretado no sentido de abranger entidades que desenvolvem uma atividade económica, promove um tratamento diferenciado e uma desigualdade injustificada entre os contribuintes, em manifesta violação do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP e do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados no artigo 104.º, n.º 3 do mesmo diploma, devendo ser desaplicado nos termos do artigo 204º da CRP.
16.7. Importa salientar que verdadeiramente, os terrenos para construção não são meramente instrumentais ao exercício da atividade económica, ao contrário, integram o próprio núcleo da atividade económica, com valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações e evidenciam obviamente uma determinada capacidade económica. Com efeito, a tributação consubstanciada no AIMI traduz-se numa imposição específica sobre o património (cf. art.º 4.º, n.º 1 da LGT) e não sobre o rendimento.
16.8. Assim, bem se compreende a solução legislativa de sujeitar a tributação todos os sujeitos passivos em atenção à titularidade das situações jurídicas relevantes sobre os prédios urbanos identificados na incidência objetiva, com independência da estruturação jurídica ou económica que possam possuir esses sujeitos passivos.
16.9. Justamente, no campo da tributação patrimonial, a regra da uniformidade o que impõe é uma igualdade horizontal, ou seja, que todos os que são titulares da mesma forma de riqueza sejam tributados da mesma maneira. Pelo que, qualquer dissertação sobre a situação das empresas comercializadoras de terrenos para construção, sobre o êxito ou inêxito da atividade comercial que desenvolvem ou mesmo sobre a espécie de ativos imobiliários que detêm, não releva in casu.
16.10. Efetivamente, trata-se de invocar elementos de consistência económica muitíssimo variável e contingente, que dependem amplamente do modo de gestão, das situações conjunturais de enquadramento, do tipo de aproveitamento realizado dos prédios, da situação em cada ano dos ativos patrimoniais detidos, tudo impedindo a configuração de qualquer base uniforme capaz de conduzir à afirmação de que a solução normativa objeto do AIMI conduz a uma discriminação negativa injustificada dessas empresas, tanto mais quando estão em causa componentes prediais limitadas do património do sujeito passivo.
16.11. Como qualquer imposto sobre o património, o AIMI está dissociado de uma eventual realização de lucro com a venda dos bens imóveis, bem como da existência, ou não, de situação líquida negativa ou positiva, relevando, para a economia do imposto, apenas o valor patrimonial dos terrenos. Quanto aos terrenos para construção, estes não se reconduzem a meros direitos de construção, de coisas futuras, e todos eles são bens autónomos, que, até, pela sua natural escassez, têm sempre valor económico intrínseco e, normalmente, cotação no mercado imobiliário, i.e., podem ser vendidos, trocados, dados como garantia de obrigações.
Ainda que os imóveis tributados possam revelar-se instrumentais da atividade económica, temos que os mesmos são idóneos a indicar que aquela pessoa coletiva é titular de bens que, em si mesmos, evidenciam uma específica abastança face aos demais proprietários imobiliários. Ou seja, a circunstância de um dado bem valer, como “factor de produção de riqueza” não é suficiente para contrariar a constatação de que o correspondente titular detém um imóvel apenas acessível a detentor de peculiar capacidade contributiva e, assim, capacitado para suportar uma contribuição adicional para a desejada consolidação orçamental.
16.12. Conclui-se assim, que a detenção de património imobiliário de valor elevado, independentemente da afetação ou não a atividade económica, é tendencialmente reveladora de elevada capacidade contributiva. Como atrás já se referiu, não foi com base na atividade a que estão afetos a imóvel que veio a ser definida a exclusão de incidência, já que na versão aprovada se determinou aquela exclusão com base apenas nos tipos de prédios indicados no artigo 6.º do CIMI, sem qualquer alusão à afetação ou não ao modo de funcionamento das pessoas coletivas. Assim, não se vê que a tributação do património imobiliário da Requerente afronte o princípio da igualdade tributária e da capacidade contributiva.
16.13. Em suma, não se afigura, pois, que a incidência de AIMI sobre os imóveis da titularidade de empresas, seja discriminatória ou que estas empresas devam merecer um tratamento mais vantajoso do que o concedido à generalidade dos proprietários de prédios urbanos. Assim, não se vislumbra que a tributação dos terrenos para construção, com afetação para " comércio e serviços", nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º- A e 135.º -B do CIMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva.
16.14. De igual modo se conclui que, a tributação dos terrenos para construção detidos por pessoas coletivas- que façam parte do seu património imobiliário e estejam afetos ao desenvolvimento da sua atividade económica - nos moldes em que se encontra prevista nos artigos 135.º- A e 135.º -B do CIMI, colida com o princípio da igualdade, da justiça e da capacidade contributiva. Em suma, o AIMI incide sobre o património imobiliário que possua as características indicadas no artigo 135.º-B do Código do IMI, isto é, sujeitando toda e qualquer entidade que seja titular de direitos reais sobre prédios urbanos de acordo com a realidade objetiva e não meramente potencial no momento da verificação do ato tributário.
16.15. Os imóveis destinados ao desenvolvimento da atividade económica não deixam de evidenciar, obviamente, a capacidade contributiva do seu titular, capacidade essa que é real, mensurável e inquestionável independentemente do destino que o seu titular lhe queira dar. Donde, a ideia que os imóveis destinados ao desenvolvimento da atividade económica, não evidenciam manifestações de capacidade contributiva, constitui sem dúvida, um erro de perceção que cumpre desmistificar. Assim, mesmo que se discorde das opções do legislador, (e cada qual é livre de o fazer,) não tem qualquer fundamento a tese que o adicional do IMI viole o princípio da capacidade tributária, porquanto a titularidade de imóveis é uma manifestação de riqueza e de capacidade contributiva.
16.6. Sobre o alegado paralelismo entre a Verba 28.1 da TGIS e o AIMI, sem necessidade de maiores lucubrações, impõe-se chamar à colação o acórdão n. º378/2018 do Tribunal Constitucional. Assim, toda a argumentação, alicerçada na jurisprudência do Tribunal Constitucional, que defenda uma qualquer desconformidade do AIMI com a lei fundamental, não tem qualquer sustentação jurídica. A recente jurisprudência do tribunal constitucional, em sentido oposto à pretensão da Requerente, resulta plenamente demonstrado que a aplicação do AIMI aos “terrenos para construção” de entidades que promovam atividades económicas não viola o princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados nos artigos 13.º e 104.º, n.º 3, da CRP. Acresce ainda que, ao contrário do alegado pela Requerente o Tribunal Constitucional não se pronuncia sobre graus de conformidade ou de desconformidade das normas legais com a constituição ora, neste caso o tribunal constitucional pronunciou-se pela conformidade das normas que regem o AIMI com a constituição. Pelo que improcede todo o alegado pelo Requerente quanto a esta matéria.
16.7 No que se refere ao pagamento de juros indemnizatórios previstos no artigo 43.º da LGT, por tudo quanto supra se disse, entende-se não enfermarem os atos impugnados de qualquer vício que determina a sua anulação. No entanto, e sem conceder, sempre se dirá que, embora a Requerente não concretize em que termos peticiona os respetivos juros, os mesmos não são devidos, porque a AT, na qualidade de órgão da Administração Pública, não tem competência para decidir da não aplicação de normas relativamente às quais sejam suscitadas dúvidas de legalidade ou constitucionalidade, o que, por sua vez determina, a falta de suporte legal para o pedido de juros indemnizatórios. Assim, em cumprimento do princípio da legalidade a AT está vinculada ao cumprimento e obediência à lei, não podendo decidir em sentido diverso ou afastando a sua aplicação, pelo que nenhum erro lhe pode ser assacado face à sua impossibilidade de decidir de forma diferente da que decidiu. Resulta assim que caso venha a decidir-se pela ilegalidade do ato impugnado não são devidos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da LGT.
II – Saneamento
17. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.
18. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
19. A Requerida na Resposta concluiu que “Devem ser julgadas procedentes as exceções invocadas e a Requerida absolvida da instância” (vd., Resposta pp. 25). No entanto, no texto da Resposta não constava a arguição de qualquer exceção.
O Tribunal Arbitral por despacho, de 31-12-2019, notificou a Requerida para, no prazo de cinco dias, arguir, querendo, as referidas exceções e suprir o lapso existente na Resposta. (vd., n.º 9 supra) A Requerida não se pronunciou.
Nestes termos, o Tribunal considera que não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer.
20. Por despacho arbitral, de 18-03-2020, foi determinado que o pedido de desentranhamento das alegações da Requerente feito pela AT, em 17-03-2020, seria apreciado e decidido na decisão final (vd., n.ºs 13 e 14 supra).
Cumpre apreciar.
O Tribunal Arbitral através do n.º 4 do despacho, de 07-02-2020, estabeleceu que as partes poderiam proferir alegações escritas no prazo de 10 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do referido despacho. Os serviços do CAAD procederam à notificação da Requerente e da AT, em 10-02-2020, conforme, consta do Sistema de Gestão Processual.
A Requerente apresentou, em 03-03-2020, as suas alegações e no proémio afirma: “(…)tendo sido notificada por via CTT no dia 25.02.2020 - cf. artigo 39.º, n.º 10, do CPPT na redação dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro que está em vigor desde 01.10.2019 e que passou a estabelecer que as notificações efetuadas por Via CTT passam a considerar-se realizadas no décimo quinto dia posterior ao registo da sua disponibilização e os prazos só se iniciam no primeiro dia útil seguinte ao da data em que as notificações se presumem efetuadas (anteriormente as notificações por via CTT consideravam-se realizadas no quinto dia posterior ao do registo da disponibilização) - vem, no prazo de 10 dias fixado pelo douto tribunal arbitral, apresentar as suas ALEGAÇÕES”.
A Requerida, em 17-03-2020, considerou que “Uma vez que o prazo termina a 20.02.2020, as alegações da Requerente apresentadas a 09.03.2020 (18 dias após o temo legal do prazo) são manifestamente extemporâneas.” e requereu o desentranhamento das referidas alegações.
O Tribunal entende que, nos termos do disposto no artigo 3.º-A, n.º 2, do RJAT, vigora no processo arbitral o regime das notificações do processo civil (vd., acórdão do Tribunal Central Administrativo do Sul, de 06-12-2018, proferido no processo n.º 08284/14.0BCLSB). Daqui resulta a inaplicabilidade do disposto no artigo 39.º do CPPT ao processo arbitral e, consequentemente, verifica-se que as alegações da Requerente são extemporâneas.
Sucede, porém, que as alegações da Requerente constituem, no âmbito do presente processo, a única oportunidade desta para se pronunciar sobre o teor da Resposta da AT ao seu pedido de pronúncia arbitral. Neste contexto, apesar do exposto relativamente à inaplicabilidade do disposto no artigo 39.º do CPPT e das fundadas objeções suscitadas pela Requerida quanto à admissibilidade das alegações da Requerente, o Tribunal entende não dever limitar o princípio do contraditório, plasmado na alínea a) do artigo 16.º do RJAT, obstando a que as alegações da Requerente constem dos presentes autos arbitrais.
Nestes termos e em ordem a assegurar o contraditório indefere-se o pedido da Requerida de desentranhamento das alegações da Requerente.
21. Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.
III - Matéria de facto
22. Factos dados como provados
Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:
A) A Requerente é uma sociedade anónima com o seguinte objeto social: “Promoção e atividade imobiliária, incluindo a atividade imobiliária turística; gestão de estabelecimentos turísticos; exploração de unidades hoteleiras e similares, restauração, bares e discoteca; construção de imóveis para venda ou exploração, incluindo unidades hoteleiras e similares, restauração, bares e discotecas; compra e venda de bens imóveis relacionados com as atividades descritas nas alíneas anteriores e revenda dos adquiridos para esse fim; administração de imóveis próprios ou alheios, incluindo o arrendamento dos mesmos; prestação de serviços conexos com as atividades descritas nas alíneas anteriores; consultadoria e prestação de serviços diversos na área turística e do entretenimento; formação e certificação profissional, incluindo o desenvolvimento de cursos específicos na área da hotelaria e turismo; aquisição, gestão de créditos e gestão de ativos imobiliários.” (vd., Certidão Permanente de Registos junta ao pedido de pronuncia arbitral como Documento n.º 3);
B) A Requerente é proprietária do prédio inscrito na matriz predial sob o artigo matricial..., descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção, com o Valor Patrimonial Tributário de €8.262 873,63, situado em ..., freguesia de ... e ..., concelho de Albufeira, distrito de Faro (vd., cópia da caderneta predial urbana junto como Documento n.º 4 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
C) O Terreno para Construção, identificado na alínea anterior, possui um Alvará de Loteamento no qual corresponde ao Lote n.º 1 com “(...) área de 79.004 m2, destinado à construção de um aldeamento turístico com 149 unidades de alojamento - 29 T1 + 94 T2 + 26 T3 - com uma área total de implantação de 10.708 m2, área total de construção de 17.864 m2, com o máximo de 2 pisos + cave” (vd., n.º 2 do 2.º Aditamento ao Alvará de Loteamento do n.º.../97, de 13 de janeiro de 1997, constante do Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
D) A Requerente foi notificada pela AT da liquidação de AIMI, sob o n.º 2018..., referente ao ano de 2018, efetuada em 30-06-2018, relativamente ao prédio identificado na alínea B), no montante de €33.051,49 com pagamento até ao dia 30-09-2018 (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
E) A Requerente procedeu ao pagamento em 10-09-2018 (vd., Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
F) A Requerente apresentou, em 28-01-2019, reclamação graciosa contra a liquidação, identificada na alínea B), que recebeu o n.º ...2019... (vd., Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
G) A reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, foi indeferida por despacho, de 23-05-2019, do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira e notificada à Requerente através do ofício n.º ... da Justiça Tributária da Direção de Finanças de Faro, datado de 24-05-2019 (vd., Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);
23. Factos dados como não provados
Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.
24. Fundamentação da matéria de facto
Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.
Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.
Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
III. Matéria de Direito
25. A principal questão decidenda nos presentes autos diz respeito ao alegado erro na aplicação do direito, por parte da AT, resultante da violação do artigo 135.º-B, nºs. 1 e 2 do Código do IMI.
Depois, o Tribunal terá de analisar o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente.
Cumpre apreciar.
26. Em termos de enquadramento legal importa começar por destacar o seguinte:
26.1. O artigo 135.º- B do Código do IMI, com a redação vigente no ano de 2018, tinha o seguinte teor:
“Artigo 135.º-B
Incidência objetiva
1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.
2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.”
26.2. O artigo 6.º do Código do IMI para o qual remete o n.º 2 do artigo 135.º-B do mesmo Código estabelece o seguinte:
“1 - Os prédios urbanos dividem-se em:
a) Habitacionais;
b) Comerciais, industriais ou para serviços;
c) Terrenos para construção;
d) Outros.
2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.
3 - Consideram-se terrenos para construção os terrenos situados dentro ou fora de um aglomerado urbano, para os quais tenha sido concedida licença ou autorização, admitida comunicação prévia ou emitida informação prévia favorável de operação de loteamento ou de construção, e ainda aqueles que assim tenham sido declarados no título aquisitivo, exceptuando-se os terrenos em que as entidades competentes vedem qualquer daquelas operações, designadamente os localizados em zonas verdes, áreas protegidas ou que, de acordo com os planos municipais de ordenamento do território, estejam afectos a espaços, infra-estruturas ou equipamentos públicos.
4 - Enquadram-se na previsão da alínea d) do n.º 1 os terrenos situados dentro de um aglomerado urbano que não sejam terrenos para construção nem se encontrem abrangidos pelo disposto no n.º 2 do artigo 3.º e ainda os edifícios e construções licenciados ou, na falta de licença, que tenham como destino normal outros fins que não os referidos no n.º 2 e ainda os da excepção do n.º 3.”
26.3. O AIMI foi criado pela Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, Lei do Orçamento do Estado para 2017, e entrou em vigor na data da referida lei, ou seja, a 1 de janeiro de 2017. A regulamentação do AIMI foi aditada ao Código do IMI através do capítulo XV, tendo por epígrafe “Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis”, compreendendo os artigos 135.º-A a 135.º-K .
26.4. Os n.ºs 1 e 3 do artigo 135.º-A do Código do IMI estabelecem que são sujeitos passivos do AIMI “as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português” a 1 de Janeiro do ano a que o referido Adicional diz respeito. O n.º 2 do mesmo artigo dispõe que: “são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pela cabeça de casal”.
26.5. A taxa aplicável é de 0,4% para pessoas coletivas e de 0,7% para pessoas singulares e heranças indivisas, sempre que o valor tributável não seja superior a € 1.000.000, nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-F do Código do IMI, sendo que, nos casos em que o valor tributável seja superior a € 1.000.000, é aplicável uma taxa de 1%, quando o sujeito passivo seja uma pessoa singular.
26.6. Nos termos do n.º 1 do artigo 135.º-G e do artigo 135.º-H, do Código do IMI, o AIMI é liquidado anualmente, no mês de Junho, com base nos valores patrimoniais tributários dos prédios sujeitos a imposto e em relação aos sujeitos passivos que constem nas matrizes em 1 de janeiro de cada ano, devendo o mesmo ser pago até ao final do mês de setembro.
27. O legislador estabelece que o AIMI incide sobre “a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular” (n.º 1 do artigo 135.º-B do Código do IMI), sendo que, a esta soma, deverá ser deduzida a quantia de € 600.000,00 sempre que o sujeito passivo seja uma pessoa singular ou uma herança indivisa, nos termos do artigo 135.º-C, n.º 2, do Código do IMI.
Quanto à delimitação negativa da incidência do AIMI o legislador remete, de forma expressa, para a tipologia de prédios prevista no Código do IMI ao estabelecer: “São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.” (n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI).
Da redação do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI resulta claramente que os terrenos para construção não estão incluídos na delimitação negativa da incidência do AIMI.
O critério escolhido pelo legislador, no âmbito da sua margem de conformação, para a delimitação negativa do plano de incidência do AIMI foi a classificação dos prédios prevista no artigo 6.º do Código do IMI.
Ora, tendo o legislador definido uma cláusula de exclusão por referência expressa a certas espécies de prédios, que estão definidos na lei, não é possível efetuar uma interpretação extensiva, conforme defende a Requerente, para abranger outras tipologias que o legislador não contemplou.
Desde logo, não existem fatos justificativos da conclusão que o legislador não soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como tem de se presumir, por força do disposto no artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil. Por outro lado, não se verifica uma identidade de situações à luz de critérios juridicamente relevantes, necessária para operar a referida extensão da cláusula de exclusão da sujeição objetiva, ou seja, não se afigura que os terrenos para construção se encontrem numa situação idêntica à dos prédios construídos que se encontrem classificados como imóvel comercial, industrial ou para serviços.
Não obstante razões de política fiscal poderem justificar conferir aos terrenos para construção, destinados a edificações para fins comerciais, industriais ou para serviços, o mesmo estatuto dos prédios classificados como “comerciais, industriais ou para serviços”, tal não foi a opção do legislador.
A Requerente é proprietária de um terreno para construção que possui um Alvará de Loteamento destinado à construção de um aldeamento turístico (vd., alínea C) do n.º 22 supra), mas tal fato não determina a exclusão do plano de incidência do AIMI. Efetivamente, a lei sujeita a tributação os terrenos urbanizáveis que constituem um ativo económico devido à sua aptidão para a construção. Com efeito, o terreno para construção tem um valor patrimonial próprio que constitui um indicador de capacidade contributiva independentemente da sua eventual e futura utilização no âmbito da construção.
A lei só exclui do AIMI o património já construído, que se encontre classificado como imóvel comercial, industrial ou para serviços, e que tem já uma função instrumental relativamente a uma certa atividade produtiva que o legislador pretendeu salvaguardar, no âmbito da sua margem de livre conformação.
Em suma, descortina-se fundamento material suficiente para estabelecer a diferenciação de tratamento entre os terrenos para construção e os prédios classificados como comerciais, industriais ou para serviços,
Acresce que a titularidade de um património imobiliário de valor elevado, composto por um terreno para construção, evidencia, tal como em relação a qualquer proprietário de imóvel destinado a habitação, uma especial capacidade económica para poder contribuir adicionalmente para o Fundo de Estabilização Financeira da Segurança Social, base de financiamento da Segurança Social, a que está consignada a receita do AIMI.
28. Sobre a alegada distinção injustificada no tratamento fiscal dos terrenos para construção, contida na norma do n.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI, o presente Tribunal Arbitral subscreve a posição expressa na Decisão Arbitral n.º 324/2018-T, de 22-01-2019, ao afirmar que o licenciamento de um terreno para construção “(…) não lhe retira a natureza de terreno para construção, com um VPT que não pode deixar de ser sujeito a tributação em AIMI como património objetivo e autónomo, no momento do facto gerador, não sendo legalmente possível, no dizer do TC, fazer actuar retroactivamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídica, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.
É o que se extrai do conteúdo citado do Acórdão do Plenário do Tribunal Constitucional n.º 378/2018, quando refere que "Considerando uma tal homogenia de conceitos jurídico-tributários, é claro que, para o efeito da aplicação do Código do Imposto do Selo, tal como para efeito da aplicação do CIMI, um terreno para construção não é igual a um prédio a um prédio urbano, seja ele para habitação ou para outros fins, tal como se afirma da decisão recorrida. Mas, precisamente porque assim é, não é possível fazer actuar retroactivamente, mesmo que para efeitos de mera análise ou construção jurídica, critérios tributários que apenas se aplicam depois da construção do edifício, não antes dela.
z3 - Parece, pois, evidente que o juridicamente relevante para a tributação em AIMI, relativamente a terrenos para construção, independentemente da entendida que seja seu titular, é a realidade objetiva no momento do facto tributário e da exigibilidade do imposto em causa, até porque não é difícil alterar o destino previsto para a utilização do mesmo terreno para construção, o que a acontecer, constituiria uma forma de evasão, eventualmente planeada, para além de que não é possível proceder à tributação ou não tributação de meras abstrações virtuais de situações não constituídas no momento do facto gerador do imposto.
z4 - Por outro lado, face também ao que foi decidido no Acórdão do STA, de 29/10/2014, no processo n.º 505/14-30, no sentido de que:
"Não tendo o legislador definido o conceito de prédio urbano com afectação habitacional mas resultando do artigo 6.º do CIMI uma clara distinção entre prédios urbanos habitacionais e terrenos para construção, não podem estes ser considerados para efeitos de incidência do Imposto de Selo como prédios urbanos com afectação habitacional.
E concluiu que:
"Assim, atendendo a que um terreno para construção - qualquer que seja o tipo e a finalidade da edificação que nele será, ou poderá ser, erigida - não satisfaz, só por si, qualquer condição para como tal ser licenciado ou para se poder definir como sendo a habitação o seu destino normal, e referindo-se a norma de incidência do imposto do selo a prédios urbanos com "afectação habitacional", sem que seja estabelecido qualquer conceito específico para o efeito, não pode dela extrair-se que na mesma se contenha uma potencialidade futura, inerente a um distinto prédio que porventura venha a ser edificado no terreno.
z5 - Não é, pois, legalmente possível proceder a outra interpretação das normas aplicáveis, em sentido diverso daquele que objetivamente constam das mesmas, designadamente dos artigos 6.º e 135.º-B do Código do CIMI.”
29. As questões de constitucionalidade relativas ao AIMI já foram analisadas por diversas decisões arbitrais, nomeadamente pela decisão arbitral n.º 690/2017-T, de 06-09-2018, subscrita pelo árbitro do presente processo, na qualidade de vogal do Tribunal Arbitral Coletivo.
A este propósito, o disposto no acórdão n.º 378/2018 do Plenário do Tribunal Constitucional, de 04-07-2018 , permite extrair um entendimento sustentado, aplicável em sede de constitucionalidade das normas do AIMI, relativamente à não violação do princípio da igualdade fiscal e da capacidade contributiva, consagrados constitucionalmente.
30. Nestes termos e face ao exposto, improcede o alegado pela Requerente e, em consequência, este Tribunal considera que o ato tributário relativo à liquidação de AIMI respeitante ao prédio supra identificado não enferma de erro de direito, pelo que deve ser mantido.
31. Improcedendo a anulação do ato tributário ora impugnado fica igualmente prejudicado o pedido feito pela Requerente de anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa.
32. A Requerente procedeu ao pagamento da liquidação em causa nos presentes autos arbitrais (vd., alínea E) do n.º 22 supra) e solicita que lhe seja restituído o montante pago e que também que lhe seja reconhecido o direito a juros indemnizatórios, ao abrigo do artigo 43.º da LGT.
Nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, são devidos juros indemnizatórios "quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.” Conforme decorre do artigo 24.º, n.º 5, do RJAT, o direito aos mencionados juros pode também ser reconhecido no processo arbitral.
A condição necessária para a atribuição dos juros indemnizatórios consiste na demonstração da existência de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável aos serviços da Administração Fiscal.
Tendo este Tribunal concluído que o ato tributário contestado não enferma de qualquer vício, consequentemente, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT, não tem a Requerente direito a juros indemnizatórios.
IV – Decisão
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar improcedente o pedido de pronúncia arbitral de anulação da liquidação de AIMI n.º 2018..., relativa ao exercício de 2018, respeitante ao prédio inscrito na matriz predial sob o artigo matricial..., descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção;
b) Manter a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2019..., constante do despacho do Diretor Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, de 23-05-2019;
c) Julgar improcedente o pedido de reembolso do montante pago pela Requerente acrescido de juros indemnizatórios, absolvendo-se a Requerida do respetivo pedido;
d) Condenar a Requerente no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.
V - Valor do Processo
Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 33.051,49 (trinta e três mil cinquenta e um euros e quarenta e nove cêntimos).
VI - Custas
O montante das custas é fixado em € 1 836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros) a cargo da Requerente, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 27 de abril de 2020
O Árbitro
(Olívio Mota Amador)