Acordam os Árbitros José Poças Falcão (Árbitro Presidente), Ricardo Marques Candeias e Henrique Nogueira Nunes (Árbitros Adjuntos), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem Tribunal Arbitral, na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
I – RELATÓRIO
1. No dia 17 de julho de 2019, a A... SGPS, SA, pessoa coletiva n.º ..., com sede na Rua ..., n.º..., ... – ... Lisboa, (doravante Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do ato de liquidação de Retenções na Fonte de IRS n.º 2017... e as correspondentes liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2017... a 2017..., referentes ao ano de 2013, com um montante total a pagar de € 268.241,33 e, bem assim, o despacho proferido, no dia 22 de abril de 2019, pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, ao abrigo de poderes delegados, através do qual foi indeferida a Reclamação Graciosa na altura interposta, deduzida pela ora Requerente, contra o referido ato de liquidação de retenção na fonte de IRS e os correspondentes atos de liquidação de juros compensatórios.
2. O pedido da Requerente baseia-se no entendimento de que se verifica falta de fundamentação dos atos de liquidação de retenção na fonte de IRS e de juros compensatórios, preterição de formalidade legal essencial, falta ou insuficiência de fundamentação do relatório de inspeção tributária, assim como não se encontram preenchidos os pressupostos para a aplicação da CGAA bem como foi violado o art. 74.º, LGT, porquanto não houve qualquer intenção abusiva nos comportamentos adotados e em causa no processo e, a concluir, ainda se verificam vícios que enfermam as liquidações de juros compensatórios. Na medida em que entende que a Requerida não faz prova da natureza abusiva das operações, considera que os atos impugnados padecem de vício de violação de lei, o que determina a respetiva anulabilidade.
3. No dia 18-07-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 10-09-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 30-09-2019.
7. A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta no dia 06-11-2019, tendo junto o processo administrativo. Em síntese, alega que não ocorreram quaisquer dos vícios apontados além de que se encontram reunidos os pressupostos da CGAA porquanto a conjugação e a forma essencialmente artificiosa com que os atos e negócios jurídicos foram celebrados e utilizados pela requerente expressam que o seu objetivo foi a minimização dos impostos.
8. Através de despacho proferido a 02.12.2019, o Tribunal agendou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, assim como a declaração de parte e a inquirição de testemunha, para o dia 07-02-2019 tendo, mais tarde, a referida data sido adiada para 19-02-2020.
9. A 19-02-2020 deu-se a reunião prevista assim como a declaração de parte e a inquirição de testemunha indicadas, tudo conforme ata junta aos autos, tendo as partes sido notificadas para apresentarem alegações escritas no prazo de 20 dias.
10. A Requerida apresentou as suas alegações escritas a 24.02.2020 e a Requerente apresentou as suas alegações escritas a 10-03-2020, ambos reiterando o já alegado.
11. O prazo para prolação e notificação da decisão final foi prorrogado nos termos e com os fundamentos do despacho proferido em 28-3-2020
12. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos provados
a) A 03-12-2003 foi constituída a sociedade comercial por quotas denominada B..., Lda, (de ora em diante, B...) que tinha por objeto social a "prestação de serviços na área da restauração, hotelaria e atividades similares. Organização de eventos culturais. Comercialização do nome, designadamente através de contratos de franchising".
b) A 27-05-2009 foi registada a transformação da B... para sociedade comercial anónima, com o capital social de 150.000 euros, dividido por 30.000 ações ordinárias, com o valor nominal de cinco euros cada uma.
c) A estrutura acionista era a seguinte:
d) O conselho de administração da B... era composto da seguinte forma, à data:
e) Do Relatório Justificativo da Transformação Elaborado Pela Gerência da Sociedade, datado de 14 de maio de 2009, que serviu de base à referida transformação, resulta que a alteração societária foi justificada devido a um "crescimento largamente superior ao inicialmente projetado", "aos novos negócios em perspetiva e ao continuo crescimento do número de estabelecimentos em funcionamento", à necessidade de "uma maior capacidade e maior adaptabilidade a todos os desafios" e uma "maior capacidade decisória do Conselho de Administração".
f) Do relatório de 22-12-2009, elaborado pela C..., SROC, vem declarado que "à data de 21 de dezembro de 2009, a participação de 100% no capital social da sociedade B... SA foi avaliada em € 15.272.000,00 (...). Nessa avaliação foi considerado o Método de Avaliação dos 'Free Cash Flow to the Firm (FCFF)".
g) A 30-12-2009 foi outorgado contrato de constituição de uma sociedade comercial anónima denominada A... SGPS, SA, cujo objeto social era a "gestão de participações sociais noutras sociedades como forma indireta do exercício dessa atividade económica, e prestação de serviços diversos na área da gestão às empresas participadas."
h) À data de 30-12-2019, o capital social da A... SGPS, SA, era de 50.000 euros, dividido em 10.000 ações ordinárias, com o valor nominal de cinco euros, cada uma.
i) As ações encontravam-se assim distribuídas:
j) À data, o Conselho de administração era composto da seguinte forma:
k) A Requerente, por Assembleia Geral extraordinária efetuada em 30-12-2009, deliberou, por unanimidade, a realização do capital social através de entradas em espécie mediante a entrega das referidas 30.000 ações ordinárias representativas de 100% do capital social da B... .
l) Cada uma das ações foi alienada por € 509,067.
m) Esta operação originou um crédito a favor dos acionistas da B... no montante de 15.222.000 euros, devidamente reconhecido conforme a ata acima indicada, assim contabilizado:
n) A Requerente reconheceu-se devedora a favor dos referidos acionistas pelos mencionados montantes registados a crédito.
o) Por ata datada de 31-12-2009, da B..., foi deliberado a extinção do dever de pagamento das remunerações aos seus administradores.
p) No ano de 2009 a B... abriu onze lojas.
q) Cada loja exigia, em média, um investimento de cerca de 186.000 euros.
r) Em 2008 a faturação foi de cerca de 300.000 euros tendo passado, em 2009, para 2.700.000 euros.
s) Em 2009 a B... realizou investimentos de cerca de 3.000.000 euros, tendo-se socorrido de financiamento bancário.
t) O negócio em causa é de capital intensivo.
u) Devido ao crescimento verificado e tendo em conta o ritmo a que isso ocorria, decorreu da prova testemunhal produzida em audiência, que os sócios da B... entenderam diversificar os seus conceitos, através da criação de novas marcas e produtos, a comercializar por aquelas, tendo em vista obter sinergias com a estrutura e conhecimentos que já existiam.
v) Decorreu igualmente da prova testemunhal produzida em sede de audiência, que foi criado um plano de internacionalização das suas marcas e conceitos, nomeadamente, Brasil, Polónia e Espanha.
w) E que vários investidores, incluindo fundos de investimento, abordaram os sócios da Requerente, interessados em investir no conceito e nas marcas por esta titulados.
x) E que nos anos seguintes a 2009, a Requerente e as suas subsidiárias abriram lojas na Polónia, Espanha e Brasil, para além de terem continuado a expansão do número de lojas em território nacional (Continente e Madeira), e de terem aberto lojas com marcas distintas da explorada pela B... designadamente um conjunto de lojas sob a marca ...".
y) E que foi necessário efetuar uma reorganização societária adequada ao plano que foi definido e a uma eventual entrada de investidores cfr. neste sentido em particular os testemunhos de D... .
z) Decorreu do testemunho de D... que em 2009 só havia a sociedade B... e em 2010 começou o processo de constituição do Grupo empresarial, apoiado num estudo interno levado a cabo para o efeito, com vista a constituir uma sociedade do tipo Holding e internacionalizar o Grupo, sendo que havia potenciais interessados em investir no Grupo via entrada no capital da sociedade Holding.
aa) Por ata datada de 15-12-2010, do Conselho de Administração da B..., foi deliberado autorizar a realização de um empréstimo à Requerente até ao montante máximo de 3.000.000 euros para assegurar a eficácia dos investimentos na expansão da marca ..., quer em Portugal quer no estrangeiro.
bb) Por ata datada de 29-12-2014, do Conselho de Administração da B..., foi deliberado autorizar a realização de um empréstimo à Requerente até ao montante máximo de 6.000.000 euros para assegurar a eficácia dos investimentos na expansão da marca..., quer em Portugal quer no estrangeiro.
cc) Por ata datada de 31-05-2016, do Conselho de Administração da B..., foi deliberado autorizar a realização de um empréstimo à Requerente até ao montante máximo de 8.000.000 euros para assegurar a eficácia dos investimentos na expansão da marca ..., quer em Portugal quer no estrangeiro.
dd) Com data de 01-01-2010 foi celebrado entre a Requerente e a B... um contrato de prestação de serviços designado "Contrato de Management e Prestação de Serviços", por intermédio do qual a primeira prestaria serviços de gestão, técnicos e administrativos, a favor da outra outorgante, contra o pagamento de um valor mínimo de 45.000 euros e um valor máximo de 350.000 euros.
ee) O valor mensal era calculado tendo por base a "complexidade e extensão dos serviços prestados em cada mês a alocação de recursos e meios efetuada (...), o preço desses mesmos meios e recursos, bem como o número de horas que sejam despendidas com a prestação dos serviços".
ff) O quadro de pessoal da requerente era composto pelos três membros do conselho de administração e dois colaboradores.
gg) No que se refere ao contrato de “Management de Prestação de Serviços” resultou igualmente da prova testemunhal produzida nos autos, designadamente do testemunho de E..., que o mesmo se destinava a pagar os custos de gestão, de geração de novas marcas e de design e que era um management fee.
hh) Por Assembleia Geral extraordinária da Requerente, realizada em 09-12-2010, foi deliberado um aumento do capital social, no valor de 950.000 euros, passando para 1.000.000 de euros, por entradas em espécie, através da conversão de parte dos créditos dos acionistas, através da emissão de 190.000 ações com o valor nominal de cinco euros, cada uma.
ii) A distribuição do aumento passou a ser a seguinte:
jj) Por Assembleia Geral extraordinária da Requerente, realizada em 20-07-2011, foi deliberada a realização de prestações suplementares a favor da F..., Lda, até ao valor máximo de 250.000 euros, com vista ao desenvolvimento do conceito "..." nos arquipélagos da Madeira e dos Açores.
kk) Por Assembleia Geral extraordinária da Requerente, realizada em 31-12-2011, foi deliberada a realização de prestações acessórias na G..., SGPS, SA, e prestações suplementares a favor da F..., Lda, respetivamente, até ao valor máximo de 495.000 euros e de 250.000 euros, com vista ao desenvolvimento do negócio na América do Sul e do conceito ... .
ll) Por Assembleia Geral extraordinária da Requerente, realizada em 29-06-2012, foi deliberada a concessão de um empréstimo a favor da G..., SGPS, SA, até ao valor máximo de 1.350.000 euros.
mm) Com base no referido "Contrato de Management e Prestação de Serviços", criou-se entre as partes um fluxo mensal que permitiu dotar a Requerente de meios financeiros que foram parcialmente canalizados para reembolsos também parciais dos créditos constituídos a favor destes.
nn) Os reembolsos ocorreram da seguinte forma:
oo) A situação descrita ocorreu também no exercício de 2013, atingindo os reembolsos a favor de quatro dos acionistas a importância de 822.007,29 euros.
pp) À data de 31-12-2015 permanece por restituir o valor de 7.761.396,32 euros.
qq) Do grupo da Requerente fazem parte as seguintes sociedades:
rr) Foi nos anos seguintes à sua constituição que as operações do grupo se consolidaram, em Portugal e no estrangeiro, com o início do processo de internacionalização da marca "..." e o desenvolvimento de novos conceitos como o 'slow'.
ss) O imposto apurado em sede de IRS, para o exercício de 2013, foi o seguinte:
tt) À data do início de 2020 foi apresentada aos sócios uma proposta de compra por 60.000.000 euros, como resultou da prova testemunhal produzida em audiência.
uu) Os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, ao abrigo das Ordens de Serviço n.º OI2016..., OI2016... e OI2016..., instauraram à Requerente um procedimento inspetivo externo de âmbito parcial, tendo por objeto IRC e Retenções na Fonte de IRS (“RFIRS”) dos exercícios de 2013, 2014 e 2015.
vv) Os atos de inspeção foram iniciados com a assinatura das Ordens de Serviço, em 03-05-2017, e concluídos em 21-08-2017, com a assinatura das Notas de Diligência.
ww) A Requerente foi notificada, por intermédio do ofício datado de 28-08-2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, do Projeto do Relatório de Inspeção Tributária, tendo igualmente sido notificada para o exercício do direito de audição prévia, não o tendo exercido por opção.
xx) A Requerente foi notificada, mediante o Ofício n.º..., de 31 de Outubro de 2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, do Relatório de Inspeção Tributária (cfr. Documento n.º 3 junto pela Requerente).
yy) Os Serviços de Inspeção Tributária apuraram, atendendo à classificação por si atribuída aos rendimentos aqui em causa, no Capítulo I.1 do RIT — Correções de Natureza Meramente Aritmética, que estaria em falta IRS não retido na fonte e não entregue nos cofres do Estado, no montante de 230.162,04 euros, relativo ao exercício de 2013, tendo introduzido, através da aplicação da Cláusula Geral Anti-Abuso ("CGAA"), correções, de natureza meramente aritmética, relacionadas com IRS não retido na fonte e não entregue nos cofres do Estado sobre pagamentos efetuados pela Requerente nesse exercício.
zz) Posteriormente, foi a Requerente notificada do ato de liquidação de Retenção na Fonte de IRS n.º 2017 ... e as correspondentes liquidações de Juros Compensatórios n.ºs 2017 ... a 2017..., referentes ao ano de 2013, num montante total a pagar de € 268.241,33.
aaa) A Requerente procedeu a 15 de dezembro de 2017 ao pagamento do valor referido no ponto anterior e a título do também mencionado, através de transferência bancária.
bbb) A Requerente deu entrada de Reclamação Graciosa deduzida contra os atos já melhor identificados, a que foi atribuído o n.º ...2018... .
ccc) No dia 12 de março de 2019, a Requerente foi notificada do Projeto de Decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e convidada a exercer o direito de audição prévia não o tendo feito por opção — cfr. art. 66.º e 67.º da petição arbitral.
ddd) Mediante ofício datado de 24 de abril de 2019, da Divisão de Justiça Administrativa da Direção de Finanças de Lisboa, a Requerente foi notificada do Despacho proferido no dia 22 de abril de 2019, pelo Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa, ao abrigo de poderes delegados, através do qual foi indeferida a referida Reclamação Graciosa.
A.2. Factos dados como não provados
Não há́ factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto, cumpre assinalar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada e a não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim e à luz do disposto no artigo 110.º, n.º 7, do CPPT, aplicável em sede arbitral, depois de analisadas de forma crítica as posições assumidas pelas partes, a prova documental junta e não impugnada, incluindo o cronograma apresentado no ato de inquirição de testemunhas e o processo administrativo instrutor, tudo em conjugação com os depoimentos prestados em audiência pelo representante da Requerente, seu fundador e presidente do conselho de administração (D...) e pela testemunha (E...), inicialmente (2008) diretora financeira de uma das sociedades que integram o universo da Requerente [cfr. supra, as alíneas u), v), y), z), gg) e tt), dos factos provados] detentora da marca “...” e, ulteriormente, diretora geral da própria Requerente, considerou o Tribunal provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Obviamente que não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Sobre a ordem do conhecimento dos vícios, determina o artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e c) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do ato impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.
Não tendo sido alegado nenhum vício conducente à nulidade, a apreciação dos vícios é feita pela ordem indicada pela Requerente, desde que se estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público.
Assim sendo, começar-se-á por apreciar-se os vícios atinentes à falta de fundamentação do ato de liquidação de retenção na fonte de IRS e da preterição de formalidade legal essencial.
1) Da alegada falta de fundamentação do acto de liquidação de retenção na fonte de IRS
Alega a Requerente que as liquidações não se encontram devidamente fundamentadas, pois, no seu juízo, os fundamentos de facto e de direito que subjazem os actos de liquidação em crise nos autos não se encontram plasmados nas notificações dos mesmos, clamando pela sua anulação por violação do disposto nos artigos 268.º, n.º 3 da CRP e artigo 77.º da LGT.
No que foi prontamente contrariada pela Requerida.
Sustenta a jurisprudência quanto à fundamentação do acto de liquidação que: “O acto estará suficientemente fundamentado quando o administrado, colocado na posição de um destinatário normal – o bonus pater familiae de que fala o art. 487.º, n.º 2 do Código Civil – possa ficar a conhecer as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, de modo a permitir-lhe optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do acto ou o accionamento dos meios legais de impugnação, e de molde a que, nesta última circunstância, o tribunal possa também exercer o efectivo controle da legalidade do acto, aferindo o seu acerto jurídico em face da sua fundamentação contextual ”.
Ou, dito de outro modo, a fundamentação deve incorporar elementos de facto e de direito que permitam ao destinatário do acto perceber o iter decisório e valorativo da AT.
No caso sub judice, é possível vislumbrar ao longo do relatório inspectivo um conjunto bastante descritivo e exaustivo de factos e, bem assim, de normas jurídicas que enquadram as correções que foram efetuadas.
Aliás, a este respeito cumpre convocar o recente Acórdão do TCA-Sul, proferido no processo 424/09.8BELRS, datado de 23-04-2020 em que considerou este Tribunal e cita-se o excerto relevante deste aresto:
“O preceito do artigo 77.º da LGT enuncia os requisitos da fundamentação do ato tributário. De acordo com o n.º 1, a fundamentação deve incluir a «sucinta exposição das razões de facto e de direito, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integram o relatório da fiscalização tributária» (n.º 1). Concretiza o n.º 2 que, podendo «[a] fundamentação dos atos tributários pode ser efetuada de forma sumária, deve[…] sempre conter as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos factos tributários e as operações da matéria tributável e do tributo» (n.º 2). Trata-se de uma formulação específica do dever geral de fundamentação (artigo 268.º, n.º 3, da CRP).
Noutra formulação, «[a] fundamentação do ato tributário tem de expressar-se em um discurso contextual, formal, acessível, congruente e suficiente para dar a conhecer ao contribuinte, pressuposto como um contribuinte normal colocado nas circunstâncias concretas do recorrente, as razões de facto e de direito que levaram a administração a praticá-lo, variando a exigência de densificação daquele discurso em função do tipo de ato e da participação ou não participação do contribuinte no procedimento da sua formação». [E]xige-se que o sujeito passivo da relação jurídica de imposto (destinatário normal), perante o itinerário valorativo e cognoscitivo em que se baseou o ato decisório, esteja razoavelmente habilitado a conhecer integralmente os fundamentos que levaram o decisor tributário a firmar o entendimento num sentido e não noutro qualquer. Pelo que a decisão procedimental considera-se fundamentada, independentemente da sua concordância, caso exista congruência e clareza, suscetível de ser percetível para qualquer destinatário normalmente diligente que com a mesma se confronte».
Razões pelas quais entende o tribunal que o ato se encontra suficientemente fundamentado, uma vez que o RIT contém as referências mínimas à matéria de facto e de direito utilizadas pela AT para fundamentar a prática dos atos tributários em causa nos autos.
E até porque a falta de fundamentação imputada ao mesmo não constituiu qualquer obstáculo para a Requerente sustentar e pugnar pela sua ilegalidade e consequente anulação, quer em sede de procedimento tributário, quer no presente articulado, em que imputa às liquidações um conjunto diversificado de vícios, revelando perfeito conhecimento do quadro fáctico e legal em que se estribou a AT na sua atuação.
Em suma, entende o tribunal que os atos tributários em causa nos autos não padecem do vício de falta de fundamentação que a Requerente lhes imputa, pelo que neste ponto improcede o seu pedido.
2) Da alegada preterição de formalidade legal essencial.
Quanto a esta matéria, alega a Requerente, em suma, que não foi “notificada nos termos previstos na alínea a), do n.º 1, do artigo 60.º. da Lei Geral Tributária”.
Como se constata dos factos dados como provados, certo é que a Requerente foi notificada para exercer o seu direito de audiência prévia, quer no que se refere ao projeto de Relatório de Inspeção Tributário, quer sobre o projeto de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada, não o tendo feito unicamente por sua opção.
Deste modo, e tendo em conta o disposto no artigo 60.º, n.º 3 da LGT, a AT estava dispensada de ouvir a Requerente antes da liquidação, pelo que improcede esta parte do pedido arbitral.
3) Da aplicação do artigo 38.º, n.º 2, da LGT.
Como vimos, a questão central que se coloca à apreciação do tribunal é aferir se se verificam os requisitos previstos na cláusula geral anti-abuso positivados no n.º 2 do artigo 38.º da LGT, no âmbito dos quais se procedeu a correções ao nível da retenção na fonte sobre pagamentos de alegados lucros/dividendos aos acionistas da Requerente.
Sobre esta mesma questão em concreto, versando o mesmo Requerente dos presentes autos, mas referente a anos distintos, existe já diversa jurisprudência publicada do CAAD, designadamente as constantes das decisões arbitrais n.ºs 165/2019-T; 166/2019-
-T e 167/2019-T.
No que se refere em concreto à Decisão Arbitral proferida no processo n.º 165/2019-T, cumpre referir que com ela está integralmente de acordo o presente Tribunal, pelo que a seguirá de muito perto por ser inteiramente aplicável no caso em apreço uma vez que se refere à mesma situação fáctica embora de um ano distinto do dos presentes autos, mas emergindo do mesmo RIT.
A CGAA surgiu pela primeira vez por força da Lei n.º 100/99 de 22 de julho, que acrescentou um n.º 2 ao artigo 38.º da LGT. Aí se dizia:
“São ineficazes os atos ou negócios jurídicos quando se demonstre que foram realizados com o único ou principal objetivo de redução ou eliminação dos impostos que seriam devidos em virtude de atos ou negócios jurídicos de resultado económico equivalente, caso em que a tributação recai sobre estes últimos.”.
No entretanto a CGAA foi alterada na sua redação pela Lei n.º 30-G/2000, de 29 de dezembro, passando a dispor-se que :
“São ineficazes no âmbito tributário os atos ou negócios jurídicos essencial ou principalmente dirigidos, por meios artificiosos ou fraudulentos e com abuso das formas jurídicas, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em resultado de factos, atos ou negócios jurídicos de idêntico fim económico, ou à obtenção de vantagens fiscais que não seriam alcançadas, total ou parcialmente, sem utilização desses meios, efetuando-se então a tributação de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e não se produzindo as vantagens fiscais referidas.”.
Relativamente à versão inicial, a redação atual da CGAA destaca-se por circunscrever a ineficácia de atos e negócios jurídicos ao âmbito tributário, conservando os mesmos a sua validade e eficácia noutros domínios. É eliminada a exigência de demonstração, sugerindo uma atenuação do standard probatório por parte da AT. No entanto, deve ter-se em conta o artigo 63.º n.º 3, alínea b), do CPPT, onde se dispõe que a fundamentação do projeto e da decisão de aplicação da CGAA deve conter a demonstração de que a celebração do negócio jurídico ou prática do ato jurídico foi essencial ou principalmente dirigida à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos que seriam devidos em caso de negócio ou ato com idêntico fim económico, ou à produção de vantagens fiscais.
Esta última referência, feita em termos genéricos, aponta para a irrelevância da questão de saber quem é que efetivamente obteve as vantagens fiscais. Se qualquer das partes envolvida na transação obteve uma vantagem fiscal indevida, por não ter sido contemplada pelo legislador tributário e não ter qualquer correspondência com a substância económica, cabe à AT considerá-la ineficaz e neutralizar a produção da mesma. Este aspeto é especialmente relevante nos casos em que a vantagem é produzida e obtida dentro de uma lógica de grupo.
O artigo 38.º n.º 2, da LGT, vincula a CGAA a um propósito essencial ou principal, i.e., à presença de condutas que indiciem o recurso a meios artificiosos e fraudulentos e o abuso de formas jurídicas. Ponto é que se tenha em vista i) a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos devidos por força de factos, atos ou negócios de idêntico fim económico ou ii) a obtenção de vantagens fiscais dependentes daqueles meios. Num caso e noutro, a tributação é feita de acordo com as normas aplicáveis na ausência dos atos e meios em causa, não se produzindo as vantagens fiscais referidas.
Da exegese do artigo 18.º, n.º 2, da LGT, resulta que a AT deve carrear elementos indiciários que lhe permitam estabelecer a existência de uma operação artificiosa e abusiva de acordo com o crivo, de exigência intermédia, da preponderância da prova ou equilíbrio das probabilidades que em vários quadrantes tem vindo a ser associado à aplicação das CGAA’s.
Isso obriga a uma abordagem contextual e factual dos casos concretos, simultaneamente atenta à teleologia das normas fiscais e às características e objetivos das transações. Especialmente importante é a análise da transação na sua globalidade e sob uma forma integrada, atentando a todos os seus passos e participantes, reservando um escrutínio particularmente exigente quando se tratar de transações envolvendo sócios e sociedades do mesmo grupo.
A CGAA do artigo 38.º, n.º 2, da LGT, aplicável aos factos tributários contantes dos autos não permite a redução, eliminação, diferimento de impostos ou a produção de vantagens fiscais nos casos em que a transação inerente não possa ser razoavelmente considerada como tendo uma finalidade económica principal e manifeste uma utilização artificiosa, fraudulenta e abusiva das formas jurídicas. Nesses casos, a AT tem o poder/dever de requalificar a operação realizada e liquidar o imposto de acordo com as normas aplicáveis na sua ausência e como se a vantagem fiscal nunca tivesse sido produzida.
Tanto a Requerente como a Requerida reconhecem que esta norma contém uma cláusula anti-abuso e aceitam a doutrina que a decompõe em cinco elementos respeitando quatro — meio, resultado, intelectual e normativo — aos requisitos de aplicação e o quinto — elemento sancionatório —, à efetivação da cláusula.
No entanto, acerca da verificação ou não dos elementos da CGAA têm posições opostas, abundantemente expressas ao longo do procedimento tributário e no âmbito do presente processo arbitral.
A Requerente considera não estarem verificados (e provados) os requisitos exigidos para a aplicação da CGAA, pelo que defende não poder haver lugar à estatuição da norma conducente à ineficácia dos negócios jurídicos no âmbito tributário.
Já a AT considera estarem reunidos os referidos requisitos, alegando que se encontram preenchidos todos os elementos de aplicação da CGAA.
No caso presente e depois de ponderadas todas as provas carreadas ao processo, mormente as produzidas aquando da reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, entende este tribunal não estar verificado o preenchimento dos requisitos para a legítima aplicação da cláusula geral anti-abuso pelas razões que se irão expor, de seguida, na escalpelização de cada elemento constitutivo da norma prevista no artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária.
Posto isto, como acima referimos, a questão ora em apreço, já foi, na sua substância, objecto de apreciação no quadro do processo arbitral n.º 165/2019-T, do CAAD , nos termos que se seguirão e que se acompanham integralmente.
Citando a supra referida decisão arbitral:
“25. No tocante à verificação do elemento meio:
Entende a Requerente que o rápido crescimento operacional da "B..., SA” provocara a internacionalização da atividade e, naturalmente, a conversão do tipo societário para uma sociedade anónima se apresentou como uma garantia para os investidores financeiros, particulares e institucionais, acautelando-se por esta via a sustentabilidade financeira da sociedade.
(…)
Em sentido diferente, defende a Requerida que o Relatório de Inspeção Tributária contempla uma descrição pormenorizada de atos e negócios efetuados, de forma interdependente e lógica, pela Requerente. Desse relatório, destacar-se-ia o esforço em serem cumpridos, tempestivamente, os requisitos mínimos para a constituição de uma sociedade anónima, pese embora, o Relatório Justificativo da Transformação elaborado pela gerência da “B..., SA” não fazer referência alguma às motivações subjacentes à transformação do tipo societário.
Relativamente à valorização das ações na sociedade “B..., SA”, a Requerente sustenta ser perfeitamente natural existir uma variação sensível entre o valor real e o valor nominal das ações. Tratando-se de uma sociedade não cotada em bolsa seria natural, por imperativo contabilístico, que essa variação não estivesse refletida no valor nominal das participações detidas.
Em contraposição, a Requerida afirma que não era normal uma valorização das ações na ordem dos 10.000% sem que, para tanto, ocorresse um facto interno ou externo que a justificasse. A valorização provara ser benéfica para os acionistas da “B..., SA” posto que, permitira a subscrição da integralidade do capital social da Requerente, mediante entradas em espécie e, constituíra um crédito a favor dos acionistas, no montante de 15.222.000 euros, decorrente da diferença positiva entre o valor real (509, 07 euros) e o valor nominal (5 euros) das ações alienadas.
No que diz respeito à estrutura acionista comum às sociedades “B..., SA” e “A... SGPS, SA”, a Requerente opõe que a operação pretendida se consubstanciava numa reorganização do ponto de vista societário, ao nível do grupo, a qual não contendia com uma alteração da estrutura acionista. Como a entidade “B..., SA” deixara de ser a única entidade operacional, ficando sob a alçada de uma sociedade gestora de participações sociais, seria natural que os anteriores acionistas transitassem para a estrutura acionista da Requerente que passara a exercer toda a atividade empresarial do grupo, entretanto, constituído.
Contestando esse entendimento, a Requerida encerra na sua resposta que a estrutura acionista e o conselho de administração da Requerente eram exatamente idênticos àqueles existentes na sociedade “B..., SA”, antes da alienação das participações sociais. Tal factualidade entrava em contradição com um dos objetivos a que, alegadamente, se propunha a Requerente, a saber, a entrada de capital externo.
Finalmente, no que tange ao contrato de “management” de prestação de serviços, a Requerente contesta o entendimento da Autoridade Tributária, enquadrando o contrato como uma prática comum nos grandes grupos empresariais. O contrato de prestação de serviços justificava-se por a realidade empresarial do grupo reclamar, por razões de eficiência e racionalidade, o exercício centralizado das atividades de gestão e administração das várias entidades que o compunham. A existência desse contrato não implicava que as entidades mencionadas não pudessem, nem devessem exercer funções similares e suportar as correspondentes despesas que lhes eram associadas.
Em sentido antagónico, a Requerida justifica a existência do contrato de prestação de serviços na necessidade de a Requerente obter meios financeiros disponíveis de forma a “reembolsar”, mensalmente, os seus acionistas. A sociedade “B..., SA” continuava a suportar gastos de natureza relacionada aos serviços que lhe eram prestados pela Requerente, sendo que as contraprestações devidas, em virtude do contrato, eram diretamente canalizadas para os acionistas, a título de amortização do crédito gerado.
A verificação do “elemento meio” implica que a operação, globalmente considerada, se encontre determinada, na sua estrutura, em função de um determinado resultado fiscal, aferindo-se para esse efeito, o nível de incoerência entre o fim para que é empregue concretamente a forma adotada pelo ato/negócio e a causa que lhe é próprio. Como explica SALDANHA SANCHES, existe um negócio artificioso “quando a sua utilização só puder ser explicada por razões de natureza fiscal”.
Reputa-se que, em face da prova documental e, em especial, da prova testemunhal produzida, não procede o argumento da Requerida, segundo o qual, haveria uma interdependência lógica entre os vários atos e negócios praticados pela Requerente e exclusivamente destinada ao aproveitamento da exclusão de tributação.
A dimensão e a visibilidade notória da marca da sociedade “B..., SA” explicam a restruturação encetada pela Requerente para um tipo societário mais adaptado ao volume de negócios registado. É, pois, irrelevante que os objetivos a que se propunha a Requerente se tenham efetivamente concretizado, posto que, à data da conversão num tipo societário mais apropriado havia um propósito económico válido para o fazer.
Relativamente à valorização das ações, estas foram objeto de uma avaliação independente e certificada pela “E..., SROC, Lda”, sendo esse um requisito prévio obrigatório, por via do qual, podem ser realizadas entradas em espécie. No que concerne à alienação das participações sociais a favor da Requerente e à existência de um contrato de prestação de serviços trata-se de práticas correntes, em grupos de sociedades, entendidas no âmbito do exercício da atividade desenvolvida por uma sociedade gestora de participações sociais e bem explicadas pela parte, aquando da sua audição, e perfeitamente compreendidas pelo tribunal. Atenta a factualidade demonstrada, todos estes atos têm um propósito económico/empresarial que não é estranho à forma jurídica pelo qual se revestem.”.
In casu resultou provado do testemunho de D... e de E... que a operação de alteração do tipo societário da B..., para uma sociedade anónima, teve como objetivo permitir criar um grupo, permitir a entrada de capital externo e adaptar a sociedade ao crescimento empresarial verificado e que se perspetivava, permitindo aumentar a sua eficiência operacional com vista à internacionalização do Grupo que era então desejada. Ou seja, o que se pretendeu com a aludida reorganização foi a reorganização do Grupo como um todo, que culminou com a alienação das ações da B..., S.A. à Requerente, via entrada em espécie, detida pelos mesmos acionistas que anteriormente detinham a entidade que desenvolvia toda a atividade empresarial do Grupo.
Por outro lado, no que se refere ao valor resultante da avaliação das ações da B..., S.A., tal resulta da avaliação efetuada por um ROC independente, sendo que o valor aí determinado não foi objeto de qualquer contra apreciação por parte da AT, limitando-se esta a estranhar o valor resultante de tal avaliação, mas, importa notar, a mesma depende de uma imposição legal prevista no CSC no quadro de uma operação legal de reorganização societária.
Por fim, no que se refere ao contrato de “Management de Prestação de Serviços” é o mesmo normal no quadro de relações intra-grupo e resultou igualmente da prova testemunhal produzida nos autos, designadamente do testemunho de E..., que o mesmo se destinava a pagar os custos de gestão, de geração de novas marcas e de design, era um management fee, mais uma vez perfeitamente normal no quadro da gestão integrada de um grupo empresarial, conforme se disse.
Pelo que não se observa a verificação do elemento "meio".
Quanto ao elemento intelectual, e citando novamente o aresto proferido no processo n.º 165/2019-T:
“Entende a Requerente que a Autoridade Tributária não soube demonstrar, à data do primeiro ato praticado, que era intenção exclusiva levar a cabo uma sucessão de atos tendentes a criar um crédito reembolsável na esfera dos acionistas. Tendo a Requerida optado, erroneamente, por tecer um juízo a posteriori sobre a globalidade das operações efetuadas, retirando-se, desse modo, o efeito útil à demonstração da relação de interdependência sujeita ao crivo da cláusula geral anti-abuso.
No polo oposto, alega a Requerida que teria havido urgência, por parte da Requerente, em reunir os requisitos necessários à conversão de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, de forma a aproveitar a exclusão de tributação das mais-valias. Nesse sentido, relembra que o Relatório Justificativo de Transformação da Sociedade não indicava nenhuma estratégia empresarial para o efeito. Por outro lado, sublinha que o método empregue para avaliar as participações sociais, efetuado por extrapolação a partir de indicadores referentes aos 3 anos de atividade seguintes, era desprovido de qualquer estudo de mercado. Conclui assim que, perante a prova indiciária recolhida, o único objetivo imputável a esta operação seria a exclusão de tributação.
No que concerne à interpretação da cláusula geral anti-abuso, segundo um sentido consentâneo com a jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia, entende a Requerente que esse tribunal tem admitido a existência das designadas tax driven structures. Estavam legitimadas, desse modo, estruturas económicas cuja constituição tivesse sido motivada por razões fiscais, desde que, não se consubstanciassem em meros expedientes formais. Nesses termos, a Autoridade Tributária estaria obrigada a interpretar a disposição atinente à cláusula geral anti-abuso em conformidade com o entendimento fixado em vasta jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia.
Por seu turno, a Requerida considera que, no tocante às situações exclusivamente internas era inaplicável o direito da União Europeia visto que se tratava de uma baliza de soberania legislativa. A competência jurisdicional do Tribunal de Justiça da União Europeia e a correspondente aplicação do Direito da União Europeia reclamavam a existência de um elemento transfronteiriço. Consequentemente, a Requerida não se encontrava adstrita à interpretação da cláusula geral anti-abuso num sentido conforme ao propugnado pela jurisprudência comunitária.
O preenchimento do “elemento intelectual” depende da ausência de outras motivações, para além da redução da carga fiscal, que possam ser imputáveis às operações efetuadas pela Requerente. A verificação deste elemento sobrevém do decaimento das motivações apresentadas para a montagem da estrutura negocial face ao business purpose test.
Nesta linha de pensamento, se não existirem motivações empresariais legítimas, apuradas com base em evidências objetivas, reputar-se-á, em consequência, que as condutas da Requerente foram determinadas exclusivamente por motivos económicos fiscais. O apuramento desses motivos, na ausência de confissão expressa, tem de se fazer com base em factos objetivos concretamente apreensíveis, pois, só assim se detetam estados subjetivos.
No caso vertente, em face dos factos provados e pese embora se vislumbrem objetivos de eliminação da carga fiscal, não se pode dar por verificado o elemento intelectual.
A Requerente demonstrou que a transformação societária encetada por sua autoria não era predominantemente de índole fiscal. Comprovou que a realidade existente aquando do início da sua atividade – onde só detinham um restaurante – em nada se compadece com a realidade atualmente existente de uma cadeia de lojas abertas nos principais centros comerciais do país. É por demais evidente para o tribunal que quer a estrutura societária quer a valorização das ações, pese embora possam ter um abstrato móbil fiscal, objetivamente têm ou tiveram motivações económicas subjacentes que não podem ser desconsideradas. A doutrina das tax driven structures – que não pode ser desconsiderada – leva então o presente tribunal a não ter como preenchido o elemento intelectual.”.
Negrito do Tribunal.
Como, e bem, afirma a AT na sua Resposta, “a aplicação da CGAA exige que seja recolhida prova idónea e suficiente que permita retirar ilações seguras de que houve, de facto, um esquema elisivo montado e levado a cabo com motivações fundamentalmente fiscais e que determinou a escolha das formas dos atos.”.
In casu, e como bem nota a Requerente, para que o elemento intelectual se mostrasse satisfeito, teria sido necessário que a AT pudesse ter demonstrado, e provar nos autos (o que não ocorreu no entendimento deste tribunal) que, à data do primeiro dos atos indicados no elemento meio — a transformação da sociedade em sociedade anónima — era já intenção exclusiva ou, pelo menos, a intenção preponderante, de levar a cabo uma sucessão de atos tendentes a criar um crédito reembolsável aos acionistas da B..., S.A., ou seja gerar uma vantagem unicamente fiscal.
Ora, como resulta da prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento, designadamente o testemunho de D..., em 2009 só havia a sociedade B... e em 2010 começou o processo de constituição do Grupo empresarial, apoiado num estudo interno levado a cabo para o efeito, com vista a constituir uma sociedade do tipo Holding e internacionalizar o Grupo, sendo que havia potenciais interessados em investir no Grupo via entrada no capital da sociedade Holding.
Por outras palavras, está-se perante uma operação de reorganização empresarial, utilizando expedientes jurídicos existentes e legais, não se ignorando que essas escolhas possam ter gerado no futuro alguns ganhos de natureza fiscal (derivado de regimes fiscais à data criados pelo legislador) mas não se podendo concluir, como pretende a Requerida, que toda essa operação teve como único fito alcançar a vantagem fiscal na esfera dos acionistas da B..., S.A., de obter uma alienação isenta de impostos e um posterior reembolso desse valor com fluxos económicos gerados internamente, ao invés de uma distribuição de dividendos, pois, como se provou, havia motivos perfeitamente válidos de finalidade económica subjacente à referida reorganização e não se descortina a relação de interdependência das operações que a AT entende ter ocorrido.
Pelo que não se observa a verificação do elemento intelectual.
Quanto ao elemento normativo e convocando novamente o que então se decidiu no aresto proferido no processo n.º 165/2019-T:
Entende a Requerente que as operações efetuadas, por sua autoria, não apresentam um caráter anti-jurídico. A norma prevista no artigo 10.º, n.º 2 do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares tinha por objetivo dinamizar o mercado de capitais, promovendo o investimento nas sociedades anónimas e excluindo-se de tributação as mais-valias. No tocante à avaliação do valor das entradas em espécie, explicar-se-ia pela preocupação do legislador em evitar a fraude às expectativas criadas ao mercado, tendo essa avaliação sido certificada por um Revisor Oficial de Contas. Finalmente, a interposição de uma sociedade gestora de participações sociais, as quais teriam origem nas sociedades de controlo, visava agregar um conjunto de participações sociais numa única sociedade em ordem à sua gestão centralizada e especializada, o que de resto não deixou de suceder.
Com um entendimento diferente, a Requerida defende que não se pode olvidar toda a montagem de negócios efetuados pela Requerente e que culminaram num resultado censurável, em face de uma norma objetivamente identificada.
Nessa senda, a Autoridade Tributária salienta que não põe em causa a conversão da “B..., SA” para uma sociedade anónima ou a constituição da Requerente enquanto empresa e, nem tão-pouco, a existência de um contrato de prestação de serviços. Ao invés, entende a Requerida que a exclusão de tributação resulta da conjugação de vários normativos que exigem planeamento fiscal abusivo. O legislador quando procedeu à feitura da redação do artigo 10.º, n.º 2 do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, pese embora tenha criado incentivos económicos, não previu, nem desejou que da conjugação desses normativos resultassem transformações societárias desprovidas de desiderato económico, racionabilidade comercial e substância. Face ao exposto, ter-se-ia por verificado o elemento normativo.
O preenchimento do elemento normativo está sujeito à verificação, in casu, de uma contrariedade normativo-sistemática em face do resultado obtido, ou seja, tem que existir uma contrariedade entre a finalidade da disciplina tributária em causa e a vantagem fiscal obtida. De tal modo, que se possa concluir que o resultado assim obtido e, ainda que preencha os requisitos formais, é contrário ao espírito de uma norma objetivamente identificada.
Da apreciação do caso sub judice, conclui-se que não se encontra verificado este elemento. O artigo 10.º, n.º 2 do Código de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares tinha por objetivo dinamizar o mercado de capitais e o investimento nas sociedades anónimas, aliviando-se a carga fiscal aos sujeitos passivos que alienassem as suas ações. A conversão de uma sociedade por quotas em sociedade anónima, com a subsequente venda das ações sem sujeição a tributação foi classificada por SALDANHA SANCHES como uma “lacuna consciente de tributação” sendo, por conseguinte, uma opção legítima do contribuinte, ainda que motivada por razões fiscais desde que exista um substrato económico para além do fiscal. Como é o caso.”.
Como, e bem, afirma a Requerida na sua Resposta, no artigo 103.º da sua Resposta, o “elemento normativo, influenciado pela teoria da fraude à lei, é um dos mais relevantes e significativos elementos da CGAA, uma vez que sendo o procedimento da CGAA destinado a reprimir e combater a evasão fiscal, pressupõe que o contribuinte obtenha uma vantagem fiscal de modo reprovável ao nível dos princípios que regem o sistema fiscal sua natureza verdadeira e substancial, mesmo que o legislador não o tenha feito expressamente.“.
Continuando dizendo: “Com efeito, a liberdade de escolha em praticar atos ou negócios jurídicos com o objetivo de diminuir a carga fiscal pode ser uma opção económica, desde que não se utilizem meios ou instrumentos insólitos ou de todo desapropriados ao objetivo ou objetivos económicos.”.
A norma do CIRS que então previa a isenção da tributação das mais-valias geradas pela transmissão de ações tinha por finalidade incontestável incentivar o investimento em sociedades anónimas como forma de desenvolvimento do mercado nacional, abrindo-se o capital das sociedades a terceiros que pudessem aportar valor ao negócio e desenvolvendo, simultaneamente, o mercado de capitais.
Pretendia o legislador da época fomentar o mercado de capitais nacional, promovendo a criação de sociedades anónimas, quer através da criação originária dessas mesmas sociedades, quer através da conversão de outras sociedades (por quotas, por exemplo) em sociedades anónimas.
Isso mesmo, como bem nota a Requerente, foi objeto de inequívoca confirmação na jurisprudência arbitral, designadamente no âmbito das Decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 138/2012-T, 123/2012-T e 124/2012-T.
Nada havendo de anti-jurídico na utilização desse expediente legal.
Pelo que não se observa igualmente a verificação do elemento normativo.
Quanto ao elemento resultado, e citando novamente o aresto proferido no processo n.º 165/2019-T:
“Entende a Requerente que a Administração Tributária falhara em demonstrar que a vantagem fiscal resultava direta e necessariamente do conjunto das operações efetuadas. Essa demonstração implicava que se comprovasse um nexo de causalidade entre o resultado obtido e cada operação, individualmente considerada.
Diversamente, defende a Requerida que logrou comprovar a existência de um elo entre a vantagem fiscal obtida e o encadeamento de negócios/atos efetuados. Nestes termos, procedera a uma comparação dos atos equivalentes, do ponto de vista económico, àqueles que foram praticados pela Requerente. Consequentemente, os primeiros, enquanto atos normais sujeitos a tributação, a saber, a distribuição de dividendos, substituir-se-iam aos atos efetivamente praticados, ou seja, o reembolso dos créditos desonerado de carga fiscal.
Por outro lado, sustenta a Requerente que a verificação do elemento resultado dependeria sempre da prova do caráter anti-jurídico das operações em causa. Ora, tal como já teria ficado demonstrado, o resultado obtido através dos atos e negócios realizados pela Requerente não eram desconsiderados do ponto de vista normativo-sistemático.
O preenchimento do elemento resultado está dependente da possibilidade de se formular um juízo de comparabilidade entre atos equivalentes do ponto de vista económico. Através dessa comparação demonstra-se que o sujeito passivo logrou, através de um conjunto de atos/negócios, alcançar um resultado que em condições normais seria tributado.
A vantagem fiscal assim obtida reportar-se-ia a cada um dos atos constitutivos da operação artificial criada pelo sujeito, criando-se um resultado de efeitos económicos equivalentes ao ato normal tributado.
Na esteira de GUSTAVO LOPES COURINHA , “as situações de vantagem fiscal devem entender-se, para efeitos da CGAA, como qualquer situação pela qual, em virtude da prática de determinados atos, se obtém uma carga tributária mais favorável ao contribuinte do que aquela que resultaria da prática dos atos normais e de efeito económico equivalente, sujeitos a tributação. Assim, estaremos perante uma comparação entre os ónus fiscais normalmente suportados e os evitados com a atuação produzida. Se de tal análise resultar uma efetiva diferença, aritmética ou de outra natureza, que seja objetivamente vantajosa para o contribuinte, ter-se-á por verificado este requisito.”
No caso em apreço verificamos, pelo que se deixou claro, que não se encontra preenchido o elemento resultado.”.
Ora, como ficou já demonstrado pela prova produzida nos autos, o objetivo da reorganização levada a cabo pela Requerente não foi o de obter principalmente uma vantagem de natureza fiscal resultando de um conjunto de atos abusivos conducentes a tal fim único, mas, ao invés, de uma reorganização efetuada fundamentalmente por razões económicas, não se ignorando a existência de uma vantagem fiscal, mas não se podendo concluir, como pretende a AT na sua Resposta, que se está perante “ resultados extra legem e, por conseguinte, inadmissíveis perante o bloco de juridicidade” e muito menos que a Requerente “enveredou por uma série de atos jurídicos, mais complexos e dispendiosos face à realidade económica em concreto, unicamente com motivações fiscais.”.
Pelo que também este elemento não se verifica.
Por fim, quanto ao elemento sancionatório e apelando novamente à decisão proferida no Processo n.º 165/2019-T:
“Não se tendo demonstrado a verificação dos requisitos exigidos para aplicação da cláusula geral anti-abuso, não há lugar à aplicação da estatuição do artigo 38.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária, mais concretamente, não há lugar à tributação de acordo com as normas aplicáveis, caso não se tivesse verificado o esquema elisivo.
Em consonância com este entendimento analítico, no que respeita à verificação dos requisitos da cláusula geral anti-abuso estabelecida no artigo 38.º, n.º 2 da Lei Geral Tributária, pode apontar-se como exemplo adotado pela jurisprudência do Tribunal Central Administrativo Sul o arrêt de principe, segundo o qual: “A previsão da norma em análise consagra quatro pressupostos da sua aplicação, os quais são: 1-O elemento meio - o qual tem a ver com a forma utilizada, portanto, com a prática de certos atos ou negócios dirigidos, essencial ou principalmente, à redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 2-O elemento resultado - o qual visa a vantagem fiscal como fim da atividade do contribuinte, portanto, a redução, eliminação ou diferimento temporal de impostos; 3-O elemento intelectual - o qual tem a ver com a motivação fiscal do contribuinte, portanto, com o facto dos atos ou negócios pelo mesmo praticados serem essencial ou principalmente dirigidos ao resultado que é a vantagem fiscal; 4-Elemento normativo - o qual tem a ver com a reprovação normativo-sistemática da vantagem obtida, portanto, o contribuinte atua com manifesto abuso das formas jurídicas. Na estatuição da norma vamos encontrar o elemento sancionatório que se traduz na ineficácia, no âmbito tributário, dos atos ou negócios jurídicos em causa, os quais passam a ser inoponíveis à A. Fiscal (...). O elemento sancionatório corresponde, por isso, à estatuição da norma em apreciação, dependendo a sua aplicação da verificação cumulativa dos pressupostos consagrados na sua previsão”.
Não se verificando naturalmente face ao entendimento deste tribunal dos autos.
4) Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
Em consonância com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”.
Em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT, sendo consequentemente devida a restituição da quantia paga pela Requerente.
Por seu turno, nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Face ao exposto, e na sequência da declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de retenção na fonte de IRS, é devido à Requerente o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Anular o ato de liquidação de retenção na fonte de IRS n.º 2017... e as correspondentes liquidações de juros compensatórios n.ºs 2017 ... a 2017 ..., bem como o despacho de indeferimento da Reclamação Graciosa que os teve como objeto;
b) Condenar a Requerida no reembolso do montante de imposto, indevidamente, pago, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos anteriormente indicados;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 268.241,33, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 4.896,00 nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela Requerida, uma vez que o pedido foi considerado totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 25 de maio de 2020
O Árbitro Vogal
(Ricardo Marques Candeias)
O Árbitro Vogal
(Henrique Nogueira Nunes)
O Árbitro Presidente,
com a seguinte declaração de voto de vencido:
Reconhecendo a valia argumentativa e de apreciação de facto que fez vencimento em temática com a complexidade e delicadeza como é a problemática da denominada“cláusula geral anti-abuso”, continuo, embora com dúvidas, a manter o entendimento defendido no acórdão arbitral proferido em 28-1-2020, por unanimidade, pelo Coletivo a que presidi no processo nº 167/2019-T, do CAAD, que correu entre as mesmas partes e tendo por objeto mesma questão essencial de direito relativa a diferente exercício fiscal.
Não deixo de assinalar que os depoimentos presenciais diretos [imediação] em audiência (ao contrário do ocorrido no sobredito processo nº 167/2019-T, em que houve aproveitamento da prova testemunhal produzida nos processos nºs 165/2019-T e 166/2019-T), quer da parte (através do seu fundador e presidente do conselho de administração) quer da testemunha (diretora financeira), suscitaram-me dúvidas acrescidas quanto ao preenchimento do elemento intelectual, ou seja, quanto às exclusivas ou preponderantes motivações - poupança fiscal ou business purpose - pese embora não serem suficientes tais dúvidas para alterar a orientação e sentido, no essencial, da prova defendidas no sobredito processo.
Julgaria, deste modo, improcedente o pedido.
(José Poças Falcão)