DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Marisa Almeida Araújo, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 21 de fevereiro de 2020, decide:
I. Relatório
A..., com o contribuinte fiscal n.º..., com domicílio no ..., ..., ..., ...-... Estremoz, (adiante apenas “Requerente”) veio, ao abrigo do artigo 10.º, n.º 2 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (adiante apenas designado por RJAT) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 março, requerer a constituição de tribunal arbitral.
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (de ora em diante “Requerida” ou “AT”).
O Requerente peticiona ao Tribunal que considere inválida a reversão fiscal e consequente execução fiscal contra o responsável subsidiário e, em consequência, declare a anulação dos atos de liquidação em sede de IRC, IVA e IUC nos exercícios de 2013, 2014, 105 e 2016, com a consequente devolução da quantia exequenda paga pelo Requerente, no valor de € 15.408,97.
O Requente alega que foi citado para a reversão da execução fiscal na qualidade de Responsável Subsidiário nos processos n.ºs ...2015..., ...2016..., ...2014..., ...2017..., ...2014... e ...2016..., com fundamento na insuficiência de bens da devedora originária B...– Unip., Lda., da qual o Requerente era seu gerente.
O Requerente alega ser gerente de direito da aludida sociedade comercial, não exercendo a gerência de facto. Para além disso deveria a AT ter demonstrado que atuou com culpa para ser responsabilizado no processo em causa.
O Requerente alega que a AT não cumpriu o ónus de alegar e provar os pressupostos que estiveram na base da reversão.
Termina pugnando pela procedência do pedido arbitral.
Em 2 de dezembro de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação à AT na mesma data. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Conselho Deontológico do CAAD designou o árbitro do Tribunal Arbitral Singular, aqui signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes, notificadas dessa designação em 22 de janeiro de 2020, não se opuseram, nos termos dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) e 8.º do RJAT, 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
O Tribunal Arbitral Singular foi constituído em 21 de fevereiro de 2020.
Em 30 de março de 2020, a Requerida, notificada para o efeito a 21 de fevereiro de 2020, apresentou Resposta, na qual se defende por exceção dilatória invocando a incompetência material do tribunal já que no processo são sindicadas decisões de reversão fiscal concluindo que o meio processual não é idóneo.
Pugnando, assim a Requerida pela absolvição da instância.
Depois de notificada para o efeito por despacho de 31 de março de 2020, o Requerente respondeu à matéria de exceção, defendendo que, da forma como configura o pedido, o tribunal é competente.
Em 16 de abril de 2020 foi dispensada a reunião a que alude o art. 18.º do RJAT bem como as alegações das partes, considerando que a posição de cada uma se encontrava já debatida nos autos.
Foi designado o dia 30 de abril de 2020 para a prolação da decisão final.
II. Saneamento
O Tribunal foi regularmente constituído.
Importa averiguar se o tribunal arbitral é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
a) Da competência do Tribunal em razão da matéria
Invoca a AT a incompetência material do tribunal arbitral para se pronunciar quanto ao pedido formulado considerando que não estamos, no que diz respeito ao pedido do Requerente em sede arbitral sendo o mesmo (pedido) insuscetível de ser apreciado por esta jurisdição.
Na resposta à matéria de exceção o Requerente alega que “[...] não vem só colocar em causa a reversão realizada pela AT. Acontece que, o Requerente vem também requerer que sejam declarados a ilegalidade de alguns dos atos de liquidação dos impostos que foram revertidos. Nomeadamente, o IUC – “Imposto Único de Circulação” e das “Taxas de portagem e Custos administrativos”; Pelo que, tal como o Requerente configurou o pedido e a causa de pedir, o CAAD sempre terá competência para apreciar todos os pedidos”.
Cumpre apreciar,
O Requerente, no âmbito do pedido de pronúncia arbitral, peticiona ao tribunal o seguinte:
“1. Ser considerada inválida a reversão e consequente execução fiscal contra o responsável subsidiário in casu pela AT – Direção de Finanças de ..., e, em consequência, serem anulados os atos de liquidações em sede de IRC, IVA e IUC nos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 do Requerente.
2. Ser considerado a devolução das importâncias satisfeitas pelo aqui Recorrente, a título de pagamento da quantia exequenda, ou seja, no valor de € 15.408,97 (quinze mil quatrocentos e oito euros e noventa e sete cêntimos)”.
Importa averiguar a conformação do objeto do processo face ao peticionado:
De facto o pedido do Requerente fixa-se, como questão prévia, na declaração de invalidade da “[...] reversão e consequente execução fiscal contra o responsável subsidiário in casu pela AT – Direção de Finanças de ...”. “[E]m consequência [daquela declaração de invalidade], serem anulados os atos de liquidações em sede de IRC, IVA e IUC nos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 do Requerente”.
O próprio Requerente – e ao contrário do que parece resultar do requerimento apresentado em sede de resposta à exceção invocada – configura como objeto do processo a declaração de invalidade da “[...] reversão e consequente execução fiscal contra o responsável subsidiário in casu pela AT”.
O mais que peticiona, mormente a anulação dos atos de liquidação em sede de IRC, IVA e IUC nos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 e a devolução das quantias pagas no âmbito dos processos de execução são, conforme o configura textual e expressamente como a “[...] consequência [...]” daquele pedido de declaração de invalidade de reversão e execução fiscal.
O Requerente também não “[...] vem também requerer que sejam declarados a ilegalidade de alguns dos atos de liquidação dos impostos que foram revertidos. Nomeadamente, o IUC – “Imposto Único de Circulação” e das “Taxas de portagem e Custos administrativos” [...]”. O Requerente peticiona, isso sim – e como resulta textualmente do seu pedido de pronúncia arbitral – a declaração de invalidade da “[...] reversão e consequente execução fiscal contra o responsável subsidiário in casu pela AT”, sendo o mais, mormente “[...] serem anulados os atos de liquidações em sede de IRC, IVA e IUC nos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 do Requerente”, uma consequência (nas próprias palavras do Requerente) daquela pretensão.
E diga-se, também não é peticionado que, em consequência da declaração de ilegalidade da reversão e das execuções fiscais, seja declarada a “[...] ilegalidade de alguns dos atos de liquidação dos impostos que foram revertidos. Nomeadamente, o IUC – “Imposto Único de Circulação” e das “Taxas de portagem e Custos administrativos” [...]”, mas sim dos “[...] atos de liquidações em sede de IRC, IVA e IUC”, o que sempre teria que demonstrar da possibilidade da respetiva cumulação de pedidos quanto aos diferentes tributos.
Assim, da forma como está configurado o pedido, o Requerente peticiona a declaração de invalidade da “[...] reversão e consequente execução fiscal contra o responsável subsidiário in casu pela AT – Direção de Finanças de ...”, com a procedência desta declaração e “[...] em consequência [ou seja, da procedência do pedido de declaração de invalidade da reversão e consequentemente da execução fiscal], serem anulados os atos de liquidações em sede de IRC, IVA e IUC nos exercícios de 2013, 2014, 2015 e 2016 do Requerente”.
Fixado o âmbito do pedido arbitral como o Requerente o configura, cumpre apreciar:
Nos termos do previsto no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT:
Artigo 2.º
Competência dos tribunais arbitrais e direito aplicável
“1 – A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:
a) a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;
b) a declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais;”
A competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD limitam-se à declaração de ilegalidade de atos dos tipos referidos no artigo 2.º do RJAT, estando-se, assim, perante um mero contencioso de anulação de atos.
Seguindo o douto comentário ao RJAT, do Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, entende-se que a competência dos tribunais arbitrais se restringe “à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Cf. JORGE LOPES DE SOUSA, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).
Sendo que, a competência material prevista na referida norma sofre ainda limitações por força do estabelecido na Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março de 2011, não constando do objeto da vinculação da AT aí delimitado a apreciação de as pretensões conexas com processos de execução fiscal.
Os tribunais arbitrais têm a sua competência de forma taxativa no RJAT pelo que, não são os mesmos competentes para decidir questões relacionadas com a legalidade ou não de reversões de dívidas, no âmbito de processos de execução fiscal, contra os responsáveis subsidiários, mas tão só a ilegalidade de atos indicados nos preceitos legais referidos. In casu, não estamos perante um ato liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta.
Sendo que o pedido formulado pelo Requerente prende-se com a impugnação das decisões de reversão contra si – o que aliás resulta claro da causa de pedir -, no âmbito dos processos de execução fiscal identificados supra, e não com a declaração de ilegalidade de um qualquer ato tributário previsto no artigo 2.º do RJAT.
Nestes termos, decide-se que assiste razão à Requerida quanto à incompetência absoluta deste Tribunal para conhecer da matéria a que se reporta, nos presentes autos, julgando-se procedente a exceção dilatória invocada.
Fica, assim, prejudicada a apreciação dos demais pressupostos processuais e do mérito da causa.
Em matéria de custas, prevê o art. 527.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, ex vi 29.º, n.º 1, e) do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, que será condenada em custas a parte que a elas houver dado causa ou, não havendo vencimento da ação, quem do processo tirou proveito.
O n.º 2 do referido artigo concretiza a expressão “houver dado causa” entendendo que se trata da parte vencida, pelo que considerando-se improcedente a pretensão do Requerente, neste sentido, e sendo a lei clara no que respeita à responsabilidade por custas, entendemos que deve o Requerente ser condenado nas custas arbitrais.
III. Decisão
Termos em que se decide,
- Julgar procedente a exceção dilatória de incompetência absoluta, em razão da matéria, para conhecer do pedido, absolvendo-se a Requerida da instância.
- Condenar o Requerente no pagamento das custas do processo.
Valor do processo
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2 do CPC e 97.º - A, n.º 1 do CPPT e 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 15.408,97.
Custas
Custas a suportar pelo Requerente, no montante de 918,00 Euros, cf. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique-se.
Lisboa, 22 de abril de 2020
O Tribunal Arbitral,
Marisa Almeida Araújo