Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 148/2014-T
Data da decisão: 2014-09-19  IVA  
Valor do pedido: € 140.362,85
Tema: Pedido de revisão de autoliquidação; tempestividade; competência do Tribunal Arbitral
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Decisão Arbitral

 

 

Os árbitros Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. António Nunes dos Reis e Dra. Filipa Barros (árbitros vogais), designadas pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral Colectivo, constituído em 23 de Abril de 2014, acordam no seguinte:

 

       I.     RELATÓRIO

 

                 A sociedade A, com número de identificação fiscal …, com sede na …, …, adiante “Requerente”, vem, ao abrigo do disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), e artigo 10º n.º 1 e n.º 2, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, doravante referido por “RJAT”[1], e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, requerer a constituição de Tribunal Arbitral para pronúncia sobre a ilegalidade e consequente anulação do Despacho proferido pelo Senhor Diretor-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante AT) que indeferiu o pedido de Revisão Oficiosa  da autoliquidação de IVA relativa aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009, com vista a regularizar o IVA liquidado em excesso no montante global de €140 362,85 e consequente declaração de ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos de dezembro de 2007 a outubro de 2009.

                 O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e, de imediato, notificado à Requerida nos termos legais.

                 Nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a), do nº 2 do artigo 6.º do RJAT, por decisão do Exmo. Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente previstos, foram designados árbitros, Dr. José Poças Falcão (árbitro-presidente), Dr. António Nunes dos Reis e Dra. Filipa Barros (árbitros vogais), que comunicaram, ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo estipulado no artigo 4.º do Código Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa.

                 O Tribunal foi constituído no dia 23 de Março de 2014, em consonância com a prescrição da alínea c), do nº 1 do artigo 11.º do RJAT.

                 Em 30 de Junho de 2014, pelas 16:00 horas, teve lugar na sede do CAAD, a reunião dos árbitros e dos mandatários das partes, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 18.º do RJAT.

                 Na referida reunião, tomou o Tribunal conhecimento das exceções invocadas pela Requerida e admitiu resposta da Requerente, por escrito, à defesa por exceção apresentada pela AT, tendo da mesma sido esta notificada e, depois de ouvidas as partes, foi pelas mesmas dito prescindirem de alegações finais orais ou escritas (cf. Ata da Reunião)

                 A fundamentar o seu pedido alega a Requerente, no essencial, o seguinte:

                 a)A Requerente desenvolve diversas iniciativas promocionais junto dos seus clientes, atuais e potenciais, as quais consistem, nomeadamente, na concessão de bónus ou descontos em produtos e na atribuição de ofertas de bens de pequeno valor, tendo subjacente uma estratégia comercial de fidelização, incremento de vendas e angariação de novos clientes;

                 b)Atendendo à constante mutação da legislação fiscal, a Requerente efetuou, em finais de 2011, uma revisão dos procedimentos internos adoptados em matéria IVA, por forma a confirmar que os mesmos se mantinham atuais e corretos, face às regras legais aplicáveis em matéria de IVA;

                 c) A Requerente concluiu que relativamente a um conjunto de operações que consubstanciam entregas relativas às referidas iniciativas promocionais e autoconsumos de bens, liquidou erradamente IVA, determinando, assim, imposto em excesso nos períodos compreendidos entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2009, no montante total de € 140.362,85;

                 d) Tendo em vista recuperar o IVA liquidado em excesso, em resultado do que considerou ser um incorreto enquadramento em sede de IVA das sobreditas operações, a Requerente apresentou, em 20.01.2012, ao abrigo do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributaria (LGT) e no artigo 98.° do CIVA, um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA efectuada em excesso nas declarações periódicas referentes aos períodos compreendidos entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2009.

                 e) O Pedido de Revisão Oficiosa foi indeferido, por despacho do Senhor Subdiretor-Geral de 17.10.2013, conforme ofício nº … de 19.11.2013 da Direção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Administrativa, considerando a AT que a regularização pretendida pela Requerente não podia ser autorizada, por intempestividade, em virtude de, na data da apresentação, ter decorrido o prazo de dois anos previsto no nº 6 do artigo 78º do CIVA.

                 f) Neste âmbito, a Requerente defende que a revisão de atos tributários por iniciativa da administração tributária pode ter lugar no prazo de quatro anos a contar da liquidação com fundamento em erro imputável aos serviços, considerando-se como tal o erro na autoliquidação. Defende ainda que o artigo 98º do CIVA prevê um regime regra para a revisão oficiosa e exercício do direito à dedução do IVA ou ao reembolso do imposto entregue em excesso, estabelecendo um prazo geral máximo de quatro anos em que tal revisão, dedução ou reembolso podem efetivar-se.

                 g) O regime regra será o aplicável salvo disposições especiais, podendo considerar-se uma dessas situações a que resulta do n.º 6 do artigo 78.º do CIVA ao prever um prazo de dois anos para a “correção de erros materiais ou de cálculo”.

                 h) Ora, no entender da Requerente o erróneo tratamento conferido em sede de IVA às operações por si praticadas, nomeadamente quanto aos bónus ou descontos em produto, às ofertas de pequeno valor e à afectação deprodutos a operações que decorrem da sua atividade (e, como tal, fora do âmbito do conceito de transmissão de bens a título gratuito), não pode senão qualificar-se como um erro de direito, decorrente da errónea interpretação dos normativos vigentes.

                 i) A este respeito a Requerente tece várias considerações em torno do conceito de “erro material” e de “erro de cálculo”, remetendo para a Jurisprudência emanada pelos Tribunais Tributários, e também deste Tribunal Arbitral, bem como para a Doutrina Administrativa, em síntese, sustentando que o erro material ou de cálculo reportar-se-á, a erros de natureza aritmética nas operações de cálculo do imposto devido, cometido nos registos ou declarações periódicas.

                 j)Pelo contrário, à liquidação de IVA em excesso respeitante ao pedido de pronúncia arbitral presidiu um erro de interpretação da legislação fiscal aplicável, configurando, manifestamente, “erro de direito”, conhecido apenas após a realização de revisão de procedimentos da Requerente, não sendo de afastar a aplicabilidade do prazo geral de quatro anos previsto no artigo 98.º n.º 2 do CIVA.     

                 k) Concluindo, como se retira do seu pedido, que seja declarada a ilegalidade e consequente anulação do ato de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, da autoliquidação de IVA relativa aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009, no valor de €140.362,85, com as demais consequências legais, designadamente, o reembolso desta quantia acrescido de juros indemnizatórios contados desde 21 de Janeiro de 2013 até integral reembolso.  

 

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                 A AT responde ao pedido da Requerente por exceção e por impugnação.

                 No âmbito da resposta por exceção é suscitada a incompetência do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido de pronúncia alegando, em síntese, o seguinte:

A Requente identificou como ato tributário objecto imediato do pedido de pronúncia arbitral da revisão oficiosa, em que se peticionava a regularização do imposto que alegadamente pagou em excesso”, “a decisão de indeferimento tendo por objecto mediato “atos de autoliquidação” referentes aos períodos de Dezembro do ano de 2007 a Outubro de 2009.

Por seu turno, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, em causa nos presentes autos fundamentou-se no facto de a “regularização pretendida pela Requerente não poder ser autorizada, por intempestividade do respectivo pedido, face ao disposto no nº 6 do artigo 78º do Código do IVA”.

Para o efeito, a AT entende que face ao disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido da Requerente (cf. artigos 493.º, nºs 1 e 2 e 494.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT), entendimento, aliás, corroborado pela recente Jurisprudência do Tribunal Arbitral ao excluir do âmbito da suas competências a apreciação de legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA, bem como de proferir autorizações para os sujeitos passivos regularizarem IVA a seu favor.

Defende-se também que a incompetência material do Tribunal Arbitral resulta da causa subjacente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Com efeito, o ato administrativo conducente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa teve por base a invocação da intempestividade da pretendida regularização de IVA, não sendo, por esse motivo, apreciada a legalidade de quaisquer atos de autoliquidação, o que resultaria na insusceptibilidade do ato ser impugnado através de impugnação judicial.

Neste sentido, considera a AT que ainda que por mera hipótese se considere que a legalidade impugnada resulta de um ato de segundo grau “e abrangerá os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação, no caso dos presentes autos tal não acontece já que o fundamento do indeferimento foi o da intempestividade da regularização de IVA peticionada pela Requerente”, ocorrendo incompetência material da jurisdição arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT, por ausência de apreciação da legalidade do ato de autoliquidação no âmbito do procedimento de revisão oficiosa. 

Além dos fundamentos referidos, a AT invoca ainda a incompetência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

Tal impedimento, resultaria da remissão do n.°1 do artigo 4.° do RJAT, para a Portaria n.° 112-A/2011, a qual estabelece a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos daquele diploma, designadamente, quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Ora, nos termos do artigo 2º alínea a) da Portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do RJAT, “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;

Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT, por se defender que a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário, literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral.

A AT invoca ainda a intempestividade do pedido de pronúncia arbitral decorrente do facto do ato tributário objecto do pedido se reconduzir à declaração de ilegalidade parcial dos atos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009, sendo estes o objecto mediato do pedido, cuja ilegalidade se pretende reparar.

Ora, o artigo 10.º do RJAT estabelece, quanto a atos de liquidação e autoliquidação, que o prazo para apresentar o pedido de pronúncia arbitral é de 90 (noventa) dias, remetendo, quanto ao momento do início de contagem, para o preceituado no artigo 102.º, nºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Por conseguinte, o prazo de 90 (noventa) dias teria como termo inicial o dia seguinte ao termino do prazo de pagamento voluntário da prestação tributaria, que no caso dos autos, coincide com a data da apresentação da declaração periódica (mensal) de IVA, cuja data limite ocorreu no dia 10 do mês de Dezembro de 2009.

Nestes termos, tendo o pedido de constituição do tribunal arbitral sido apresentado em 18 de Fevereiro de 2014, e não estando este pedido fundado na existência de um qualquer meio de impugnação gracioso do ato de autoliquidação onde tivesse sido proferida decisão a indeferir as pretensões aí formuladas, conclui a AT pela intempestividade do mesmo, impondo-se a declaração de improcedência e a absolvição da instância da Requerida;

Acresce que no âmbito da sua Resposta, e por impugnação, sustentou a AT posição contrária à apresentada pela Requerente no que concerne à natureza e aos procedimentos de revisão interna, em sede de IVA, efetuados pela Requerente, e à suscetibilidade dos casos invocados configurarem erros de direito, alegando em síntese o seguinte:

No caso em apreço estamos perante erros materiais ou de cálculo, (e não erros de direito) sem interferência na esfera de terceiros, incumbindo à Requerente efetuar as regularizações pretendidas através de declarações periódicas de substituição nos períodos referentes à ocorrência do erro, facto que não se verificou;

Acresce que o regime da regularizações encontra-se sujeito uma disciplina legal que não foi observada pela Requerente, pretendendo ao invés fazer-se valer de um prazo geral de quatro anos, previsto no n.º 1 do artigo 98.º Código do IVA, o qual, na verdade, e no entender da AT, seria aplicável apenas na ausência de “disposições especiais”, nos termos do artigo 98.º n.º 2 do CIVA;

Invocando Jurisprudência do STA e do Tribunal Arbitral, a AT reitera a validade dos argumentos invocados em sede do indeferimento da revisão oficiosa, considerando não aplicável ao caso concreto o prazo geral de quatro anos estatuído no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA e do artigo 78.º da LGT, sendo outrossim aplicável o prazo especial de dois anos, previsto do artigo 78.º n.º 6 do CIVA, concluindo pela absolvição do pedido. 

Alega a requerente, na resposta às exceções, no essencial e em síntese:

Como resulta dos autos, a Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA efectuada em excesso nas declarações periódicas referentes aos períodos compreendidos entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2009, ao abrigo do disposto no artigo 78º da LGT, pedido esse que foi indeferido porque, no entender da AT, estando em causa erros materiais ou de cálculo no apuramento do imposto enquadráveis no nº 6 do artigo 78º do CIVA, já tinha decorrido o prazo de dois anos previsto naquela disposição para a regularização pretendida.

Ou seja, o indeferimento do pedido de revisão oficiosa não se baseou na intempestividade do mesmo por incumprimento do prazo previsto no artigo 78º da LGT mas sim no entendimento que a pretendida regularização deveria ter sido efectuada no prazo de dois anos previsto no nº 6 do artigo 78º do CIVA, por estarem em causa erros materiais ou de cálculo praticados na autoliquidação.

Entende a Requerente que a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de autoliquidação do IVA, ao considerar tal pedido intempestivo face ao disposto no artigo 78º nº 6 do CIVA, enferma de erro sobre os pressupostos de direito por errónea interpretação desse mesmo artigo 78º nº 6.

Da fundamentação da decisão de indeferimento resulta implicitamente que a pretensão da Requerente poderia ter acolhimento se tivesse sido formulada dentro do prazo previsto no artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, o que tem ínsito que o acto de autoliquidação é de facto ilegal.

Ao contrário do que entende a AT, no caso em apreço estamos perante um acto de indeferimento que comporta a apreciação da legalidade do acto de autoliquidação e como tal enquadrável no âmbito da competência dos tribunais arbitrais.

Com efeito é inquestionável que a alínea a) do artigo 2º nº 1 do RJAT ao incluir no âmbito da competência dos tribunais arbitrais a declaração de ilegalidade, entre outros, de actos de autoliquidação não restringe o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado directamente um acto daquele tipo, podendo a ilegalidade ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um acto de segundo grau, que confirme o acto de liquidação, incorporando, com essa confirmação a sua ilegalidade.

Tal resulta desde logo confirmado da alínea a) do nº 1 do artigo 10º do RJAT onde se faz referência ao nº 2 do artigo 102º do CPPT no qual se prevê a impugnação de actos de indeferimento de reclamações graciosas.

Donde se infere estar abrangido no âmbito da competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD os casos em que a declaração de ilegalidade dos actos referidos na alínea a) do artigo 2º do RJAT tem que ser obtida na sequência da declaração de ilegalidade de actos de segundo grau.    

Da redacção conferida ao artigo 2° alínea a) da Portaria n° 112-A/ 2011 se constata  que o legislador restringiu o conhecimento na jurisdição arbitral às pretensões que, sendo relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, tenham sido precedidas, obrigatoriamente, da reclamação graciosa prevista no artigo 131° do CPPT, pelo que estariam fora do âmbito de vinculação da AT à jurisdição arbitral tais pretensões que tenham sido precedidas da revisão oficiosa prevista no artigo 78.° da LGT.

Apesar de a AT invocar de modo exaustivo as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis contidas no artigo 9º do Código Civil, por remissão do nº 1 do artigo 11º da LGT, o certo é que, no essencial a sua interpretação se apega ao elemento literal da norma, ao concluir que “a letra da lei não pode ser afastada, sendo a principal referência e ponto de partida do intérprete.” 

Na alínea a) do artigo 2º da Portaria n° 112-A/ 2011 excluem-se expressamente do âmbito da vinculação da AT à jurisdição arbitral, “as pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.° a 133.° do CPPT.”

A alínea a) do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011 contem a expressão “recurso à via administrativa” que abrange alem da reclamação graciosa, o recurso hierárquico e a revisão do acto tributário, pelo que a interpretação segundo a qual os pedidos de revisão oficiosa também estariam abrangidos naquela disposição encontra “na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso “

Enquanto no artigo 131.º nº 1 do CPPT se refere que em “caso de erro na autoliquidação, a impugnação será obrigatoriamente precedida de reclamação graciosa (…)” na alínea a) do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 2 de Março não há uma referência expressa a “reclamação graciosa” mas sim a um prévio  “recurso à via administrativa” pelo que, se a intenção do legislador fosse a de cingir a competência da jurisdição arbitral aos casos em que o acto de autoliquidação foi precedido de reclamação graciosa, certamente o teria dito expressamente.

Não devendo a interpretação cingir-se á letra da lei, importa assim desde logo averiguar qual é o espirito da norma, ou seja, qual a razão porque a norma em causa exige o recurso à via administrativa como condição prévia à competência do tribunal arbitral.  

Como se refere na decisão Arbitral proferida no processo 117/2013-T, “é manifesto que a exigência de reclamação graciosa prévia, necessária para abrir a via contenciosa de impugnação de actos de autoliquidação, prevista no n.º 1 do artigo 131.º do CPPT, tem como única justificação o facto de relativamente a esse tipo de actos não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto, posição essa que até poderá vir a ser favorável ao contribuinte, evitando a necessidade de recurso à via contenciosa. Na verdade, além de não se vislumbrar qualquer outra justificação para a essa exigência, o facto de estar prevista idêntica reclamação graciosa necessária para impugnação contenciosa de actos de retenção na fonte e de pagamento por conta (nos artigos 132.º, n.º 3, e 133.º, n.º 2, do CPPT), que têm de comum com os actos de autoliquidação a circunstância de também não existir uma tomada de posição da Administração Tributária sobre a legalidade dos actos, confirma que é essa a razão de ser daquela reclamação graciosa necessária.

Mais se refere na referida decisão: “Uma outra confirmação inequívoca de que é essa a razão de ser da exigência de reclamação graciosa necessária encontra-se no n.º 3, do artigo 131.º do CPPT, ao estabelecer que «sem prejuízo do disposto nos números anteriores, quando o seu fundamento for exclusivamente matéria de direito e a autoliquidação tiver sido efectuada de acordo com orientações genéricas emitidas pela administração tributária, o prazo para a impugnação não depende de reclamação prévia, devendo a impugnação ser apresentada no prazo do n.º 1 do artigo 102.º». Na verdade, em situações deste tipo, houve uma pronúncia prévia genérica da Administração Tributária sobre a legalidade da situação jurídica criada com o acto de autoliquidação e é esse facto que explica que deixe de exigir-se a reclamação graciosa necessária. Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação é proporcionada à Administração Tributária, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adoptadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa.

Fixado assim o espirito da lei importa ainda averiguar se se justifica que o “recurso à via administrativa” abranja apenas a reclamação graciosa.

E não se vislumbra tal justificação, nem a mesma é referida pela AT.

Com efeito se o espirito da lei é permitir uma prévia apreciação administrativa da questão, para obviar a um eventual e desnecessário recurso à via jurisdicional, então é indiferente se tal apreciação administrativa é feita no âmbito de um procedimento de reclamação graciosa ou de revisão oficiosa.

Ou seja, se o legislador permite aos contribuintes optar pela reclamação graciosa ou pela revisão oficiosa para contestar um acto de autoliquidação e sendo ambos os procedimentos perfeitamente equiparáveis, não há qualquer razão que justifique que um contribuinte que tenha optado pela revisão do acto em vez da reclamação graciosa não possa aceder à via arbitral.

Tendo em conta a unidade do sistema jurídico e a presunção de que o legislador consagrou as soluções mais acertadas não faz qualquer sentido que o processo judicial possa ser usado para discutir a legalidade de actos de autoliquidação na sequência de indeferimentos de pedidos de revisão oficiosa e que o processo arbitral tributário - que visa ser uma opção ou alternativa ao processo judicial - não possa ser usado quando o contribuinte optou pela via da revisão oficiosa em vez da reclamação graciosa.

Impõe-se assim concluir que a admissibilidade da via arbitral para apreciar a legalidade de actos de autoliquidação previamente apreciada em procedimento de revisão oficiosa é a solução mais acertada, porque é a mais coerente com o objectivo de “reforçar a tutela eficaz e efectiva dos direitos e interesses legalmente protegidos dos contribuintes” previsto no n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril.

Refira-se também que, ao contrário do que entende a AT, a arbitragem tributária não tem uma “natureza voluntária e convencional” ainda que entendida “em sentido lato” porquanto não estamos perante uma verdadeira convenção de arbitragem entre os contribuintes e a AT.

Com efeito não houve propriamente uma adesão da AT à arbitragem tributária mas sim uma delegação em acto normativo sob a forma de Portaria conjunta da responsabilidade dos membros do Governos responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça a qual veio a prescrever, de forma unilateral, o objecto de vinculação da AT.

A Portaria nº 112-A/2011 não pode assim qualificar-se como uma proposta contratual que, sendo aceite por um contribuinte em concreto, geraria um compromisso arbitral.

A arbitragem tributária é um regime legal, vinculativo para a AT, de resolução de conflitos em matéria tributária, alternativo ao processo judicial tributário e, como tal, sujeito às regras gerais de interpretação da lei por força do disposto no nº 1 1 do artigo 11º da LGT e artigo 9º do Código Civil pelo que, também por este motivo, não procede o argumento da AT no sentido de que estaria afastada a possibilidade de interpretação extensiva da norma que prevê o âmbito de vinculação da AT à jurisdição arbitral.

Refere por fim a Requerida que, tendo a Portaria nº 112-A/2011 sido aprovada após extensa e profusa jurisprudência equiparando o procedimento de revisão oficiosa à reclamação graciosa nos termos do artigo 131º nº 1 do CPPT para efeitos de subsequente impugnação judicial da respectiva decisão de indeferimento, mais reforça o entendimento que o legislador, ao não prever no artigo 2º da Portaria a mesma equiparação para efeitos de acesso ao pedido de pronúncia arbitral “foi certamente porque não o pretendeu fazer”.

Mas também não procede este argumento.

Com efeito, a alínea a) do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011 apenas adoptou a solução já prevista no artigo 131.º do CPPT para o processo judicial tributário onde também não é feita qualquer referência ao procedimento de revisão oficiosa; e, repita-se, até adoptou uma formulação mais ampla do que a prevista no artigo 131º do CPPT ao referir expressamente o “recurso à via administrativa”, quiçá, tendo já em conta a dita profusa e extensa jurisprudência equiparando a reclamação graciosa à revisão oficiosa, para efeitos de subsequente impugnabilidade.

Ora sendo certo que é impugnável judicialmente um acto de autoliquidação precedido de procedimento de revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da LGT, apesar de o artigo 131.º do CPPT apenas referir expressamente a reclamação graciosa como condição prévia, por maioria de razão, também a alínea a) do artigo 2º da Portaria nº 112-A/2011 deve ser interpretada como não excluindo o acesso à via arbitral nos casos em que o acto de autoliquidação foi precedido de revisão oficiosa. 

Da Intempestividade

Alega a Requerida não constar do pedido de constituição do tribunal arbitral “a identificação do acto ou actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral”, sendo apenas feita alusão aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009.

Ora como resulta do pedido de pronúncia arbitral sub judice o mesmo tem por objecto o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, em que se peticionava a regularização do IVA liquidado em excesso com referência aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009.

Estão assim claramente identificados os actos tributários objecto do pedido de pronúncia arbitral: o objecto imediato - a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa – e  o objecto mediato – os actos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009.

E quanto aos actos de autoliquidação de IVA referentes aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009, estando a Requerente enquadrada, como sujeito passivo de IVA, no regime normal com periodicidade mensal, os actos de autoliquidação de IVA consubstanciaram-se na entrega pela Requerente das respectivas declarações periódicas dos mencionados períodos.

Declarações essas a que a Autoridade Tributária tem acesso.

Mais alega a Requerida ser o pedido de pronúncia arbitral sub judice intempestivo por o prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º do RJAT ter “como termo inicial o dia seguinte ao término do prazo de pagamento voluntário da prestação tributária – cf. artigo 102º, n.º1, alínea a) do CPPT”, sendo que “no caso do imposto sobre o valor acrescentado esse momento coincide, em regra, com o da apresentação da declaração periódica de imposto (…)”, pelo que “Atento o enquadramento da Requerente no regime de periodicidade mensal (…), a data limite de pagamento coincidiria, no máximo dos máximos, com o dia 10 do mês de Dezembro do ano de 2009.” (cfr. artigos 59.º, 60.º e 61.º da Resposta).

Não assiste qualquer razão à Requerida porquanto, conforme referido, o pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objecto o acto de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, em que se peticionava a regularização do IVA liquidado em excesso com referência aos períodos de Dezembro de 2007 a Outubro de 2009.

De acordo com o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, o pedido de constituição de tribunal arbitral é apresentado “No prazo de 90 dias, contado a partir dos factos previstos nos n.os 1 e 2 do artigo 102.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, quanto aos actos susceptíveis de impugnação autónoma e, bem assim, da notificação da decisão ou do termo do prazo legal de decisão do recurso hierárquico”.

Por sua vez, dispõe a alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, aplicável à contagem do prazo para apresentação do pedido de pronúncia do tribunal arbitral por remissão operada pelo referido artigo 10.º do RJAT, que a impugnação será apresentada no prazo de três meses a contar da “Notificação dos restantes actos que possam ser objecto de impugnação autónoma nos termos deste Código”.

Refira-se, no que respeita à aplicação da alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT à situação vertente, as palavras de Jorge Lopes de Sousa, que passamos a transcrever: “Na alínea e) do n.º 1 deste art. 102º faz-se referência aos outros actos que possam ser objecto de impugnação autónoma, «nos termos deste Código», expressão esta (…) que deve ser interpretada, após a vigência da L.G.T., como reportando-se à generalidade dos actos que podem ser objecto de impugnação autónoma, incluindo os previstos neste último diploma, pois a separação de matérias entre a L.G.T. e o C.P.P.T. não constitui razão para um tratamento diferente” – in Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Áreas, 2011, 6.ª edição, volume II.

Resulta, assim, da leitura conjugada dos mencionados preceitos que, na situação sub judice, o prazo de 90 dias estipulado no artigo 10.º do RJAT é contado a partir da notificação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa, nos termos do disposto na alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT, e não, como alegado pela Requerida, do termo do prazo para pagamento voluntário do imposto, ao abrigo do disposto na alínea a) da mesma disposição legal.

Ora, conforme resulta da factualidade subjacente ao presente processo, a Requerente foi notificada, em 21 de Novembro de 2013, da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa por si apresentado, tendo, por conseguinte, o prazo limite de apresentação do pedido de pronúncia arbitral ocorrido em 19 de Fevereiro de 2014.

Sendo o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral apresentado em 18 de Fevereiro de 2014, considera a Requerente que o mesmo é tempestivo, por força do prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 10.º do RJAT, em conjugação com a alínea e) do n.º 1 do artigo 102.º do CPPT.

Não está em discussão no presente processo a impugnação directa de qualquer acto de liquidação ou autoliquidação de imposto (cfr. artigo 72.º da Resposta).

O objecto do pedido arbitral é a “ilegalidade do acto de indeferimento do pedido de Revisão Oficiosa da autoliquidação de IVA (...)”. Aliás, e paradoxalmente, a própria Requerida veio reconhecer que “o pedido de pronúncia arbitral sub judice tem por objecto imediato a decisão de indeferimento da revisão oficiosa” (cfr. artigo 3.º da Resposta) e que “o objecto mediato do pedido são, inquestionavelmente, os actos de autoliquidação” (cfr. artigo 55.º da Resposta) – sublinhado nosso.

Conclui pela tempestividade do presente pedido de pronúncia arbitral e, por conseguinte, pela improcedência da excepção de intempestividade invocada pela Requerida.

 

       Saneamento do processo

 

                 As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011 de 22 de Março.

                

                 Exceção ou questão prévia: a incompetência material do Tribunal Arbitral.

                 Suscita a AT, entre outras questões, a da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido

                 E funda a sua posição no facto de ser objeto dos autos um pedido de pronúncia arbitral que tem por objeto um ato de autoliquidação - a que a requerente imputa o vício de ilegalidade - sem que previamente houvesse recurso à via administrativa nos termos dos artigos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recurso esse exigível pelos termos da vinculação da AT à jurisdição arbitral pela Portaria.

                     

                 Tendo em conta que o âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (art. 13.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, al. c) do RJAT), e que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso [art. 16.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário aplicável ex vi art. 29.º, n.º 1, als. a) e c) do RJAT], importa começar por apreciar a exceção dilatória suscitada pela Requerida sobre a incompetência do tribunal arbitral.

                 Vejamos, em primeiro lugar, os factos e, designadamente, os especialmente relevantes para a prolação da decisão quanto à competência material do Tribunal Arbitral.

 

                 II FUNDAMENTAÇÃO

                 Factos provados

                 Estão documentalmente comprovados e/ou aceites pelas partes nos respetivos articulados, os seguintes factos:

 

1)      A Requerente exerce como atividade principal a produção e comercialização de …, …, .., .. e outras …, (cf. certidão permanente com código de acesso …-…-…, identificado no pedido de pronúncia arbitral).

2)      A Requerente está registada como sujeito passivo de IVA, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal;

3)      No âmbito da sua atividade, a Requerente desenvolve diversas iniciativas promocionais junto dos seus clientes, atuais e potenciais, as quais consistem, nomeadamente, na concessão de bónus ou descontos em produto e na atribuição de ofertas de bens de pequeno valor, cf. pedido de pronúncia arbitral;

4)      Tais iniciativas promocionais, enquadradas nos usos comerciais do sector de atividade em que se insere a Requerente, visam a promoção dos produtos por si produzidos e/ou comercializados e têm subjacente uma estratégia comercial de fidelização, incremento de vendas e de angariação de novos clientes, cf. pedido de pronúncia arbitral;

5)      Por exigência da atividade que exerce e do sector em que se insere, a Requerente afeta produto à realização de testes de viabilidade comercial, realizados por entidades externas contratadas para o efeito, cf. pedido de pronúncia arbitral;

6)      Perante a constante mutação da legislação fiscal, a Requerente efetuou em finais de 2011, uma revisão dos procedimentos internos adotados em matéria IVA, por forma a confirmar que os mesmos se mantinham atuais e corretos, face às regras legais aplicáveis em matéria de IVA, cf. pedido de pronúncia arbitral;

7)      Na sequência da referida revisão de procedimentos, a Requerente identificou três tipologias de entregas de produto a título gratuito, relativamente às quais liquidou IVA internamente, sem repercussão do valor do imposto aos beneficiários das ações promocionais, a saber:

·         Bónus ou descontos em produto;

·         Ofertas de pequeno valor;

·         Afectação de produtos a operações/atividades que decorrem da sua atividade (por exemplo, estudos de mercado, degustação) e como tal fora do âmbito do conceito de transmissão de bens a título gratuito.

Cf. Doc. n.º 1, 2 e 3, juntos (supervenientemente) ao pedido de pronúncia arbitral.

8)      Por forma a assegurar o controlo das situações em que existem entregas gratuitas de produto, efetuadas fora da fatura, a Requerente procede à emissão de um documento denominado ASP - “Autorização de Saída de Produto”, que contém a data das ofertas, a indicação do destinatário e/ou local de entrega, linha de negócio e valor associado, cf. PA;

9)      O procedimento adotado para efeitos de liquidação de IVA consiste na emissão de fatura interna, cf. PA;

10)  A Requerente procede ao registo contabilístico destas operações, nas contas “IVA liquidado auto-consumos”, ... e ..., relativos respetivamente às taxas normal e reduzida de IVA, cf. PA; 

11)  Relativamente a algumas das referidas entregas, incluindo entregas gratuitas, bónus relacionados com a aquisição de determinada quantidade de produto, descontos e autoconsumos de bens, a Requerente entendeu que liquidou erradamente IVA, determinando um valor de imposto em excesso nos períodos compreendidos entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2009, no montante total de € 140.362,85.

12)  A Requerente submeteu a declaração periódica de IVA relativa ao período de Dezembro de 2007, em 23.01.2008, cf. documento nº 1 do pedido de pronúncia arbitral.

13)  Com vista à regularização a seu favor de um montante de IVA correspondente a € 140.362,85, a Requerente apresentou, em 20.01.2012, ao abrigo do disposto no artigo 78º da Lei Geral Tributaria (LGT) e do artigo 98.° do CIVA, um pedido de revisão oficiosa da autoliquidação de IVA efectuada em excesso nas declarações periódicas referentes aos períodos compreendidos entre Dezembro de 2007 e Outubro de 2009, cf.  documento nº 2 do pedido de pronúncia arbitral e PA;

14)  No referido pedido de revisão oficiosa a Requerente expôs as razões, de facto e de direito, pelas quais considerava ter sido liquidado IVA em excesso, terminando o pedido de revisão oficiosa requerendo que seja autorizada, ao abrigo do artigo 78.º da LGT conjugado com o n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA a regularizar IVA a seu favor no montante total de € 140.362,85, cf. pedido formulado no pedido de revisão oficiosa apresentado.

15)  Por despacho de 17-10-2013 do Subdiretor Geral da AT e de que a requerente foi em 21de novembro de 2013, foi indeferido o mencionado pedido de revisão oficiosa por si apresentado [ofício nº … de 19.11.2013 da Direção de Finanças de Lisboa – Divisão de Justiça Administrativa], constando desse despacho concordante com parecer e informação nesse sentido, além do mais, e em síntese, o seguinte  [cf.  documento nº 3 do pedido de pronúncia arbitral e Processo Administrativo instrutor]: 

 

“2. APRECIAÇÃO DO PEDIDO, FUNDAMENTAÇÃO e TEMPESTIVIDADE

A Requerente vem, ao abrigo do disposto no artigo 78.º da LGT, solicitar autorização para regularizar, a seu favor, o IVA alegadamente liquidado em excesso, no montante de €140.362,85, relativamente ao período compreendido entre dezembro de 2007 e outubro de 2009.

O n.º 1 do artigo 78.° da LGT estabelece que "a revisão dos actos tributários pela entidade que os praticou pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, no prazo de reclamação administrativa e com fundamento em qualquer ilegalidade, ou, por iniciativa da administração tributária, no prazo de quatro anos após a liquidação ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago, com fundamento em erro imputável aos serviços".

Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, "sem prejuízo dos ónus legais de reclamação ou impugnação pelo contribuinte, considera-se imputável aos serviços, para efeitos do número anterior, o erro na autoliquidação.(...).

De acordo com o preceituado no n.º 1 do artigo 98.º do Código do IVA, "quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da Lei Geral Tributária".

Essa norma, porém, deve ser interpretada no sentido de que não pode prejudicar a aplicabilidade efetiva dos demais preceitos do Código do IVA, nomeadamente os que regulam, de modo especial, a correção de erros materiais ou de cálculo evidenciados nos registos ou nas declarações periódicas.(...).

É jurisprudência assente do TJUE que "compete aos Estados-Membros definir o processo para regularização do imposto sobre o valor acrescentado indevidamente facturado, desde que esta regularização não dependa do poder de apreciação discricionário da administração fiscal. No caso português, as situações genéricas de retificação ou de regularização do IVA estão previstas no artigo 78.º do Código do IVA, sendo de destacar a norma do n.º 6 desse artigo, que tem a seguinte redação:

"A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 65.º, nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado". Segundo orientações administrativas veiculadas pelo Ofício-Circulado n.º 30082/2005, de 17 de novembro, da Direção de Serviços do IVA, trata-se da "(...) correcção de erros materiais ou de cálculo efectuados nos registos ou nas declarações periódicas", sendo de considerar “(...) erros materiais ou de cálculo aqueles que resultam de erros internos da empresa e não têm qualquer interferência na esfera de terceiros".

Por força do disposto no artigo 12.º da Lei n.º 39-A/2005, de 29 de julho, que veio dar nova redação à norma do n.º 6 do artigo 78.º em referência, foi alargado para dois anos o prazo que os sujeitos passivos dispõem para poderem regularizar, a seu favor, o imposto resultante da correção de erros materiais ou de cálculo evidenciados nos registos ou nas declarações periódicas.

Em contrapartida, foi eliminado o número 7 do mesmo artigo, que permitia aos sujeitos passivos solicitar à administração fiscal autorização para regularizar o imposto, a seu favor, em casos devidamente justificados, no prazo de quatro anos.(...). O prazo de dois anos para a regularização de erros materiais ou de cálculo é considerado suficiente, na perspectiva das garantias dos sujeitos passivos sendo de realçar a aproximação desse prazo ao previsto, no n.º 1 do artigo 131.° do CPPT, para a reclamação graciosa em caso de autoliquidação (...). Eventuais erros que ocorram na liquidação interna de IVA são imputáveis exclusivamente ao sujeito passivo e não têm interferência na esfera de outras entidades, sendo, portanto de qualificar como erros de cálculo no apuramento do imposto, com enquadramento no regime do n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA. (...).

Verifica-se no entanto, que o prazo de dois anos legalmente estabelecido já havia terminado quando o presente pedido de revisão, respeitante aos períodos de imposto compreendidos entre dezembro de 2007 e outubro de 2009, foi apresentado (em 2012-01-20). Ou seja, a regularização pretendida não pode ser autorizada por intempestividade do respetivo pedido, face ao disposto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA (…)”.

16)  A 12 de Fevereiro de 2014 Requerente deduziu o pedido tendente à constituição do tribunal arbitral, formulando os pedidos de pronúncia sobre a ilegalidade do despacho de indeferimento supra e de anulação parcial das autoliquidações de IVA referentes aos períodos compreendidos entre dezembro de 2007 e outubro de 2009 - cf. requerimento electrónico ao CAAD.

 

                 MOTIVAÇÃO

                 A convicção do Tribunal ao estabelecer o quadro factual supra, fundou-se, reafirma-se, na documentação junta aos autos, no processo administrativo instrutor e na aceitação da ou não impugnação pela AT do quadro factual desenhado pela requerente no seu pedido de pronúncia arbitral.

                

                 A incompetência material: termos da sua fundamentação pela AT

                 Em causa, para apreciação da competência material deste Tribunal Arbitral, está tão só e apenas saber se, no quadro factual descrito, pode ou não concluir-se pela vinculação da AT à jurisdição arbitral.

     Fundamentando a exceção defende a AT, em síntese, que em face do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT, e nos artigos 1.º e 2.º, alínea a), ambos da Portaria n.º 112-A/2011, de 22.03, verifica-se a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar e decidir o pedido da Requerente (cf. artigos 493.º, nºs 1 e 2 e 494.º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT), entendimento, aliás, corroborado pela recente Jurisprudência do Tribunal Arbitral ao excluir do âmbito da suas competências a apreciação de legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA, bem como de proferir autorizações para os sujeitos passivos regularizarem IVA a seu favor.

Defende-se também que a incompetência material do Tribunal Arbitral resulta da causa subjacente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa. Com efeito, o ato administrativo conducente ao indeferimento do pedido de revisão oficiosa teve por base a invocação da intempestividade da pretendida regularização de IVA, não sendo, por esse motivo, apreciada a legalidade de quaisquer atos de autoliquidação, o que resultaria na insusceptibilidade do ato ser impugnado através de impugnação judicial.

Neste sentido, considera a AT que ainda que por mera hipótese se considere que a legalidade impugnada resulta de um ato de segundo grau “e abrangerá os casos em que o ato de segundo grau é o de indeferimento de pedido de revisão oficiosa do ato tributário de liquidação, no caso dos presentes autos tal não acontece já que o fundamento do indeferimento foi o da intempestividade da regularização de IVA peticionada pela Requerente”, ocorrendo incompetência material da jurisdição arbitral, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º do RJAT, por ausência de apreciação da legalidade do ato de autoliquidação no âmbito do procedimento de revisão oficiosa. 

Além dos fundamentos referidos, a AT invoca ainda a incompetência dos Tribunais Arbitrais que funcionam no CAAD para apreciar decisões de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa.

Tal impedimento, resultaria da remissão do n.°1 do artigo 4.° do RJAT, para a Portaria n.° 112-A/2011, a qual estabelece a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais constituídos nos termos daquele diploma, designadamente, quanto ao tipo e o valor máximo dos litígios abrangidos.

Ora, nos termos do artigo 2º alínea a) da Portaria 112-A/2011, a vinculação da AT à jurisdição dos Tribunais Arbitrais tem por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhe esteja cometida, referidas no nº 1 do artigo 2º do RJAT, “com exceção das pretensões relativas à declaração de ilegalidade de atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º do Código de Procedimento e de Processo Tributário”;

Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, nos termos do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT, por se defender que a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário, literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral.

                 Vejamos então a questão.

 

                 A competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários

                  O âmbito da jurisdição arbitral tributária resulta, em primeira linha, do disposto no art. 2.º, n.º 1 do RJAT, que enuncia os critérios de determinação material da competência dos tribunais arbitrais nos seguintes termos:

                 “A competência dos tribunais arbitrais compreende a apreciação das seguintes pretensões:

                 a) A declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta;

                 b) A declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de atos de determinação da matéria coletável e de atos de fixação de valores patrimoniais”.

 

                 Em face deste dispositivo, deve-se entender que a competência dos tribunais arbitrais “restringe-se à atividade conexionada com atos de liquidação de tributos, ficando fora da sua competência a apreciação da legalidade de atos administrativos de indeferimento total ou parcial ou de revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da Administração Tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação do ato de liquidação, a que se refere a alínea p) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT” (Jorge Lopes de Sousa, Comentário ao Regime Jurídico da Arbitragem Tributária in Guia da Arbitragem Tributária, Almedina, 2013, p. 105).

 

                 A apreciação da competência do tribunal arbitral envolve um juízo sobre a adequação ao caso sub judice do meio processual da ação administrativa especial ou do processo de impugnação judicial, em atenção ao disposto no art. 97.º do CPPT, que procede à definição dos respetivos campos de aplicação distinguindo a “impugnação dos atos administrativos em matéria tributária que comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. d) do n.º 1) e o “recurso contencioso do indeferimento total ou parcial ou da revogação de isenções ou outros benefícios fiscais, quando dependentes de reconhecimento da administração tributária, bem como de outros atos administrativos relativos a questões tributárias que não comportem apreciação da legalidade do ato de liquidação” (al. p) do n.º 1), sendo que, nos termos do n.º 2 do art. 97.º, o “recurso contencioso dos atos administrativos em matéria tributária, que não comportem a apreciação da legalidade do ato de liquidação, da autoria da administração tributária, compreendendo o governo central, os governos regionais e os seus membros, mesmo quando praticados por delegação, é regulado pelas normas sobre processo nos tribunais administrativos”.

                 Para concretizar tal distinção entre o âmbito de aplicação destes meios processuais, que, por força da al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, possui relevo na definição da competência dos tribunais arbitrais tributários, constitui orientação jurisprudencial consolidada que “a utilização do processo de impugnação judicial ou do recurso contencioso (atualmente ação administrativa especial, por força do disposto no art. 191.º do CPTA) depende do conteúdo do ato impugnado: se este comporta a apreciação da legalidade de um ato de liquidação será aplicável o processo de impugnação judicial e se não comporta uma apreciação desse tipo é aplicável o recurso contencioso/ação administrativa especial(cfr. o acórdão do STA de 25.6.2009, proc. n.º 0194/09).

                 Desta forma, tendo presentes estes princípios básicos, para apurar a competência do tribunal arbitral cabe averiguar o conteúdo do ato impugnado, de modo a verificar se comportou a apreciação de um ato de liquidação.

                 Para o efeito, como resulta da expressão “apreciação” utilizada na alínea d) do n.º 1 do art. 97.º do CPPT, basta que, no ato em apreço, se tenha avaliado ou examinado a “legalidade do ato de liquidação”, mesmo que essa apreciação não seja o fundamento da decisão administrativa (Cfr., neste sentido, o acórdão arbitral de 06/12/2013, proferido no processo n.º 117/2013-T).

 

                 Subsunção

                 Ora como claramente resulta dos autos e do elenco de factos provados está aqui em causa o indeferimento do pedido de revisão oficiosa de autoliquidação de IVA, apresentado pela requerente, ao abrigo do disposto no artigo 78º, da LGT,  em 20.1.2012 e relativo a uma pretensa correção de IVA liquidado em excesso (€140.362,85) respeitante ao período entre dezembro de 2007 e outubro de 2009.

                 Este pedido foi indeferido com fundamento em que, citando o despacho, “(…)a regularização pretendida não pode ser autorizada por intempestividade do respetivo pedido, face ao disposto no n.º 6 do artigo 78.º do Código do IVA(…)”

                 Do exposto resulta a conclusão óbvia de que a Administração Fiscal não apreciou a legalidade da liquidação.

                 O ato que se encontra em causa, que constitui o objeto imediato do presente processo, é, consequente e indubitavelmente, a decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado.

                 Esta decisão de indeferimento, por seu turno, respeita à “revisão oficiosa da autoliquidação do IVA”pelo que incide sobre os atos de autoliquidação do imposto relativos a 2008 e 2009, sobre cuja ilegalidade a Requerente pretende fundar o seu direito à regularização do IVA liquidado em excesso. 

Por conseguinte, e atendendo aos termos de vinculação da AT, na situação em apreço impunha-se a precedência obrigatória de reclamação graciosa, com a consequente pronúncia sobre o mérito da pretensão apresentada, à luz do disposto no nº 1 do artigo 131º do CPPT, porquanto e além do mais, a expressão “recurso à via administrativa” não referencia também a revisão oficiosa do ato tributário[2], literalmente excluída da competência material dos Tribunais Arbitrais e legalmente vedada em sede arbitral.

Ou seja e dito doutro modo: estamos perante um ato administrativo em matéria tributária que, por não apreciar ou discutir a legalidade do ato de liquidação, não pode ser sindicável através de impugnação judicial, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 do artigo 97.º do CPPT e do artigo 2.º do RJAT.[3]

Sufraga-se assim o entendimento da AT relativo à questão da incompetência material dos Tribunais Arbitrais para apreciação do objeto deste litígio.

Ou seja: considera-se, na esteira e com os fundamentos de anteriores decisões proferidas pelo Tribunal Arbitral[4], que não se insere no âmbito das competências arbitrais apreciar a legalidade ou ilegalidade de decisões de indeferimento de pedidos de regularização de IVA apresentados nos termos do 78º, da LGT nem, como pede a Requerente, proferir decisões parcialmente anulatórias de autoliquidação de IVA sem precedência de apreciação da legalidade desses atos pela Administração Fiscal nos termos dos artigos 131º a 133º, do CPPT.

Naturalmente que podem ser discutíveis os fundamentos da decisão da AT quando conclui e decide pelo indeferimento do pedido de revisão por intempestividade.

A verdade, porém, é que, ainda que se indiciassem eventualmente nos fundamentos desse despacho que o destino do pedido pudesse ser o deferimento se não ocorresse a intempestividade, tal não retirava ao despacho a sua natureza de não pronúncia sobre o mérito e, consequentemente, o não preenchimento do necessário pressuposto para a competência material dos Tribunais Arbitrais Tributários constituídos no âmbito do CAAD.

Não tem, por isso, qualquer sustentação o que a requerente alega na resposta às exceções.

Notas finais, designadamente sobre a pronúncia prévia da AT noutros procedimentos, para além da reclamação graciosa.

A fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT não restringe, numa mera interpretação declarativa e como se viu, o âmbito da jurisdição arbitral aos casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos. Com efeito, a ilegalidade de atos de liquidação pode ser declarada jurisdicionalmente como corolário da ilegalidade de um ato de segundo grau (reclamação graciosa) ou terceiro grau (recurso hierárquico), que confirme um ato de liquidação, incorporando a sua ilegalidade.

Por conseguinte, admite-se a inclusão nas competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que a declaração de ilegalidade dos atos aí indicados é efetuada através da declaração de ilegalidade de atos de segundo grau ou terceiro grau, que são o objeto imediato da pretensão impugnatória, por via da referência que é feita naquela norma aos atos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, que expressamente se referem como incluídos entre as competências dos tribunais arbitrais.

Por outro lado, a pronúncia prévia da Administração Fiscal noutros procedimentos previstos na Lei, designadamente no processo de revisão dos atos tributários previsto no artigo 78º, da LGT[5], só seria eventualmente de considerar [e há, pelo menos, fortes dúvidas, que o possa ser] como equivalente à exigência prevista no artigo 2º, da citada Portaria nº 112-A/2011, de prévio “ (…) recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131º a 133º, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (…)” , no caso de efetiva e real pronúncia quanto ao mérito e/ou ilegalidade do ato de autoliquidação[6].

Se o preenchimento desse pressuposto pudesse ser considerado independentemente duma apreciação de mérito e, designadamente, quando fosse rejeitado ou indeferido liminarmente por intempestividade, estaria desse modo encontrada a forma de abertura da via arbitral: bastaria a apresentação dum pedido de reclamação ou revisão manifestamente extemporâneo e, denegado o pedido, apresentar o requerimento de pronúncia arbitral sem risco de inadmissibilidade por incompetência material do Tribunal Arbitral.

Não foi, naturalmente, esse o objetivo do legislador da citado portaria quando redigiu a norma em causa, mas antes, e manifestamente, pretendeu excluir da jurisdição arbitral a apreciação e decisão sobre, designadamente, autoliquidação de impostos sem antes ter sido apreciado o mérito dessa pretensão pela Administração Fiscal através dos mecanismos de recurso nos termos dos artigos 131º a 133º, do CPPT.

Destarte e em conclusão: é este Tribunal Arbitral materialmente incompetente para apreciar e decidir o pedido objeto do litígio sub juditio, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 4.º, n.º 1, ambos do RJAT e dos artigos 1.º e 2.º, alínea a), da Portaria n.º 112-A/2011, o que consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa, nos termos do disposto no artigo 576º, n.ºs 1 e 2 do CPC ex vi artigo 2º, alínea e) do CPPT e artigo 29º, nº 1, alíneas a) e e) do RJAT, que obsta ao conhecimento do pedido e à absolvição da instância da AT, nos termos dos artigos 576º, n.º2 e 577º, alínea a) do CPC, ex vi artigo 29º, nº1, alíneas a) e e) do RJAT.

            III DECISÃO

Ponderando a fundamentação exposta, este Tribunal decide:

a) Julgar procedente a exceção de incompetência material deduzida pela Autoridade Tributária e Aduaneira e, em consequência, absolve a Requerida da instância;

b) Julgar, em consequência, prejudicado o conhecimento das demais exceções e da questão de mérito.

c) Condenar a requerente no pagamento das custas (artigo 22º-4, do RJAT), fixando estas na importância de€ 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

*

 Valor do processo

De harmonia com o disposto no artigo 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 140.362,85.

Lisboa, 19 de setembro de 2014 

Os Árbitros

 

 

(José Poças Falcão)

 

 

 

(António Nunes dos Reis)

 

 

 

(Filipa Barros)



[1] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem Tributária.

[2] Conforme se referirá infra, poderá ser discutível a equivalência da pronúncia da AT em sede de reclamação graciosa à pronúncia, v. g., em sede do procedimento de revisão oficiosa previsto no artigo 78º, da LGT

[3] Cfr Acórdão do STA de 12-7-2006, processo n.º 402/06, no qual se refere que o procedimento de revisão “é admitido como complemento dos meios de impugnação administrativa e contenciosa desses atos, a deduzir nos prazos normais respetivos, que tem em vista possibilitar sanar injustiças de tributação tanto a favor do contribuinte como a favor da administração. Essencialmente, o regime do art. 78.º, quando o pedido de revisão é formulado para além dos prazos de impugnação administrativa e contenciosa, reconduz-se a um meio de restituição do indevidamente pago, com revogação e cessação para o futuro dos efeitos do ato de liquidação, e não um meio anulatório, com destruição retroativa dos efeitos do ato. A esta luz, o meio procedimental de revisão do ato tributário não pode ser considerado como um meio excecional para reagir contra as consequências de um ato de liquidação, mas sim como um meio alternativo dos meios impugnatórios administrativos e contenciosos (quando usados em momento em que aqueles ainda podem ser utilizados) ou complementar deles (quando já estiverem esgotados os prazos para utilização dos meios impugnatórios do ato de liquidação).Trata-se de um regime reforçadamente garantístico, quando comparado com o regime de impugnação de atos administrativos, mas esse esforço encontra explicação na natureza fortemente agressiva da esfera jurídica dos particulares que têm os atos de liquidação de tributo.

 E, prossegue tal aresto, (…) embora o art. 78.º da LGT, no que concerne a revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, se refira apenas à que tem lugar dentro «do prazo de reclamação administrativa», no n.º 6 do mesmo artigo (na redação inicial, que é o n.º 7 na redação vigente) faz-se referência a «pedido do contribuinte», para a realização da revisão oficiosa, o que revela que esta, apesar da impropriedade da designação como «oficiosa», pode ter subjacente também a iniciativa do contribuinte. Idêntica referência é feita no n.º 1 do art. 49.º da LGT, que fala em «pedido de revisão oficiosa», e na alínea a) do n.º 4 do art. 86.º do CPPT, que refere a apresentação de «pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo, com fundamento em erro imputável aos serviços».É, assim, inequívoco que se admite, a par da denominada revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte (dentro do prazo de reclamação administrativa), que se faça, também na sequência e iniciativa sua, a «revisão oficiosa» (que a Administração deve realizar por sua iniciativa).Por outro lado, a alínea d) do n.º 2 do art. 95.º da LGT refere os atos de indeferimento de pedidos de revisão entre os atos potencialmente lesivos, que são suscetíveis de serem impugnados contenciosamente. Não se faz, aqui qualquer distinção entre atos de indeferimento praticados na sequência de pedido do contribuinte efetuado no prazo da reclamação administrativa ou para além dele, pelo que a impugnabilidade contenciosa a atos de indeferimento de pedidos de revisão praticados em qualquer das situações, o que aliás, é corolário do princípio constitucional da impugnabilidade contenciosa de todos os atos que lesem direitos ou interesses legítimos dos administrados (art. 268.º, n.º 4, da CRP).

 

[4] Cfr., v.g., Acs nºs 236/2013-T e 244/2013-T, in www.caad.org.pt

 

[5] Ora, nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa de um ato de autoliquidação, como sucede no caso em apreço, é proporcionada à AT, com este pedido, uma oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, pelo que, em coerência com as soluções adotadas nos n.ºs 1 e 3 do artigo 131.º do CPPT, não pode ser exigível que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa (Cfr, neste sentido, os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 12-7-2006, proferido no processo n.º 402/06, e de 14-11-2007, processo n.º 565/07 in http://www.dgsi.pt/)

[6] Tal como já foi entendido em diversas decisões de tribunais arbitrais deste CAAD (cfr., por exemplo, os acórdãos de 06/12/2013, proferido no proc. n.º 117/2013-T e de 23/10/2012, proc. n.º 73/2012-T, onde se convoca outra jurisprudência), e não se desconhecendo, muito embora, a existência de entendimento em contrário (vd. o acórdão de 09/11/2012, proc. n.º 51/2012-T), este tribunal também entende que deve considerar-se incluída nas competências atribuídas aos tribunais arbitrais a apreciação de atos de indeferimento de pedidos de revisão oficiosa de atos de autoliquidação, pois, por um lado, a fórmula “declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta”, utilizada na alínea a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, compreende quer os casos em que é impugnado diretamente um ato de um daqueles tipos, quer os casos em que é impugnado um ato de segundo grau, que mantenha um ato de liquidação, não declarando a sua ilegalidade, e, por outro lado, o teor da al. a) do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, para que remete o n.º 1 do art. 4.º do RJAT, não deve ser interpretado, em atenção à sua ratio legis, no sentido de excluir o indeferimento de pedido de revisão oficiosa, dado que na revisão oficiosa é proporcionada à Administração Tributária a oportunidade de se pronunciar sobre o mérito da pretensão do sujeito passivo antes de este recorrer à via jurisdicional, não sendo razoável que, cumulativamente com a possibilidade de apreciação administrativa no âmbito desse procedimento de revisão oficiosa, se exija uma nova apreciação administrativa através de reclamação graciosa, pelo que não se justifica afastar a jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD nos casos em que é formulado um pedido de revisão oficiosa sem prévia reclamação graciosa, com o que se criaria, sem fundamento bastante, uma nova situação de reclamação graciosa necessária privativa da jurisdição arbitral.

Todavia, insiste-se, não basta ser comprovado o recurso prévio à via administrativa por quaisquer dos meios mencionados, é também absolutamente necessário comprovar que houve efetiva apreciação pela Administração, do mérito dos pedidos. Requisito que, para efeitos de competência do Tribunal Arbitral, não é preenchido quando e se essa apreciação de legalidade foi liminarmente denegada por, v. g., extemporaneidade.