Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 669/2019-T
Data da decisão: 2020-05-04  Selo  
Valor do pedido: € 2.156,68
Tema: Imposto do Selo – Excesso da quota-parte de imóveis em divisões ou partilhas; Falta de fundamentação.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I - Relatório

1. A..., residente fiscal no Brasil, com domicílio na Avenida ... n.º..., ..., ..., ..., São Paulo, Brasil, titular do número de identificação fiscal português ... (doravante designada por “Requerente”), tendo por representante fiscal em Portugal B..., titular do número fiscal ... apresentou, em 04-10-2019, um pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do artigo 2.º n.º 1, alínea a) e do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, previsto no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66- B/2012, de 31 de Dezembro (doravante abreviadamente designado “RJAT”) e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

2. A Requerente pretende a pronúncia do Tribunal Arbitral com vista a anular o ato de liquidação de Imposto do Selo (IS) n.º 2018/..., no valor de € 2.156,68 (dois mil cento e cinquenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos), e, bem assim, os despachos do Chefe de Serviço de Finanças de ..., de 02-07-2019, proferidos ao abrigo de delegação de competências, que indeferiram a reclamação graciosa sobre o mencionado ato de liquidação e foram proferidos relativamente a cada um dos bens imóveis que integravam a herança partilhada nos processos n.ºs. ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019... e ...2019..., tendo sido notificados à Requerente através dos ofícios do Serviço de Finanças de ... n.ºs ... e ..., de 03-07-2019, e ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ... de 04-07-2019.

3. É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) (adiante designada por “Requerida”).

4. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira, em 07-10-2019.

5. Nos termos da alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico do CAAD designou como árbitro do tribunal arbitral singular o Exmo. Senhor Dr. Olívio Mota Amador que, no prazo aplicável, comunicou a aceitação do encargo.

6. A Requerente foi notificada, em 27-11-2019, da designação do árbitro, não tendo manifestado vontade de recusar a designação, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

7. De acordo com o disposto na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Tribunal Arbitral foi constituído em 30-12-2019.

8. A Requerida foi notificada através do despacho arbitral, de 30-12-2019, para os efeitos previstos no artigo 17.º da RJAT.

9. A Requerida, em 30-01-2020, requereu a prorrogação do prazo para a apresentação da Resposta e a junção do Processo Administrativo.

10. O Tribunal Arbitral por despacho, 07-02-2020, deferiu, a título excecional, o requerimento da AT identificado no n.º anterior, e prorrogou o prazo para a apresentação da Resposta e a junção do Processo Administrativo até 21-02-2020.

11. A Requerida, em 18-02-2020, apresentou a Resposta e juntou o Processo Administrativo.

12. O Tribunal Arbitral por despacho, de 20-02-2020, determinou: (i) dispensar a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, ao abrigo do princípio da autonomia do Tribunal na condução do processo e em ordem a promover a celeridade, a simplificação e a informalidade processuais, de acordo com o disposto nos artigos 19.º e 29.º, n.º 2, do RJAT, tendo em conta que não foi invocada matéria de exceção, não foi requerida a produção de prova testemunhal nem de outras diligências probatórias; (ii) caso as partes pretendam proferir alegações escritas, estas deverão ser produzidas no prazo de 15 dias, com caracter sucessivo, a partir da notificação do presente despacho; (iii) indicar o dia 30 de abril de 2019 como prazo limite para a prolação da decisão arbitral.

13. As alegações foram apresentadas pela Requerente, em 09-03-2020, e pela Requerida, em 19-03-2020.

14. A posição da Requerente, de harmonia com o disposto no pedido de constituição do Tribunal Arbitral e nas alegações, é, em síntese, a seguinte:

14.1. A Requerente invoca o vício por falta de fundamentação por parte da AT porquanto, após análise de todos os atos praticados foi impossível à Requerente descortinar qual o entendimento seguido pela AT por forma a emitir a liquidação de IS em causa.

14.2. Segundo a análise da Requerente a AT pode ter assentado a emissão deste ato tributário num dos dois seguintes cenários: ou, por um lado, na perspetiva da AT, a Senhora D.ª C... deveria ter sido considerada também herdeira dos bens do Senhor D..., ao lado dos seus três filhos; ou, por outro, o suposto excesso advinha da circunstância de a meação da Senhora D.ª C... ter integrado outros bens, que não os bens imóveis.

14.3. Ambas as hipóteses têm que ser afastadas, com efeito, em primeiro lugar, ao defender a primeira tese, incorrer-se-ia numa contradição direta com os regulamentos e leis aplicáveis à sucessão; por seu turno, afigura-se- igualmente incompreensível a segunda tese; de facto, ao referir que “os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão, os cônjuges participam por metade no activo e no passivo da comunhão”, o legislador não pretendeu que cada bem (individualmente tratado) que integrasse a comunhão fosse detido em 50% por um dos cônjuges, e em 50% pelo outro.

14.4. A operação em causa nos presentes autos não se trata de uma doação nem, muito menos, de uma transmissão onerosa. Com efeito, nem a Requerente nem nenhum dos herdeiros recebeu bens de valor superior à sua quota-parte na herança. Aliás, nem se vê como isso poderia suceder: havendo apenas três herdeiros, e tendo todos recebido justamente o mesmo (quer tem termos de valor, quer em termos de bens), como pode existir um excesso de quota-parte?

14.5. Não tendo existido um “excesso da quota parte de imóveis em divisões ou partilhas”, a tributação imposta pela liquidação subjacente aos atos de indeferimento da reclamação graciosa afigura-se ilegal.

14.6. Nestes termos, devem os referidos atos de indeferimento ser anulados com todos os efeitos legais, e, consequentemente, deve ser ordenada a anulação da liquidação de imposto do selo que lhes está subjacente, com os respetivos efeitos legais, designadamente a restituição do valor pago pela Requerente.

 15. A posição da Requerida, expressa na resposta e nas alegações, pode ser sintetizada no seguinte:

15.1. Relativamente à alegada falta de fundamentação da liquidação de IS impugnada, a Requerente não tem razão nos argumentos invocados, desde logo, porque dos documentos juntos aos autos, verifica-se que a liquidação em causa cumpre todos os requisitos, nomeadamente contém as disposições legais aplicáveis, a qualificação e quantificação dos atos tributários e as operações de apuramento da matéria tributável e do tributo, conforme estabelece o artigo 77.º da LGT. Acresce, que se considera que o ato está devidamente fundamentado sempre que o destinatário do ato revele ter compreendido os seus fundamentos. Ora, no caso em apreço, e do teor da petição inicial ficou devidamente comprovado que a Requerente compreendeu todas as razões que fundamentaram o ato visado, não tendo demonstrado qualquer incompreensão quanto aos fundamentos da liquidação impugnada.

15.2. A liquidação de IS aqui impugnada resulta do procedimento de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT), nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Código do IS (Código do Imposto do Selo) e da verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) e da aplicação do n.º 5 do artigo 2.º, alínea a) do artigo 4.º e regra 11 do n.º 4 do artigo 12.º todos do Código do IMT (Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis). Assim, para que haja lugar a tributação em sede deste imposto, é necessário que a alguns dos interessados seja adjudicado bens imóveis em valor que exceda a sua quota ideal nesses bens.

15.3. A quota ideal é determinada em função da totalidade dos bens imóveis a dividir ou a partilhar, nos termos estabelecidos na regra 11ª do n.º 4 do artigo 12.º do CIMT, correspondendo o valor tributável ao respetivo valor patrimonial tributário, ou, caso seja superior, ao valor que serviu de base à partilha. Mas é importante salientar que, para efeitos de cálculo de imposto, a referência é a quota ideal nos bens imóveis e não da quota hereditária referida pela Requerente.

15.4. Para efeitos de IMT e da verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIS) releva apenas a transmissão de bens imóveis (Artigo1.º, n.º 1, do Código do IMT e artigo 1.º, n.° 1 do Código do IS e verba 1.1 TGIS). Ora, daqui resulta que para chegar à quota ideal apenas concorrem os bens imóveis, razão pela qual, importa verificar se se revela correto o excesso em bens imóveis, apurado na liquidação efetuada ao sujeito passivo.

15.5. No que respeita à liquidação controvertida, o excesso em bens imóveis apurado, resulta da consideração de uma quota de 1/2 para o cônjuge sobrevivo e de quotas de 1/6 para os herdeiros. Partindo dessa premissa, uma vez que a atribuição dos imóveis na partilha se fez unicamente a favor dos filhos na proporção de 1/3 para cada, apurou-se um excesso correspondente a metade, ou seja, a 1/6.

15.6. Contrariamente ao alegado pela Requerente é facto assente que a partilha celebrada é, sem dúvida uma transmissão onerosa, na medida em que a partilha de bens imóveis gerará imposto na medida em que uma das partes fique com bens imóveis em valor superior ao da respetiva quota-parte na totalidade dos imóveis objeto da partilha. A transmissão é onerosa, porque conforme se consagrou na partilha, foram adjudicados à Requerente bens imóveis em valor que excedeu a sua quota ideal nesses bens imóveis. Por esse facto fica imediatamente verificado o pressuposto constante da alínea c) do referido n.º 5 do artigo 2.º do Código do IMT por ter ficado determinado na partilha que foram adjudicados bens imóveis em valor que excedeu a sua quota ideal nesses bens. Assim, a liquidação impugnada nos autos é legal, nos termos do artigo 2.º n.º 1 do Código do IMT e artigo 1.º, n.º 1, do Código do IS e verba 1.1 TGIS, razão pela qual deve ser mantida.

II – Saneamento

16. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.ºs 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 1, do RJAT.

17. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas, de acordo com o disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.

18. A Requerente apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação de IS, mas verifica-se que o Serviço de Finanças de ... abriu dez processos de reclamação graciosa, aos quais atribuiu números diferentes. Foi aberto um processo de reclamação graciosa para cada bem imóvel que integrava a herança partilhada (vd., alíneas H), I), L) e M) do n.º 20 infra). Não consta do Processo Administrativo qualquer elemento que fundamente, do ponto vista legal, a opção tomada pela AT e nem sequer existe qualquer explicação para esta decisão. Daqui resultaram dez despachos de indeferimento, reportados à mesma reclamação graciosa, contendo todos exatamente a mesma fundamentação.

Em consequência, nos presentes autos arbitrais, a cumulação de pedidos por parte da Requerente é admissível, de acordo com o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do RJAT, atendendo a que são idênticas as circunstâncias de facto e o mesmo regime jurídico aplicável.

19. Não foram suscitadas exceções de que cumpra conhecer. Não se verificam nulidades nem quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.

Nestes termos, o Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto do processo.

III - Matéria de facto

20. Factos dados como provados

Com relevo para a apreciação e decisão das questões suscitadas dão-se como assentes e provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é herdeira legítima, juntamente com a sua mãe e os seus dois irmãos, na herança aberta por óbito do seu pai ocorrido a 13-10-2017 no Brasil (vd., Habilitação de Herdeiros, de 31-01-2018, que consta como Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronúncia arbitral, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais); 

 

  1. A Requerente foi outorgante, em 18-07-2018, na escritura de partilha, da qual se transcreve o seguinte excerto:

Que no dia 13.10.2017 em ..., distrito de..., em São Paulo, Brasil, faleceu D..., natural da freguesia de ..., concelho de Ansião, sem testamento ou qualquer outra disposição de última vontade, no estado de casado, em primeiras núpcias de ambos e sob o regime da comunhão de adquiridos com a Primeira Outorgante, com última residência habitual na Avenida ..., ..., ..., ..., ..., São Paulo, Brasil, conforme escritura de habilitação de herdeiros outorgada em 31.01.2018, no Cartório Notarial de E..., lavrada a fls. 83 a fls. 84v do livro de notas de escrituras diversas número 101 do Cartório

Que de acordo com o disposto nos artigos 20.º, 21.º e 23.º do Regulamento (EU) número 650/2012 do Parlamento Europeu e do Conselho, de quatro de Julho de dois mil e doze, e de acordo com as disposições sucessórias da lei brasileira, à data do falecimento, a lei da residência habitual é a lei reguladora da sucessão do falecido.

Que de acordo com as disposições sucessórias brasileiras, a sucessão é legítima ou testamentária.

Que tendo o autor da sucessão falecido sem deixar testamento, a herança é transmitida aos herdeiros legítimos.

Que a sucessão legítima defere-se, em primeiro lugar, aos descendentes, em concurso com o cônjuge, sendo que, no que respeita ao cônjuge, o mesmo apenas concorre com os descendentes, se não for casado sob o regime equivalente ao da comunhão geral, ou quando caso sob o regime equivalente ao da comunhão de adquiridos, existirem bens próprios (conforme dispõe, a contrario, o artigo 1829.º do Código Civil Brasileiro).

Que são os únicos interessados na herança aberta por óbito de D...

Que deste modo sucederam ao falecido, como seus únicos herdeiros legítimos:

  1. A sua mulher, C..., ora primeira outorgante, quanto aos bens próprios se existirem;
  2. E os três únicos filhos do casal, F..., A... e G..., o segundo outorgante e os seus representados.

Que o autor da sucessão e a Primeira Outorgante contraíram matrimónio, sob o regime de comunhão de adquiridos, em vinte e oito de março de mil novecentos e setenta e um, em Vila Nova de Ourém.

Que nos termos do disposto nos artigos 52.º e 53.º do Código Civil Português, ao casamento e aos seus efeitos, entre o autor da sucessão e a Primeira Outorgante aplica-se a lei nacional comum, ou seja, a lei portuguesa.

Que os bens do autor da sucessão são bens comuns, uma vez que foram adquiridos por ambos os cônjuges na constância do matrimónio (como dispõe o artigo 1724.º do Código Civil Português).

Que pela dissolução da sociedade conjugal por morte do seu marido, a Primeira Outorgante, na qualidade de viúva do falecido, casada com este sob o regime de adquiridos, é titular do direito à meação dos bens comuns do casal (conforme dispõe os artigos 1688.º e 1689.º do Código Civil Português). (…)”

(vd., fls. 1 a 4 da Partilha da Meação e da Herança, datada de 18-07-2018, que consta como Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral, que se dá como integralmente reproduzida para todos os efeitos legais); 

  1. À data da abertura da sucessão o valor total do património, constituído por bens e direitos adquiridos na constância do matrimónio, correspondia a € 5.298 175,99 (cinco milhões duzentos e noventa e oito mil cento e setenta e cinco euros e noventa e nove cêntimos) (vd., fls. 10 da Partilha da Meação e da Herança, datada de 18-07-2018, que consta como Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);
  2. Nos termos da partilha efetuada, foi adjudicada à viúva, a título de meação no património comum, o valor de €2 649 088.00 (dois milhões seiscentos e quarenta e nove mil e oitenta e oito euros), constituído por parte do crédito de suprimentos detido sobre a sociedade H... Lda. (vd., fls. 9, 10 e 11 da Partilha da Meação e da Herança, datada de 18-07-2018, que consta como Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);
  3. O património remanescente no valor de €2.649 088,00 (dois milhões seiscentos e quarenta e nove mil e oitenta e oito euros) reportado a bens (móveis e imóveis) e a direitos e, ainda, à parte remanescente do crédito de suprimentos, identificado na alínea anterior, foi adjudicado em compropriedade e em partes iguais à Requerente e aos seus dois irmãos (vd., fls. 11 da Partilha da Meação e da Herança, datada de 18-07-2018, que consta como Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);
  4. Os bens imóveis, integrantes do património a partilhar, foram adjudicados em compropriedade e em partes iguais à Requerente e aos seus dois irmãos e constam na escritura de partilha das seguintes verbas:
  • Verba 1) Fração autónoma designada pela letra “P” do prédio urbano sito na Rua D ..., n.º..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  • Verba 2) Fração autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  • Verba 3) Fração autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;
  • Verba 4) Fração autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  • Verba 5) Fração autónoma designada pela letra “N” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  • Verba 6) Fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;
  • Verba 7) Prédio rústico situado na ..., ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...;
  • Verba 8) Prédio urbano sito no ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  • Verba 9) Prédio rústico denominado “...” situado no Lugar ..., freguesia de..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo...;
  • Verba 10) Prédio rústico denominado “...” situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo...;

(vd., fls. 4 a 8 da Partilha da Meação e da Herança, datada de 18-07-2018, que consta como Documento n.º 8 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);

  1. C..., primeira outorgante na escritura de partilha supra identificada, requereu ao Chefe dos Serviços de Finanças de ..., em 18-07-2018, ao abrigo do disposto no artigo 36.º do Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (Código do IMT), que se proceda à liquidação do IMT e do IS (vd., Documento n.º 9 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. Na sequência da partilha supra identificada a AT efetuou em nome da Requerente as seguintes liquidações: (i) Liquidação de IMT n.º ..., no montante de € 15.581,64, com data limite de pagamento 2018-11-30; (ii) Liquidação de IS n.º 2018..., no montante de € 2.156,68, com data limite de pagamento 2018-11-12.

(vd., Certidão do Serviço de Finanças de ..., de 28-03-2019, que consta como Documento n.º 1 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. A AT emitiu a Demonstração da Liquidação Provisória de IS relativamente à Requerente com o seguinte teor: “Colecta IS Verba 1.1 (Total) €2.156,68 Juros Compensatórios (Total) €0,00 Valor a pagar €2.156,68 Facto Tributário “33 – Excesso da quota parte de imóveis em divisões ou partilhas” “Valor Global do Acto ou Contrato €269.583,32” (vd., Demonstração da Liquidação Provisória de IS que consta como Documento n.º 2 anexo ao pedido de pronúncia arbitral, que se dá como integralmente reproduzido para todos os efeitos legais);

 

  1. A AT emitiu o Documento de Cobrança n.º 2018 ... relativo ao IS (vd., Documento n.º 3 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. A Requerente procedeu ao pagamento do IS no montante de € 2.156,68, em 12-11-2018 (vd., Documento n.º 10 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);
  2. A Requerente, em 12-03-2019, apresentou uma reclamação graciosa contra a liquidação de IS, identificada nas alíneas H) e I), nos termos e para os efeitos dos artigos 68.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) (vd., Processo Administrativo);
  3. A reclamação graciosa, identificada na alínea anterior, deu origem à abertura por parte da AT de dez processos de reclamação graciosa (um processo por cada um dos bens imóveis que integrantes da herança partilhada) nos seguintes termos:
  1. Processo n.º ...2019... relativo ao prédio rústico situado na ..., ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo...;
  2. Processo n.º ...2019... relativo à fração autónoma designada pela letra “H” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  3. Processo n.º ...2019... relativo ao prédio rústico denominado “...” situado no ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...;
  4. Processo n.º ...2019... relativo ao prédio urbano sito no Lugar ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  5. Processo n.º ...2019... relativo à fração autónoma designada pela letra “N” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  6. Processo n.º ...2019...: relativo à fração autónoma designada pela letra “G” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º ...;
  7. Processo n.º ...2019...: relativo à fração autónoma designada pela letra “E” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  8. Processo n.º ...2019...: relativo à fração autónoma designada pela letra “P” do prédio urbano sito na Rua ..., n.º..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  9. Processo n.º ...2019...: relativo à fração autónoma designada pela letra “I” do prédio urbano sito na ... n.º ... e ..., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º...;
  10. Processo n.º ...2019...: relativo ao prédio rústico denominado “...” situado no Lugar de ..., freguesia de ..., concelho de Ansião, inscrito na matriz predial rústica sob o artigo ...;

(vd., Processo Administrativo);

  1. A Requerente foi notificada dos projetos de Decisão relativamente a cada um dos processos de reclamação graciosa, identificados na alínea anterior, para exercer o direito de participação na decisão na modalidade de audição prévia, prevista no artigo 60.º da Lei Geral Tributária (LGT), através dos ofícios do Serviço de Finanças de ... n.ºs..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e ..., datados de 03-06-2019 (vd., Documento n.º 5 anexo ao pedido de pronúncia arbitral);

 

  1. A Requerente optou por não se pronunciar relativamente aos projetos de Decisão referidos na alínea anterior;

 

  1. A reclamação graciosa apresentada pela Requerente foi indeferida através dos Despachos do Chefe de Serviço de Finanças de ..., de 02-07-2019, proferidos ao abrigo de delegação de competências, relativamente a cada um dos processos de reclamação graciosa, identificados na alínea M), tendo todos o seguinte teor:

“Em vista dos autos e do que antes vem informado, considerando que após o decurso do prazo concedido para o exercício do direito de audição (art.º 60º/1/b) e 6 da Lei Geral Tributária) a reclamante nada mais alegou, não existindo qualquer pronuncia da sua parte, considerando, também, que não são do nosso conhecimento, nem matéria, nem factos novos que permitam alterar o sentido da decisão antes projectado, com fundamento na matéria de facto e de direito anteriormente referida, torno definitivo o sentido da decisão antes projectado, pelo que INDEFIRO o pedido.”

(vd., Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e Processo Administrativo);

 

  1. As informações que fundamentam os Despachos de Indeferimento, identificados na alínea anterior, têm todas o seguinte teor:

“- FACTOS

No dia dezoito de julho de 2018, foi, no Escritório do Solicitador I..., elaborado um documento particular de Partilha de Meação e da Herança, em que o representado neste ato, A..., procedeu à partilha dos bens e direitos nela identificados, com os outros outorgantes, no caso a sua mãe e os seus dois irmãos.

Nessa partilha, foram adjudicados, em compropriedade e, partes iguais, à reclamante e a seus dois irmãos, os bens imóveis descritos na referida escritura.

- O DIREITO

Dispõe o art.º 1, nº 1 do Código do Imposto do Selo que “O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens”, dispondo a TABELA GERAL DO IMPOSTO DO SELO, verba 1.1 que “Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, … - sobre o valor: 0,8%” (disposição legal, aliás transcrita pelo reclamante no ponto 85.º)

A liquidação de Imposto do Selo que vem reclamada resulta do procedimento de liquidação de IMT promovido nos termos do n.º 5 do artº 2 do CIMT (Código do Imposto Municipal Sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis) que “Em virtude do nº 1, são também sujeitas a IMT, designadamente:” alínea c)”O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em ato de divisão ou partilhas…”, conjugado com o disposto no art.º 4/alínea a)/CIMT, “Nas divisões ou partilhas, o imposto é devido pelos adquirentes dos bens imóveis cujo valor exceda o da sua quota nesses bens” e, também, do disposto na regra 11ª do nº 4 do art.º nº 12º do mesmo código, “Nas partilhas judiciais ou extrajudiciais, o valor do excesso de imóveis sobre a quota-parte do adquirente, nos termos da alínea c) do nº 5 do artº 2º, é calculado em face do valor patrimonial tributário desses bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial ou, caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha.”

Na liquidação do Imposto do Selo que vem reclamado foram observadas todas as normas legais referenciadas.

Uma vez que o reclamado Imposto do Selo se encontra devidamente liquidado, com observância de todas as normas legais aplicáveis à situação, supra referidas, sobre a reclamação deduzida foi projectado despacho de indeferimento, tendo-se promovido a notificação à reclamante, na pessoa da sua mandatária, para, querendo, exercer, no prazo de 15 (quinze) dias o direito de audição que lhe é conferido pelo disposto no artigo 60º/1/alínea b) da Lei Geral Tributária.

Verifica-se que decorrido o prazo concedido para o efeito a reclamante não se pronunciou pelo que, nessa medida, a decisão projectada deve converter-se em definitiva.”

(vd., Documento n.º 6 anexo ao pedido de pronuncia arbitral e Processo Administrativo);

 

  1. Os Despachos de Indeferimento, identificados na alínea P), foram notificados à Requerente através dos ofícios do Serviço de Finanças de ... n.ºs ... e..., de 03-07-2019, e..., ..., ..., ..., ..., ..., ... e..., datados de 04-07-2019 (vd., Documento n.º 7 anexo ao pedido de pronuncia arbitral);

21. Factos dados como não provados

Inexistem outros factos com relevo para apreciação do mérito da causa que não se tenham provado.

22. Fundamentação da matéria de facto

Relativamente à matéria de facto, atendendo ao disposto no artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e no artigo 607.º, n.º 3, do Código do Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e), do RJAT, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada.

Assim, de acordo com o disposto no artigo 596.º do Código do Processo Civil (CPC), aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual foi estabelecida tendo em conta as questões de Direito suscitadas.

Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º, n.º 7, do CPPT e a prova documental, junta aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

III. Matéria de Direito

23. Importa começar por analisar a alegação da Requerente sobre o vício por falta de fundamentação relativamente ao ato tributário de liquidação de IS e aos atos de indeferimento da reclamação graciosa.

Depois, a principal questão decidenda nos presentes autos diz respeito a saber se a Requerente, nos termos da partilha efetuada na sequência do óbito do seu pai, recebeu bens imóveis em valor superior ao da sua quota e, em consequência, se estão reunidos os pressupostos de facto e de direito para ocorrer a liquidação de IS.

24. Para efeitos de enquadramento legal é útil começar por transcrever as normas relativas ao IS e ao IMT que estão em causa nos presentes autos arbitrais.

24.1. A norma relativa ao IS consta do respetivo Código e tem o seguinte teor:

Artigo 1.º
Incidência objectiva

1 - O imposto do selo incide sobre todos os atos, contratos, documentos, títulos, papéis e outros factos ou situações jurídicas previstos na Tabela Geral, incluindo as transmissões gratuitas de bens.”

            24.2. Na Tabela Geral de Imposto do Selo, para a qual remete o n.º 1 do artigo 1.º supra citado, destaca-se a seguinte norma:

1 Aquisição de bens:

1.1 Aquisição onerosa ou por doação do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito sobre imóveis, bem como a resolução, invalidade ou extinção, por mútuo consenso, dos respectivos contratos – sobre o valor …………………………………………………………………………………………………0,8%

 

24.3. Quanto ao Código do IMT impõe-se referir as normas relativas à incidência e ao valor tributário, que têm a redação seguinte:

“Artigo 2.º

(Incidência objetiva e territorial)

1 - O IMT incide sobre as transmissões, a título oneroso, do direito de propriedade ou de figuras parcelares desse direito, sobre bens imóveis situados no território nacional. (…)

 

5 - Em virtude do disposto no n.º 1, são também sujeitas ao IMT, designadamente:
(…)

c) O excesso da quota-parte que ao adquirente pertencer, nos bens imóveis, em acto de divisão ou partilhas, bem como a alienação da herança ou quinhão hereditário;”

 

“Artigo 12.º

Valor tributável

1 - O IMT incidirá sobre o valor constante do acto ou do contrato ou sobre o valor patrimonial tributário dos imóveis, consoante o que for maior.

4 - O disposto nos números anteriores entende-se, porém, sem prejuízo das seguintes regras:

11.ª Nas partilhas judiciais ou extrajudiciais, o valor do excesso de imóveis sobre a quota-parte do adquirente, nos termos da alínea c) do n.º 5 do artigo 2.º, é calculado em face do valor patrimonial tributário desses bens adicionado do valor atribuído aos imóveis não sujeitos a inscrição matricial ou, caso seja superior, em face do valor que tiver servido de base à partilha;”

 

25. A primeira questão que cumpre apreciar respeita à falta de fundamentação que subjaz ao ato tributário de liquidação de IS e aos atos de indeferimento da reclamação graciosa, que foi alegada pela Requerente (vd., 14.1. e 14.2. supra) e sobre a qual a Requerida se pronunciou em sentido contrário (vd., 15.1. supra).

26. A este respeito importa ter presente o disposto na Constituição da República Portuguesa (CRP) e na Lei Geral Tributária (LGT).

A CRP no artigo 268.º, n.º 3, estabelece que “os actos administrativos estão sujeitos a  notificação aos interessados, na forma prevista na lei, e carecem de fundamentação expressa e acessível quando afetem direitos ou interesses legalmente protegidos”. 

A LGT no artigo 77.º, n.º 1, prevê que a “(…) decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária”.

Sobre o preceito da LGT supra citado, Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, afirmam “Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que levaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa. Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.” (vd., Lei Geral Tributária. Anotada e Comentada, 4.ª ed., Lisboa, Encontro da Escrita Editora, 2012, pp. 675).

Efetivamente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo tem sustentado que “(…) o dever de fundamentação exige que um destinatário normal, colocado na posição do recorrente, face ao teor expresso do acto, possa apreender o percurso lógico-jurídico trilhado pela autoridade recorrida para chegar a tal decisão, por forma a poder determinar-se, conscientemente, no sentido da impugnação ou não impugnação.” (vd., Acórdão do STA, de 11-11-1998, processo n.º 31339).

A fundamentação deve consistir numa exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão.

As razões de facto e os fundamentos de direito da decisão devem ser percetíveis, claros e entendíveis para o contribuinte. Para todos os efeitos legais, importa salientar que a fundamentação manifestamente insuficiente equivale a falta de fundamentação.

É óbvio que o contribuinte poderá discordar do sentido da decisão do Fisco, mas terá é de perceber cabalmente o sentido da mesma e que esta não é uma pura demonstração de arbítrio.

27. Atendendo à factualidade provada nos presentes autos arbitrais (vd., alíneas I), P) e Q) do n.º 20. supra) existem, em matéria de fundamentação, dois aspetos que merecem análise.

Primeiro, o ato de liquidação do IS refere apenas “Facto Tributário 33 – Excesso da quota parte de imóveis em divisões ou partilhas”. Apenas o cabeçalho do documento contem a seguinte indicação: “Imposto Selo. Verba 1.1”. Assim, verifica-se que ato de liquidação de IS em análise é desprovido de qualquer referência às normas legais que fundamentam a referida liquidação.

Segundo, nas informações que fundamentam os dez despachos de indeferimento das reclamações graciosas são transcritas as seguintes normas legais: artigo 1.º, n.º 1, do Código do Imposto do Selo, verba 1.1 da Tabela Geral do Imposto do Selo, artigo 2.º, n.º 5, artigo 4.º, alínea a), artigo 12.º, n.º 4, regra 11ª), do Código do IMT. A seguir, as referidas informações concluem: “Na liquidação do Imposto do Selo que vem reclamado foram observadas todas as normas legais referenciadas. Uma vez que o reclamado Imposto do Selo se encontra devidamente liquidado, com observância de todas as normas legais aplicáveis à situação (…)”.

As referidas informações indicam as normas legais aplicáveis ao caso, mas não estabelecem qualquer ligação, mesmo resumida, entre os factos e o direito aplicável. A seguir, a AT, nas referidas informações, faz afirmações conclusivas “ (…) o reclamado Imposto do Selo se encontra devidamente liquidado, com observância de todas as normas legais aplicáveis à situação”. Isto revela que a fundamentação apresentada pela AT em sede de reclamação graciosa tem um carater predominantemente conclusivo que se afigura insuficiente para satisfazer a obrigação de fundamentar, não permitindo, dessa forma, ao contribuinte conhecer plenamente as razões que justificam a liquidação impugnada.

No presente caso, a AT devia no acto de liquidação de IS fundamentar, em termos sucintos, o alegado excesso de quota-parte da Requerente na sequência da partilha, pelo menos, indicando as normas legais em que se fundamentava.

Depois, em sede de reclamação graciosa, a AT deveria estabelecer a ligação entre os factos e o direito aplicável.

A AT até poderia ter razões válidas para efetuar a liquidação de IS, nos termos em que a fez, mas tinha de as evidenciar de modo suficiente para a ora Requerente ficar ciente, sem margem para dúvidas, das razões de facto e de direito que conduziram à liquidação efetuada.

A Requerida alega, para afastar o vício de falta de fundamentação, que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance do ato tributário, porque isso resulta do teor da petição inicial apresentada junto do Tribunal Arbitral (vd. n.º 48 da Resposta e n.º XXVIII das alegações escritas da Requerida juntas aos autos arbitrais).

Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se não assistir razão à Requerida neste ponto. Desde logo, porque a Requerente no pedido de pronuncia arbitral faz suposições e estabelece cenários alternativos quanto à posição do Fisco (vd., a título de exemplo, n.ºs 45 a 52 do pedido de pronuncia arbitral). Por outro lado, afigura-se não ser  aceitável, sob pena de se subverter todo o quadro de vinculação constitucional e legal em vigor nesta matéria, que, perante insuficiências manifestas de fundamentação da exclusiva responsabilidade da AT tanto no acto de liquidação como em sede de reclamação graciosa, se imponha ao contribuinte o ónus de detetar e suprir as referidas falhas de fundamentação para poder exercer cabalmente os seus direitos de defesa.

A fundamentação é um requisito do próprio acto e cabe ao seu autor a obrigação de o fundamentar de facto e de direito. O contribuinte não pode ficar adstrito a substituir-se ao autor do acto na busca do sentido da fundamentação para exercer de forma mais eficaz as suas garantias de defesa.

No caso de existir um deficiente cumprimento do dever de fundamentação por parte da AT não compete ao contribuinte estabelecer cenários alternativos quanto à posição do Fisco, como aconteceu no presente caso, para tentar descortinar o sentido do acto e colmatar a falta de fundamentação completa desse mesmo acto. Consequentemente, o cumprimento deficiente do dever de fundamentação, a cargo da AT, não pode ser convalidado pela ação do contribuinte.

28. Nestes termos, deverá ser considerada procedente a arguida preterição de formalidade, decorrente do incumprimento do dever legal de fundamentação, que nos termos do artigo 268.º da CRP e 77.º da LGT impende sobre a Requerida. Em consequência, o ato de liquidação do IS e os atos de indeferimento das reclamações graciosas padecem do vício de falta de fundamentação, pelo que são ilegais e devem ser anulados.

Fica, deste modo, prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas pela Requerente.

IV – Decisão

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:

a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular o ato de liquidação de Imposto do Selo n.º 2018/..., por vício de falta de fundamentação, bem como os despachos do Chefe do Serviço e Finanças de ..., de 02-07-2019, proferido ao abrigo de delegação de competências, que indeferiu as reclamações graciosas n.ºs ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., ...2019..., com as devidas consequências legais;

b) Condenar a Requerida no pagamento das custas do presente processo no montante abaixo indicado.

V - Valor do Processo

Atendendo ao disposto nos artigos 32.º do CPTA, 306.º, n.º 2, do Código do Processo Civil e 97.º-A do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT, e no artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT) fixa-se o valor do processo em € 2.156,68 (dois mil cento e cinquenta e seis euros e sessenta e oito cêntimos).

VI - Custas

O montante das custas é fixado em € 612,00 (seiscentos e doze euros) a cargo da Requerida, nos termos da Tabela I do RCPAT, em cumprimento do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, bem como do disposto no artigo 4.º, n.º 4, do RCPAT.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, Centro de Arbitragem Administrativa, 4 de maio de 2020

 

 

O Árbitro

 

(Olívio Mota Amador)