Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 599/2019-T
Data da decisão: 2020-05-08  IVA  
Valor do pedido: € 334.373,38
Tema: IVA - Aquisição de serviços de construção civil; Inversão do sujeito passivo. Direito à dedução; Regularização das deduções.
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DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

 

1. A...– Fundo Especial de Investimento Imobiliário Fechado, com o número de identificação fiscal..., representado pela sua sociedade gestora B...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, S.A., com o número de identificação fiscal ... e sede na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, para apreciar a legalidade dos actos tributários de liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), de juros compensatórios e de acerto de contas, emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, com referência aos anos 2014 a 2018, no montante parcial de € 245.278,50, e correlativos juros de € 89.094,88, requerendo ainda a restituição do imposto indevidamente pago e a condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

O Fundo é um fundo especial de investimento imobiliário fechado, constituído por subscrição particular, gerido e administrado pela Requerente, que privilegia o desenvolvimento de projectos de urbanização e construção de imóveis para sua posterior venda, arrendamento, cessão de exploração ou trespasse, a aquisição de prédios rústicos ou mistos, a aquisição de imóveis urbanos ou fracções autónomas destinadas a logística, comércio, habitação e serviços, bem como a promoção de projectos de loteamento para construção, em terrenos situados em solos urbanos, para posterior venda, construção ou promoção.

 

Em matéria de IVA, o Fundo configurou-se como um sujeito passivo isento deste imposto até ao dia 27 de Março de 2018, tendo, a partir da referida data, passado a estar enquadrado como sujeito passivo misto com periodicidade mensal.

 

No desenvolvimento da sua actividade, o Fundo apresentou um pedido de reembolso de IVA, no valor de € 891.255,70, na Declaração Periódica referente ao período de Junho de 2018, que resultou da acumulação de IVA suportado em facturas recebidas desde Junho de 2014 no âmbito da construção de um hotel.

 

Na sequência do pedido de reembolso, foi desencadeada uma acção de inspecção tributária em sede de IVA de que resultaram correcções por falta de liquidação de IVA, no montante de € 751.168,49, relativamente a serviços de construção civil adquiridos à entidade empreiteira “C... SA”, por desaplicação da regra de inversão do sujeito passivo consagrada na alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, e dedução indevida de imposto, no montante de € 143.843,15, por a Requerente se encontrar à data na situação de isenção. 

 

No Relatório de Inspecção Tributária considerou-se, em síntese, que o contrato de arrendamento entre o Fundo e a D... Unipessoal, Lda. deveria ter sido, ab initio, tributado em IVA, e, no âmbito dos serviços de construção civil adquiridos pelo Fundo, este deveria ter respeitado o mecanismo de inversão do sujeito passivo e o Fundo não poderia ter deduzido o IVA suportado na construção do hotel.

 

Ora, relativamente aos serviços de construção civil adquiridos, não obstante a desaplicação da regra de inversão do sujeito passivo, o IVA associado a essas operações foi liquidado atempadamente pelo prestador dos serviços, pelo que não há lugar a qualquer correcção, tendo em conta que a ratio legis subjacente ao mecanismo de inversão do sujeito passivo reside fundamentalmente em combater a fraude fiscal e garantir que o imposto devido é entregue nos cofres do Estado.

 

No entanto, a Requerente contesta apenas a legalidade dos actos de liquidação de IVA associados a facturas cujo prazo geral de caducidade de quatro anos se encontre precludido, visto que quanto a elas o Fundo se encontra impedido, pelo decurso do prazo, de recuperar o imposto incorrido junto da entidade que prestou os serviços de construção civil, o que representa uma situação de duplicação de colecta.

 

Relativamente a despesas incorridas na construção do hotel, a Autoridade Tributária considerou indevidamente deduzido o IVA por se tratar de imposto reportado a um período durante o qual o sujeito passivo se encontrava ainda registado no regime de isenção de IVA.

 

No entanto, esse entendimento, além de violar o princípio da neutralidade, é contraditório com a posição adoptada pela Autoridade Tributária para justificar as demais correcções de imposto, designadamente no tocante à obrigação de liquidar IVA nas rendas facturadas à arrendatária e de autoliquidar o imposto incluído nos serviços de construção. Com efeito, se a Requerente passou a ser tida como um sujeito passivo misto desde a celebração do contrato de arrendamento em 31 de Julho de 2013, na medida em que estava a desenvolver uma actividade tributada, por identidade de razão sempre seria legítimo o exercício do direito à dedução do imposto incorrido para a realização dessas operações.

 

Em conclusão.

 

Relativamente aos actos tributários emitidos com referência às facturas de Março de 2014 até Agosto de 2015 cujo IVA deveria ter sido autoliquidado pelo Fundo, por via da aplicação do mecanismo da inversão do sujeito passivo, o Estado não foi lesado visto que o imposto foi pago pelo prestador dos serviços de construção civil e a Requerente não pode já recuperar esse valor por ter decorrido o prazo legal de quatro anos para esse efeito, pelo que a correcção efetuada pela AT,  a esse título, constitui duplicação de colecta.

 

No que se refere à indevida dedução de IVA, se a Requerente deve ser tida como sujeito passivo misto a partir do momento em que celebrou o contrato de arrendamento, em 31 de Julho de 2013, é legítimo que possa deduzir o IVA associado à aquisição de bens e serviços, de Junho de 2014 a Março de 2018, para a realização das suas operações tributáveis.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, alega que o Fundo, desde a sua constituição e até 27 de Março de 2018, se encontrava inscrito no regime isenção previsto no artigo 9.º do CIVA, tendo passado a partir dessa data a enquadrar-se no regime normal de periodicidade mensal, praticando operações sujeitas mas isentas que não conferem direito à dedução e operações sujeitas e não isentas, com direito à dedução.

 

Em 31 de Julho de 2013, o sujeito passivo celebrou um contrato de arrendamento com a entidade “D... Unipessoal, Lda.” cujo objecto era constituído pela construção de um edifício destinado ao exercício de actividade hoteleira. O contrato não se subsume, nesse caso, a um arrendamento de imóveis de paredes nuas que se encontre isento de IVA, mas a um “contrato de cessão de exploração” que corresponde ao exercício de uma actividade tributada, nos termos do artigo 4.º do CIVA, conjugado com a alínea a) do n.º 29.º do artigo 9.º do mesmo Código. 

Deste modo, a alteração do regime de enquadramento em sede de IVA deveria ter ocorrido quando celebrou o “contrato de arrendamento para fins não habitacionais”, surgindo nesse momento a obrigação de autoliquidar IVA relativamente à aquisição de serviços de construção civil.

Sendo o Fundo um sujeito passivo de IVA impõe-se a regra de inversão do sujeito passivo relativamente a serviços de construção civil, pelo que era ao adquirente que incumbia a liquidação de IVA e, mesmo que o transmitente dos bens ou prestador dos serviços tenha liquidado indevidamente o imposto, essa circunstância não confere ao adquirente o direito a dedução, assegurando-se, desta forma, a eficácia do mecanismo legal da inversão do sujeito passivo.

 

Por outro lado, mesmo na eventualidade de os fornecedores terem liquidado o IVA isso não impede que não recaia sobre o adquirente a obrigação de liquidar o imposto, sendo que, nesse caso, as entidades que o liquidaram indevidamente poderão obter a sua devolução. 

No que se refere à dedução do IVA suportado em facturas emitidas a partir de Junho de 2014 relativas à construção do imóvel, o enquadramento legal da Requerente à data de contabilização das facturas não lhe permite a dedução do imposto,  e a alteração para o  regime misto de afetação real de todos os bens, com efeitos a partir de 27 de Março de 2018, visou apenas reportar-se à locação do imóvel já preparado e apetrechado para o exercício de uma actividade hoteleira, pelo que tal alteração apenas lhe confere direito à dedução de imposto em operações praticadas após essa data. 

 

Com efeito, encontrando-se a Requerente inscrita como sujeito passivo isento de IVA durante todo o período em que decorreu a construção do edifício, este enquadramento fiscal não lhe confere os pressupostos legais de que depende o direito à dedução.

 

Por outro lado, considerando que os prestadores de serviços de construção civil liquidaram indevidamente IVA nas facturas referentes a serviços de construção civil, não foi aplicada a regra da inversão, não havendo lugar ao direito à dedução do IVA pela Requerente porquanto esse direito apenas surge na sua esfera jurídica caso tivesse apurado e liquidado o IVA na qualidade de adquirente dos serviços.

 

Acresce que a dedução do imposto não pode ser efectuada em qualquer momento, sendo que o n.º 2 do artigo 92.º do CIVA, ao estabelecer que o direito à dedução só poderá ser exercido até ao limite de quatro anos após o nascimento do direito à dedução, não pode ter o alcance de atribuir ao sujeito passivo a liberdade de escolher o momento dentro desse período para efectuar a dedução, mas sim de fixar um limite máximo que não pode ser excedido, mesmo nos casos em que a dedução pode ocorrer em momentos diferentes dos indicados naquele artigo 22.º

Quanto à alegada duplicação da colecta, a Requerente não fez prova que o imposto tenha sido entregue ao Estado, mas mesmo que assim não fosse, os factos tributários que originam a liquidação são distintos, porquanto em relação ao prestador dos serviços o facto tributário é o indevido apuramento do imposto nas facturas por ele emitidas, ao passo que o imposto que se encontra em falta é correspondente à aquisição de serviços de construção civil pelo adquirente, sendo que o mecanismo legalmente previsto é a regularização  nos termos do artigo 78.º do CIVA.

Conclui pela improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenada a notificação das partes para produzirem alegações.

 

As partes não alegaram.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 27 de Novembro de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

 

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas excepções.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

  1. A Requerente é um fundo especial de investimento imobiliário fechado constituído por subscrição particular, dirigido a investidores não exclusivamente institucionais, gerido pela B...– Sociedade Gestora de Fundos de Investimento Imobiliário, SA;
  2. Tem como objectivo o desenvolvimento de projectos de urbanização e construção de imóveis para sua posterior venda, arrendamento, cessão de exploração, trespasse ou qualquer outra forma de exploração onerosa ou valorização consoante as condições de mercado;
  3. Em 1 de Março de 2007, a Requerente adquiriu um conjunto de imóveis contíguos, inscritos na matriz predial urbana sob os artigos ...º, ...º, ...º, ...º e ...º da freguesia da ..., município de Lisboa;
  4. Em 31 de Julho de 2013, a Requerente celebrou com a D... Unipessoal, Lda. um contrato de arrendamento dos imóveis referidos na alínea C), correspondendo o locado a um edifício a ser implantado/construído funcionalmente destinado ao exercício de actividade hoteleira (cláusulas 1.ª e 2.ª do contrato de arrendamento constante do Anexo I ao Relatório de Inspecção Tributária, que aqui se dá como reproduzido);
  5. O hotel será construído de acordo com o projecto e construção que vier a ser aprovado (cláusula 4.ª do contrato de arrendamento);
  6. O senhorio será responsável pela construção do hotel (cláusula 7.ª do contrato de arrendamento);
  7. Estava contratualmente previsto que as obras de construção do hotel deveriam ter início, o mais tardar, no dia 1 de outubro de 2013 (cláusula 9.ª do contrato de arrendamento);
  8. A entrega do hotel ao senhorio – ultimadas as obras, instalado o recheio e obtidas todas as licenças administrativas necessárias à abertura ao público – será precedida de uma vistoria a ser realizada por um representante de cada parte (cláusula 9.ª do contrato de arrendamento);
  9. Estão previstas rendas mensais a ser pagas pela arrendatária nos montantes indicados nas cláusulas 25.ª, 26.ª e 27.ª do contrato de arrendamento; 
  10. A Requerente, desde a sua constituição e até 27 de Março de 2018, encontrava-se enquadrada no regime isenção previsto no artigo 9.º do CIVA;
  11. A Requerente não exerceu o direito de renúncia à isenção do IVA relativamente a cada dos imóveis adquiridos;
  12. A partir de 27 de Março de 2018, a Requerente passou, a seu pedido, a enquadrar-se no regime normal de periodicidade mensal com afetação real de todos os bens, praticando operações sujeitas mas isentas no âmbito do artigo 9.º do CIVA;
  13. Na sequência de um pedido de reembolso apresentado pela Requerente em 9 de Agosto de 2018, por ocasião da entrega da declaração periódica de IVA relativa de Junho de 2018, foi desencadeado pela Autoridade Tributária um procedimento inspectivo de carácter externo e parcial em sede de IVA;
  14. No âmbito da acção inspectiva, a Autoridade tributária procedeu à alteração de enquadramento da Requerente em IVA, com efeitos desde 1 de Janeiro de 2014, para o regime de periocidade mensal com afectação real de todos os bens como sujeito passivo misto para efeitos de IVA;
  15. O Relatório de Inspecção Tributária baseou as correcções aritméticas, na parte mais relevante, nos seguintes considerandos.

 

III.2. Correções ao IVA liquidado - € 874.166,58

         III.2.1. IVA não liquidado - € 122.998,09

[…]

III.2.2. Autoliquidação de IVA em Serviços de Construção Civil - € 751.168,49

Da análise aos serviços adquiridos e deduzidos pelo sujeito passivo no âmbito do Peido de Reembolso, constata-se que na sua maioria se referem a serviços de construção civil relativos à construção do já referido hotel.

Estando na presença de serviços de construção civil e como anteriormente fundamentado, o Fundo é um sujeito passivo de IVA residente em território nacional, que pratica operações que conferem o direito à dedução do IVA, pelo que estavam reunidas as condições para aplicação da regra da inversão do sujeito aquando da aquisição desses serviços, nos termos do disposto na alínea l) do n.1 do artigo 2.º do CIVA.

Assim, o sujeito passivo deveria ter procedido à autoliquidação do IVA nos serviços de construção civil, adquiridos ao empreiteiro C... Sa ... Representação em Portugal (NIF ...).

De referir que, no que concerne ao Pedido de Reembolso efetuado na DP 201806, o sujeito passivo não deduziu as 3 faturas iniciais do empreiteiro referido (faturas n.s 00214FE/000001, 002148FE/000002 e 002148FE/000003, de 2014-03-31, 2014-04-302 e 2014-05-30, não obstante encontra-se obrigado à sua autoliquidação. O imposto relativo a estas três faturas ascende a € 9.176,05.

No âmbito da aquisição dos serviços de construção civil o IVA não liquidado, nos períodos de 201403 a 201803, totaliza € 751.168,46. No Anexo 3 – Aquisição de Serviços de Construção Civil, apresenta-se detalhe da liquidação devida.

O sujeito passivo deveria ter declarado nas respetivas declarações periódicas, no campo 1, pelo total da base tributável, no campo 2, pelo total do imposto liquidado, e no campo 102, também pelo total da base tributável (ver o Anexo 3 – Aquisição de Serviços de Construção Civil). A declaração reflete uma taxa de IVA de 6% de acordo com a Lista I – Bens e serviços sujeitos à taxa reduzida, anexa ao CIVA.

III.3. Correções ao IVA dedutível - € 885.835,59

[…]

III.3.1. IVA liquidado indevidamente - € 741.992,44

[…]

III.3.2. Dedução indevida - € 143.843,15

A alteração do enquadramento fiscal em sede de IVA, a pedido do sujeito passivo, integrando-se no regime misto de afetação real de todos os bens, com efeitos a partir de 2018/03/27, visou apenas reportando-se à locação do imóvel, já preparado e apetrechado para o exercício de uma atividade hoteleira, por intermédio de um contrato de cessão de exploração celebrado em 201/03/01, a um sujeito passivo que o utilize total ou predominantemente em atividades que conferem direito à dedução, conferir-lhe o direito, nesta data, à dedução do imposto suportado,

No entanto, tal alteração apenas lhe confere direito à dedução de imposto em operações sujeitas praticadas após aquela data (inclusive), porque encontrando-se na qualidade de “sujeito passivo isento de IVA” durante todo o período em que decorreu a construção do edifício, este enquadramento fiscal não preenche os pressupostos legais que lhe permitissem a dedução do respetivo imposto suportado.

Assim, competia-lhe proceder à alteração do seu enquadramento em sede de IVA, ao momento de início da construção do hotel, adquirindo a qualidade de sujeito passivo misto, que realiza operações sujeitas mas isentas que não conferem o direito à dedução (enquadradas no artigo 9.º do CIVA) e operações tributáveis, enquadráveis no n.º 1 do artigo 4.º do CIVA (não isentas, nos termos da alínea a) do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA) que conferem o direito à dedução.

[…]

Refere-se que de acordo com elementos recolhidos junto da contabilidade e informação prestada pelo sujeito passivo, as faturas relativas à construção do hotel, que suportam o IVA deduzido na declaração periódica 201806, emitidas no período compreendido entre 2014/06/30 (data da primeira fatura) e 2018/03/19 (data da última fatura), foram atempadamente registadas na contabilidade do sujeito passivo, nos exercícios a que respeitavam, nas sub-contas da conta 42428, tendo o IVA suportado pelo sujeito passivo sido objeto de registo na conta “42482 – IVA Suportado – Im. R. ..., Lisboa”, ou seja, a contabilidade do sujeito passivo, nos anos de 2014 a 2018 possibilitava o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao preenchimento das respetivas declarações periódicas do imposto.

[…]

O n.º 1 do artigo do 22.º do CIVA estabelece que “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efetuando-se mediante subtração ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”

O n.º 2 refere que a dedução se materializa “na declaração do período ou de período posterior àquele que se tiver verificado a receção das faturas ou de recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação.” (sublinhado nosso).

Por seu lado, a alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA consigna a obrigação de os sujeitos passivos apresentaram mensalmente uma declaração periódica, nos prazos referidos no artigo 41.ºdo mesmo código, relativa às operações efetuadas no decurso do segundo mês precedente, com a indicação do imposto devido a entregar ao Estado ou do montante do crédito existente a seu favor.

Entende-se assim que a dedução  do imposto não pode ser efetuada em qualquer momento à escolha do sujeito passivo, sendo o alcance útil das normas referidas, que indicam os momentos adequados para a dedução, precisamente o de excluir que esta se possa fazer em momentos diferentes, quando tal não esteja especialmente previsto, salvo se por lapso efetuado na contabilidade, detete que tinha direito à dedução em momento posterior àquele em que o devia efetuar – o que acontece no caso em apreço.

Nos casos de “lapso”, o prazo previsto de dois anos no disposto no n.º 6 do artigo 78.º do CIVA, apenas é aplicável nas situações em que se verifiquem erros materiais ou de cálculo, que se traduzem por exemplo no registo do IVA no montante diferente do valor correto, o que não se verifica no caso vertente, pelo que se conclui que também não se está perante uma situação de regularização enquadrável neste artigo. E se se enquadrasse nessas situações (erros matérias ou de cálculo) também nunca em 2018 o sujeito passivo poderia regularizar IVA a seu favor de 2014 ou de 2015, por exemplo.

[…]

Semelhante conclusão se retira do disposto no Ofício-Circulado n.º 030062, de 2005/11/17 da DSIVA, porquanto nos termos do seu ponto 8 explicita-se que o âmbito de aplicação do artigo 78.º do CIVA abrange regularizações que se destinem “a corrigir (…) o imposto já entregue ou já deduzido num determinado período de imposto, por força de diversas circunstâncias ocorridas após o envio da respetiva declaração periódica”, o que  manifestamente não ocorreu no presente caso.

Analisando as datas das faturas deduzidas pelo sujeito passivo na DP de IVA 201806, cujas datas de emissão são posteriores a 2014/06/01, facilmente se infere que o sujeito passivo deduziu as faturas com 4 anos ou menos.

  1. As facturas relativas a serviços de construção civil foram emitidas pela sociedade C..., entre as datas de 31 de Março de 2014 e 31 de Janeiro de 2018, e encontram-se descritas no anexo III ao Relatório de Inspecção Tributária, que aqui se dá como reproduzido;
  2. O Relatório de Inspecção Tributária foi notificado à Requerente por ofício datado de 30 de Abril de 2019.  

Factos não provados

 

Não há factos não provados que sejam relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e constantes do processo administrativo junto pela Autoridade Tributária e na alegação de factos não questionados.

 

Matéria de direito

 

5. O pedido arbitral circunscreve-se às correcções efectuadas pela Autoridade Tributária, no âmbito de uma acção inspectiva, que resultam da não liquidação de IVA em relação a serviços de construção civil em que a responsabilidade pelo pagamento do imposto incumbia à Requerente na qualidade de adquirente desses serviços, nos termos da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, e à dedução indevida de IVA relativamente a despesas incorridas na instalação de um estabelecimento hoteleiro, com fundamento no facto de se tratar de imposto reportado a um período durante o qual o sujeito passivo se encontrava ainda registado no regime de isenção de IVA e, consequentemente, não lhe assistia o direito à dedução de imposto.

 

 Quanto à primeira questão, a Requerente alega que, por efeito da exigência do imposto com base na aplicação da regra da inversão do sujeito passivo, ocorre uma duplicação de colecta, porquanto o IVA havia já sido liquidado e entregue ao Estado pelo prestador dos serviços. Invoca a propósito o disposto no n.º 1 do artigo 205.º do CPPT, segundo o qual “haverá duplicação de colecta para efeitos do artigo anterior quando, estando pago por inteiro um tributo, se exigir da mesma ou de diferente pessoa um outro de igual natureza, referente ao mesmo facto tributário e ao mesmo período de tempo”.

 

A norma apenas explicita o que se entende por duplicação da colecta para efeito de ser invocada como fundamento da oposição à execução fiscal, a que se refere a alínea g) do artigo 204.º. Entende-se, no entanto, que este fundamento pode também ser invocado em sede de impugnação judicial, em aplicação do disposto no artigo 99.º do CPPT, quando seja susceptível de afectar a legalidade do acto de liquidação.

 

Numa primeira análise poderia entender-se que não ocorre a duplicação da colecta.

 

O Fundo foi chamado a proceder à liquidação do imposto relativamente a serviços de construção civil por aplicação da regra de inversão do sujeito passivo (reverse charge), que tem em vista, como medida de combate à fraude fiscal em sectores de risco - como seja o caso dos serviços de construção civil -, sujeitar a imposto, não o fornecedor dos bens ou prestador dos serviços, mas o adquirente ou destinatário que, se para tanto estiverem preenchidos os requisitos legais, o poderá deduzir.

 

Quando o imposto se torna exigível ao destinatário da prestação de serviços por ter sido anteriormente liquidado e pago em preterição da regra da alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, isso não significa que se esteja a exigir a uma outra pessoa um imposto de idêntica natureza referente ao mesmo facto tributário. Nesse sentido se pronunciou o acórdão do STA de 27 de Fevereiro de 2013 (Processo n.º 1079/12), ao considerar que a exigência de um segundo pagamento por necessidade de proceder à regularização da situação fiscal apenas pode justificar que o primeiro pagamento efectuado, sendo indevido, seja ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário.

 

Todavia, para assim concluir, o acórdão parte do pressuposto que é ainda viável, quando a liquidação e o pagamento do imposto se torna exigível ao adquirente dos serviços, que o prestador possa obter perante a Autoridade Tributária a devolução do imposto indevidamente liquidado e reembolsar o adquirente que incorreu nesse custo.

 

O que se constata, na situação do caso, é que a correcção efectuada pela Autoridade Tributária por não liquidação de IVA relativamente à aquisição de serviços de construção civil se reporta a facturas emitidas entre 31 de Março de 2014 e 31 de Janeiro de 2018, conforme a descrição constante do Anexo III ao Relatório de Inspecção Tributária, e à data em que a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária - enviado por ofício de 30 de Abril de 2019 – não poderia já obter, pelo decurso do prazo de quatro anos previsto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA, o reembolso do imposto incorrido relativamente às facturas emitidas em 2014 e durante parte do ano de 2015.

 

Por outro lado, a Administração não põe em causa que o imposto tenha sido liquidado e pago e apenas discute a incidência subjectiva por efeito da regra da reverse charge. Neste condicionalismo, não pode deixar de reconhecer-se – como vem alegado – que se verifica a duplicação de colecta porquanto o sujeito passivo suportou o imposto liquidado pelo prestador na aquisição de serviços e é agora obrigado a pagar o mesmo imposto na condição de adquirente dos mesmos serviços, sem que lhe seja dada oportunidade de recuperar parte do imposto relativamente ao qual tenha já decorrido o prazo de quatro anos para o pedido de revisão oficiosa por iniciativa do contribuinte.

 

Acresce que, por efeito da regra do artigo 1.º, n.º 1, alínea c), do CIVA, são sujeitos passivos de IVA “as pessoas singulares ou colectivas que mencionem indevidamente IVA em factura”, o que corresponde à transposição do artigo 203.º da Directiva n.º 2006/112/CE onde se refere que o “IVA é devido por todas as pessoas que mencionem esse imposto numa factura”. E em aplicação desses princípios gerais de incidência subjectiva, o TJUE já declarou que, segundo essa disposição, “qualquer pessoa que mencione o IVA numa fatura ou documento equivalente fica devedor desse imposto. Em particular, essas pessoas são devedoras do IVA mencionado numa fatura, independentemente da obrigação de a pagarem em virtude de uma operação sujeita a IVA”, o que tem sobretudo em vista  “eliminar o risco de perda de receitas fiscais que pode resultar do direito a dedução previsto nos artigos 167.° e seguintes da mesma diretiva” (acórdão de 31-01-2013, proferido no processo n.º C-643/11, considerandos 33 e 36).

 

Sendo devida a liquidação de imposto independentemente da preterição da regra da reverse charge, nos termos das apontadas disposições de direito interno e de direito europeu, e não ocorrendo prejuízo para o erário público, não se vê motivo para desconsiderar a liquidação e pagamento de imposto já efectuado e exigir à Requerente um segundo pagamento, que corresponde, na prática, à duplicação de colecta.

 

Nestes termos, o pedido mostra-se ser procedente quanto à exigência de liquidação e pagamento de IVA em relação às facturas de Março de 2014 a Agosto de 2015, relativamente às quais a Requerente não pode obter o reembolso do imposto que já havia suportado anteriormente.

 

6. A Autoridade Tributária procedeu ainda a uma correcção aritmética por indevida a dedução de imposto na declaração periódica de 2018/06, relativamente a facturas emitidas entre 30 de Junho de 2014 a 19 de Março de 2018, por considerar que, nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 29.º do CIVA, a indicação do imposto devido ou do crédito existente deve ser declarada dentro dos prazos previstos no artigo 41.º, ou seja, no segundo mês seguinte àquele a que respeitam as operações, referindo ainda que o artigo 78.º, n.º 6, do Código admite a apenas a correcção de erros materiais ou de cálculo no prazo de dois anos.

 

A Requerente contrapõe que esse entendimento viola o princípio da neutralidade e é incongruente com a sua qualificação como um sujeito passivo misto, para efeitos de IVA, desde a celebração do contrato de arrendamento em 31 de Julho de 2013.

 

É esta a questão que cabe agora analisar.

 

O artigo 19.º, n.º 1, do CIVA confere direito à dedução relativamente ao imposto devido ou pago pela aquisição de bens ou serviços a outros sujeitos passivos, incluindo no que se refere  à aquisição de bens ou serviços abrangidos pela alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º, ou seja, em relação a adquirentes de serviços de construção civil  em que se aplique a regra da inversão do sujeito passivo.

 

Por outro lado, o artigo 20.º do mesmo Código, sob a epígrafe “Operações que conferem o direito à dedução”, na parte que mais interessa considerar, dispõe que o imposto é dedutível quando tenha incidido sobre operações de transmissão de bens e prestações de serviços sujeitas a imposto e dele não isentas.

 

Acresce que a correcção do IVA deduzido pelos sujeitos passivos mistos, pode ocorrer não apenas nos termos do artigo 23.º, n.º 6, do Código do IVA, mediante a rectificação a efectuar na declaração do último período do ano a que respeita – que não tem aplicação ao caso -, mas também por via da correcção de erros materiais ou de cálculo, no prazo de dois anos a contar do nascimento do direito à dedução, ao abrigo do disposto no artigo 78.º, n.º 6, do Código do IVA, ou através do exercício do direito à dedução no prazo de quatro anos como prevê o artigo 98.º, n.º 2, do mesmo Código.

  Com efeito, o artigo 78.º, referindo-se a “Regularizações”, no seu n.º 6, estabelece o seguinte:

 

A correcção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44.º a 51.º e 55.º nas declarações mencionadas no artigo 41.º e nas guias ou declarações mencionadas nas alíneas b) e c) do n.º 1 do artigo 67.º é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, é contado a partir do nascimento do respectivo direito nos termos do n.º 1 do artigo 22.º, sendo obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado.

 

E o artigo 98.º, sob a epígrafe "Revisão oficiosa e prazo do exercício do direito à dedução", nos seus n.ºs 1 e 2, dispõe nos seguintes termos:

1- Quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido, procede-se à revisão oficiosa nos termos do artigo 78.º da lei geral tributária. 

2- Sem prejuízo de disposições especiais, o direito à dedução ou ao reembolso do imposto entregue em excesso só pode ser exercido até ao decurso de quatro anos após o nascimento do direito à dedução ou pagamento em excesso do imposto, respectivamente. 

 

O artigo 78.º contempla assim a possibilidade de regularização do imposto nas situações aí previstas, com reflexo nas deduções que tenham sido efectuadas pelos sujeitos passivos, e, de entre elas, a correcção de erros materiais ou de cálculo (n.º 6). Como resulta do preceito, por efeito da remissão para os artigos 44.º e 51.º, por um lado, e para o artigo 41.º, por outro, as correcções podem incidir sobre erros ocorridos nos registos contabilísticos ou nas declarações periódicas. Haverá de tratar-se, em todo o caso, de lapsos materiais ou de cálculo que o artigo 95.º-A, n.º 2, do CPPT especifica, por referência à correcção de erros cometidos pela Administração Tributária, como sendo “os que resultarem do funcionamento anómalo dos sistemas informáticos da administração tributária, bem como as situações inequívocas de erro de cálculo, de escrita, de inexatidão ou lapso”.

 

Por outro lado, a correcção, em aplicação desse dispositivo, só pode ser efectuada no prazo de dois anos, que, no caso do exercício do direito à dedução, se conta a partir do momento em que o imposto dedutível se torna exigível.

 

O artigo 98.º, para além de prever a possibilidade de revisão do acto tributário por iniciativa da Administração quando, por motivos imputáveis aos serviços, tenha sido liquidado imposto superior ao devido (n.º 1), fixa no n.º 2 um prazo de quatro anos para o exercício do direito à dedução após o momento em que a dedução poderia ocorrer, com a ressalva de disposições especiais que sejam aplicáveis.

 

Nestes termos, nada obstava a que o sujeito passivo pudesse exercer o direito de dedução no prazo de quatro anos em aplicação do disposto no artigo 98.º, n.º 2, do CIVA. Certo é que, no seu segmento inicial, o preceito ressalva as “disposições especiais” e, entre estas, conta-se o citado artigo 78.º, n.º 6, do CIVA, mas a situação do caso não se enquadra no erro material ou de cálculo a que fosse aplicável essa outra disposição (cfr., quanto à aplicação desse prazo, o acórdão do STA de 28 de Junho de 2017, Processo n.º 01183/12, e, na doutrina, Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, 6.ª edição, Coimbra, pág. 241).

 

E tal como se decidiu no acórdão arbitral proferido no Processo n.º 28/2017-T, a aplicação de um prazo de quatro anos para exercer a regularização de IVA a favor do sujeito passivo, está conforme com o princípio da efectividade e da neutralidade fiscal.

 

Na situação do caso, a Administração Tributária entendeu que a Requerente estava obrigada a liquidar IVA na qualidade de adquirente de serviços de construção civil relacionados com a construção de um estabelecimento hoteleiro, no período de 31 de março de 2014 a 31 de janeiro de 2018, mas, simultaneamente, considerou que o imposto não era dedutível relativamente a facturas emitidas entre 30 de Junho de 2014 e 19 de Março de 2018 na medida em que a alteração do enquadramento fiscal em sede de IVA apenas ocorreu em 27 de Março de 2018 e o direito à dedução apenas tem lugar em relação a operações tributáveis realizadas a partir dessa data.

 

Se se entende, no entanto, que a Requerente é um sujeito passivo misto para efeitos de IVA a partir da data em que celebrou o contrato de arrendamento de imóvel para a construção de um hotel, em 1 de Janeiro de 2013, não é possível retirar-lhe essa sua qualidade para efeitos da dedução do imposto, sendo ainda certo que o contribuinte poderia exercer esse direito no aludido prazo de quatro anos.  E tendo-o feito na declaração periódica de 2018/06 relativamente  a  operações tributáveis realizadas nas referidas datas de 30 de Junho de 2014 a 19 de Março de 2018,  o exercício do direito de dedução foi tempestivo.

A correcção promovida por indevida dedução de IVA enferma, por conseguinte, de ilegalidade.

Reembolso do imposto indevidamente liquidado e juros indemnizatórios

 

7. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.

 

Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade do ato de liquidação referente à dedução de imposto, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).

 

 III - Decisão

       Termos em que se decide:

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular os actos tributários de liquidação quanto ao imposto devido por aquisição de serviços de construção civil, dentro dos limites peticionados pela Requerente, e quanto à dedução de IVA, no montante de € 143.843,15;
  2. Condenar a Autoridade Tributária no correspondente reembolso do imposto, acrescido de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito;

 Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 334.373,38, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

 

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 5.814,00 que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 8 de Maio de 2020

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

José Ramos Alexandre

 

 

A Árbitro vogal

 

Clotilde Celorico Palma