DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 22 de Outubro de 2019, A..., titular do número de identificação fiscal ... e B..., titular do número de identificação fiscal ..., com domicílio na Rua ..., n.º..., ..., ...-... Porto (doravante “Requerentes”), apresentaram pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante, abreviadamente designado RJAT), com as alterações subsequentes, e da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
1.1. Pretendem os Requerentes a pronúncia deste Tribunal sobre:
- A declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) referente ao ano de 2015 identificada sob o n.º 2019..., e da inerente demonstração de acerto de n.º 2019..., no montante de € 18.059,57;
- A condenação da AT no reembolso do imposto pago em excesso, acrescido dos juros indemnizatórios devidos nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT).
1.2. É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação com a notificação da AT, em 23 de Outubro de 2019.
3. Os Requerentes não procederam à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), ambos do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
3.1. Em 13 de Dezembro de 2019, as Partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
3.2. Assim, em conformidade com o preceituado do artigo 11.º, n.º 1, na alínea c) do RJAT, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 14 de Janeiro de 2020.
4. Os Requerentes sustentam, no essencial, o pedido de pronúncia arbitral na ilegalidade da liquidação em causa, por padecer de vício de violação de lei.
4.1. Entendem os Requerentes que a prova documental produzida demonstra que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram objecto de retenção na fonte de imposto no valor global de € 19.076,86 e que, como tal, o crédito de imposto é devido nos termos do artigo 81.º do Código do IRS, do n.º 1 do artigo 23.º da CDT celebrada entre Portugal e o Brasil e da alínea a) do n.º 3 do artigo 25.º da CDT celebrada entre Portugal e os EUA.
4.2. Não obstante as várias, legítimas e suficientes tentativas de prova que foram sendo apresentadas pelos Requerentes, a AT persistiu na recusa da apreciação das mesmas, invocando sempre a necessidade de que fossem juntos documentos emitidos pelas autoridades tributárias dos respectivos Estados, tornando, assim, hercúlea a prova por parte Requerentes.
4.3. Com efeito, não pode a AT recusar um direito do sujeito passivo ou torná-lo excessivamente difícil, tendo por base uma exigência extra-legem.
4.4. Assim, acolher a posição da AT é admitir uma violação do Direito Europeu e dos Tratados Internacionais a que o Estado Português está vinculado, que conduz à existência de uma ilegal dupla tributação.
4.5. É violar o ordenamento jurídico-tributário interno, atentando contra os princípios da capacidade contributiva, da obtenção da verdade material, da justiça na tributação e, ainda, o princípio da proporcionalidade.
4.6. É, ainda, pôr em causa o princípio da não discriminação consagrado no artigo 24.º da CDT celebrada entre Portugal e o Brasil e no artigo 26.º da CDT celebrada entre Portugal e os EUA, na medida em que, pese embora os Requerentes não estejam sujeitos a um tratamento mais gravoso nesses Estados, acabam por estar a ser sujeitos a um tratamento mais gravoso em Portugal, relativamente aos rendimentos obtidos nesses Estados.
4.7. Mais entendem os Requerentes que, mantendo-se no ordenamento jurídico o acto de liquidação em causa, estão a ser tributados duas vezes pelo mesmo rendimento, estando ainda, a ser sujeitos à imposição de obrigações acessórias, que vão muito além da letra da lei, com um conteúdo excessivamente oneroso.
4.8. Concluem os Requerentes que ante toda a prova documental produzida, deve ter-se por devidamente comprovado o imposto retido na fonte no estrangeiro, reconhecendo-se aos Requerentes o crédito de imposto por dupla tributação internacional por referência ao ano de 2015.
5. No dia 19 de Fevereiro de 2020, a AT, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta, pugnando pela manutenção da liquidação em causa na ordem jurídica por entender que a mesma consubstancia uma correcta aplicação do direito aos factos.
5.1. Segundo a AT, ao abrigo das convenções destinadas a evitar a dupla tributação internacional, que são instrumentos de direito internacional, os Estados contratantes regulam a tributação dos rendimentos auferidos num dos Estados por residentes do outro Estado, procurando, deste modo, atenuar a carga fiscal sobre rendimentos obtidos no estrangeiro pelos seus residentes.
5.2. No caso em apreço, está em causa é o direito a um crédito por dupla tributação internacional, instrumento de direito interno de que beneficiam todos os sujeitos passivos residentes que aufiram rendimentos obtidos no estrangeiro e aí tenham pago imposto, independentemente de existir, ou não, uma CDT celebrada entre Portugal e o Estado de origem desses rendimentos, sendo certo que a existência dessa CDT para os rendimentos em causa influencia o cálculo do crédito de imposto a que o sujeito passivo tem direito e prevê mecanismos de troca de informação que podem ser accionados quando necessário.
5.3. O direito a crédito de imposto por rendimentos auferidos no Brasil depende da verificação do cumprimento da obrigação de declarar a totalidade dos rendimentos auferidos no Brasil, o mesmo se aplicando aos rendimentos auferidos nos EUA.
5.4. E ainda da comprovação do montante de imposto efectivamente pago no Brasil e nos EUA, o qual não se confunde com a retenção na fonte de imposto uma vez que esta pode ser efectuada a título definitivo ou ter a natureza de pagamento por conta do imposto devido a final.
5.5. Muito embora a declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS beneficie da presunção de veracidade, a mesma é susceptível de controlo e fiscalização pela AT, dispondo o artigo 128.º do Código do IRS que incumbe ao sujeito passivo o dever de apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração de rendimentos quando a AT os exija.
5.6. A repartição do ónus da prova nos termos previsto no artigo 74.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) não afasta o dever de investigação oficiosa quando o sujeito passivo alega e justifica a existência de compreensivas dificuldades na obtenção dos meios de prova que lhe foram solicitados.
5.7. Embora a lei não o diga expressamente, a AT exige que os documentos sejam emitidos pela autoridade tributária do Estado onde os rendimentos foram auferidos e o imposto foi pago, exigência esta que consta das instruções de preenchimento da declaração Modelo 3 de IRS, aprovada por Portaria, nos termos do artigo 8.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, e é reiterada pelas instruções de serviços que acautelam procedimentos e uma aplicação uniforme do direito.
5.8. Tanto as instruções de preenchimento da declaração Modelo 3 de IRS, como o Ofício-
-Circulado n.º 20124, de 9 de Maio de 2007, não contêm quaisquer obrigações adicionais ou acessórias relativamente às consignadas na lei, limitando-se a acautelar o cumprimento das obrigações do Código do IRS com respeito pelos princípios da legalidade, da proporcionalidade e da eficiência que a AT deve observar na sua actuação.
5.9. Na verdade, apenas as autoridades tributárias estrangeiras estão em posição de poder declarar o montante total de rendimento auferido e o montante total de imposto efectivamente pago a final.
5.10. A entidade pagadora de rendimentos auferidos no estrangeiro não tem de conhecer o montante total de rendimentos auferidos pelo contribuinte no respectivo território, conhecendo apenas os rendimentos que ela pagou, não tendo que conhecer a existência de outros rendimentos pagos por outras entidades.
5.11. Acresce, ainda, a circunstância de essa mesma entidade pagadora de rendimentos apenas conhecer o imposto por ela retido sobre aqueles rendimentos, desconhecendo se o sujeito passivo auferiu outros rendimentos sujeitos a retenção na fonte e, ainda, se a retenção na fonte coincide com o imposto pago a final.
5.12. Com efeito, a prova do imposto pago no estrangeiro deve ser efectuada através de documentos emitidos ou certificados pela autoridade tributária do Estado de onde provêm os rendimentos, enquanto entidade responsável pela arrecadação da receita fiscal, na medida em que só esta se encontra habilitada a certificar o imposto suportado a final no seu território.
5.13. Concluindo, quanto ao meio de prova exigido pela AT para efeitos de os Requerentes poderem beneficiar do crédito de imposto previsto no artigo 81.º do Código do IRS, constata-
-se o seguinte:
-
Trata-se de um meio de prova adequado aos factos a demonstrar, o mesmo não se verificando relativamente à declaração emitida pela entidade pagadora de rendimentos;
-
E exigência de uma declaração emitida pela autoridade tributária afigura-se perfeitamente razoável e proporcional, devendo o sujeito passivo invocar alguma dificuldade na obtenção da mesma caso essa circunstância de verifique, o que não minimamente alegado nos presentes autos;
5.14. Na verdade, os Requerentes limitaram-se a invocar o princípio da liberdade da prova sem nunca invocar que a prova exigida pela AT não fosse adequada ou se afigurasse demasiado difícil ou mesmo de obtenção difícil e considerando sempre que as declarações por si apresentadas eram suficientes para a prova pretendida.
5.15. Porém, entende a AT que as declarações apresentadas pelos Requerentes, emitidas pelas entidades que pagaram os rendimentos declarados no Anexo J, não são idóneas para a prova pretendida.
5.16. Entende, que os documentos apresentados não são idóneos à prova pretendida, não estando em causa a força probatória dos documentos em razão da forma que os mesmos revestem – no caso simples documentos particulares – mas antes a falta de adequação do meio de prova apresentado para demonstrar o total de rendimento auferido e de imposto pago a final no Brasil e nos EUA.
5.17. Na mesma data, a AT remeteu a este Tribunal Arbitral cópia do processo administrativo.
6. Por despacho de 9 de Março de 2020, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de dispensar a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, e convidadas a produzir alegações escritas, tendo sido fixado a data limite para a prolação da decisão arbitral o dia 31 de Março de 2020.
7. No dia 24 de Março de 2020, os Requerentes apresentaram alegações escritas, nas quais mantiveram a sua posição.
8. Tendo em conta a situação excepcional de prevenção, contenção, mitigação e tratamento da infecção epidemiológica por SARS-CoV-2 e da doença COVID-19, por despacho de 9 de Abril de 2020, foram as Partes notificadas da decisão do Tribunal Arbitral de prorrogar por 2 (dois) meses a data para a prolação da decisão arbitral.
9. No dia 20 de Abril de 2020, a AT apresentou alegações escritas, nas quais manteve a sua posição.
II – SANEADOR
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objecto do processo (cfr. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cfr. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
III – FundameNtação
III-1. De Facto
§1. Factos provados
Com interesse para a decisão a proferir nos presentes autos consideram-se provados os seguintes factos:
-
No dia 31 de Maio de 2016, os Requerentes apresentaram a declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS de 2015, com o número de identificação...– cfr. documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
-
Na referida declaração de rendimentos foram, entre outros, incluídos os Anexos J relativos aos “Rendimentos obtidos no estrangeiro” por cada um dos Requerentes.
-
Em 2015, os Requerentes auferiram no estrangeiro os seguintes rendimentos:
-
Juros, cujo país da fonte é o Brasil, no valor de R$ 330.115,62 tendo o respectivo imposto sido retido na fonte no valor de R$ 62.176,91, o que resultou nos valores de € 76.562,75 e € 14.420,51, respectivamente; e
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Dividendos, cujo país da fonte são os Estados Unidos da América (EUA), no valor de USD 38.538,81, tendo o respectivo imposto retido na fonte no valor de USD 5.069,37, o que resultou nos valores de € 35.398,93 e € 4.656,35, respectivamente.[1]
-
No caso dos juros provenientes do Brasil, esta evidência resulta cabalmente demonstrada através da declaração emitida pelo Banco C... S.A., devidamente apostilada pelas autoridades competentes do Brasil – cfr. documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Ainda por referência a 2015, os Requerentes auferiram dividendos, com origem nos EUA, no valor de USD 37.200,67 e USD 1.338,14 (no valor global de USD 38.538,81).
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No que respeita ao imposto retido na fonte, os Requerentes pensavam ter pago os valores de USD 4.734,83 e USD 334,54, respetivamente (ou seja, o valor global de USD 5.069,37), por serem esses os valores decorrentes das declarações do Banco D... relativas ao período em referência – cfr. documentos n.º 4 e n.º 5 juntos com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
-
Contudo, na sequência das diligências efectuadas pelos Requerentes para obtenção dos documentos de prova do imposto retido no estrangeiro, os mesmos receberam uma nova declaração emitida pelo Banco D..., em 23 de Janeiro de 2019, na qual aquela entidade atesta que no ano de 2015, foi retido na fonte imposto no valor de USD 4.749,69 ao invés do valor de USD 4.734,83 – cfr. documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Em 2015, os Requerentes foram objecto de uma retenção de imposto nos EUA superior à declarada, no valor de USD 14,86 (€ 13,59), diferença esta que é explicada pelo próprio Banco, em declaração emitida em 29 de Janeiro de 2019 – cfr. documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa) – de onde resulta que a divergência assinalada decorre de ajustamentos financeiros que vieram a ocorrer no ano de 2016 e que se reportaram ao ano de 2015.
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Por Ofício com o n.º 2018..., de 20 de Setembro de 2018, os Requerentes foram notificados das correcções propostas ao IRS de 2015, relacionadas com o crédito de imposto por dupla tributação internacional de que haviam beneficiado e, para, querendo, exercerem o respectivo direito de audição prévia, juntando a prova documental adequada a demonstrar os rendimentos obtidos no estrangeiro e o imposto aí retido – cfr. documento n.º 8 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Em 11 de Outubro de 2018, os Requerentes exerceram o respectivo direito de audição, juntando aos autos os documentos comprovativos dos rendimentos e do imposto retido na fonte no estrangeiro que originou o crédito de imposto por dupla tributação internacional – cfr. documento n.º 9 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Por Ofício n.º 2019..., de 11 de Janeiro de 2019, os Requerentes foram notificados da decisão da manutenção das correcções propostas para o ano de 2015 – cfr. documento n.º 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa), dando aos mesmos 15 dias para exercer o respectivo direito de audição.
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Em 30 de Janeiro de 2019, os Requerentes apresentaram junto da AT, um requerimento de prorrogação do prazo para o exercício do direito de audição prévia – cfr. documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa), o qual foi deferido nesse mesmo dia pelo Chefe de Serviço da Divisão de Liquidação de Impostos sobre o Rendimento e sobre a Despesa, tendo sido fixado o dia 15 de Fevereiro de 2019 como data limite para o exercício do referido direito – cfr. documento n.º 12 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Em 15 de Fevereiro de 2019, os Requerentes exerceram o respectivo direito de audição – cfr. documento n.º 13 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa), ao qual juntaram documentação no sentido de demonstrar que os rendimentos obtidos no estrangeiro foram objecto de retenção na fonte de imposto no valor global de € 19.076,86.
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Por Ofício n.º 2019..., de 23 de Maio de 2019, os Requerentes foram notificados da decisão que pugna pela manutenção das correcções efectuadas ao crédito de imposto por dupla tributação internacional de que beneficiaram os Requerentes no ano de 2015 – cfr. documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Em consequência, foram notificados da respectiva liquidação adicional de IRS emitida para o ano de 2015, acompanhada da respectiva demonstração de liquidação de juros e da demonstração de acertos de contas – cfr. documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral (ppa).
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Em 22 de Outubro de 2019, os Requerentes apresentaram o presente pedido de constituição do tribunal arbitral.
§2. Factos não provados
Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não resultam factos não provados.
§3. Fundamentação dos factos provados
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
No tocante à matéria de facto provada, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se nos factos articulados pelas Partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa, e na análise crítica da prova documental, que consta dos autos, incluindo o processo administrativo.
III- 2. DE DIREITO
Em causa nos presentes autos está, exclusivamente, dar resposta à questão de saber se a liquidação adicional de IRS do ano de 2015 dos Requerentes, que desconsiderou o crédito de imposto por dupla tributação internacional, previsto no artigo 81.º do Código do IRS vigente à data, é, ou não, legal.
Vejamos então.
Dispõe o artigo 81.º, n.º 1, do Código do IRS:
“1 - Os titulares de rendimentos das diferentes categorias obtidos no estrangeiro, incluindo os previstos nas alíneas c) a e) do n.º 1 do artigo 72.º, têm direito a um crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, dedutível até ao limite das taxas especiais aplicáveis e, nos casos de englobamento, até à concorrência da parte da coleta proporcional a esses rendimentos líquidos, considerados nos termos do n.º 6 do artigo 22.º, que corresponde à menor das seguintes importâncias:
a) imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;
b) fração da coleta do IRS, calculada antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, líquidos das deduções específicas previstas neste Código.
2 - Quando existir convenção para eliminar a dupla tributação celebrada por Portugal, a dedução a efetuar nos termos do número anterior não pode ultrapassar o imposto pago no estrangeiro nos termos previstos pela convenção.”.
Conforme admite expressamente a AT, “De harmonia com o consignado no art. 74º da LGT, em linha com o disposto no art. 342º do CC, o ónus da prova de factos constitutivos de direitos recai sobre quem os invoca, no caso dos autos sobre os Requerentes que pretendem beneficiar do direito a crédito de imposto.”. [2]
“Muito embora a declaração de rendimentos modelo 3 beneficie da presunção de veracidade, a mesma é susceptível de controlo e fiscalização pela AT, dispondo o art. 128º do CIRS que incumbe ao contribuinte o dever de apresentar os documentos comprovativos dos rendimentos auferidos, das deduções e de outros factos ou situações mencionadas na respectiva declaração modelo 3 quando a AT os exija.”. [3]
Com efeito, a prova a realizar pelos Requerentes, inexistindo – e nem sendo, sequer, invocada – qualquer norma que imponha uma prova legal, poderá ser feita por qualquer meio de prova admitido em direito.
Ora, e desde logo, entre tais meios, como se escrevia já no Ac. do STJ de 31 de Março de 1987, proferido no processo 074462 [4], “figura a prova por presunção”.
Nos termos do artigo 75.º, n.º 1, da LGT:
“Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal.”.
Resulta dos factos dados como provados que na sua declaração para efeitos de IRS, oportunamente apresentada, os Requerentes fizeram constar, devidamente e no local próprio, o crédito de imposto ora em litígio.
Assim, devendo presumir-se verdadeira tal declaração, da mesma (facto conhecido), por presunção, em obediência ao artigo 349.º do Código Civil, dever-se-á ter como provado o facto (desconhecido) relativo pagamento de imposto no estrangeiro.
Efectivamente, não tendo sido demonstrado – ou, sequer, alegado – qualquer das circunstâncias descritas nas diversas alíneas do artigo 75.º, do n.º 2 da LGT, a presunção em questão terá plena aplicação, sendo certo, de resto, a AT não coloca em causa a totalidade e a natureza dos rendimentos auferidos pelos Requerentes no Brasil e nos EUA bem como sobre a totalidade do imposto pago a final nesses Estados com referência aos rendimentos aí obtidos. [5]
Mesmo que assim se entendesse, o certo é que sempre se deverá considerar como suficiente a documentação apresentada pelos Requerentes.
Com efeito, estes, no cumprimento do seu dever de colaboração (cujo incumprimento, de resto, poderia legitimar o afastamento da presunção acima referida, nos termos do artigo 75.º, n.º 2, a alínea b) da LGT), apresentaram declarações emitidas pelo Banco C... (Brasil) S.A., devidamente apostilada pelas autoridades competentes do Brasil e pelo Banco D... relativas ao período em referência, entidades do sector financeiro sujeitas a apertada supervisão, e notoriamente enquadradas, para além do mais, em estritos padrões contabilísticos, a discriminar quer os rendimentos auferidos, quer o imposto retido aos Requerentes.
Recorde-se, a este propósito, a jurisprudência firmada num caso em tudo similar ao caso em apreço [6], da qual decorre que os documentos emitidos pelos bancos atestando o imposto retido no estrangeiro, são suficientes para comprovar o imposto retido no estrangeiro e, nesse sentido, legitimar o direito ao crédito de imposto.
Note-se, aliás, que a AT não coloca em causa nem a autenticidade nem a veracidade daqueles documentos, aceitando-os como bons no que concerne ao montante de rendimentos pagos ao Requerente, e não duvidando, fundadamente, de que a retenção declarada haja sido, efectivamente, feita.
Essencialmente, o que a AT questiona, é “(...) que os documentos apresentados não são idóneos à prova pretendida, não estando em causa a força probatória dos documentos em razão da forma que os mesmos revestem – no caso simples documentos particulares – mas antes a falta de adequação do meio de prova apresentado para demonstrar o total de rendimento auferido e de imposto pago a final no Brasil e nos EUA.”.
Ora, ressalvado o respeito devido, julga-se que o entendimento da AT não tem cabimento legal.
Com efeito, não se compreende o conceito de idoneidade invocado pela AT e o recurso subvertido do princípio da proporcionalidade, isto porque, será idónea toda a prova que seja apta a demonstrar a realidade dos factos.
Ao invés, violadora do princípio da proporcionalidade parece-nos ser a tese da AT, que, apesar de reconhecer que os dados decorrentes dos elementos de prova são verdadeiros e fiáveis (nem pondo em causa a sua autenticidade) apenas os afasta por não serem emitidos pela autoridade tributária do Estado da fonte.
Ora, os elementos de prova trazidos a estes autos pelos Requerentes são, como se demonstra, totalmente aptos a demonstrar a realidade dos factos, constando dos mesmos, de forma inequívoca, o valor do imposto retido no Estado da fonte.
Por outro lado, e sem prejuízo de tudo quanto até aqui se referiu, sempre se entende que, face aos elementos documentais apresentados pelos Requerentes, também por via de uma presunção natural sempre se chegaria ao resultado da demonstração do imposto suportado pelos Requerentes no estrangeiro, em conformidade com o declarado.
Como se escreveu no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Abril de 2009, proferido no processo 259/07.2PBSCR.L1 3.ª Secção[7]:
“I.A presunção permite que perante os factos (ou um facto preciso) conhecidos, se adquira ou se admita a realidade de um facto não demonstrado, na convicção, determinada pelas regras da experiência, de que normal e tipicamente (id quod plerumque accidit) certos factos são a consequência de outros. No valor da credibilidade do id quod, e na força da conexão causal entre dois acontecimentos, está o fundamento racional da presunção, e na medida desse valor está o rigor da presunção.
II. Na passagem do facto conhecido para a aquisição (ou para a prova) do facto desconhecido, têm de intervir juízos de avaliação através de procedimentos lógicos e intelectuais, que permitam fundadamente afirmar, segundo as regras da experiência, que determinado facto, não anteriormente conhecido nem directamente provado, é a natural consequência, ou resulta com toda a probabilidade próxima da certeza, ou para além de toda a dúvida razoável, de um facto conhecido.”.
Com efeito, os Requerentes, sujeitos passivos residentes em território português, declararam oportunamente os valores constantes das declarações emitidas por pessoas colectivas notoriamente conhecidas, quer no que diz respeito ao rendimento bruto, quer ao imposto retido e entregue aos Estados estrangeiros.
Não se verifica qualquer indício de fraude ou de fuga.
A AT aceita os valores declarados como rendimento bruto e não questiona a veracidade das retenções.
Assim, apreciada globalmente a situação e tendo em conta as regras da experiência, não restarão dúvidas razoáveis que o imposto suportado pelos Requerentes nos Estados estrangeiros, relativos aos rendimentos ali auferidos e por si declarados, foram, efectivamente, os constantes da sua declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, oportunamente apresentada.
Deste modo, e face a todo exposto, incorreu a liquidação a que se refere o presente processo em erro nos pressupostos de facto, devendo, como tal, ser anulada.
IV - DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência, anular o acto tributário em apreço e condenar a AT a restituir aos Requerentes o imposto pago, acrescido de juros indemnizatórios;
b) Condenar a AT nas custas do processo, no montante de € 1.224,00.
V - VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 18.059,97 (dezoito mil e cinquenta e nove euros e noventa e sete cêntimos), nos termos do disposto nos artigos 299.º, n.º 1 e 259.º, n.º 1, do CPC, aplicáveis por força do artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT, e, bem assim, do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do CPPT, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
VI - CUSTAS
Ao abrigo do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, e nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 1.224,00 (mil duzentos e vinte e quatro euros), a cargo da AT.
Notifique-se.
Lisboa, 23 de Abril de 2020
O Árbitro
(Hélder Faustino)
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia antiga.
[1] Aos valores fixados em moeda estrangeira foi aplicado o câmbio de 31 de Dezembro do ano a que os rendimentos respeitam, ou seja, 2015 (no caso, a taxa de câmbio 1€ = 4,3117BRL quanto aos rendimentos e imposto retido no Brasil e a taxa de câmbio de 1€ = 1,0887USD no que concerne aos rendimentos e imposto retido nos EUA).
[2] Cfr. artigo 21.º da Resposta.
[3] Cfr. artigo 22.º da Resposta.
[5] Note-se, que, como referido no Acórdão do STJ de 24 de Março de 2004, proferido no processo 04A3101 (disponível em www.dgsi.pt), citando o Prof. Antunes Varela, “A presunção não elimina o ónus da prova, nem modifica o resultado da sua repartição entre as partes. Apenas altera o facto que ao onerado incumbe provar: em lugar de provar o facto presumido, a parte onerada terá de demonstrar a realidade do facto que serve de base à presunção”.
[6] Cfr., o Acórdão do TCA Sul, de 23 de Fevereiro de 2017, proferido no âmbito do processo no 3/13.5BELRS.