Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 711/2019-T
Data da decisão: 2020-04-06  ISV  
Valor do pedido: € 20.935,77
Tema: ISV - Prazo de pedido de anulação de DAV com fundamento em transformação de veículo em sucata.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – Relatório

 

1. No dia 21.10.2019, a Requerente, A..., Lda., NIPC nº..., com sede na ..., nº..., r/c A, ..., requereu ao CAAD a constituição de tribunal arbitral, nos termos do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira, com vista à anulação  das liquidações de Imposto sobre Veículos (ISV) objeto dos Registos de Liquidação nº 2019/..., no valor de € 8 089,22 e  juros compensatórios no valor de  € 122,34, nº 2019/..., no valor de € 3 019,91 e  juros compensatórios no valor de  € 46,00 e nº  2019/..., no valor de € 9 513,38 e  juros compensatórios no valor de  € 144,92.

 

2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira.

Nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1, do art. 6.º, do RJAT, por decisão do Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado árbitro o signatário, que comunicou ao Conselho Deontológico e ao Centro de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo regularmente aplicável.

O Tribunal Arbitral foi constituído em 13.01.2020.

 

 

3. Os fundamentos apresentados pela Requerente, em apoio da sua pretensão, foram, em síntese, os seguintes:

 

  1. A Requerente é uma Sociedade Comercial por quotas que tem por objeto principal o comércio, importação e exportação de veículos automóveis, suas peças e acessórios.
  2. No exercício da sua atividade, adquiriu, em 2015, no estado de usados e com matrícula definitiva de outros Estados-membros da União Europeia, três veículos automóveis.
  3. Chegados a Portugal, esses veículos foram declarados à Alfândega de ..., através das declarações aduaneiras de veículos (doravante “DAV’s” [1]),  as quais foram processadas em nome da Requerente enquanto adquirente/proprietária, e na qualidade de titular do estatuto de Operador Reconhecido, a que se refere o artigo 15º do Código do Imposto Sobre Veículos (doravante “CISV”), aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29/06.
  4. Dada essa qualidade da aqui Requerente, os automóveis permaneceram, de acordo com o nº 2 do art. 19º desse diploma, em suspensão de Imposto sobre Veículos (ISV), a que estavam sujeitos face ao estabelecido na al. a), do nº 1, do art. 2º.
  5. Em 22/05/2018, a Requerente foi sujeita a Ação de Fiscalização OI2018..., levada a efeito pelos Serviços da Alfândega de ..., no âmbito da qual foram identificados todos os veículos que se encontravam em suspensão do imposto, incluindo os mencionados ..., ... e ..., cujas DAV’s haviam sido processadas em 20 e 21 de agosto de 2015, achando-se portanto em curso o prazo de três anos, a contar dessas datas, de permanência em suspensão.
  6. Nos termos do nº 1 do art. 19º do Código do Imposto sobre Veículos “os operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis após a ocorrência do facto gerador do imposto”.
  7. E de acordo com a al. d), do nº 2, do art. 5º, considerado aplicável pelos Serviços da Alfândega, o facto gerador consistiu na “permanência do veículo no território nacional em violação das obrigações previstas no (…) código”, estabelecendo o nº 4 da mesma disposição que “sem prejuízo das obrigações declarativas previstas nos artigos 18º e 19º, quando, à entrada do território nacional os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime.”
  8. Face a qualquer destas normas, o facto gerador do imposto ocorreu após termo do prazo de três anos, contados a partir do processamento das DAV’s em 20 e 21/08/2015, em que os veículos permaneceram em regime suspensivo, portanto depois de 20 e 21/08/2018.
  9. Iniciando-se posteriormente à ocorrência desse facto gerador, de acordo com o nº 1 do art. 19º, os prazos, de 20 dias úteis, para processamento das DAV’s com vista à regularização da situação tributária, que terminavam em 17 e 18/09/2018, achando-se, portanto, ainda em curso quando, em 03/09/2018 e 13/09/2018, respetivamente, foi elaborado e notificado o projeto de Conclusões da Ação de Natureza Fiscalizadora, no qual se considerava o imposto já exigível e se propunha a sua liquidação.
  10. Restou então à ora Requerente manifestar-se na Audição Prévia subsequente, sustentando que essa liquidação não devia ser efetuada, e formulando o pedido de anulação das DAV’s, com vista à transformação dos veículos em sucata.
  11. Invocando o estabelecido no art. 21º, nº 3, e al. d), do CISV, segundo os quais a DAV apresentada por operadores registados e reconhecidos pode ser anulada “antes de pago ou garantido o imposto” com fundamento em “destruição total, devida a caso fortuito ou de força maior ou transformação do veículo em sucata sob controlo aduaneiro, livre de ónus ou encargos de qualquer natureza para o erário público.”
  12. A Alfândega de ... indeferiu esse pedido de anulação das DAV’s por considerar que o mesmo deveria ter sido apresentado no prazo de 3 anos de permanência dos veículos em regime suspensivo, estabelecido no nº 2 do art. 19º.
  13. Mas, em bom rigor, importa distinguir entre o âmbito de aplicação desse nº 2 do art. 19º, ou do nº 2 do art. 18º, que respeitam ao apuramento do regime suspensivo atribuído a veículos declarados por Operadores Reconhecidos ou Registados, no desenvolvimento desse regime e sem que as DAV’s sejam anuladas, e o âmbito de aplicação do art. 21º, que se refere à sua anulação, com extinção dos efeitos por elas produzidos, em certas circunstâncias especialmente previstas.
  14. Ora, o pedido que a Requerente apresentou não foi de apuramento do regime suspensivo, sujeito aos condicionalismos e prazos estabelecidos nos arts. 18º ou 19º do CISV, mas de anulação das DAV’s, com fundamento na transformação dos veículos em sucata, especificamente contemplada na al. d) do nº 3 art. 21º.
  15. Além do que a frustração do interesse económico na comercialização dos veículos, em razão de alterações legislativas que agravaram incomportavelmente a carga tributária, igualmente invocada em suporte desse pedido, pode também constituir circunstância especial face à qual a sujeição ao regime deixou de justificar-se, passível de fundamentar anulação da DAV de acordo com o nº 2 do mesmo art. 21º.
  16. E tanto com fundamento em circunstâncias especiais, ao abrigo deste nº 2, como na transformação em sucata, nos termos da al. d) do nº 3 do mesmo art. 21º, a DAV pode ser anulada antes de o imposto ser pago ou garantido, conforme preveem essas disposições, e sucedia in casu.
  17. Assim, ao indeferir o pedido de anulação das DAV’s com fundamento na sua intempestividade, por não ter sido apresentado no prazo de três anos previsto no nº 2 do art. 19º do CISV, ao invés de aplicar o disposto no nº 2 ou no nº 3, al. d), do art. 21º do diploma, face aos quais esses pedidos estariam em tempo, por o imposto não estar pago ou garantido, o Despacho do Exmo. Sr. Diretor da Alfândega de ... de 10/12/2018 incorreu em violação de todas essas disposições.
  18. E a serem os pedidos de anulação das DAV’s deferidos, destinando-se os veículos a transformação em sucata e não a obterem matrícula portuguesa, não haveria que proceder quanto a eles à liquidação de ISV.

Acresce que,

  1. Sendo o ISV um imposto com natureza específica que, quanto aos automóveis de passageiros, tem como base tributável a cilindrada (componente cilindrada), o nível de emissão de partículas, quando aplicável, e o nível de emissão de dióxido de carbono ou CO2 (componente ambiental), nos termos da al. a) do nº 1 do art. 4º do CISV, o imposto foi calculado, nas liquidações aqui em causa, de acordo com a Tabela A prevista no nº 1 do art. 7º, e reduzido, de acordo com o nº 1 do art. 11º, atendendo a que os veículos foram admitidos em Portugal no estado de usados e com matrículas definitivas de outros Estados-membros da União Europeia, ... descritos nas DAV’s juntas com docs. nºs 21, 23 e 25 e se referiu supra, essa redução, em atenção ao facto de os veículos tributados serem automóveis comunitários usados, foi aplicada apenas à componente cilindrada do imposto, e não já à sua componente ambiental nem ao agravamento de partículas, relativamente aos quais o imposto foi liquidado pela totalidade do valor previsto para veículos a gasóleo na tabela A do nº 1 e no nº 3 art. 7º do CISV.
  2. A aplicação da redução para veículos comunitários usados apenas à componente cilindrada do imposto resultou do estabelecido no art. 11º do CISV, na redação que lhe foi dada pela Lei nº 42/2016, de 28/12, que exclui a aplicação dessa redução à componente ambiental.
  3. Mas efetuadas nesses termos, as liquidações foram-no com violação clara do princípio da não-discriminação fiscal ou da neutralidade das imposições internas na tributação de bens comunitários usados, a que se referia o art. 90º do Tratado Institutivo da Comunidade Europeia (art. 95º na numeração anterior ao Tratado de Amesterdão), e está hoje consagrado no art. 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

  1. Devem as liquidações de ISV objeto deste Pedido Arbitral ser anuladas, na totalidade ou na parte em que respeitam à componente ambiental e ao agravamento de partículas, anulando-se também na mesma medida a liquidação de juros compensatórios, com custas pela Requerida e todas as consequências legais.

 

4. A ATA – Administração Tributária e Aduaneira, chamada a pronunciar-se, contestou a pretensão da Requerente, defendendo-se por impugnação, em síntese, com os fundamentos seguintes:

 

  1. Nos termos da al. d), do nº 3, do artigo 21º, do CISV, pode uma DAV ser, efetivamente, anulada antes de pago ou garantido o imposto, caso o operador pretenda transformar os veículos em sucata sob controlo aduaneiro, livre de ónus ou encargos de qualquer natureza para o erário público, mas apenas se tal pedido vier a ocorrer durante o período de suspensão do imposto e nunca após o termo do referido prazo.
  2. Um pedido de anulação da DAV com base no artigo 21º, nº 3, al. d), do CISV, consiste, no fundo, na sujeição dos veículos a outro regime fiscal de apuramento do regime suspensivo, mas cujo prazo de apresentação do pedido se encontra sempre devidamente previsto no artigo, 19º, nº 2, do CISV.
  3. Havendo incumprimento do disposto no nº 2, do artigo 19º, do CISV, considera-se haver introdução ilegal no consumo, o que, nos termos do artigo 26º do CISV, determina que seja efetuada a liquidação oficiosa do ISV.
  4. Termos em que se considera que, face à factualidade descrita e porque o pedido da Requerente não foi efetuado dentro do prazo previsto no nº 2, do artigo 19º, do CISV e ainda, porque não se verificou nenhuma das situações a que alude o nº 2, do artigo 21º, do CISV, no que tange à anulação das DAV, o ato praticado pelo Diretor da Alfândega de ... o que indeferiu o pedido de anulação das DAV, em 10.12.2018, foi legal.

 

Quanto à questão da Ilegalidade do artigo 11º do CISV por violação do artigo 110º do TFUE

  1. Vem, ainda, a Requerente, pugnar pela anulação das referidas liquidações, por considerar estarem aquelas feridas de ilegalidade por ilegalidade do artigo 11.º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), por violação do artigo 110.º do Tratado de

Funcionamento da União Europeia (TFUE), alegadamente por não ter sido considerada a percentagem de redução devida pelo tempo de uso dos veículos quanto à componente ambiental mas não tem, também, razão a Requerente, no que a esta matéria diz respeito.

  1. Efetivamente, tendo o legislador aplicado as percentagens de redução apenas ao imposto resultante da componente cilindrada, fica de fora a componente ambiental, pretendendo-se, com isso, imprimir coerência entre a tributação dos veículos novos e veículos usados sendo que, tal opção, não contraria o direito comunitário.
  2. Destinando-se a componente ambiental a compensar os efeitos nefastos de qualquer

redução em função da depreciação comercial ou dos anos de uso do automóvel, dado que o potencial poluidor do automóvel não diminui com a sua idade, muito pelo contrário, agrava-se, como é do conhecimento comum, a mesma não deve ser objeto de qualquer redução pois representa o “custo de impacte ambiental”, sendo o seu objetivo orientar a escolha dos consumidores para uma maior seletividade na compra dos automóveis, em função do seu grau poluidor.

  1. Assim, a interpretação do disposto no artigo 110.º do TFUE, não poderá, pois, deixar de ter em consideração os objetivos ambientais acima referidos, sob pena de se gerarem incoerências insustentáveis entre a política fiscal e a política ambiental.
  2. Tendo os atos impugnados sido efetuados de acordo com o direito nacional e

comunitário, os mesmos não enfermam de qualquer vício, devendo, consequentemente, as liquidações, efetuadas pela Alfândega de ..., manter-se na ordem jurídica.

 

5. Verificando-se a inexistência de qualquer situação prevista no art. 18º, nº 1, do RJAT, que tornasse necessária a reunião arbitral aí prevista, foi dispensada a realização da mesma, com fundamento na proibição da prática de atos inúteis.

Foi ainda dispensada a realização de alegações, nos termos do art. 18º, nº 2, do RJAT, “a contrario”.

 

6. O tribunal é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído nos termos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas.

O processo não padece de vícios que o invalidem.

 

7. Cumpre solucionar as seguintes questões:

1) Ilegalidade total liquidações com base na improcedência da alegação da requerida, que constitui fundamento dos atos tributários objeto do processo, de que o pedido de anulação das declarações aduaneiras de veículos foi apresentado para além do prazo legal.

2) Ilegalidade parcial das liquidações com fundamento em violação do artigo 110º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE).

 

 

II – A matéria de facto relevante

 

8. Consideram-se provados os seguintes factos:

  1. A Requerente é uma Sociedade Comercial por quotas que tem por objeto principal o comércio, importação e exportação de veículos automóveis, suas peças e acessórios.
  2. No exercício da sua atividade adquiriu, em 2015, no estado de usados e com matrícula definitiva de outros Estados-membros da União Europeia, os seguintes veículos automóveis:

–– Veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ... a gasóleo, com o quadro nº ..., a cilindrada de 1998 cc. e a matrícula definitiva belga ..., matriculado pela primeira vez na Bélgica em 08/11/2004, e expedido desse país em camião em 03/08/2015 com destino a Portugal;

–– Veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ..., a gasóleo, com o quadro nº..., a cilindrada de ... cc. e a matrícula definitiva belga ..., matriculado pela primeira vez na Bélgica em 23/10/2008, e expedido desse país em camião em 23/07/2015 com destino a Portugal;

–– Veículo automóvel ligeiro de passageiros da marca ..., modelo ..., a gasóleo, com o quadro nº ..., a cilindrada de 1968 cc, e a matrícula definitiva alemã ..., matriculado pela primeira vez na Alemanha em 22/10/2008, e expedido desse país em camião em 23/07/2015 com destino a Portugal.

  1. Chegados a Portugal, esses veículos foram declarados à Alfândega de ..., respetivamente, através das Declarações de Veículo Automóvel  nºs 2015/..., de 21/08/2015, 2015/..., de 20/08/2015, e 2015/..., de 20/08/2015 as quais foram processadas em nome da Requerente enquanto adquirente/proprietária, e na qualidade de titular do estatuto de Operador Reconhecido, a que se refere o art. 15º do Código do Imposto Sobre Veículos (CISV), aprovado pela Lei nº 22-A/2007, de 29/06.
  2. Dada essa qualidade da aqui Requerente, os automóveis permaneceram, de acordo com o nº 2, do art. 19º, desse diploma, em suspensão de Imposto sobre Veículos, a que estavam sujeitos face ao estabelecido na al. a), do nº 1, do art. 2º, do CISV.
  3. Em 22/05/2018, a Requerente foi sujeita à Ação de Fiscalização OI2018..., levada a efeito pelos Serviços da Alfândega de ..., no âmbito da qual foram identificados todos os veículos que se encontravam em suspensão do imposto, incluindo os mencionados..., ... e..., cujas DAV haviam sido processadas em 20 e 21 de agosto de 2015.
  4. Em 03/09/2018 foi elaborado projeto de relatório dessa ação de Fiscalização, que foi notificado por Ofício nº ..., de 11/09/2018, e no qual se assinalou que, relativamente aos mencionados... , ... e ..., havia entretanto decorrido o referido prazo de três anos sem que esses veículos tivessem sido introduzidos no consumo, o que constituiria facto gerador do imposto nos termos previstos na al. d) do nº 2 do art. 5º do CISV e determinaria a exigibilidade do ISV face ao disposto no seu art. 6º, pelo que se propunha nesse projeto a liquidação oficiosa, nos termos do art. 26º do CISV, de imposto para os três veículos, acrescido de juros compensatórios de acordo com o estabelecido no art. 35º da LGT.
  5. Face a este projeto, em 27/09/2018, a ora Requerente, exerceu o direito de Audição Prévia, nos termos seguintes:

 

 

 

Uma imagem com captura de ecrã

Descrição gerada automaticamente

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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Descrição gerada automaticamente

  1. Em 02/10/2018 foi elaborado Relatório Final da Ação Inspetiva, que obteve a concordância do Senhor Diretor da Alfândega de ..., notificado por Ofício nº..., da mesma data, e que manteve todos os pressupostos de facto e de direito comunicados no Projeto e a proposta de liquidação de ISV relativo aos três veículos, constando do mesmo, designadamente, o seguinte:

 

 

 

 

 

 

  1. O pedido de anulação das DAV constante do  exercício do direito de audição apresentado em 27/09/2018, já objeto de apreciação e não aceite  no âmbito do procedimento inspetivo foi novamente apreciado e  indeferido por despacho do Senhor Diretor da Alfândega de ... de 10/12/2008, notificado por Ofício nº..., de 12/12/2018, e que, sancionando Informação de Serviço de 27/11/2018, manteve o entendimento de que o pedido de anulação das DAV’s havia sido intempestivamente apresentado, porque depois de ter decorrido o prazo de 3 anos estabelecido no nº 2 do art. 19º do CISV.
  2. Posteriormente, por Ofício nº ..., de 10/07/2019, Proc. CF/CP/21/2019, foi a Requerente notificada para proceder ao pagamento, no prazo de dez dias úteis a contar da receção, do montante global de € 20 935,77 de ISV e juros compensatórios, liquidados de acordo com o apurado na Ação OI2018..., e objeto dos registos de liquidação nºs 2019..., 2019/... e 2019/..., todos de 03/07/2019.

 

Com interesse para a decisão da causa inexistem factos não provados

 

9. A convicção do Tribunal quanto à decisão da matéria de facto alicerçou-se nos documentos constantes do processo, que não foram objeto de impugnação por nenhuma das partes, sendo ainda de observar que dos articulados apresentados emerge concordância das partes relativamente à matéria de facto, cingindo-se o desacordo à matéria de direito.

 

-III- O Direito aplicável

 

10.O dissídio respeitante ao pedido formulado, em primeira linha, pela Requerente, centra-se na sustentação por esta da possibilidade legal de apresentar, quanto aos  automóveis em causa, uma segunda DAV, com vista à sua transformação em sucata, no prazo previsto no nº 1 do art. 19º do CISV  (20 dias úteis após o momento da saída dos veículos do regime de suspensão, facto que a Requerente considera gerador de imposto à face do art. 5º, nº 4, do CISV, no caso,  após 20 e 21/08/2018).

 

Por sua vez, diferentemente, a Requerida defende que tal deveria ter sido, imperiosamente, requerido no decorrer do período de suspensão do imposto e até ao seu termo, período que já havia transcorrido no momento da manifestação de tal intenção pela Requerente.

 

Vejamos.

 

Dispõe o artigo 21.º do CISV, com a epigrafe “Registo e anulação das declarações” que:

“1 - (…).

2 — Pode haver lugar a anulação da DAV já registada antes de pago ou garantido o imposto, a pedido do interessado, quando se comprove que um veículo foi erradamente declarado para um determinado regime fiscal ou que, na sequência de circunstâncias especiais, deixou de se justificar a sujeição a esse regime.

3 – A DAV apresentada por operadores registados e reconhecidos pode ser anulada antes de pago ou garantido o imposto com os seguintes fundamentos:

a) exportação, comprovada por documento administrativo único com carimbo de saída efetiva, ou expedição, comprovada por declaração de expedição;

b) afetação ao regime de admissão temporária por venda a missões diplomáticas e consulares de carreiras acreditadas em Portugal e respetivos funcionários;

b) afetação ao regime de admissão temporária por venda a missões diplomáticas e consulares de carreiras acreditadas em Portugal e respetivos funcionários;

c) venda do veículo a pessoa que transfira a sua residência habitual de Portugal para outro país, com atribuição de matrícula de expedição ou exportação;

d) destruição total, devida a caso fortuito ou de força maior, ou transformação do veículo em sucata sob controlo aduaneiro, livre de ónus ou encargos de qualquer natureza para o erário público;
e) abandono a favor da fazenda pública, livre de ónus ou encargos de qualquer natureza para o erário público, ou declaração de perda do veículo proferida por autoridade judicial ou administrativa;
f) furto ou roubo do veículo, devidamente participado às autoridades policiais, sem que o automóvel tenha sido encontrado e restituído ao seu proprietário no prazo de seis meses, e desde que se comprove o cancelamento da matrícula;

g) declaração indevida por duplicação da DAV.

4 – Não há lugar à anulação da DAV quando a Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo tenha previamente informado o interessado da intenção de proceder a uma inspeção do veículo ou da documentação apresentada, ou depois de lhe ter sido atribuída matrícula nacional.

5 – A anulação da DAV previamente registada não prejudica a responsabilização penal ou contraordenacional pela prática de infrações tributárias.

6 – No caso de ter sido apresentado um pedido de benefício fiscal e de o mesmo ter sido indeferido, o interessado é notificado para, no prazo de 30 dias, solicitar a anulação da DAV e declarar o destino que pretende dar ao veículo, sob pena de introdução ilegal no consumo.”

 

Por sua vez, dispõe o artigo 19.º do mesmo código, com a epigrafe “Introdução no consumo por operadores reconhecidos”:

“1 - Os operadores reconhecidos estão obrigados à apresentação da DAV no prazo máximo de 20 dias úteis após a ocorrência do facto gerador do imposto.

2 - Apresentada a DAV pelos operadores reconhecidos, os veículos tributáveis permanecem em suspensão de imposto pelo período máximo de três anos, termo até ao qual deve ser apresentado o pedido de introdução no consumo ou realizada a expedição, exportação ou sujeição dos veículos a outro regime fiscal de apuramento do regime suspensivo, considerando-se, de outro modo, haver introdução ilegal no consumo.”

3.(…)
4.(…)

 

Afigura-se manifesto que é o artigo 21º acima citado (que tem justamente por epigrafe “Registo e anulação das declarações”) que regula a anulação de declaração aduaneira de veículos e não o nº 2 do art. 19º.[2]

 

De acordo com o art. 3º deste preceito, é inequívoco que a DAV apresentada por operadores registados e reconhecidos pode ser anulada antes de pago ou garantido o imposto, com os fundamentos previstos nas suas várias alíneas.

Deste regime decorre, em geral, que as declarações podem ser anuladas sem dependência de prazo, desde que antes de pago ou garantido o imposto.

A única condicionante “temporal” que resulta da lei é, pois, a de que a anulação tem que ser anterior à garantia e ao pagamento do imposto.

 

Esta anulação está, ainda, condicionada à não ocorrência prévia de qualquer das seguintes circunstâncias (art. 21º, nº4):

- A Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo ter previamente informado o interessado da intenção de proceder a uma inspeção do veículo ou da documentação apresentada.

-Ter sido atribuída matrícula nacional ao veículo.

 

A Requerida não invoca a ocorrência de nenhuma das circunstâncias impeditivas de anulação das DAV em causa:

- Pagamento do imposto.

-Garantia do pagamento do imposto.

- Ter previamente informado o interessado da intenção de proceder a uma inspeção do veículo ou da documentação apresentada.

-Ter sido atribuída matrícula nacional ao veículo.

 

O prazo previsto no art. 19º, nº 2, do CISV, é, manifestamente, inaplicável à transformação de veículos em sucata, uma vez que tal situação não é contemplada por este preceito legal, nem relativamente a esta situação, o art. 21º procede, explicita ou implicitamente, a qualquer remissão para aquela norma.

 

Nos termos do art. 19º, nº 2, do CISV, a consequência da não apresentação do  pedido de introdução no consumo ou realizada a expedição, exportação ou sujeição dos veículos a outro regime fiscal de apuramento do regime suspensivo,  até ao termo dos três anos legalmente previstos será a de se considerar ter ocorrido “introdução ilegal no consumo, prevendo-se, por sua vez, no art. 109º, nº 3, al. a),  do RGIT, coima de € 250 a € 165 000 a quem “Introduzir no consumo, expedir, utilizar ou mantiver a posse de veículos tributáveis, sem o cumprimento das obrigações prescritas por lei;”.

Assim,  as consequências jurídicas  do incumprimento do prazo previsto no art. 19º, nº 2, do CISV são, por um lado, o ter-se como verificado o facto gerador do imposto à luz desta norma e do nº 2, do art. 5º do Código que dispõe que “(…) quando à entrada em território nacional os veículos tributáveis forem colocados em regime de suspensão de imposto, considera-se gerado o imposto no momento em que se produza a sua saída desse regime” e, por outro lado,  a eventual   a responsabilidade contraordenacional, nos termos do art. 109º, nº 3, al. a),  do RGIT.

Mas, o art. 21º do CISV, não prevê, como consequência do não cumprimento do prazo previsto no art. 19º, nº 2, a impossibilidade de anulação da DAV inicialmente apresentada.

Diferentemente, distinguindo o plano da relação jurídica de imposto e o plano sancionatório estabelece   o nº 5 do artigo 21º que:

 “A anulação da DAV previamente registada não prejudica a responsabilização penal ou contraordenacional pela prática de infrações tributárias”.

Esta distinção entre o plano da relação jurídica de imposto e o plano sancionatório está em linha com a nossa melhor doutrina pois que, como escreve José Casalta Nabais “da finalidade dos impostos - e isto vale tanto para os fiscais como para os extrafiscais- está excluída necessariamente a finalidade sancionatória. Na verdade, se com o imposto se pretende aplicar uma sanção, então estaremos perante uma multa (…), um coima(…) um confisco(…), uma indemnização (…), mas nunca perante um imposto.[3] [4]

 

Este entendimento do regime legal é, também,  o que melhor se adequa ao pressuposto do tributo em causa na medida em que determina o art. 1º do CISV que  “O imposto sobre veículos obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida dos custos que estes provocam nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária.”, sendo desnecessária, atenta a sua manifesta evidência,  qualquer demonstração de que, no caso, não ocorreu  qualquer custo provocado pelos veículos em causa  nos domínios do ambiente, infraestruturas viárias e sinistralidade rodoviária.

 

Os atos tributários impugnados, alicerçados no não cumprimento pela Requerente do prazo previsto no art. 19º, nº 2, do CIUC não podem, pois, face à sua fundamentação, permanecer na ordem jurídica, não podendo deixar de ser anulados ficando, em consequência, prejudicada a apreciação dos vícios conducentes à anulação parcial dos atos tributários impugnados.

 

 

-IV- Decisão

 

 

Assim, decide o Tribunal arbitral julgar totalmente procedente o pedido de pronúncia arbitral, decretando-se a ilegalidade e consequente anulação dos atos tributários impugnados.

 

 

Valor da ação: € 20 935,77 (vinte mil, novecentos e trinta e cinco euros e setenta e sete cêntimos) nos termos do disposto no art. 306º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.

 

Custas pela Requerida, no valor de 1224 €, nos termos do nº 4 do art. 22º do RJAT.

 

Notifique-se.

 

 

Lisboa, CAAD, 6.04.2020

 

 

O Árbitro

 

 

Marcolino Pisão Pedreiro

 

 

 



[1] DAV-acrónimo de “declaração aduaneira de veículos” (art. 17º, nº 1, do CISV).

[2] Esta norma, diferentemente, estabelece um “termo até ao qual deve ser apresentado o pedido de introdução no consumo ou realizada a expedição, exportação ou sujeição dos veículos a outro regime fiscal de apuramento do regime suspensivo”.

[3] DIREITO FISCAL, 3ª Ed., 2005, Pag. 19-20.

[4] No mesmo sentido escreve Ana Paula Dourado que “Os impostos prosseguem finalidades públicas não sancionatórias” [sublinhado da autora] (DIREITO FISCAL, Lições, 2015, pag. 38)