Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 701/2019-T
Data da decisão: 2020-03-30  IRS  
Valor do pedido: € 42.420,71
Tema: IRS - Inutilidade superveniente da lide; juros indemnizatórios.
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DECISÃO ARBITRAL

 

            I. Relatório

1. No dia 16 de outubro de 2019, A..., NIF..., residente na Rua ..., n.º..., ..., Matosinhos (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente:

(i) À declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS n.º 2012..., referente ao ano de 2010, da qual resultou o montante a pagar de € 42.420,71; e

 

(ii) À restituição do montante de imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

 

A Requerente juntou 11 (onze) documentos e arrolou 3 (três) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; juntou, ainda, uma certidão judicial emitida nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro. 

 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente alega, nuclearmente, que o ato tributário controvertido enferma de vício de forma, por falta de fundamentação, e de vício de violação de lei, por errada interpretação e aplicação do disposto no artigo 10.º, n.º 5, do Código do IRS. 

             

2. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 25 de outubro de 2019.

           

3. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 10 de dezembro de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

4. No dia 11 de dezembro de 2019, a AT veio, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, apresentar o documento que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual, além do mais, consta o seguinte despacho proferido (por delegação) pela Subdiretora-Geral da AT para a Área da Gestão Tributária – IR, datado de 29.11.2019, sobre a informação n.º 1464/19 da DSIRS, datada de 27.11.2019:

«Revogo o ato contestado e indefiro o pedido de juros indemnizatórios, com os fundamentos invocados.

Proceda-se conforme proposto.»

 

No dia 11 de dezembro de 2019, a Requerente foi devidamente notificada quer daquele documento apresentado pela AT quer do despacho do Senhor Presidente do CAAD, com o seguinte teor:

«Com referência ao Processo n.º 701/2019-T e na sequência da comunicação da Autoridade Tributária e Aduaneira prevista no artigo 13.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT), solicita-se a V. Exa. que, face ao circunstancialismo previsto no artigo 13.º, n.º 2 do RJAT, se digne informar o CAAD, querendo, sobre o prosseguimento do procedimento.»

 

No dia 7 de janeiro de 2020, na sequência da predita notificação que lhe foi dirigida, veio a Requerente pronunciar-se nos seguintes termos que aqui importa respigar:

«1.º Conforme resulta do teor do supra referido despacho, a liquidação objecto do presente procedimento foi revogada, nos termos do art. 13.º, n.º 1 do RJAT.

2.º No entanto, ainda nos termos do mesmo despacho, foi indeferido o pedido de pagamento de juros compensatórios, calculados sobre o valor efectivamente pago pela requerente, em 28/06/2012, relativamente ao imposto objecto da referida liquidação, acrescido de juros de mora e custas, no montante total de 43.120,08€.

3.º Pelo exposto, a pretensão da requerente, formulada no âmbito do presente procedimento, não foi integralmente satisfeita com a revogação da liquidação supra referida, pelo que mantém a requerente o seu interesse no prosseguimento do mesmo, apenas com vista à apreciação do seu direito a juros indemnizatórios.

4.º Juros esses que, na presente data, ascendem à quantia de 12.985,64€ (…).

(…)

Termos em que, pelos fundamentos expostos, a requerente manifesta o seu interesse no prosseguimento do presente procedimento, com vista à apreciação do seu direito a juros compensatórios relativamente à quantia supra referida por si paga, operando-se a redução do pedido, bem como do valor do presente procedimento, inicialmente formulado, apenas a tal quantia, ou seja, 12.985,64€.»

 

5. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13 de janeiro de 2020.

 

6. No dia 11 de fevereiro de 2020, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual arguiu a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios e a exceção perentória de falta de objeto da lide, tendo, ainda, deduzido defesa por impugnação; concluiu pugnando pela procedência das invocadas exceções e pela improcedência da presente ação, tudo com as legais consequências.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:    

            No prazo a que se refere o artigo 13.º do RJAT, a Requerida deu conhecimento aos autos do despacho de revogação do ato de liquidação de IRS controvertido, sendo que a AT não está legalmente impedida de revogar o ato de liquidação impugnado que reconheceu ser ilegal; os efeitos jurídicos do ato revogatório na pendência do procedimento arbitral estão expressamente previstos no artigo 13.º do RJAT.

            Considerando que com o presente pedido de pronúncia arbitral, a Requerente pretende única e exclusivamente que lhe seja reconhecido o direito ao pagamento de juros indemnizatórios, bem como obter o reembolso do imposto indevidamente pago, é manifesto que a apreciação e reconhecimento de tal pedido não se inserem no âmbito das competências do Tribunal Arbitral. 

            Com efeito, nunca seria através de uma ação de impugnação ou da presente ação arbitral que a Requerente poderia ver reconhecido o seu direito aos juros indemnizatórios, quando peticionados autonomamente, ou obter o reembolso do imposto ilegalmente pago, por aqueles não serem os meios judiciais adequados para a sua pretensão.

            Por consequência, ocorre a exceção dilatória de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros indemnizatórios, como é o caso, conducente à absolvição da instância da Requerida, nos termos dos artigos 576.º, n.º 2 e 577.º, alínea a), ambos do CPC.

            Noutra ordem de considerações, alega a Requerida que a pretensão principal da Requerente – anulação do ato de liquidação por efeito da respetiva revogação – foi plenamente alcançada, tendo deixado de existir na ordem jurídica qualquer ato sobre o qual o Tribunal Arbitral se possa pronunciar. 

            É que o reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios resulta direta e imediatamente da lei, como efeito da anulação administrativa do ato tributário de liquidação, à semelhança do que aconteceria se o ato tributário fosse anulado por decisão judicial/arbitral. Tal acontece ainda com a execução de uma decisão arbitral de anulação de atos tributários – execução de caso julgado – ou na execução de um ato administrativo – execução do caso decidido – em que a AT está legalmente obrigada a reconstituir a situação que existiria se o ato tributário anulado não tivesse sido praticado.

            Tal decorre da natureza do ato de revogação que, à luz do novo CPA, tem natureza anulatória; efetivamente, apesar de o despacho de 29.11.2019 referir “revogação”, trata-se de um ato de anulação administrativa, ou seja, um ato que assenta em considerações de legalidade administrativa.

            Assim, as razões invocadas pela Requerente para prossecução da lide arbitral não correspondem a qualquer pretensão suscetível de pronúncia arbitral, por manifesta falta de objeto processual, à data da constituição do Tribunal Arbitral; verifica-se, pois, a exceção perentória de falta de objeto, nos termos do disposto no artigo 576.º, n.º 3, do CPC.

            Por impugnação, a AT alega que não se mostra verificada a existência do requisito que exige que haja um erro na liquidação imputável aos serviços, nos termos do disposto no artigo 43.º, n.º 1, da LGT, pelo que deve decair a pretensão da Requerente.      

     

7. Em 28 de janeiro de 2020, na sequência de notificação para o efeito, a Requerente veio pronunciar-se quanto às sobreditas exceções invocadas pela AT, nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos, tendo pugnado pela respetiva improcedência.

 

8. O Tribunal dispensou a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para a apresentação de alegações escritas facultativas e sucessivas, tendo fixado o dia 13 de julho de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

9. Ambas as partes apresentaram alegações escritas, que aqui se dão por inteiramente reproduzidas, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos autos.

***

            II. Saneamento

10. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído.

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

§1. Da incompetência material do Tribunal Arbitral para apreciar o pedido de juros indemnizatórios

11. A Requerida sustenta que em virtude da pretensão principal da Requerente ter sido satisfeita por via da revogação do ato de liquidação de IRS controvertido, o conhecimento da questão atinente aos juros indemnizatórios fica comprometida, pois a presente ação arbitral não é o meio processual adequado para reconhecer o direito a juros indemnizatórios quando, como é o caso, são «peticionados em singelo»; assim, considera a Requerida que «ocorre a exceção dilatória de incompetência material do tribunal arbitral para conhecer o pedido autónomo do direito aos juros indemnizatórios».

 

O âmbito de competência material do tribunal é de ordem pública e o seu conhecimento precede o de qualquer outra matéria (cf. artigo 13.º do CPTA ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT), sendo que a infração das regras de competência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal, que é de conhecimento oficioso (cf. artigo 16.º do CPPT e artigos 96.º, alínea a) e 97.º, n.º 1, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Isto posto. Constitui nosso entendimento que a questão suscitada pela Requerida não se insere no âmbito da análise da competência material do Tribunal Arbitral, reconduzindo-se, isso sim, a uma questão de procedência, ou não, do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Neste conspecto, data venia, fazemos nossas as considerações vertidas na decisão arbitral proferida no processo n.º 40/2019-T, a propósito de idêntica questão, que transcrevemos:

«(…) afigura-se que a questão suscitada não é qualificável como incompetência material, respeitando, antes, à amplitude da extinção da instância como efeito da anulação (…) dos atos impugnados. I.e., está em causa avaliar se esta extinção se projeta sobre os pedidos acessórios ou dependentes da pretensão anulatória entretanto satisfeita por via administrativa, sem, contudo, os regular (os juros indemnizatórios ou a indemnização por prestação de garantia).

Não se suscitam dúvidas a este Tribunal que a matéria dos juros indemnizatórios originados em atos tributários ilegais que sejam impugnados é passível de conhecimento pelos Tribunais Arbitrais tributários. Com efeito, estes têm competência para proferir pronúncias condenatórias em moldes idênticos aos que são admitidos no processo de impugnação judicial, incluindo, portanto, as que derivam do reconhecimento do direito àqueles juros, ao abrigo do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b) e n.º 5 do RJAT e 43.º e 100.º da LGT, conforme reiteradamente afirmado pela jurisprudência arbitral do CAAD.

O direito a juros indemnizatórios alicerça-se no princípio da responsabilidade das entidades públicas (artigo 22.º da CRP) e é regido pelo artigo 43.º da LGT que, no seu n.º 1, o faz depender da ocorrência de erro imputável aos serviços do qual tenha resultado o pagamento de prestação tributária superior à legalmente devida. Dispõe esta norma que “[s]ão devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.

(…)

Deste modo, independentemente de se verificarem, no caso concreto, os pressupostos de que depende o nascimento da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, afigura-se inegável que o Tribunal Arbitral tem competência para apreciar tal questão, que objetivamente se enquadra nos seus poderes de cognição, pelas razões acima enunciadas.»   

 

Nesta conformidade, improcede a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral para conhecer do pedido referente a juros indemnizatórios.

*

12. A Requerida invoca ainda a exceção perentória de falta de objeto da lide, para cuja apreciação e decisão se afigura necessária a prévia fixação da matéria de facto.

  

Não existem quaisquer outras exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

***

III. Fundamentação                              

III.1. De Facto

§1. Factos ProvadosROVADOS

13. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, consideram-se provados os seguintes factos:

a) Em 03.06.2011, a Requerente apresentou uma declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2010, a qual foi acompanhada dos Anexos A, G e H. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]

b) No campo 401 do quadro 4 do dito Anexo G foi mencionada a alienação de uma quota-parte de 50% da fração autónoma designada pela letra “B” do imóvel inscrito na matriz predial urbana da (entretanto extinta) freguesia de ..., concelho do Porto, sob o artigo ... [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]

c) Os montantes ali declarados foram os seguintes: valor de alienação: € 340.000,00; valor de aquisição (ocorrida em setembro de 2005): € 146.895,00; despesas e encargos: € 12.260,48. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]

d) Nos campos 501 e 502 do quadro 5 do mesmo Anexo G, a Requerente declarou pretender reinvestir parte do valor de realização decorrente da alienação da quota-parte que detinha no imóvel mencionado no facto provado b). [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]

e) Nos campos 505 (valor em dívida do empréstimo à data da alienação do referido imóvel), 506 (valor de realização que pretende investir sem recurso ao crédito) e 508 (valor de realização investido no ano da declaração após a data da alienação sem recurso ao crédito) do quadro 5 do dito Anexo G, a Requerente declarou os seguintes valores: campo 505: € 151.059,05; campos 506 e 508: € 221.684,90. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]

f) A Requerente declarou ainda no quadro 5B do mesmo Anexo G pretender efetuar o reinvestimento na fração autónoma designada pela letra “w” do imóvel inscrito na matriz predial urbana da (entretanto extinta) freguesia e concelho de ... sob o artigo... . [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA]

g) A declaração de rendimentos mencionada no facto provado a) deu origem à liquidação de IRS n.º 2011..., efetuada em 08.06.2011, da qual resultou a quantia de imposto a reembolsar de € 842,87. [cf. PA]   

h) Em 09.06.2011, foi instaurado no Serviço de Finanças de Matosinhos-... um procedimento de gestão de divergências em nome da Requerente, tendo por base o motivo subordinado ao código D25, correspondente a “reinvestimento em imóveis”, tendo a Requerente, no âmbito do mesmo e no exercício do direito de audição prévia, prestado diversos esclarecimentos. [cf. PA]   

i) Nessa sequência, em 22.02.2012, foi elaborada em nome da Requerente uma declaração oficiosa Modelo 3 de IRS, relativa ao ano de 2010, a qual viria também a ser acompanhada pelos Anexos A, G e H. [cf. PA]      

j) No campo 401 do quadro 4 do Anexo G da declaração oficiosa, o valor de despesas e encargos com a aquisição/alienação do imóvel referido no facto provado b) (ou àquelas operações inerentes) foi reduzido para € 500,98, mantendo-se os valores declarados de aquisição e alienação do mesmo imóvel, mas tendo a data de aquisição da sobredita quota-parte sido corrigida para março de 2010. [cf. PA]        

k) Foi ainda removido dos quadros 5 e 5B do mesmo Anexo G todo e qualquer valor – ou outro tipo de indicação – relativo a um eventual reinvestimento do valor de realização do imóvel alienado. [cf. PA]    

l) Com base na declaração oficiosa de rendimentos mencionada no facto provado i), foi efetuada em 12.03.2012 a liquidação de IRS n.º 2012..., da qual resultou a quantia de imposto a pagar de € 41.420,71, acrescida da quantia de € 1.192,78, a título de juros compensatórios, perfazendo o montante total a pagar de € 42.420,71. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA e PA]   

m) Por discordar da liquidação de IRS mencionada no facto provado anterior, a Requerente instaurou impugnação judicial junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, a qual correu termos na Unidade Orgânica 3, sob o processo n.º .../12...BEPRT. [cf. certidão judicial anexa ao PPA]

n) A Requerente não efetuou o pagamento voluntário do montante de imposto e de juros compensatórios referido no facto provado l), motivo pelo qual foi instaurado no competente Serviço de Finanças o processo de execução fiscal n.º ...2012..., tendo em vista a respetiva cobrança coerciva, tendo a Requerente, em 28.06.2012, efetuado o pagamento do montante global de € 43.120,08, atinente à quantia exequenda, juros de mora e custas. [cf. documentos n.ºs 10 e 11 anexos ao PPA] 

o) Em 16.10.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

p) Em 29.11.2019, por despacho proferido (por delegação) pela Subdiretora-Geral da AT para a Área da Gestão Tributária – IR, sobre a informação n.º .../19 da DSIRS, datada de 27.11.2019, que aqui se dá por inteiramente reproduzida, foi revogado o ato de liquidação de IRS controvertido, sem que tenha sido atendido o pedido de juros indemnizatórios, essencialmente com a seguinte fundamentação que aqui importa respigar [cf. PA]:

«(…)

III – B. 3 – Apreciação

(…)

Tendo, assim, presente essa finalidade da fundamentação, bem como os requisitos da mesma (…), cumpre apreciar se os elementos patentes no caso em apreço satisfazem estes ou se adequam a esse mesmo escopo.

(…), o SF de ... notificou a ora requerente que "[d]a análise efetuada aos documentos/alegações apresentados em sede de audição prévia, relativamente à notificação da(s) irregularidade(s) identificada(s) na declaração de rendimentos Modelo 3 do ano de 2010 com a identificação .../43, não foram comprovadas deduções à colecta, pelo que por minha decisão de 2012-02-24 foi determinada a efetivação da(s) seguinte(s) correção(ões)", as quais elencava de seguida. Analisando a fundamentação constante do texto acabado de transcrever, é possível concluir que:

- Desde logo, a relevância do reinvestimento, em sede de mais-valias, no que tange ao IRS, configura-se, face à letra do n.º 5 do art. 10.º do respetivo código, como uma exclusão de tributação e não – conforme expressamente consta do teor da notificação efetuada à ora requerente – como uma dedução à coleta (figura cujas várias configurações surgem elencadas no n.º 1 do art. 78.º – e preceitos seguintes – do Código do IRS (CIRS).

- Não se indicam naquele os pressupostos tomados em conta pelo autor do ato para a respetiva prática.

- O que implica que não deixa perceber quais as razões da decisão.

            - Não sendo, desta forma, dado a entender ou a conhecer que motivos determinaram o autor a praticar o ato e a escolher o seu conteúdo.

- Não se lobrigam, naquele trecho, quaisquer normas legais nas quais haja assentado a prática do ato.

Do exame do extrato transcrito, constata-se, ainda, que aquele:

            - Não permite perceber as razões pelas quais se decidiu da forma como se decidiu, visto as não indicar.

            - Pelo que não possibilita à sua destinatária a compreensão dessas mesmas razões, as quais levaram a AT a agir (logo – e muito menos – a agir como agiu).

Pois o fundamento invocado é apenas o de se não comprovarem os elementos declarados (os quais – repete-se – nem sequer se reportavam a "deduções à colecta").

Sem, contudo, explicitar o porquê dessa não comprovação.

Ou seja:

Porque é que – e em que medida – tal comprovação não foi efetuada

A fundamentação do ato não se configura, assim, nem como clara, nem como suficiente.

           Daquela não constam os factos dos quais poderiam resultar os motivos subjacentes ao sentido da decisão administrativa.

Que o mesmo é dizer, à prática do ato contestado.

            Não se mostrando, assim, tal ato devidamente fundamentado.

(…)

            Face ao exposto, não pode deixar de se considerar procedente a alegação segundo a qual o ato contestado padece de ausência de fundamentação.

Destarte, resulta prejudicada a apreciação da existência de outros vícios invocados pela requerente.

Que peticiona, ainda, juros indemnizatórios.

Nos termos do disposto no art. 43.º, n.º 1 da LGT, são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No entanto, o presente meio processual não é, nem uma reclamação graciosa, nem uma impugnação judicial, mas sim um pedido de constituição de tribunal arbitral e de pronúncia arbitral.

Será, então, admissível o pedido de atribuição de juros indemnizatórios nesta sede?

Nos termos do n.º 5 do art. 24.º do RJAT também as decisões dos tribunais arbitrais podem obrigar a AT ao pagamento de juros indemnizatórios quando os mesmos se mostrarem devidos.

Cumpre, portanto, apreciar o pedido de juros indemnizatórios formulado pela requerente.

Ora, tendo em consideração tudo o que supra se foi expondo, conclui-se, desde logo, que não se mostra verificada a existência do requisito que exige que haja um erro na liquidação imputável aos serviços.

            (…)

            Pelo que decai a pretensão da requerente na parte atinente à atribuição de juros indemnizatórios.

            IV – Conclusão

            Após apreciação do pedido de pronúncia arbitral, afigura-se-nos que a liquidação contestada não deve ser mantida por motivo de falta de fundamentação.

            (…)»

q) A revogação do ato de liquidação de IRS controvertido foi notificada pela AT ao Ilustre Mandatário da Requerente, pelo ofício n.º ... da DSIRS, datado de 03.12.2019 e recebido em 05.12.2019. [cf. PA]

r) Este Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13 de janeiro de 2020. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. Factos não Provados

14. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. Motivação quanto à Matéria de Facto

15. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.   

 

III.2. De Direito

§1. Delimitação do Objeto

16. Atentos os eventos e desenvolvimentos processuais acima descritos no Relatório e tendo em conta os enunciados pedidos formulados pela Requerente, são as seguintes as questões atualmente submetidas à apreciação deste Tribunal:

a) A inutilidade da lide/falta de objeto da lide;

b) O direito a juros indemnizatórios;

c) O valor da causa; e

d) A responsabilidade pelas custas processuais.

 

            §2. Da Inutilidade da Lide/Falta de Objeto da Lide

            17. Como acima já demos conta, a Requerente deduziu os seguintes pedidos:

(i) A declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS n.º 2012..., referente ao ano de 2010, da qual resultou o montante a pagar de € 42.420,71; e

 

(ii) A restituição do montante de imposto pago indevidamente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais.

 

Na sequência da notificação do pedido de constituição de tribunal arbitral à AT (cf. artigo 10.º, n.º 3, do RJAT), esta, fazendo uso da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 13.º, n.º 1, do RJAT, procedeu à revogação do ato tributário controvertido, em 29.11.2019, por despacho proferido (por delegação) pela Subdiretora-Geral da AT para a Área da Gestão Tributária – IR, sobre a informação n.º .../19 da DSIRS, datada de 27.11.2019, sem que tenha sido atendido o pedido de juros indemnizatórios (cf. facto provado p)).

 

Como também resultou comprovado, a revogação do ato de liquidação de IRS controvertido foi notificada pela AT ao Ilustre Mandatário da Requerente, pelo ofício n.º ... da DSIRS, datado de 03.12.2019 e recebido em 05.12.2019 (cf. facto provado q)); e, ademais, este Tribunal Arbitral singular foi constituído em 13 de janeiro de 2020 (cf. facto provado r)).

 

18. Antes de avançarmos, impõe-se que façamos algumas precisões terminológicas, em torno do ato, dito de “revogação”, praticado pela AT, respigando, para o efeito, as seguintes considerações vertidas na decisão arbitral prolatada no processo n.º 481/2018-T:

«(…) o novo Código de Procedimento Administrativo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 4/2015, de 7 de janeiro, passou a distinguir entre a revogação e a anulação administrativa, fazendo corresponder a cada uma destas figuras as duas anteriores modalidades de revogação ab-rogatória ou extintiva e revogação anulatória. Segundo a definição constante do artigo 165.º, a revogação é “o ato administrativo que determina a cessação dos efeitos de outro ato, por razões de mérito, conveniência ou oportunidade”, ao passo que a anulação administrativa é “o ato administrativo que determina a destruição dos efeitos de outro ato, com fundamento em invalidade”. A revogação produz, em regra, apenas efeitos para o futuro (artigo 171.º, n.º 1), enquanto que a anulação administrativa, tendo por objeto a eliminação do mundo jurídico de atos anuláveis, tem, em regra, efeitos retroativos (artigo 171.º, n.º 3).

(…)

No caso vertente, a Autoridade Tributária entendeu revogar o acto recorrido com fundamento em considerações de legalidade administrativa e não de mera discricionariedade, pelo que, embora adopte a fórmula verbal anteriormente aplicável, praticou, segundo a nova terminologia, um acto de anulação administrativa, tendo determinado, no rigor dos termos, a anulação do acto tributário que foi impugnado (…).»  

 

19. Posto isto. O artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, estatui que a instância extingue-se com a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide.

 

A impossibilidade da lide ocorre em caso de morte ou extinção de uma das partes, por desaparecimento ou perecimento do objeto do processo ou por extinção de um dos interesses em conflito.

 

A inutilidade superveniente da lide tem lugar quando, em virtude de novos factos ocorridos na pendência do processo, a decisão a proferir já não tem qualquer efeito útil, ou porque não é possível dar satisfação à pretensão que o demandante quer fazer valer no processo ou porque o fim visado com a ação foi atingido por outro meio.

 

A impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide traduz-se, assim, numa impossibilidade ou inutilidade jurídica, cuja determinação tem por referência o estatuído na lei.

 

Segundo José Lebre de Freitas, Rui Pinto e João Redinha (Código de Processo Civil Anotado, Volume 1.º, 2.ª edição, Coimbra Editora, Coimbra, 2008, pág. 555), «a impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide dá-se quando, por facto ocorrido na pendência da instância, a pretensão do autor não se pode manter, por virtude do desaparecimento dos sujeitos ou do objecto do processo, ou encontra satisfação fora do esquema da providência pretendida. Num e noutro caso, a solução do litígio deixa de interessar – além, por impossibilidade de atingir o resultado visado; aqui, por já ter sido atingido por outro meio».

 

Volvendo ao caso concreto, temos que o ato tributário controvertido foi objeto de anulação, com a sustentação de facto e de direito que, no essencial, consta do facto provado p) e que se reconduz à ocorrência de vício de forma, consubstanciado na falta de fundamentação.

 

Nessa medida, a pretensão formulada pela Requerente, quanto à declaração de ilegalidade e anulação do ato de liquidação de IRS em causa, ficou prejudicada por aquela atuação administrativa.

 

Nestes termos, verifica-se a inutilidade superveniente da lide no concernente ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS controvertida, o que implica a respetiva extinção da instância (cf. artigo 277.º, alínea e), do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

20. Posto isto. Como resultou comprovado, a AT anulou o ato tributário controvertido, sem que tenha reconhecido o direito da Requerente a juros indemnizatórios.

 

Assim, estamos confrontados com uma anulação apenas parcial do objeto deste processo, o que justifica o prosseguimento dos autos para apreciação do pedido que não foi satisfeito pelo aludido ato anulatório, ou seja, a condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. Nessa conformidade, a inutilidade superveniente no que concerne à pretensão anulatória do ato tributário controvertido não se comunica à pretensão de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios; cabe, pois, apreciar tal questão.    

 

Como afirma Jorge Lopes de Sousa[1]:

“…se for praticado um ato revogatório sem nova regulação da situação jurídica, mas subsistirem efeitos produzidos pelo ato revogado, afigura-se que o processo poderá prosseguir em relação a esses efeitos, se foi pedida a sua eliminação, como permite o artigo 65.º, n.º 1, do CPTA, subsidiariamente aplicável, ao abrigo do artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

(…)

Numa situação deste tipo, estar-se-á perante uma eliminação apenas parcial do objeto do processo, que não deverá ser obstáculo ao seu prosseguimento para apreciação dos pedidos formulados que não foram satisfeitos pelo ato revogatório.”  

  

21. Nestes termos, resulta inequivocamente demonstrado que não tem a AT razão quanto à alegada inexistência de objeto processual que justifique a constituição do Tribunal Arbitral e o sequente prosseguimento deste processo, pelo que improcede a exceção de falta de objeto da lide.

 

§3. Dos Juros Indemnizatórios

22. O n.º 1 do artigo 43.º da LGT estatui que os juros indemnizatórios são devidos quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Temos, assim, que o direito a juros indemnizatórios depende da verificação dos seguintes requisitos: (i) a existência de erro imputável aos serviços; e (ii) o pagamento de prestação tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

A propósito do primeiro dos enunciados requisitos, coloca-se a questão de saber «se o legislador, ao utilizar a expressão erro e não vício no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, pretendeu restringir o direito a juros indemnizatórios aos vícios do acto anulado relativamente aos quais é adequada essa designação, ou seja, o erro sobre os pressupostos de facto e o erro sobre os pressupostos de direito, excluindo os vícios de forma como a incompetência ou a violação de direitos procedimentais. Assim tem entendido o STA, como decorre do acórdão de 2 de Dezembro de 2009, proferido no âmbito do processo n.º 0892/09:

“É que, como tem sido afirmado por este Tribunal, o facto de o n.º 1 do artigo 43.º da LGT utilizar a expressão “erro” e não “vício” ou “ilegalidade”, para aludir aos factos que podem servir de base à atribuição de juros, revela que se teve em mente apenas os vícios do acto anulado a que é adequada essa designação (…) sendo de concluir que o uso daquela expressão “erro” tem um alcance restritivo do tipo de vícios que podem servir de base ao direito a juros indemnizatórios (cfr., entre outros, o Acórdão de 9 de Setembro de 2009, rec. 369/09)”.

E num acórdão mais recente, de 12 de Fevereiro de 2015, proferido no âmbito do processo n.º 01610/13, manteve este entendimento, considerando que o “direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do art. 43.º da LGT, derivado de anulação judicial de um acto de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse acto está afectado por erro sobre os pressupostos de facto ou de direito imputável à AT”.

No mesmo sentido, este tribunal superior entendeu, no acórdão de 22 de Maio de 2013, proferido no âmbito do processo n.º 0245/13, que a “anulação de um acto de liquidação baseada na violação do princípio da participação, por a Administração Tributária não ter levado em conta os elementos novos fornecidos pela contribuinte em sede de exercício do direito de audição, não implica a existência de qualquer erro sobre os pressupostos de facto ou de direito do acto de liquidação, pelo que não existe o direito de juros indemnizatórios a favor do contribuinte, previsto naquele n.º 1 do artigo 43.º da LGT”.

(…)

Esta posição do STA é consonante com a que (…) defendemos na medida em que haverá que distinguir qual a causa de anulação daquele acto tributário. Se uma causa do próprio acto – se se quiser intrínseca – sendo que aquele imposto nunca seria devido, se uma causa extrínseca, sendo que materialmente a situação sempre dará lugar a imposto mas por alguma razão o acto é ilegal. No limite o que se diz (…) é que a taxa, a contribuição ou o imposto até eram materialmente devidos porém, por algum vício do procedimento de inspecção ou outro, o acto final está inquinado de invalidade. Julgamos assim, que nestes casos, não faz sentido indemnizar o contribuinte que sempre teria que proceder ao pagamento do tributo e só tem direito à devolução da quantia paga por razões que ultrapassam o acto subjacente.

(…) Lopes de Sousa defende que da verificação de um vício de forma não resulta uma lesão da situação jurídica substantiva e que, por sua vez, da anulação do acto não decorre necessariamente um prejuízo para o sujeito passivo. Deste modo, não se verificando um prejuízo que mereça reparação, apenas deve ser restituído ao contribuinte aquilo que foi recebido pela Administração Tributária, não lhe sendo atribuídos juros indemnizatórios. Na sua opinião, esta restituição já poderá, por si só, constituir um benefício para o contribuinte, perante a realidade da situação tributária. (…) No entanto, o mesmo autor refere que decorre do artigo 22.º da CRP e do próprio Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado que o contribuinte que se sinta lesado nos seus direitos patrimoniais, quando da anulação de um acto por vício de forma, pode exigir judicialmente a reparação dos danos. Este tem porém o ónus de provar que do acto ilegal resultaram danos, embora se presuma a culpa da Administração Tributária nos termos do artigo 10.º, n.º 2 do Regime da Responsabilidade Civil Extracontratual do Estado [Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário Anotado, Volume I, Lisboa, Áreas, 2011, pp. 532 e 533].

(…) perfilhamos a posição do STA e de Lopes de Sousa, na medida em que quando um acto de liquidação é anulado exclusivamente por vícios formais, a situação tributária substantiva não é posta em causa, ou seja, deste acto de liquidação inválido não resultou o pagamento pelo contribuinte de um tributo em montante superior ao legalmente/”materialmente” devido. (…) São de afastar quaisquer dúvidas relativas à constitucionalidade desta solução. Tudo porque apesar do artigo 103.º, n.º 3 da CRP determinar que ninguém pode ser obrigado a pagar impostos cuja liquidação não se tenha efectuado nos termos da lei, a não atribuição de juros indemnizatórios ao sujeito passivo não constitui uma aceitação da legalidade de actos de liquidação que padecem de vícios formais, ou seja, a aceitação de que os contribuintes sejam obrigados a pagar os impostos independentemente da legalidade formal da liquidação. Estes actos são anulados, afirmando-se a sua ilegalidade, e o tributo pago é restituído ao contribuinte, não existindo qualquer direito de retenção da Administração.»[2]          

 

23. Volvendo ao caso concreto, por um lado, resulta do facto provado n) que a Requerente, no âmbito do processo de execução fiscal ali referido, efetuou o pagamento do montante de imposto e de juros compensatórios referido no facto provado l), ou seja, € 42.420,71. Por outro lado, resulta do facto provado p) que a AT anulou o ato de liquidação de IRS controvertido por vício de forma, consubstanciado em falta de fundamentação; ou seja, ao proceder a essa anulação, a AT não se pronunciou quanto à validade substancial daquele ato tributário e, portanto, quanto à existência, ou não, de qualquer vício substantivo de que o mesmo pudesse enfermar, fosse por erro sobre os pressupostos de facto, fosse por erro sobre os pressupostos de direito.

 

Subsumindo esta factualidade ao estatuído no n.º 1 do artigo 43.º da LGT, resulta não ter a Requerente direito aos peticionados juros indemnizatórios. Com efeito, como decorre do acima exposto, tal direito sempre estaria dependente da existência de erro imputável aos serviços, para cuja aferição seria necessário apreciar a validade substantiva do ato de liquidação de IRS controvertido, a fim de detetar se o mesmo enfermava de erro sobre os pressupostos de facto ou de direito, o que não pode este Tribunal Arbitral já fazer em virtude da inutilidade superveniente da lide quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS controvertida; além disso, como bem se diz na decisão arbitral proferida no processo n.º 31/2013-T, «torna-se impossível juridicamente anular o que já não existe».

 

24. Nestes termos, improcede a pretensão da Requerente a juros indemnizatórios.

 

§4. Do Valor da Causa

25. No pedido de constituição de tribunal arbitral, foi indicada a quantia de € 42.420,71 como sendo o valor da utilidade económica do pedido.

 

Na sequência da sobredita anulação do ato de liquidação de IRS controvertido, a Requerente suscitou a questão do valor da causa por considerar que este não pode compreender já o montante de imposto e de juros compensatórios liquidado e entretanto anulado, mas apenas o valor correspondente aos juros indemnizatórios que peticiona e que alega cifrar-se em € 12.985,64.

 

26. Na determinação do valor da causa deve atender-se ao momento em que a ação é proposta, exceto quando haja reconvenção ou intervenção principal, como decorre do disposto no artigo 299.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

Como flui do estatuído no artigo 259.º, n.º 1, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, a instância inicia-se pela propositura da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respetiva petição inicial, ou seja, no caso do processo arbitral tributário, logo que seja recebida na secretaria do CAAD o pedido de constituição de tribunal arbitral.

 

Como afirma Jorge Lopes de Sousa[3], «são irrelevantes as modificações de valor que possam advir da revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada ou de desistência ou redução de pedidos.

Da mesma forma não implicarão alteração ao valor da causa, eventuais ampliações do pedido primitivo que se considerem admissíveis, por serem, desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo (artigo 265.º, n.º 2, do CPC), como, por exemplo, aumento derivado de juros indemnizatórios ou de indemnização por garantia indevida.»

 

27. Nestes termos, o valor da causa é fixado em € 42.420,71 e, por isso, é indeferida a pretensão da Requerente.

 

§5. Da Responsabilidade pelas Custas Processuais

28. Nos termos do disposto no artigo 536.º, n.º 3, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, nos casos de extinção da instância por impossibilidade ou inutilidade superveniente da lide (excetuados os previstos nos números anteriores), a responsabilidade pelas custas fica a cargo do autor ou requerente, salvo se tal impossibilidade ou inutilidade for imputável ao réu ou requerido, caso em que é este o responsável pela totalidade das custas; o n.º 4 do mesmo artigo estatui, no que aqui importa atentar, que se considera, designadamente, que é imputável ao réu ou requerido a inutilidade superveniente da lide quando esta decorra da satisfação voluntária, por parte deste, da pretensão do autor ou requerente.

 

No caso concreto, como resulta do acima dito, a anulação administrativa da liquidação de IRS controvertida que determinou a inutilidade superveniente da lide no concernente ao pedido da respetiva declaração de ilegalidade e anulação é imputável à AT, sendo que quando a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral, tal ainda não havia acontecido.

 

29. Por outro lado, o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios é improcedente, pelo que, nesta parte, é a Requerente responsável pelas custas, nos termos do disposto no artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

30. Nestes termos, as custas do presente processo ficam a cargo da Requerente e da Requerida, respetivamente, na proporção de 10% e de 90%.

***

IV. Decisão

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide:

  1. Julgar improcedente a exceção de incompetência material do Tribunal Arbitral;
  2. Julgar extinta a instância, por inutilidade superveniente da lide, quanto ao pedido de declaração de ilegalidade e anulação da liquidação de IRS 2012..., referente ao ano de 2010, com as legais consequências;
  3. Julgar improcedente a exceção de falta de objeto da lide;
  4. Julgar improcedente o pedido de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios à Requerente, com as legais consequências;
  5. Condenar a Requerente e a Requerida ao pagamento das custas do presente processo, respetivamente, na proporção de 10% e de 90%.

*

Valor do Processo

Em conformidade com o acima decidido, é fixado ao processo o valor de € 42.420,71 (quarenta e dois mil quatrocentos e vinte euros e setenta e um cêntimos).

*

Custas

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), cujo pagamento fica a cargo da Requerente e da Requerida, respetivamente, na proporção de 10% e de 90%.

*

Notifique.

 

Lisboa, 30 de março de 2020.

 

O Árbitro,

 

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)

 

 

 



[1] Nuno de Villa-Lobos e Tânia Carvalhais Pereira (Coord.), Guia da Arbitragem Tributária, Revisto e Atualizado, 2.ª Edição, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 171 e 172.

[2] Serena Cabrita Neto e Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, Volume I, Coimbra, Almedina, 2017, pp. 218 a 221. 

[3] Loc. cit., p. 153.