Os árbitros José Poças Falcão (árbitro-presidente), Cláudia Rodrigues e Miguel Patrício, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Colectivo, acordam na seguinte:
DECISÃO ARBITRAL
I. Relatório
1. A..., S.A. (doravante “REQUERENTE” ou “A...”), NIF/NIPC ..., com sede na Rua ..., ...-... Lisboa, anteriormente designado B..., S.A., veio, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, apresentar um pedido de pronúncia arbitral e de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na al. a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 10.º e seguintes do Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante designado por “RJAT”), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por “Requerida” ou “AT”).
2. A Requerente apresentou, a 4 de Maio de 2010, impugnação judicial contra os actos tributários, referentes aos períodos 2005 e 2006 melhor identificados.
3. O processo de impugnação judicial encontrava-se a aguardar decisão em primeira instância e corria os seus termos na Unidade Orgânica 3, do Tribunal Tributário de Lisboa, sob o número de processo .../10...BELRS.
4. A Requerente apresentou junto do Tribunal Tributário de Lisboa, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro, requerimento a requerer a extinção do processo de impugnação judicial por o ir cometer ao Tribunal Arbitral, constituído sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
5. Tendo sido proferida sentença homologatória, datada de 29.04.2019, da desistência da instância para esse propósito.
6. A Requerente pretende, em conformidade com o pedido e a causa de pedir do processo de impugnação judicial, que coincide com o pedido de pronúncia arbitral, que o Tribunal Arbitral declare:
a) a anulação dos atos tributários consubstanciados nas liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativas aos anos de 2005 e 2006, no montante total de € 358.096,57 (IVA) e € 45.677,64 (juros compensatórios) conforme identificados na tabela infra:
Liq. Adic. n.º Natureza Ano Período Montante (€)
... IVA 2005 12 162.905,19
... JC 2005 12 24.350,98
... IVA 2006 12 195.191,38
... JC 2006 12 21.326,66
b) e a consequente restituição dos valores pagos, acrescidos dos respectivos juros indemnizatórios.
7. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Requerida, em 26 de Julho de 2019.
8. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT, os signatários foram designados como árbitros pelo Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, tendo as nomeações sido aceites, nos termos e prazos legalmente previstos.
9. A 7 de Outubro de 2019 foi constituído o tribunal arbitral.
10. Notificada para o efeito a 12 de Outubro de 2019, a Requerida apresentou, em 14 de Novembro de 2019, a sua Resposta, tendo remetido para a contestação deduzida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º .../10...BELRS, que correu termos no TT de Lisboa.
11. Por se entender inexistir controvérsia relativamente aos factos essenciais para a boa decisão da causa, sendo suficiente a prova documental não impugnada em conjugação com a posição de cada uma das partes assumida nos respetivos articulados, e não havendo exceções ou questões prévias a apreciar e decidir, em 22 de Novembro de 2019 foi dispensada a reunião arbitral prevista no artigo 18.º do RJAT e entendeu-se inútil a diligência de inquirição de testemunhas, tendo-se convidado a Requerente e Requerida a apresentar alegações escritas, de facto e de direito.
12. A 20 de Dezembro de 2019 a Requerente apresentou as suas alegações escritas, reafirmando, no essencial, as posições já assumidas na petição, não tendo a Requerida apresentado alegações finais.
13. Em síntese, a matéria de direito a analisar prende-se com a questão de saber se nos contratos de locação financeira (Leasing e ALD Financeiro) o valor a considerar como volume de negócios, para efeitos de determinação da percentagem de dedução do IVA suportado nos custos comuns, deve abranger a totalidade da renda – como entendeu a Requerente – ou deve abranger apenas parte da mesma, excluindo a parte corresponde à amortização financeira – como defende a Requerida.
II. Posição e Fundamentação das Partes
Posição da Requerente
14. A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
a) A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro.
b) A Requerente encontrava-se enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas a Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito automóvel e ao consumo (vulgos contratos de crédito ao consumo).
c) Por força dos contratos de Leasing ou de ALD, a Requerente, a solicitação e indicação do Locatário, seu cliente, adquiria determinado veículo a terceiro, procedendo ao pagamento integral e a pronto do mesmo, acrescido de IVA, entregando-o de imediato ao Locatário, para uso e fruição, ao abrigo e segundo os termos e condições constantes do aludido contrato.
d) Como contrapartida pela sua prestação de serviços o Locatário ficava obrigado a pagar à Requerente uma retribuição a qual assumia a forma de renda (i.e., encargo periódico que o Locatário assumia perante a Requerente).
e) Para a determinação dessa renda eram considerados, designadamente, os seguintes factores: preço de aquisição do bem (veículo), os encargos e a margem de lucro.
f) Nos termos dos Contratos em causa, o Locatário podia, no final do contrato e se assim o pretendesse, adquirir o bem à Requerente mediante o pagamento do valor residual, no caso de contrato de Leasing, ou de uma renda final, no caso do contrato de ALD financeiro.
g) Nas situações em que não houve transmissão da propriedade – quer porque os contratos de Leasing ou de ALD Financeiro foram resolvidos por incumprimento do Locatário quer porque este, no final do contrato, não accionou a opção de compra constante dos mesmos –, os veículos foram vendidos pela Requerente a diversas entidades.
h) A Requerente acresceu o IVA nas respectivas vendas, sendo que o produto da venda constituiu igualmente uma operação sujeita a este imposto.
i) Enquanto que nas operações sujeitas, Leasing e ALD, a Requerente liquidou IVA sobre o valor total da renda, no caso das operações não sujeitas, como a concessão de crédito para estudo, viagens ou mobiliário, a Requerente não liquidou IVA, sujeitando as referidas operações a Imposto do Selo (verba 17 da Tabela Geral do Imposto do Selo, doravante TGIS) na parte relativa aos juros.
j) Do enquadramento factual exposto resulta que parte da actividade da Requerente está sujeita a IVA (Locação Financeira) e outra parte está isenta (crédito ao consumo), pelo que a Requerente consubstancia um sujeito passivo misto para efeitos de IVA.
k) A natureza das actividades desenvolvidas pela Requerente permite cindir, de forma perfeita e autónoma e com a excepção dos custos comuns, os custos e proveitos associados à actividade sujeita e à actividade isenta, pelo que a Requerente aplicou, para dedução do IVA incorrido a montante o método da afectação real.
l) Isto significa que, que nas operações sujeitas, a Requerente liquidou IVA nos respectivos outputs (acrescendo ao montante cobrado a título de contraprestação pelo serviço prestado o respectivo IVA), deduzindo o imposto dos correspondentes inputs relacionados com os custos necessários para as operações sujeitas.
m) Por seu turno, nas operações não sujeitas ou isentas (como é o caso do crédito ao consumo), a Requerente não liquidou o IVA nos respectivos outputs, não tendo deduzido o imposto dos correspondentes inputs relacionados com os custos necessários para estas operações.
n) No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, os designados custos comuns, a Requerente deduziu, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.
o) Na fórmula do cálculo do pro rata a Requerente considerou no numerador da fracção (operações com direito à dedução) o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo, designadamente, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.
p) No denominador (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.
q) As percentagens de dedução apuradas para os anos de 2005 e 2006 foram, assim, de 58% e 55%, respectivamente, tendo a Requerente deduzido o IVA suportado nos gastos comuns com base nas mesmas.
r) A Requerente sustenta, em síntese, a sua posição nos seguintes argumentos:
i. “o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA não constitui a mera transposição, para o direito interno português, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva;
ii. as prerrogativas que o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA atribui à AT para impor condições especiais são restritas ao método da afectação real e reconduzem-se ao controlo de tais critérios objectivos a utilizar para medir a intensidade dos inputs que não podem ser directamente atribuídos a dois grupos de operações, tributáveis e isentas;
iii. a AT nunca identificou ou quantificou a existência de supostas distorções significativas na tributação;
iv. do que se trata é da modelação do direito de deduzir certos bens e serviços (os chamados custos comuns) que não podem ser objecto nem de atribuição directa, nem de atribuição por afectação real, ou seja, não é possível aferir a medida exacta de repartição em que a utilização de bens e serviços é determinada pelo financiamento e gestão dos contratos de locação financeira;
v. a contrapartida recebida pelo locador compreende não apenas os juros que correspondem à remuneração do serviço prestado por um sujeito passivo que exerce actividades de locação financeira, mas também outros encargos e sobretudo a amortização financeira que parece corresponder ao preço pago por este para a aquisição do veículo automóvel, sendo esta composição da contrapartida conforme o disposto no artigo 16.º, n.º 2, alínea h) do CIVA, o qual determina que o valor tributável das operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário”.
s) Relativamente a cada um dos pontos supra elencados, a Requerente destaca que “… a afectação real se apresenta como o método eleito para modelar o direito dos sujeitos passivos mistos, sendo o método pro rata o método residual, especialmente pensado para a dedução nas despesas indistintamente afectas a operações tributadas e as operações não tributadas”.
t) Com efeito, “Só através da aplicação do método da afectação real é que se permite a recuperação integral do imposto suportado nos custos afectos às operações em causa”, pelo que ,“Apresentando um carácter residual / supletivo, o método pro rata só deverá ser aplicado para os custos comuns (custos afectos indiscriminadamente a várias actividades, operações sujeitas e operações isentas)”.
u) Nesta matéria, estatui o n.º 1 do artigo 174.º da Directiva do IVA que “«O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes: - no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução em conformidade com os artigos 168.º e 169.º; - no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem esse direito à dedução.”
v) Este último preceito foi transposto para o nosso ordenamento jurídico pelo n.º 4 do artigo 23.º do CIVA o qual, na altura dos factos, determinava que: “A percentagem de dedução referida no n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar à dedução nos termos do artigo 19.º e n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento”.
w) Nessa medida, é entendimento da Requerente que “resulta assim que quando a aplicação do método da afectação real não seja possível, a dedução dos custos comuns terá necessariamente de ser feita segundo o método do pro rata, sendo este calculado através da seguinte fórmula: no numerador (dividendo) deverá ser tido em consideração o montante total de volume de negócios anual/transmissões de bens e prestações de serviços relativo às operações que conferem o direito à dedução; e no denominador (divisor), deverá ser incluído o mesmo valor do numerador acrescido das operações que não conferem o direito à dedução (operações isentas ou fora do campo do imposto)”.
x) A Requerente chama à colação a posição sustentada por um Parecer jurídico de Janeiro de 2012 da autoria conjunta do Senhor Doutor José Guilherme Xavier de Basto e do Senhor Professor Doutor António Martins , segundo o qual “…(...)é sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; e de ser claro também que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.» (vide páginas 7 e 8 do Parecer constante do documento n.º 26).
y) Concluindo assim que a “(…) solução proposta pela administração fiscal, de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fracção a parte da renda correspondente à amortização não tem apoio directo nos textos legais.» (vide página 8 do Parecer constante do documento n.º 26 ”.
z) A Requerente alega ainda que “é por demais evidente que à luz das disposições nacionais que transpuseram a Directiva do IVA para o ordenamento jurídico nacional (maxime o Código do IVA), não é atribuída à AT quaisquer prerrogativas destinadas à alteração do modo de cálculo da percentagem de dedução do IVA autorizada para os bens de utilização mista, ou seja, relativamente «(…) aos custos comuns que não puderam ser atribuídos por critérios objectivos aos dois grupos de operações, tributadas e isentas, do sujeito passivo» (vide página 47 do Parecer constante do documento n.º 26).
aa) Com efeito, não obstante da margem concedida pela Directiva do IVA aos Estados-Membros no âmbito da dedução de bens e serviços de utilização mista, a verdade é que nos termos da legislação nacional (maxime no Código do IVA) não se encontra prevista a possibilidade de a AT poder alterar / modelar a componente do pro rata.
bb) Assim, conforme é justamente sustentado em Parecer Complementar elaborado pelos mesmos autores (J. GUILHERME XAVIER DE BASTO e ANTÓNIO MARTINS) o que realmente sucede é que «(…) o legislador nacional não usou da faculdade que o TJUE entende estar à disposição dos Estados membros de limitar os valores a inserir no numerador e no denominador da fracção. As distorções de tributação que o legislador nacional previu que poderiam existir na modulação do direito à dedução são, na nossa lei, resolvidas através da imposição ao sujeito passivo do método da afectação real (n.º 3, alínea b) do artigo 23º), ou, quando elas resultam de o sujeito passivo ter optado por este método, da imposição de o abandonar (parte final do n.º 2 do mesmo artigo). Também é certo que a lei consente que, no caso de opção pelo método da afectação real, a administração possa impor ao sujeito passivo “condições especiais”, que a lei não define, mas que não consistem em alteração ao pro rata de dedução…» – ênfase nossa”.
cc) A Requerente contesta igualmente a posição defendida pela AT com base na doutrina vertida no aludido Ofício-Circulado n.º 30108 quanto à “distorção significativa da tributação”, considerando que “a AT não invoca, conforme lhe competiria (e muito menos demonstra), a razão pela qual o recurso ao método do pro rata como forma de medir a percentagem de utilização dos bens e serviços indistintamente utilizados na realização de operações que conferem direito à dedução e de operações que não conferem esse direito é susceptível de provocar “distorções significativas na tributação”.
dd) A Requerente tece ainda algumas considerações relativamente ao Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014 (Proc. C-183/13), o qual considera não servir para fundamentar o indeferimento do presente pedido arbitral, concluindo que:
i. “ o Acórdão do TJUE não responde directamente à pergunta prejudicial formulada no “Caso Banco Mais”, que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve actividades de locação financeira (sujeitas) e outras actividades associadas à concessão de crédito (isentas) (…);
ii. (…) o Acórdão do TJUE não deveria sequer cuidar em apurar se, efectivamente, a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista, e muito menos da forma leviana como assumiu esse juízo. (…)
iii. … o Acórdão do TJUE sustenta que o juízo de adequação para a aplicação de um outro método de dedução de IVA nos bens e serviços de utilização mista se encontra dependente da verificação do requisito que consiste na questão de saber se a utilização desses bens e serviços é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira. (…) Pelo que para além de consubstanciar um requisito que não tem qualquer cabimento legal (maxime, no Código do IVA), nunca o mesmo poderia ser sujeito a alegação e prova por parte do sujeito passivo, mas outrossim pela AT (uma vez que é esta que, em caso de “distorção significativa da tributação”, poderá impor a alteração – e não a sua modelação – do método ao contribuinte”
ee) Em suma, a Requerente alega que “o TJUE assenta o seu Acórdão numa premissa totalmente errada: a de que o artigo 23.º, n.º 2 do CIVA constitui a mera transposição para o direito interno do artigo 17.º, n.º 5, alínea c), da Sexta Directiva”.
ff) Para suporte do seu entendimento, a Requerente faz ainda referência a um conjunto de decisões proferidas pelo CAAD, designadamente as proferidas nos Processos Arbitrais números 309/2017-T, 311/2017-T 312/2017-T, 339/2018-T, 498/2018-T, e 581/2018-T, nos quais se conclui que “o nosso ordenamento jurídico não constituiu uma transposição ipsis verbis da directiva mas somente a escolha entre as possibilidade que a mesma previa, não tendo sido opção do legislador permitir que a AT viesse a mitigar o pró-rata”, pelo que as mesmas “vieram a considerar ilegal o entendimento sufragado pela AT de que, na determinação do cálculo do pro rata, a parte da renda correspondente à amortização financeira e a indemnização dos bens alienados deve ser expurgada do numerador e denominador da fracção”.
gg) Em face do exposto, a Requerente considera “os actos tributários em escrutínio manifestamente ilegais, solicitando a sua anulação, porquanto, ao contrário do que é o entendimento da AT, esta não se encontra habilitada a aplicar ou a impor a aplicação à Requerente de um coeficiente de dedução diverso do método pro rata, sob pena de violação do disposto nos artigos 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA e dos princípios que caracterizam o IVA”.
hh) Por último, a Requerente alega ainda que, mesmo no caso da improcedência da impugnação, as liquidações de juros compensatórios são ilegais, porque seria necessário, para esse efeito, que existisse um nexo de causalidade entre a actuação do contribuinte e o retardamento da liquidação, ou seja, uma conexão objectiva entre o atraso e a actuação do contribuinte e um comportamento culposo imputável ao contribuinte, na medida em que a conduta do agente seja censurável, a título de dolo ou negligência.
ii) A este respeito, defende que, mesmo que o atraso na liquidação seja provocado pela conduta do contribuinte e seja errónea a sua posição, não haverá lugar a juros compensatórios quando ele tenha actuado de boa fé e o erro seja desculpável, o que se verificou, dado que procedeu de boa fé, acreditando que estava a cumprir integralmente a legislação aplicável, inexistindo qualquer comportamento doloso da sua parte mas, ao invés, uma mera divergência de critérios entre a AT e o Sujeito Passivo, pelo que devem ser anulados os juros compensatórios.
Posição da Requerida
15. A Requerida sustenta a improcedência do pedido de pronúncia arbitral com base na contestação deduzida no âmbito do processo de impugnação judicial n.º.../10...BELRS, que correu termos no TT de Lisboa, a qual remete para a posição da Administração Fiscal expressa através da informação e parecer relativa à apreciação do pedido, prestada pela Divisão de Justiça Contenciosa, alegando, em síntese, que:
a. “Quando os sujeitos passivos praticam a jusante operações em que parte das quais não conferem o direito à dedução, há que limitar, em correspondência, o exercício desse direito.
b. Refere o nº 1 do art. 23ª do Código do IVA (à data dos factos) que "quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectue transmissões de bens e prestações de serviços, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto suportado nas aquisições é dedutível apenas na percentagem correspondente ao montante anual de operações que dêem lugar à dedução.
c. Esta regra geral conhecida por "método de percentagem de dedução" (pro rata) pode ser afastada conforme estatuído nos nºs 2 e 3 do mesmo artigo, por aplicação do “método de afectação real" que comporta a possibilidade de deduzir a totalidade do imposto suportado na aquisição de bens destinados a actividades que dêem lugar à dedução mas, ao mesmo tempo, impede a dedução do imposto em operações que não conferem esse direito.
d. Conseguida a separação ou a identificação das operações (as que conferem e as que não conferem o direito à dedução) a utilização do método de afectação real não levanta dúvidas. Porém, relativamente aos bens e serviços (despesas gerais ou comuns) cuja afectação é difícil ou impossível de concretizar, deverá a dedução ser efectuada em proporção aos indicadores que se mostrem mais justos e racionais.
e. O nº 4 do art. 23º do Código do IVA (à data dos factos) estabelece que a percentagem de dedução referida no nº 1 do mesmo artigo resulta duma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução nos termos do art. 19º e nº 1 do art. 20º do CIVA e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto, designadamente as subvenções não tributadas que não sejam subsídios de equipamento.
f. Convém, contudo, acrescentar, que o art. 23.º do Código do IVA (à data dos factos) corresponde a duas normas comunitárias: o nº 5 do art. 17.º e o art. 19.º da Sexta Directiva (Directiva 77/388/CEE, de 17 de Maio de 1977). Estas normas têm que ser consideradas na interpretação das regras nacionais quanto ao direito à dedução do imposto suportado em bens de utilização mista.
g. O nº 5 do art. 17.º daquele normativo dispõe, relativamente aos bens e serviços de utilização mista, que a dedução do IVA só pode efectuar-se na proporção correspondente às operações que conferem o direito à dedução.
h. Por seu turno, o nº 1 do art. 19.º da Directiva (Art. 174.º da Directiva do IVA) dispõe quanto às regras para a determinação da percentagem de dedução: “O prorata de dedução ( ...) resultará de uma fracção que inclui: - no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações que conferem direito à dedução (...); - no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido do imposto sobre o valor acrescentado, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não conferem direito à dedução.”
i. Acontece que, no caso das instituições de crédito, o conceito de volume de negócios, estatuído na al. a) do nº 3 do art. 5º do Regulamento (CE) nº 139/2004, do Conselho de 20 de Janeiro não contempla a parte correspondente à amortização financeira, já que esta visa a redução do crédito concedido pelo locador e não influencia o resultado do exercício.
j. De acordo com o referido Regulamento, o conceito de volume de negócios corresponde à soma dos seguintes proveitos: juros e proveitos equiparados, receitas de títulos, comissões recebidas, lucro líquido proveniente de operações financeiras e outros proveitos de exploração, os quais influenciam o resultado do exercício.
k. Embora, de acordo com o art. 10.º nª 2. al. h) do Código do IVA, o valor tributável das operações (rendas) subjacentes a um contrato de locação financeira, seja composto por capital mais juros, a parcela correspondente à amortização do capital (amortização financeira) não tem a natureza de proveito e, por isso, não integra o conceito de volume de negócios nas instituições de crédito, razão pela qual não pode influenciar o cálculo da percentagem de dedução ou pro rata.
l. Com efeito, o art. 19.º da Sexta Directiva e o art. 174.º da Directiva do IVA (actualmente em vigor), contemplam a expressão "volume de negócios" na fórmula utilizada para o cálculo do pro rata. Porém, o conceito de "volume de negócios" e as importâncias que o compõem não pode assumir significados / valores diferentes consoante a "utilização que se lhe pretende dar.
m. O conceito de volume de negócios, implícito no Plano Oficial de Contabilidade, com base na definição do art. 28.º da Directiva 78/660/CE, de 28 de Julho de 1978 (4ª Directiva), corresponde à quantia líquida das vendas e prestações de serviços, respeitantes às actividades normais das entidades, após as reduções em vendas e, não incluindo nem o imposto sobre o valor acrescentado nem outros impostos, directamente relacionados com as vendas e prestações de serviços. Dito de outra forma, o volume de negócios de uma entidade corresponde ao total das contas de proveitos deduzido das devoluções descontos e abatimentos.
n. Acontece que a componente da renda, correspondente à amortização financeira, não constitui nenhum proveito”.
o. A Requerida alega, a este respeito, que para a contabilização das operações de Leasing e ALD Financeiro, a Requerente regista na conta 436041 (plano de contas Espanhol) a que corresponde a conta 226021 “Contratos Celebrados ALD” (PCSB nacional), a parte relativa à amortização financeira, ou seja, “os montantes inerentes a estas parcelas nunca são proveitos para a entidade, correspondendo, tão somente, à amortização do capital investido pela Locadora, à medida que o Locatário procede ao pagamento das prestações (movimentos a crédito da conta)”.
p. “Ou seja, porque estes movimentos não constituem proveitos para a entidade, não influenciam o volume de negócios da mesma, e não contribuem, por isso, para o apuramento do resultado do exercício”.
q. Quanto à componente dos juros “não há dúvidas que é a única que integra os proveitos da entidade e, por conseguinte, a única que influencia o volume de negócios e o resultado do exercício”.
r. “Assim, para efeitos do cálculo do pro rata (percentagem de dedução), nos termos do nº 4 do art. 23.º do Código do IVA, apenas se poderá considerar no numerador, os juros relativos à actividade de locação financeira e outros proveitos tributados e, no denominador, os valores de todas as operações, incluindo as isentas, com exclusão das importâncias respeitantes às amortizações financeiras”.
s. A Requerida sustenta a sua posição sobre a correcta interpretação a dar ao artigo 23.º do Código do IVA, no entendimento vertido no Ofício Circulado nº 30108 de 30-01-2009, da Área da Gestão Tributária do IVA, sancionado pelo Sr. Director Geral dos Impostos, o qual “no que se relaciona com as operações de Leasing ou ALD dispõe: “(...) devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD”.
t. Acresce que é feita ainda referência à Informação nº 1251 de 15-03-2006, da Direcção de Serviços do IVA, “na qual foi sancionado o mesmo entendimento”.
u. “Efectivamente, apenas os juros (como componente da renda), estão em conexão com os custos comuns utilizados, uma vez que estes, ao constituírem a remuneração do serviço prestado têm por objectivo a cobertura dos custos suportados a montante, cuja percentagem de dedução do IVA o prorata pretende apurar. Se assim não fosse admitia-se uma percentagem de repartição dos custos comuns aumentada, que conduziria a um direito à dedução ilegítimo e, em consequência, prejudicando a neutralidade na mecânica do IVA”.
v. Considera, portanto, a Requerida que a percentagem do pro rata determinada pela inspecção tributária e que originou os actos tributários objecto do presente pedido de pronúncia arbitral é a correcta pelo que as pretensões da Requerente não devem proceder.
w. Quanto à pretensão da Requerente de que, mesmo no caso da improcedência da impugnação, as liquidações de juros compensatórios devem ser consideradas ilegais, a Requerida alega não ter aquela razão, alegando que “as Liquidações Adicionais de IVA foram emitidas porque a Inspecção Tributária, em acção de inspecção, verificou que a Sucursal determinou de forma incorrecta, a percentagem de dedução de IVA (pro rata), (…), que provocou uma dedução indevida de IVA, que favoreceu o sujeito passivo.
x. Deste modo, verificou-se, efectivamente, que o imposto corrigido originou um retardamento na liquidação do imposto, por facto imputável ao sujeito passivo, pelo que o pagamento de juros compensatórios, por parte do sujeito passivo, previstos no art. 35º da Lei Geral Tributária, têm como finalidade indemnizar o Estado. Acrescenta-se, contudo, que os fundamentos de facto e de direito que subjazem aos juros compensatórios decorrem da própria liquidação de imposto, que resultou das infracções verificadas”.
III. Saneador
16. O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, todos do RJAT.
17. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
18. Não se verificam nulidades nem questões prévias que atinjam todo o processo, pelo que se impõe, agora, conhecer do mérito do pedido.
IV. Fundamentação
Objecto da pronúncia arbitral
19. O pedido sub judice tem por objecto a anulação dos actos tributários consubstanciados nas liquidações adicionais de IVA e de juros compensatórios relativas aos anos de 2005 e 2006, no montante total de € 358.096,57 (IVA) e € 45.677,64 (juros compensatórios).
20. Colocando-se ao Tribunal a questão de se o procedimento adoptado na aplicação do método do pro rata de dedução de imposto suportado nos bens e serviços de utilização mista (i.e., utilizados em operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem tal direito), devem ser considerados no numerador e no denominador da fracção de cálculo do pro rata as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira.
Matéria de facto
21. Relativamente à matéria de facto, importa, antes de mais, salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art. 123.º, n.º 2, do CPPT e art. 607.º, n.ºs 3 e 4, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito.
Os factos provados
22. Tendo em consideração, nomeadamente, as posições assumidas pelas partes, a prova documental produzida por ambas as partes e a cópia do processo administrativo junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A. A Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (aprovado pelo Decreto-Lei nº 298/92, de 31 de Dezembro e sucessivas alterações).
B. Para efeitos de IVA, a Requerente esteve, até dia 2007.01.04, enquadrada no regime normal, com periodicidade mensal, desenvolvendo operações sujeitas – nas quais se incluem as relativas à Locação Financeira mobiliária [Leasing e Aluguer de Longa Duração Financeiro (doravante ALD Financeiro)] – e operações isentas – designadamente a concessão de financiamentos de crédito automóvel e ao consumo (vulgos contratos de crédito ao consumo), pelo que é um sujeito MISTO para efeitos de IVA.
C. O pedido de pronúncia arbitral incide sobre as liquidações de IVA, relativas aos anos de 2005 e 2006, no montante total de € 358.096,57 e respectivos juros compensatórios no valor de € 45.677,64.
D. As mencionadas liquidações tiveram origem nas correcções meramente aritméticas efectivadas pela Divisão de Inspecção a Bancos e Outras Instituições de Crédito (doravante Divisão de Inspecção), na sequência de uma acção inspectiva – iniciada a 2009.05.25 e concluída a 2009.10.07 – a qual teve como âmbito os exercícios de 2005 e 2006.
E. Os fundamentos dessas correcções encontram-se desenvolvidos no respectivo Relatório de Inspecção Tributária (ora em diante, Relatório), como prescreve o artigo 77.º da Lei Geral Tributária junto aos Autos, o qual foi notificado à Requerente através do ofício n.º..., datado de 2009.11.10.
F. A posição da Requerida e que está na base dos actos tributários impugnados encontra-se alicerçada no argumento de que a componente financeira correspondente à amortização do financiamento subjacente à aquisição do bem locado, não sendo uma contrapartida de uma transmissão de bem ou prestação de serviços, não tem a natureza de proveito e não pode, por isso, integrar o volume de negócios para efeitos de determinação da percentagem de dedução (i.e. para apuramento do pro rata).
G. Pelo que as liquidações adicionais objecto do litígio têm por base a consideração da Requerida de que se deverá retirar das componentes da fracção (numerador e denominador) o montante correspondente ao capital das rendas dos contratos de locação financeira (no montante de € 18.890.097,30 e de € 18.905.866,15, relativos aos exercícios de 2005 e 2006, respectivamente),
H. corrigindo a percentagem de dedução do IVA que incidiu sobre os custos comuns de 58% para 32%, no exercício de 2005, e de 55% para 34%, no exercício de 2006,
I. apurando imposto em falta no montante de € 162.905,19, para 2005, e de € 195.191,38, para 2006.
J. Por não se conformar com as correcções e, consequentemente, com as liquidações efectuadas, a Requerente impugnou as liquidações em causa, tendo deduzido o presente pedido de pronúncia arbitral.
K. A natureza das actividades desenvolvidas pela Requerente permite cindir, de forma perfeita e autónoma e com a excepção dos custos comuns, os custos e proveitos associados à actividade sujeita e à actividade isenta, pelo que a Requerente aplica o método da afectação real.
L. No que concerne aos custos suportados na aquisição de bens e serviços indistintamente utilizados a jusante em operações sujeitas com ou sem direito a dedução, os designados custos comuns, a Requerente deduziu, em virtude das operações sujeitas, com base no método do pro rata.
M. Na fórmula do cálculo do pro rata, a Requerente considerou no numerador da fracção (operações com direito à dedução), o montante correspondente à base tributável constante das declarações periódicas de IVA, incluindo, designadamente, as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira, e no denominador (operações com direito à dedução e operações isentas) adicionou ao montante determinado para o numerador o valor correspondente às operações isentas sem direito à dedução.
N. Nos exercícios em causa, o IVA suportado nos gastos comuns foi de € 626.558,44, para o exercício de 2005, e de € 929.482,75, para o exercício de 2006, tendo a Requerente deduzido nas declarações periódicas referentes a cada um dos anos em causa o imposto correspondente à aplicação de um pro rata definitivo de 58% e 55%, respectivamente, o que corresponde a € 363.403,90 em 2005 e € 511.215,51 em 2006.
Factos não provados
23. De entre os factos alegados relevantes para a decisão, nenhum ficou por provar.
Matéria de direito
Análise da questão controvertida
24. A questão controvertida nos presentes autos foi já objecto de diversa jurisprudência proferida quer pelo CAAD quer pelos tribunais administrativos.
25. Assim, para a decisão do presente caso, teremos em consideração (e seguiremos de perto, por com elas concordarmos) as decisões proferidas pelo CAAD n.os 309/2017-T, 311/2017-T, 312/2017-T, 335/2018-T, 339/2018-T e 581/2018-T, e analisaremos, também, o acórdão do STA proferido em 29 de Outubro de 2014, no âmbito do processo n.º 01075/13, 2.ª Secção.
26. Vejamos, então.
27. A Directiva n.º 2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006, relativa ao sistema comum do imposto sobre o valor acrescentado, veio, para a matéria que interessa para os presentes autos, prever, no capítulo 2, o seguinte:
«CAPÍTULO 2
Pro rata de dedução
Artigo 173.o
1. No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.o, 169.o e 170.o, como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações.
O pro rata de dedução é determinado, em conformidade com os artigos 174.o e 175.o, para o conjunto das operações efectuadas pelo sujeito passivo.
2. Os Estados–Membros podem tomar as medidas seguintes:
a) Autorizar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade, se tiver contabilidades distintas para cada um desses sectores;
b) Obrigar o sujeito passivo a determinar um pro rata para cada sector da respectiva actividade e a manter contabilidades distintas para cada um desses sectores;
c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços;
d) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução, em conformidade com a regra estabelecida no primeiro parágrafo do n.o 1, relativamente a todos os bens e serviços utilizados nas operações aí referidas;
e) Estabelecer que não seja tomado em consideração o IVA que não pode ser deduzido pelo sujeito passivo, quando o respectivo montante for insignificante.»
28. Sendo que, nos termos do artigo 174.º:
«Artigo 174.o
1. O pro rata de dedução resulta de uma fracção que inclui os seguintes montantes:
a) No numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução em conformidade com os artigos168.o e 169.o;
b) No denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução.
Os Estados–Membros podem incluir no denominador o montante das subvenções que não sejam as directamente ligadas ao preço das entregas de bens ou das prestações de serviços referidas no artigo 73.o.»
29. Por seu lado, o Código do IVA, no seu artigo 23.º, sob a epígrafe “Métodos de dedução relativa a bens de utilização mista”, vem prever que:
1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.
30. No presente caso, a Requerente é uma instituição de crédito abrangida pelo Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras que realiza operações de financiamento e concessão de crédito, que se encontram isentas de IVA e não permitem o direito à dedução de imposto, e operações de locação financeira, que estão sujeitas e não isentas de IVA e conferem direito à dedução, sendo assim caracterizada, para esse efeito, como um sujeito passivo misto.
31. No caso das operações de locação financeira, a contraprestação concretiza-se nas rendas que o locatário se obriga a pagar pela cedência dos bens locados e que integram uma parte correspondente a juros e outra referente a amortização financeira ou do capital.
32. Neste contexto, a Requerente não procedeu de acordo com o ponto 9 previsto no Ofício Circulado n.º 30108. Nos pontos 8 e 9 da supra referida instrução administrativa pode ler-se o seguinte:
«8. Nesse sentido, considerando que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação”, os sujeitos passivos que no âmbito de actividades financeiras pratiquem operações de Leasing ou de ALD, devem utilizar, nos termos do nº. 2 do artigo 23.º do CIVA, a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades.
9. Na aplicação do método da afectação real, nos termos do número anterior e sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23.º do CIVA.»
33. Ou seja: de acordo com esta instrução administrativa, o método eleito para a dedução do IVA neste tipo de actividade é o método da afectação real, e não o método do pro rata de dedução, como resultaria da aplicação do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, com base em “todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica.”
34. No caso ora em apreço está em causa a dedução de IVA relativamente a bens utilizados indiferentemente tanto na actividade tributada (como é a locação financeira), como na actividade económica isenta da Requerente (como sucede com a concessão de crédito).
35. Como se viu, na Directiva IVA - Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, a mesma postula que, quanto aos meios de utilização mista, utilizados indiferentemente «para efectuar tanto operações com direito à dedução (...) como operações sem direito à dedução, a dedução só é admitida relativamente à parte do IVA proporcional ao montante respeitante à primeira categoria de operações» (artigo 173.º, n.º 1, desta Directiva).
36. Tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA, «o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução», nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do mesmo Código.
37. Esta percentagem de imposto dedutível, também conhecido como método de «pro rata de dedução», resulta, em regra, de uma fracção que inclui, no numerador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações que confiram direito à dedução e, no denominador, o montante total do volume de negócios anual, líquido de IVA, relativo às operações incluídas no numerador e às operações que não confiram direito à dedução (artigo 174.º da Directiva IVA e artigo 23.º, n.º 4, do Código do IVA).
38. No caso aqui em análise, a Requerente utilizou o «coeficiente de imputação específico», considerando no cálculo da percentagem de dedução o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD, incluindo igualmente no numerador e no denominador da fracção as amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira e de ALD.
39. A Requerente considera, portanto, que determinar o «coeficiente de imputação específico» da forma prevista no ponto 9 do acima referido Ofício Circulado padece, pois, do vício de ilegalidade, por emanar de uma instrução administrativa que lhe impõe condições não previstas na lei, porquanto elegeu o método do pro rata de dedução, nos termos previstos no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA, e não o método da afectação real – e, no fundo, é essa a questão que importa dirimir nos presentes autos arbitrais.
40. A Requerente elegeu, para dedução do IVA dos custos comuns, o método do pro rata da dedução como sendo, no seu entendimento, o que maior grau de fiabilidade apresentava, não encontrando razões legais válidas para justificar a exclusão das componentes acima referidas do seu cálculo, e mais alegando que a jurisprudência do Acórdão do TJUE no caso Banco Mais, de 10 de Julho de 2014, não coloca em causa essa mesma conclusão, pois, no seu entender, do texto do artigo 23.º do Código do IVA, se pode e deve constatar que o mesmo não corresponde à mera transposição da Directiva do IVA, não estando prevista na legislação nacional a possibilidade – que é conferida pela Directiva, como veio o TJUE esclarecer – de os Estados Membros poderem mitigar o pro rata, porquanto essa opção não foi seguida pelo Estado Português, e, por outro lado, a imposição de condições à dedução apenas se encontra prevista na legislação nacional no contexto do método da afectação real, quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas e quando a aplicação do método do pro rata conduza a distorções significativas na tributação (distorções essas que, acrescente-se, a AT em nenhum momento invocou ou demonstrou existirem no presente caso).
41. Efectivamente, entende o Tribunal que a Requerente tem razão, porquanto o artigo 23.º do Código do IVA não confere poder à AT de impor a um sujeito passivo que opte pelo método do pro rata, condições acrescidas à verificação da percentagem de dedução, para além do comando normativo imposto pelo n.º 4 do art.º 23.º do Código do IVA, disposição essa que contém requisitos objectivos a observar na determinação daquela percentagem, nem se pode concluir, pela leitura atenta do aresto do TJUE proferido no caso Banco Mais, que Portugal terá transposto para a legislação nacional a possibilidade de obrigar um sujeito passivo, de tipo instituição financeira, quando exerça também actividades de locação financeira, a estabelecer um único pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, considerando no numerador e no denominador da fracção apenas a parte da renda que corresponde aos juros, pois essa não foi a opção do legislador português.
42. Como bem refere a Requerente, “o TJUE acabou por cingir a sua pronúncia à questão de saber se o artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c) da Sexta Directiva não se opõe a que um Estado-Membro possa obrigar um sujeito passivo a aplicar outro método de dedução que se repute mais ajustado”, sendo que “a aludida disposição não tem qualquer correspondência no Código do IVA, o que determina que a AT não se encontra habilitada a obrigar os sujeitos passivos a aplicarem método de dedução de IVA nos bens e serviços de utilização mista diferente do método do pro rata tal como consagrado no artigo 23.º do Código do IVA.”
43. Como refere José Maria Montenegro, citado pela ora Requerente, é inegável que “a Sexta Diretiva, no art.º 17.º (n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c)), quando se referia, justamente ao pro rata, abriu a porta aos Estados-membros para que autorizassem ou obrigassem o sujeito passivo a efetuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços. Sucede, todavia, que o legislador nacional preferiu não abrir essa porta, nada consagrando no sentido de conferir à sua Autoridade Tributária poderes com esse conteúdo»” (vd. ob. cit., p. 321).
44. Diga-se, ainda a este respeito, que o aresto proferido pelo STA no processo n.º 01075/13, 2.ª Secção, de 29.10.2014, o qual analisou a referida decisão do TJUE, não permite concluir pela sua oposição ao entendimento da presente decisão arbitral, porquanto no mesmo se pode ler, citando:
“Efectivamente, não desconhecendo o TJUE o disposto no artigo 23.º do CIVA, porque o cita expressamente, e que foi com base na interpretação que o Tribunal Nacional fez daquele artigo 23.º, n.º 4, para julgar procedente a impugnação, identificou a questão a decidir como a de saber se um Estado-Membro pode obrigar um banco que exerce, nomeadamente, atividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fração que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros.”
45. Dúvidas não há, pois, de que um Estado-Membro pode obrigar um sujeito passivo misto, do tipo de um Banco ou instituição financeira, a proceder como o acima afirmado pelo TJUE, mas um Estado-Membro (in casu o Português) só o pode fazer por via legislativa, porquanto a isso obriga o primado do Estado de Direito, e não por via de um entendimento administrativo unilateralmente imposto pela Administração Tributária (como o Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009), e essa análise o supra referido aresto do STA não cuidou, pelo que não se pode sequer equacionar a existência de qualquer contradição entre este douto aresto e a presente decisão arbitral sobre a mesma questão fundamental de direito em apreciação nos presentes autos arbitrais.
46. Acresce que, como bem se refere, p. ex., na Decisão arbitral com o n.º 335/2018-T, “a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira, de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, as orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem aos tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».”
47. Sem prejuízo de as decisões proferidas pelo TJUE em reenvio prejudicial serem vinculativas para os Tribunais nacionais, importa, ainda, realçar que, nos termos do art. 267.º do TFUE, a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, se limita à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adoptados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”. O que significa que aquela competência não se estende à interpretação do artigo 23.º do CIVA, na parte em que consubstancia opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas ao seu critério discricionário pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006.
48. Também não pode deixar de ser sublinhado que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º daquela Directiva não é uma disposição normativa de aplicação directa, uma vez que é dirigida aos “Estados-membros”, com vista a “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a adequação com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.”
49. Ora, sendo tal opção dirigida ao legislador, em homenagem aos princípios da legalidade e da reserva de lei a concretização daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, só pode ser legitimamente efectivada por via legislativa.
50. Em resumo e em conclusão:
51. Os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, previstos no artigo 23.º do Código do IVA, são:
- a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1, alínea b), do artigo 23.º do Código do IVA com remissão para o n.º 4];
- «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA).
52. Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 – que, para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica, é a percentagem de dedução, como refere a citada alínea b) do n.º 1 – «conduza a distorções significativas na tributação», a AT pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2. Tal circunstância não se verifica no presente caso.
53. A imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Com efeito, não é um Ofício Circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, ou uma informação (como a informação n.º 1763, da DSIVA, de 09.08.2008), que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.
54. Donde se conclui que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum.
55. Não se desconhece a possibilidade, conferida pelo artigo 173.º, n.º 2, c) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006, aos seus Estados Membros, de «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», mas tal possibilidade não foi transposta para o Código do IVA nacional, i.e., a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do mesmo código.
56. Pelo que, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT).
57. Decorre do que foi exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade – procedendo, pelo exposto, o presente pedido de pronúncia arbitral.
58. Consequentemente, as liquidações impugnadas enfermam de vício de violação de lei, por errada aplicação do método de cálculo do pro rata de dedução, o que justifica a sua anulação.
Restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
59. No caso dos autos, é manifesto que, na sequência da ilegalidade dos actos de liquidação impugnados, pelas razões já acima assinaladas, há lugar a reembolso do imposto pago pela Requerente, por força do disposto nos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado”.
60. No que concerne aos juros indemnizatórios, é também claro nos autos que a ilegalidade dos actos de liquidação de imposto impugnados é directamente imputável à Requerida.
61. O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios, regulado pelo art. 43.º da LGT, estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:
Artigo 43.º
Pagamento indevido da prestação tributária
1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas. (sublinhado nosso).
62. O erro das liquidações é imputável à AT, tendo, consequentemente, a Requerente direito ao recebimento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT.
V. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente, anular os actos tributários em causa (liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios referentes aos períodos de Janeiro a Dezembro de 2005 e 2006);
b) Condenar a Requerida AT a reembolsar à Requerente a quantia de € 403.774,21, acrescida de juros indemnizatórios.
VI. Valor do processo
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 403.774,21 (quatrocentos e três mil setecentos e setenta e quatro euros e vinte e um cêntimos).
VII. Custas
Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 6732 (seis mil setecentos e trinta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerida.
Notifique-se.
Lisboa, 3 de Março de 2020.
O Árbitro Presidente
(José Poças Falcão)
A Árbitro Vogal
(Cláudia Rodrigues)
O Árbitro Vogal
(Miguel Patrício)