DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Dra. Maria Fernanda Maçãs (árbitro presidente), Prof. Doutor Nuno Cunha Rodrigues e Dr. Ricardo Rodrigues Pereira (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
1. No dia 23 de julho de 2019, a sociedade comercial A..., S. A., NIPC..., com sede em ..., ..., (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com as alterações introduzidas pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo artigo 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro e pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à:
- Declaração de ilegalidade e anulação das liquidações adicionais de IVA e das liquidações de juros compensatórios, referentes aos períodos de tributação de 201506, 201507, 201508, 201510, 201512, 201601, 201602, 201603, 201604, 201605, 201606, 201607, 201608, 201610, 201611, 201612, 201701, 201702, 201703, 201704, 201705 e 201706, que, em conformidade com as respetivas demonstrações de acerto de contas, resultaram no montante total a pagar de € 167.769,79; e
- Declaração de ilegalidade e anulação da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018... que teve por objeto os referidos atos tributários.
A Requerente juntou 2 (dois) documentos, arrolou 4 (quatro) testemunhas e requereu a produção de declarações de parte da sua legal representante, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas; posteriormente, a Requerente juntou aos autos um Parecer Jurídico elaborado pelo Prof. Doutor B... .
É Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).
2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação do ato tributário controvertido, sumariamente, no seguinte:
As notificações das liquidações impugnadas não se encontram suficientemente fundamentadas, porquanto aquelas notificações vieram desacompanhadas de qualquer fundamentação; com efeito, nunca a Requerente recebeu qualquer fundamentação provinda do autor dos atos impugnados, não se sabendo quem os fundamentou e sendo desconhecida qualquer fundamentação expressa, pertencente ao autor dos atos impugnados. A própria liquidação de juros não está munida de uma fundamentação minimamente adequada.
Assim, a Requerente considera ter ocorrido, nas referidas notificações, a preterição de formalidade essencial, consistente na violação do comando imperativo contido no artigo 36.º, n.º 2, do CPPT, por aquelas não conterem os fundamentos da decisão notificada. A preterição desta formalidade essencial constitui uma causa de nulidade das notificações das liquidações; nulas as notificações, as quais constituem requisito de validade dos atos, não poderão subsistir os atos tributários impugnados, devendo ser anulados.
Ademais, os atos de correção em causa deveriam encontrar-se suportados numa fundamentação suficiente, ou seja, deveria ter-se descrito, ainda que sucintamente, uma matéria de facto e um quadro legal, subsumindo a primeira ao segundo; ora, o despacho que deu causa às correções não contém quaisquer elementos individualizadores, nomeadamente no que se refere a valores, faltando-lhe, ainda, uma conclusão concreta e individualizadora. Pelo que os atos impugnados carecem, em absoluto de fundamentação, devendo, por tal motivo, serem anulados.
No tocante às liquidações de juros compensatórios, também não se encontram suficientemente fundamentadas, pois a AT nada alega, nem prova no sentido de que os motivos do atraso nas liquidações de imposto se ficaram a dever a um qualquer comportamento da Requerente, tendo-se limitado a lançar os mesmos.
Relativamente à questão substantiva, a Requerente alega que não se revelam justificados os motivos que levaram à correção do imposto (IVA) nos períodos de 2015, 2016 e 2017, sendo que, segundo o que lhe é dado perceber, as correções efetuadas pela AT resultam do seguinte: a locação da “Herdade ...” não estaria isenta de IVA, sendo antes tributada à taxa reduzida, uma vez que estaria excluída da previsão do artigo 9.º, alínea 29), do CIVA, em virtude de no terreno existir arvoredo com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem e construções implantadas no prédio misto; relativamente à “Herdade ...”, o contrato celebrado com a “C..., Lda.” não estaria sujeito à taxa reduzida de IVA, antes à taxa normal, uma vez que não se encontrava em causa uma prestação de serviços que contribui para a realização da produção agrícola.
Quanto à situação atinente à “Herdade dos ...”, a Requerente afirma que a interpretação do artigo 9.º, alínea 29), do CIVA que é feita pela AT se afigura tão restritiva que, in casu, retiraria qualquer efeito útil ao arrendamento. Com efeito, o facto de existir no imóvel arrendado arvoredo com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem e construções implantadas é, precisamente, o que permite que do mesmo se retirem as utilidades inerentes ao arrendamento. A locação do imóvel tem como objeto o exercício de tais atividades pelo locatário e de modo próprio, pelo que se está numa situação de locação de bem imóvel que beneficia de isenção de IVA; só assim não seria se existissem prestações conexas, complementares ou autonomizáveis que fosse possível desagregar da função locativa e atribuir outra qualificação, o que manifestamente não ocorre.
Deste modo, não se pode considerar que se verifica a exclusão da isenção prevista na alínea c) da alínea 29) do artigo 9.º do CIVA, uma vez que não existe a transferência onerosa da exploração de qualquer estabelecimento comercial ou industrial. O que existe é um verdadeiro arrendamento sendo o arvoredo, pasto e construções implantadas a essência daquele e que permite a prossecução do respetivo fim. A tese da AT de que a isenção só opera nos casos de locação do solo é não só redutora, como estabelece uma limitação à isenção que não tem respaldo em qualquer das alíneas do artigo 9.º, 29), do CIVA; ou seja, a AT está a criar por via administrativa limitações à isenção de IVA que não existem na lei, o que é violador do princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 8.º, n,º 1, da LGT.
No tangente à “Herdade da ...”, a Requerente afirma que não se está perante qualquer cedência temporária da exploração de uma globalidade de bens e serviços suscetível de ser uma atividade independente, pois o que foi cedido à “C..., Lda.” foram componentes do estabelecimento perfeitamente autonomizáveis, concretamente os direitos a utilizar os pavilhões avícolas, assim como os equipamentos que neles se encontram afetos à exploração avícola; todas as demais componentes daquilo que seria o estabelecimento (designadamente a ração, a água, os medicamentos e a força de trabalho) não foram dadas em exploração à “C..., Lda.”, antes sendo da responsabilidade desta.
Mas se a AT tinha ou permanecia com dúvidas quanto a tal questão devia, ao invés de se limitar a qualificar como uma prestação de serviços genérica, ter indagado sobre a sua efetividade; ou seja, deveria ter indagado se a referida cessão de exploração tinha dado causa a uma contribuição para a atividade produtiva, pois que tal lhe era imposto pelo artigo 58.º da LGT.
Por mera cautela, a Requerente entende que terá de reconhecer-se a existência de fundada dúvida quer sobre a existência, quer sobre a quantificação do facto tributário, nos termos do artigo 100.º, n.º 1, do CPPT. Porquanto, não obstante o disposto no artigo 108.º, n.º 3, do CPPT, caberá à AT alegar e provar, facto a facto, em que consistiu a conclusão de que teria ocorrido facto tributário e em que consistiu a concreta quantificação efetuada; ora, a AT não provou, em concreto, a existência do facto tributário ou o modo através do qual chegou à concreta quantificação da obrigação de imposto plasmada nas liquidações controvertidas.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 29 de julho de 2019.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no artigo 6.º, n.º 2, alínea a) e do artigo 11.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 11 de setembro de 2019, as partes foram notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral coletivo foi constituído em 01 de outubro de 2019.
6. No dia 11 de novembro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.
A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).
7. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:
Relativamente à alegada insuficiência de fundamentação dos atos de liquidação, a Requerida firma que resulta demonstrado nos autos que a Requerente entendeu perfeitamente o sentido e alcance dos atos, como é evidenciado pelo próprio exercício jurídico-argumentativo que fez quer através da reclamação graciosa, quer através do presente pedido de pronúncia arbitral.
Questão diferente é a circunstância de a Requerente não querer conformar-se com os atos controvertidos, como transparece do seu pedido de pronúncia arbitral.
No entanto, se se verificasse uma situação de falta de fundamentação, poderia a Requerente lançar mão do mecanismo previsto no artigo 37.º do CPPT e solicitar a respetiva notificação ou emissão da certidão em conformidade.
No concernente às correções controvertidas, concretamente quanto à situação atinente à “Herdade ...”, a Requerida alega que o terreno agrícola a locar está preparado e apetrechado, dispondo de recursos normalmente utilizados nas explorações agrícolas (arvoredo florestal com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem, construções diversas que se encontram implantadas no prédio misto e, ainda, a exploração cinegética); deste modo, a locação em causa está excluída da isenção prevista no artigo 9.º, 29), do CIVA, configurando uma prestação de serviços tributada.
Com efeito, quando os terrenos agrícolas estão nas referenciadas condições, isto é, tenham sido antecedidos de prévia preparação ou se no terreno estiver implantada qualquer obra de benfeitoria útil, os respetivos contratos de arrendamento estão sujeitos a tributação em sede de IVA e, sendo o arrendatário um produtor agrícola, é, por enquadramento na verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, aplicável a taxa reduzida de imposto, prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIVA. Pelo que, as rendas faturadas pela Requerente à “D..., Lda.”, relativas ao prédio misto “Herdade dos ...”, estão sujeitas a IVA, à taxa reduzida.
No atinente à situação referente à “Herdade da ...”, a Requerida alega que, perante os esclarecimentos prestados pela Requerente, constatamos que não estamos perante as prestações de serviços mencionadas nas verbas 4.2 e 5.2.2, ambas da Lista I anexa ao CIVA, mas perante a cedência temporária de uma globalidade de bens e serviços, suscetível de constituir uma atividade que será explorada pelo cessionário, constituindo uma prestação de serviços, em conformidade com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 4.º do CIVA, sujeita a liquidação À taxa normal de IVA, definida na alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA. Sustenta, pois, a Requerida que é inegável que não se está perante um contrato de locação mas sim de um contrato de cessão de exploração, no qual foi atribuído o gozo e exploração das instalações avícolas, incluindo os equipamentos nelas existentes, cujo preço é calculado em função das aves alojadas, não refletindo um valor fixo.
8. Por despacho de 04 de dezembro de 2019, foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, bem como para a produção de prova por declarações de parte da legal representante da Requerente e de prova testemunhal.
9. No dia 28 de janeiro de 2020, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT – na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido, então, fixado o dia 30 de março de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral –, tendo-se, ainda, procedido à produção de prova por declarações de parte da legal representante da Requerente e de prova testemunhal.
10. As partes apresentaram alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.
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II. SANEAMENTO
11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades.
Admite-se a cumulação de pedidos – estão em causa diversos atos de liquidação adicional de IVA e de liquidação de juros compensatórios, sendo peticionada a declaração de ilegalidade e a anulação de cada um deles –, em virtude de se verificar que a procedência dos pedidos formulados pela Requerente depende essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito (cf. artigo 3.º, n.º 1, do RJAT).
Não foram invocadas, nem existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.
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III. FUNDAMENTAÇÃO
III.1. DE FACTO
§1. FACTOS PROVADOS
12. Com relevo para a decisão, consideram-se provados os seguintes factos:
a) A Requerente é uma sociedade comercial que tem por atividade principal o “Fabr. Alimentos para Animais Criação (Exc. para Aquicultura” (CAE 10912) – sendo seu core business o fabrico e comercialização de alimentos compostos para animais (vulgo rações) – e por atividades secundárias a “Produção de Óleos Vegetais Brutos (Excepto Azeite)” (CAE 10413) e a “Agricultura e Produção Animal Combinadas” (CAE 1500), estando enquadrada no regime normal de periodicidade mensal de IVA. [cf. PA (RIT)]
b) A Requerente possui, no seu complexo industrial sito na ...–..., uma unidade produtiva de alimentos compostos para animais e outra de processamento de extração de óleos/bagaços de soja e refinação de óleos alimentares e mais duas unidades igualmente produtivas de alimentos compostos, uma na ...– ... e outra na “Herdade da ...” em ...–...; possui, ainda, um entreposto de distribuição de rações em ...– ... e duas propriedades, sendo uma a “Herdade ... e ...” e outra a “Herdade dos ...”, localizadas em ... e ...– ..., respetivamente, as constituem propriedades de investimento, no sentido de se obter sinergias na produção cerealífera (milho, uma das matérias-primas base para o fabrico de rações). [cf. PA (RIT)]
c) Em 27 de junho de 2014, a Requerente adquiriu o prédio misto denominado “Herdade dos ...”, sito no lugar de ..., freguesia de ..., concelho de ..., com a área de 601,85 ha, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... da freguesia de ... e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo n.º ..., secção KK1 e na respetiva matriz predial urbana sob os artigos ..., ..., ... e ...; na respetiva escritura pública ficou consignado que o aludido prédio é objeto de um Contrato de Arrendamento, datado de 15.07.2006. [cf. PA (Anexo n.º 1 ao RIT)]
d) Em 15 de julho de 2006, a sociedade “E..., Lda.”, NIPC..., tinha celebrado um Contrato de Arrendamento da aludida “Herdade ...”, com F..., NIF..., o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido, importando respigar os seguintes segmentos [cf. PA (Anexo n.º 2 ao RIT)]:
(i) «A renda anual é de Eur 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), em dinheiro, paga anualmente em casa do senhorio [F...] ou do seu representante, até ao dia 10 de julho de cada ano.» (Cláusula 3.ª);
(ii) «Incluem-se no presente arrendamento a exploração (uso e fruição) de todo o arvoredo florestal existente, bem como a cortiça dela extraível, a vinha, o olival, e demais culturas que os segundos outorgantes [“E..., Lda.”] entendam por bem plantar/semear, a pastagem e a utilização das construções que se encontrem implantadas no prédio misto ora dado em arrendamento. O arrendamento inclui todas as máquinas agrícolas, alfaias agrícolas e equipamento agrícola, pertença do primeiro outorgante, constante da relação anexa, que vai ser assinada por todos os outorgantes. Inclui-se também no presente arrendamento a exploração cinegética.» (Cláusula 5.ª);
(iii) «A segunda outorgante fica desde já autorizada a restruturar e reconverter a área de vinha podendo para o efeito proceder ao arranque, plantação, reenxertia ou relocalização da mesma, utilizando os direitos de plantação existentes na exploração Pode a segunda outorgante aumentar a área de vinha através da obtenção de novos direitos de plantação ou reduzir a área de vinha através do abandono definitivo ou temporário.» (Cláusula 7.ª);
(iv) «O segundo outorgante fica autorizado a restruturar e reconverter a área de olival podendo para o efeito proceder ao arranque, plantação, reenxertia ou relocalização. Podendo ainda o segundo outorgante aumentar ou reduzir a área de olival, ou proceder ao abandono da cultura.» (Cláusula 8.ª);
(v) «À segunda outorgante é lícito efetuar no prédio rústico cuja utilização privativa lhe foi atribuída nos termos deste contrato obras – inovadoras, de ampliação, de beneficiação ou de simples conservação e manutenção – e, bem assim, quaisquer benfeitorias, ou apresentar projetos junto das instituições competentes, sem necessidade de qualquer autorização por parte do primeiro outorgante, …» (Cláusula 9.ª).
e) Em 27 de junho de 2014, foi celebrado o Contrato de Cessão da Posição Contratual de Arrendatário, entre a sociedade “E..., Lda.” e a “D..., Lda.”, NIPC..., pelo qual esta tomou a posição de arrendatária no sobredito Contrato de Arrendamento, o qual aqui se dá por inteiramente reproduzido, importando salientar o seguinte segmento que se transcreve [cf. PA (Anexo n.º 3 ao RIT)]:
«Cláusula 1.ª
1. Pelo presente contrato, a 1.ª Outorgante [“E..., Lda.”] cede à 2.ª Outorgante [“Sociedade D..., Lda.”] a posição que detém no contrato de arrendamento celebrado em 15 de julho 2006 (…), referente ao prédio misto denominado “Herdade ...” (…).
(...)
3. A presente cessão apenas se refere ao arrendamento do prédio misto, expressamente se excluindo as máquinas agrícolas, alfaias e equipamentos agrícolas, previsto na cláusula 5.ª do contrato de arrendamento que entretanto a 1.ª outorgante já tinha adquirido ao senhorio.
(…)»
f) A “Sociedade D..., Lda.” tem por objeto as atividades de “Agricultura e Produção Animal Combinadas” (CAE 1500), “Produção de Vinhos Comuns e Licorosos” (CAE 11021) e “Activ. Serv. Relacionados c/ Caça e Repov. Cinegético” (CAE 1702). [cf. PA (RIT)]
g) A Requerente considerou as rendas mensais recebidas da “Sociedade D..., Lda.”, no âmbito do aludido Contrato de Arrendamento, isentas de IVA, ao abrigo do disposto no artigo 9.º, alínea 29), do Código do IVA. [cf. PA (RIT)]
h) A Requerente construiu na “Herdade ...” núcleos de aviários com o objetivo de realizar testes no terreno das rações animais que produz. [cf. PA (RIT), declarações de parte e depoimentos das testemunhas]
i) A Requerente nunca deu qualquer utilização aos mencionados núcleos de aviários. [cf. declarações de parte e depoimentos das testemunhas]
j) A fim de rentabilizar o investimento feito, a Requerente, por acordo verbal, facultou à sociedade “C..., Lda.”, NIPC..., os direitos de gozo e uso dos ditos núcleos avícolas e dos respetivos equipamentos, o que se traduzia em a “C..., Lda.” poder utilizar aqueles pavilhões avícolas e os equipamentos ali existentes destinados à atividade avícola. [cf. declarações de parte e depoimentos das testemunhas]
k) Como contrapartida da utilização das mencionadas instalações avícolas e dos respetivos equipamentos, a Requerente recebia da “C..., Lda.” um montante monetário que não era fixo, sendo estabelecido em função do número de aves alojadas e concretamente determinado e pago no fim do ciclo de criação de cada bando de aves, que durava cerca de 6 (seis) semanas. [cf. depoimentos das testemunhas]
l) A “C..., Lda.” tem por objeto as atividades de “Avicultura” (CAE 1470) e de “Comércio por Grosso de Animais Vivos” (CAE 46230), estando integrada no mesmo grupo empresarial da Requerente (Grupo A...). [cf. PA (RIT) e depoimentos das testemunhas]
m) A Requerente liquidou IVA, à taxa reduzida, relativamente aos montantes monetários recebidos da “C..., Lda.”, como contrapartida da utilização as aludidas instalações avícolas e dos respetivos equipamentos, em conformidade com as Verbas 4.2, alínea d) e 5.2.2 da Lista I anexa ao Código do IVA. [cf. PA (RIT)]
n) A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo interno e de âmbito parcial realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2017..., relativa ao mês de junho de 2017 e das Ordens de Serviço n.ºs OI2017... e OI2017..., relativas aos exercícios de 2015 e 2016, respetivamente, no qual se procedeu à análise ao IVA decorrente do pedido de reembolso de IVA n.º ... efetuado nos termos do Despacho Normativo n.º 18-A/2010, de 1 de julho (alterado e republicado pelo Despacho Normativo n.º 17/2014, de 26 de dezembro), na declaração periódica de IVA 201706, no montante de € 120.000,00. [cf. PA (RIT)]
o) O referido procedimento inspetivo culminou com a elaboração do respetivo Relatório de Inspeção Tributária que aqui se dá por inteiramente reproduzido – sobre o qual recaiu despacho favorável do Chefe de Divisão (por subdelegação da DFA) e que foi notificado à Requerente pelo ofício n.º..., de 28.12.2017, dos Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, remetido por correio registado –, no qual foram efetuadas correções de natureza meramente aritmética, em sede de IVA, aos anos de 2015, 2016 e 2017, nos períodos e montantes e com a fundamentação que seguidamente se transcreve [cf. PA (RIT)]:
«I. CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO
I.1 Resumo das correções propostas
Da análise documental aos elementos de escrita indicados no capítulo III, resultam assim propostas de tributação, por métodos diretos, em sede de IVA, aos anos de 2015, 2016 e 2017, nos seguintes montantes e períodos:
A declaração onde foi efetuado o pedido de reembolso (201706) calculou um imposto a favor do contribuinte no montante de Eur 405.221,11. Deste montante foi solicitado Eur 120.000,00 e reportado Eur 285.221,11 para o período seguinte. As correções propostas respeitam a períodos em que foram solicitados reembolsos, pelo que irão conduzir à emissão de liquidações adicionais e à correção do reporte do período onde foi solicitado o reembolso. Por este facto propõe-se o reembolso integral do crédito solicitado no montante de Eur 120.000,00.
(…)
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS
III.1 DOS FACTOS RELEVANTES E DO DIREITO
III.1.1 – Após análise aos documentos enviados para justificar as operações ativas desenvolvidas pelo contribuinte, verificámos as seguintes situações:
III.1.1.1 – Renda da exploração agrícola do prédio rústico denominado “Herdade...”
III.1.1.1.1 – A A... SA evidenciou no campo 9 – “Operações isentas que não conferem direito à dedução”, rendas cobradas relativamente ao prédio rustico “Herdade ...”. Quando questionada relativamente a estas operações apresentou a seguinte justificação: “Em 27 de junho de 2014, a nossa empresa adquire o prédio rústico denominado Herdade ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º... da freguesia de ..., inscrito na matriz cadastral com o n.o ... da secção KK1 da referida freguesia, onde na respetiva escritura de compra e venda vem a indicação que o referido prédio tem subjacente um contrato de arrendamento datado de 15/07/2006 e participado às finanças em 5/03/2007.
Por força desta escritura, assim como do articulado contido no Contrato Cessão da Posição Contratual de Arrendatário celebrado na mesma data da escritura (27/06/2014), a A..., SA veio tomar a posição de Senhoria e a Sociedade D..., Lda. (NIPC: ...) toma a posição de Arrendatária, substituindo-se ao anterior arrendatário que era a sociedade E..., Lda. (NIPC: ...) no referido contrato de arrendamento.” (anexo n.º 1)
III.1.1.1.2 – Em 15-07-2006, a sociedade E..., Lda. (NIPC:...) tinha celebrado um contrato de arrendamento do prédio misto, denominado Herdade ..., com F...
(NIF:...), que se anexa (anexo n.º 2).
Do clausulado desse contrato, destacamos as cláusulas que seguidamente reproduzimos:
i. “A renda anual é de Eur 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros), em dinheiro, paga anualmente em casa do senhorio ou do seu representante, até ao dia 10 de julho de cada ano.” (cláusula 3.ª);
ii. “Incluem-se no presente arrendamento a exploração (uso e fruição) de todo o arvoredo florestal existente, bem como a cortiça dela extraível, a vinha, o olival, e demais culturas que os segundos outorgantes (E..., Lda.) entendam por bem plantar/semear, a pastagem e a utilização das construções que se encontrem implantadas no prédio misto ora dado em arrendamento. O arrendamento inclui todas as máquinas agrícolas, alfaias agrícolas e equipamento agrícola, pertença do primeiro outorgante, constante da relação anexa, que vai ser assinada por todos os outorgantes. Inclui-se também no presente arrendamento a exploração cinegética.” (Cláusula 5.ª);
iii. “A segunda outorgante (E..., Lda.) fica desde já autorizada a restruturar e reconverter a área de vinha podendo para o efeito proceder ao arranque, plantação, reenxertia ou relocalização da mesma, utilizando os direitos de plantação existentes na exploração Pode a segunda outorgante aumentar a área de vinha através da obtenção de novos direitos de plantação ou reduzir a área de vinha através do abandono definitivo ou temporário.” (Cláusula 7.ª);
iv. “O segundo outorgante (E..., Lda.) fica autorizado a restruturar e reconverter a área de olival podendo para o efeito proceder ao arranque, plantação, reenxertia ou relocalização. Podendo ainda o segundo outorgante aumentar ou reduzir a área de olival, ou proceder ao abandono da cultura." (Cláusula 8.ª);
v. “À segunda outorgante (E..., Lda.) é lícito efetuar no prédio rústico cuja utilização privativa lhe foi atribuída nos termos deste contrato obras – inovadoras, de ampliação, de beneficiação ou de simples conservação e manutenção – e, bem assim, quaisquer benfeitorias, ou apresentar projetos junto das instituições competentes, sem necessidade de qualquer autorização por parte do primeiro outorgante, …” (Cláusula 9.ª)
III.1.1.1.3 – Em 27 de junho de 2014, foi assinado o Contrato Cessão da Posição Contratual de Arrendatário que se anexa (anexo n.º 3), entre a sociedade “E..., Lda.” e a “Sociedade D...”.
Do clausulado desse contrato, destacamos a cláusula 1.ª que seguidamente reproduzimos: “Pelo presente contrato, a 1 a outorgante (“E... a, Lda.”) cede à 2.ª outorgante (“Sociedade D...”) a posição que detém no contrato de arrendamento celebrado em 15 de julho de 2006…, referente ao prédio misto denominado “Herdade ...”… A 1.ª outorgante declara que a cessão da sua posição contratual de arrendatária foi expressamente acordada com o senhorio…
A presente cessão apenas se refere ao arrendamento do prédio misto, expressamente se excluindo as máquinas agrícolas, alfaias e equipamentos agrícolas, previsto na cláusula 5.ª do contrato de arrendamento que, entretanto, a primeira outorgante já tinha adquirido ao senhorio.”
III.1.1.1.4 – Deste modo, da conjugação de tudo o exposto nos pontos III.1.1.1.1, III.1.1.1.2 e III.1.1.1.3, concluímos que a “A... SA” adquiriu o prédio “Herdade...” e que este tinha subjacente um contrato de arrendamento. Em consequência desta situação, a “A... SA” passou à condição de senhoria no contrato de arrendamento, sendo arrendatário a “Sociedade D...” e o objeto do contrato o prédio misto “Herdade ...”, nele se incluindo, de acordo com a cláusula 5.a do contrato de arrendamento, “… a exploração (uso e fruição) de todo o arvoredo florestal existente, bem como a cortiça dela extraível, a vinha, o olival, e demais culturas que entendam por bem plantar/semear, a pastagem e a utilização das construções que se encontrem implantadas no prédio misto ora dado em arrendamento, Inclui-se também no presente arrendamento a exploração cinegética.”
III.1.1.1.5 – A A..., SA considerou as rendas recebidas em função do contrato de arrendamento anteriormente descrito, isentas de IVA de acordo com o n.º 29 do art. 9.º do CIVA.
III.1.1.1.6 – Nos termos do artigo 1.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA (CIVA), conjugado com o artigo 4.º n.º 1 do mesmo Código, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA. Contudo, o princípio geral segundo o qual o imposto é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo tem algumas derrogações, entre elas a previsão do artigo 9.º alínea 29) do CIVA, que determina que a locação de bens imóveis está isenta de IVA.
Embora a locação de bens imóveis esteja isenta de IVA, a mesma norma esclarece que esta isenção não abrange “(...) a) As prestações de serviços de alojamento, efetuadas no âmbito da atividade hoteleira ou de outras com funções análogas, incluindo parques de campismo; b) A locação de áreas para recolha ou estacionamento coletivo de veículos; c) A locação de máquinas e outros equipamentos de instalação fixa, bem como qualquer outra locação de bens imóveis de que resulte a transferência onerosa da exploração de estabelecimento comercial ou industrial; d) A locação de cofres-fortes; e) A locação de espaços para exposições ou publicidade.” Com efeito, tanto o Código do IVA como a Diretiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro, relativa ao Sistema Comum do IVA afastam expressamente do âmbito da isenção em referência determinadas situações que englobam, para além da locação do imóvel, caraterísticas provenientes de outros contratos e que por esse facto perdem a qualidade de mera colocação à disposição de locais ou de superfícies de bens imóveis em contrapartida de uma retribuição ligada ao decurso do tempo.
Nas operações em que a locação dos imóveis coexiste com outras prestações de serviços que implicam uma exploração ativa desses bens imóveis por parte do tocador, não pode ser aplicada a referida isenção. Na verdade, esta isenção apenas inclui o mero arrendamento, ficando excluída da sua aplicação as situações em que estão englobados no mesmo contrato outros serviços que proporcionem ao locatário um determinado valor acrescentado.
III.1.1.1.7 – No que concerne, em especial, à locação de terrenos agrícolas, importa, para efeitos do seu enquadramento no âmbito da isenção prevista no artigo 9.º alínea 29) do Código do IVA, verificar a doutrina contida no Ofício-Circulado n.º 30 022, de 2000/06/16
Neste Ofício-Circulado esclarece-se que “o arrendamento de imóveis – (…) apenas o solo no caso dos prédios rústicos – está isento de IVA, seja para fins habitacionais, comerciais, industriais ou agrícolas”, devendo "entender-se que o arrendamento de terrenos agrícolas, está isento de IVA nos termos do n.º 30 do art. 9.º do CIVA” [que corresponde à alínea 29) na redação do Código do IVA atualmente em vigor], se "(n)ão for antecedido de prévia preparação do terreno mediante operações de drenagem, lavra, socalcagem ou outras que sejam abrangidas pelo conceito de benfeitorias úteis;” ou se "(n)o terreno não se achar implantada qualquer obra (poços, furos. diques de rega, etc.) construída com caráter de benfeitoria ou adquirida por acessão industrial imobiliária nos termos dos artigos 1339.º e seguintes do Código Civil.”
III.1.1.1.8 – No caso em análise, verifica-se que o terreno agrícola a locar está preparado e apetrechado, dispondo de recursos normalmente utilizados nas explorações agrícolas (arvoredo florestal com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem, construções diversas que se encontram implantadas no prédio misto e ainda, a exploração cinegética). Deste modo, atendendo ao ofício-circulado, que tem por fundamento legal o enunciado do preceito ínsito na alínea 29) do artigo 9.º do CIVA, a locação em causa está excluída da isenção prevista neste normativo, configurando, deste modo, uma prestação de serviços tributada.
III.1.1.1.9 – Pode, assim, concluir-se que quando os terrenos agrícolas estão nas condições descritas no ponto anterior, isto é, tenham sido antecedidos de prévia preparação ou se no terreno estiver implantada qualquer obra de benfeitoria útil os respetivos contratos de arrendamento estão sujeitos a tributação em sede de IVA, e, sendo o arrendatário um produtor agrícola, é, por enquadramento na verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, aplicável a taxa reduzida de imposto, prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea a) do CIVA. Este é o entendimento da AT sobre esta matéria conforme se verifica, por exempto, nos despachos n.os 4981 de 15-05-2013 e 11728 de 04-07-2017.
No caso em concreto, a arrendatária – Sociedade D..., Lda. (NIPC:...) – encontra-se coletada para o desenvolvimento das atividades: “AGRICULTURA E PRODUÇÃO ANIMAL COMBINADAS” (CAE), “PRODUÇÃO DE VINHOS COMUNS E LICOROSOS” (CAE: 11021) e “ACTIV. SERV. RELACIONADOS C/ CAÇA E REPOV, CINEGÉTICO” (CAE: 1702). Pelo que se consideram que as rendas faturadas pela “A..., SA” à “Sociedade D..., Lda.” relativas ao prédio misto “Herdade ...” se encontram sujeitas a IVA, à taxa reduzida.
III.1.1.1.10 – Seguidamente apura-se o imposto em falta:
III.1.1.2 – Cedência de exploração do complexo de aviários da Herdade ... na produção de frangos
III.1.1.2.1 – Na análise às operações declaradas no campo 1 (taxa reduzida) e no campo 3 (taxa normal), verificámos a existência de documentos emitidos relativos à “Cedência de exploração do complexo de aviários da Herdade ... na produção de frangos — Núcleo ... — Bando...— Aves 267277 x 0,152 €”, à “C..., Lda.”. O contribuinte foi questionado sobre a aplicação à mesma operação, quer da taxa reduzida quer da taxa normal tendo apresentado a seguinte justificação “A Herdade ... não é nossa propriedade, mas construímos nela Núcleos de Aviários para inicialmente podermos efetuar testes no terreno, no entanto, para rentabilizarmos o investimento, passamos a ceder a sua exploração a terceiros. A razão de se ter alterado a taxa do IVA, foi porque a entidade exploradora reclamou junto de nós da mesma, justificando que se está na presença de uma prestação de serviços que contribui para a realização da produção agrícola [conforme alínea d) da verba 4.2 e verba 5.2.2 da Lista I anexa ao CIVA] e informação vinculativa anexa”. (anexo n.º 6)
III.1.1.2.2 — De acordo com a justificação apresentada pelo contribuinte, o objeto da cessão de exploração é um núcleo de aviários, construído pela A..., que já se encontrava em funcionamento para a realização de testes, e cuja exploração foi cedida à “C..., Lda.”. Desta operação não existe contrato escrito, apenas um acordo verbal, conforme indicado pelo contribuinte.
III.1.1.2.3 – A “C..., Lda.” (NIF:...) é um contribuinte que se encontra coletado para o exercício das atividades de “AVICULTURA” (CAE: 1470) e “COMÉRCIO POR GROSSO DE ANIMAIS VIVOS” (CAE: 46230).
III.1.1.2.4 – Estamos assim na presença de uma operação de cedência de exploração de aviários devidamente preparados para o exercício das atividades para as quais a “C..., Lda.” se encontra coletada. Para atém das instalações propriamente ditas (aviários), fazem parte da operação, as próprias aves, como se verifica pela análise das faturas emitidas. Ou seja, o que aqui está a ser cedido temporariamente, é o direito de exploração de uma unidade como um todo, provida de todos os elementos necessários e indispensáveis, para o exercício das atividades, desenvolvidas pela C..., Lda.".
III.1.1.2.5 – Para justificar a aplicação da taxa reduzida, a A... enviou uma informação respeitante a um pedido de informação vinculativa efetuada pela “H...” e que se junta (anexo n.º 7).
Analisando o teor desta informação, verificamos que a mesma aborda o tratamento a dar à atividade avícola, nomeadamente, o enquadramento em sede de imposto da “avicultura intensiva” realizada de forma industrial, ou seja, a criação de aves não conexa com o solo em que este não tem caráter essencial.
O ponto 12 da referida informação indica: “… a verba 4 passou a determinar que as prestações de serviços nela contempladas só beneficiam da taxa reduzida quando contribuam para a realização de atividades de produção agrícola listadas na verba 5.” (sublinhado nosso)
III.1.1.2.6 – Ainda que a verba 4 da Lista I anexa ao CIVA não elenque a totalidade das prestações de serviços que contribuem para a realização de atividades de produção agrícola, verificamos que o teor das mesmas respeitam a prestações de serviços especificamente conexas com atividades de produção agrícola, não se encontrando aqui qualquer referência à cessão de exploração, porque a mesma constitui uma prestação de serviços genérica, que não contribui especificamente para a realização de atividades de produção agrícola. Isto porque, nesta prestação de serviços, que constitui a cedência temporária da exploração de um ramo de negócio, não releva para o caso, o ramo de negócio que vai ser explorado. Importa distinguir a prestação de serviço de cedência de exploração temporária, da atividade exercida pelo cessionário.
Deste modo, perante os esclarecimentos prestados, constatamos que não estamos perante as prestações de serviços mencionadas nas verbas 4.2 e 5.2.2, ambas da Lista I do CIVA, mas perante a cedência temporária de uma globalidade de bens e serviços, suscetível de constituir uma atividade que será explorada pelo cessionário, constituindo uma prestação de serviços, de harmonia com a al. do n.º 1 do art. 1.º, conjugado com o n.º 1 do art. 4.º do CIVA, sujeita a liquidação à taxa normal de EVA definida na al. c) do n.º do art. 18.º do CIVA. Este é o entendimento da AT patente no despacho n.º ... de 06-07-2012, relativamente a urna cessão de exploração cuja atividade a desenvolver pelo cessionário é de fito agrícola.
III.1.1.2.7 – Seguidamente listam-se os documentos em causa e apura-se o imposto em falta:
III.2 CONCLUSÕES
O imposto em falta é o que seguidamente se indica:
A atividade desenvolvida pelo contribuinte consiste essencialmente no fabrico e comercialização de alimentos compostos para animais (vulgo rações), bem como, a extração de óleos/bagaços de soja e refinação de óleos alimentares. No período em análise, grande parte do seu volume de negócios é tributada à taxa reduzida (93%), apresentando igualmente operações ativas que sendo isentas conferem direito à dedução, tais como transmissões intracomunitárias de bens e exportações, e que representam cerca de 3% do volume de negócios do período em análise. Por outro lado, o imposto deduzido à taxa normal representa cerca de 39% do total de imposto deduzido no período em análise. A conjugação de todas estas variáveis justifica a situação de crédito de imposto apresentada pelo contribuinte.
A declaração onde foi efetuado o pedido de reembolso (201706) calculou um imposto a favor do contribuinte no montante de Eur 405.221,11. Deste montante foi solicitado Eur 120.000,00 e reportado Eur 285.221,11 para o período seguinte. As correções propostas respeitam a períodos em que foram solicitados reembolsos, pelo que irão conduzir à emissão de liquidações adicionais e à correção do reporte do período onde foi solicitado o reembolso. Por este facto propõe-se o reembolso integral do crédito solicitado no montante de Eur 120.000,00.»
p) Sequentemente, a Requerente foi notificada das liquidações adicionais de IVA e das correspetivas liquidações de juros compensatórios, referentes aos períodos de tributação de 201506, 201507, 201508, 201510, 201512, 201601, 201602, 201603, 201604, 201605, 201606, 201607, 201608, 201610, 201611, 201612, 201701, 201702, 201703, 201704, 201705 e 201706 que, em conformidade com as respetivas demonstrações de acerto de contas, resultaram no montante total a pagar de € 167.769,79. [cf. documentos juntos pela Requerente]
q) Em 12 de junho de 2018, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos tributários referenciados no facto provado anterior – cujo requerimento inicial aqui se dá por inteiramente reproduzido –, a qual foi autuada sob o n.º ...2018..., tendo sobre a mesma recaído um projeto de decisão de indeferimento, que aqui se dá por inteiramente reproduzido, com os fundamentos ali vertidos. [cf. PA (RG)]
r) A Requerente foi notificada, através de ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, daquele projeto de decisão e para, querendo, exercer o direito de audição, o que a Requerente fez nos termos que aqui se dão por inteiramente reproduzidos. [cf. PA (RG)]
s) A Requerente foi notificada, através de ofício da Divisão de Justiça Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, datado de 24.04.2019, remetido por correio registado, da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, proferida por despacho de 22.04.2019 do Diretor de Finanças Adjunto (por delegação), que aqui se dá por inteiramente reproduzida, a qual está estribada na mesma fundamentação aduzida no respetivo projeto, importando aqui respigar os seguintes segmentos [cf. PA (RG)]:
«V – ANÁLISE DO PEDIDO E PARECER
Importa referir que, quanto à liquidação adicional 2018... relativa ao período 2018-02 no montante total a pagar de 43.491,03€, deu entrada no SF da ..., no dia 29-05-2018, pedido de certidão da fundamentação da referida liquidação, que obteve resposta constante do ofício n.º 607 de 10-07-2018, notificado à reclamante em 12-07-2018. (cf. fls. 112 a 115 dos autos)
Analisada a situação e os argumentos apresentados pela reclamante, oferece-se referir o seguinte:
Quanto aos factos, dir-se-á que a matéria de facto subjacente aos presentes autos encontra-se estribada no relatório de inspeção anexo em GPS, tendo sido detalhadamente abordadas as questões cujas conclusões aqui perfilhamos, e para o qual desde já remetemos.
Assim, nos termos do disposto no art. 153.º do CPA e art. 77.º da LGT, dão-se aqui por integralmente reproduzidas as razões de facto e de direito constantes da fundamentação do relatório de inspeção tributária, tendo em conta que «”s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé, quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei”, tal como prevê o n.º 1 do artigo 76.º da LGT.
Não obstante, no caso concreto, a reclamante vem invocar a falta de fundamentação dos atos tributários constantes das liquidações adicionais de IVA em resultado de ação inspetiva vertido no relatório de inspeção, que contém os elementos necessários, que permitiram à reclamante, conhecer o "iter" cognoscitivo que conduziu à prolação dos atos de liquidação, sendo que a própria demonstração da liquidação adicional refere “(…) com os fundamentos constantes do relatório de inspeção que lhe foi enviado”.
Com efeito, o Relatório de Inspeção encontra-se perfeitamente fundamentado, em obediência aos artigos 77.º LGT e 153.º do CPA, porquanto expõe de forma clara, lógica e suficiente, os fundamentos e critérios que sustentam as correções efetuadas, face aos elementos disponibilizados.
Pelo que, quanto ao alegado vício de fundamentação legalmente exigida, sempre se dirá que se considera o ato devidamente fundamentado sempre que o respetivo destinatário revele ter apreendido os seus fundamentos.
Ainda assim, aquando da notificação dos atos de liquidação, e caso alguma dúvida subsistisse no espírito da reclamante, deveria esta ter recorrido ao disposto no artigo 37.º do CPPT, o qual lhe permitiria obter todos os elementos e esclarecimentos que entendesse necessários à compreensão dos atos de liquidação, tal como fez para o período 2018-02, cf. fls. 112 a 115 dos autos. Não o tendo feito, o reclamante revela não ter tido dificuldade na apreensão dos fundamentos de facto e de direito que levaram à prática dos atos de liquidação, tendo os mesmos sido por esta perfeitamente compreendidos.
No caso concreto da liquidação de IVA n.º 2018... respeitante ao período 2018-02 no montante total a pagar de 43.491,03€ constatamos que a mesma não resulta de qualquer correção técnica efetuada ao IVA liquidado ou deduzido pela reclamante no período em causa, mas de correções técnicas efetuadas em períodos anteriores ao IVA liquidado a favor do Estado com a consequente correção de valores a reportar para os períodos seguintes apuradas pela reclamante nas declarações periódicas de IVA.
Em face do exposto, conclui-se que o procedimento adotado pelos Serviços da Administração Tributária, não enferma de qualquer ilegalidade, e que os atos de liquidação em causa são válidos e foram determinados “em obediência à lei e ao direito” (vide art. 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) e art. 55.º da LGT.
A reclamante não aceita a correção da IT no que respeita à locação da “Herdade ...” por considerar que a restritiva aplicação do art. 9.º n.º 29 do CIVA retiraria qualquer efeito útil ao arrendamento.
Vejamos o que apurou a IT em sede de ação inspetiva sobre esta matéria a fls. 15 a 17 do relatório:
• A A..., SA considerou as rendas recebidas em função do contrato de arrendamento celebrado com a “Herdade ...”, isentas de IVA de acordo com o n.º 29 do art. 9.º do CIVA.
• Nos termos do artigo 1.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA (CIVA), conjugado com o artigo 4.º n.º 1 do mesmo código, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA. Contudo, o princípio geral segundo o qual o imposto é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo tem algumas derrogações, entre elas a previsão do artigo 9.º n.º 29 do CIVA, que determina que a locação de bens imóveis está isenta de IVA.
• No caso em análise, verifica-se que o terreno agrícola a locar está preparado e apetrechado, dispondo de recursos normalmente utilizados nas explorações agrícolas (arvoredo florestal com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem, construções diversas que se encontram implantadas no prédio misto e ainda, a exploração cinegética). Deste modo, atendendo ao ofício-circulado n.º 30 022 de 16-06-2000, a locação em causa está excluída da isenção prevista neste normativo, configurando, deste modo, uma prestação de serviços tributada (...) os respetivos contratos de arrendamento estão sujeitos a tributação em sede de IVA, e, sendo o arrendatário um produtor agrícola, é, por enquadramento na verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, aplicável a taxa reduzida de imposto, prevista no artigo 18.º n.º 1 alínea a) do CIVA. Este é o entendimento da AT sobre esta matéria conforme se verifica, por exemplo, nos despachos n.os ... de 15-05-2013 e ... de 04-07-2017.
Relativamente a esta matéria, veja-se a Informação Vinculativa da DSIVA relativamente ao processo n.º..., que determina que “o arrendamento de um terreno (compreendendo apenas o solo) destinado a cultura agrícola está isento de IVA ao abrigo do n.º 29 do art. 9.º do CIVA se:
- Não for antecedido da prévia preparação do terreno mediante operações de drenagem, lavra, socalcagem, sulcagem ou outras que sejam abrangidas pelo conceito de benfeitorias úteis;
- No terreno não se achar implantada qualquer obra (poços, furos, diques de rega) construída com caráter de benfeitoria ou adquirida por acessão industrial imobiliária nos termos dos arts. 1339.º e seguintes do Código Civil”.
Ora, verifica-se que no terreno existe arvoredo, pastagem, construções implementadas em prédio misto, ou seja, são espaços concebidos e vocacionados para o desenvolvimento de uma atividade económica, o que pressupõe benfeitorias no imóvel, para além de uma simples locação de terreno agrícola.
E é por este motivo que não se pode aplicar a isenção de IVA prevista no n.º 29 do art. 9.º do CIVA, pois, com a cedência de utilização das respetivas infraestruturas de apoio, torna-se uma operação sujeita a IVA e dele não isenta, por aplicação conjugada do n.º 1 do art. 4.º e alínea c) do n.º 29 do art. 9.º ambos do CIVA, pelo que a reclamante tem de liquidar IVA relativamente ao contrato de arrendamento rural.
Concluímos assim que, uma vez que este contrato inclui outros serviços além da locação do espaço, nomeadamente prestações de serviços conexas à fruição do imóvel, não se mostra aplicável a isenção prevista no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA, por força de exclusão prevista na subalínea c), do mesmo número, pois a operação em causa configura uma cedência de exploração de estabelecimento, aplicando-se a essa cedência de exploração, por força do disposto na alínea c) do n.º 1, do artigo 18.º do CIVA, a taxa normal do imposto.
A reclamante também não aceita a correção da IT no que respeita ao contrato celebrado com a C... Lda., que não deveria estar sujeito à taxa reduzida de IVA mas antes à taxa normal por se tratar de uma prestação de serviços que contribui para a realização da produção avícola.
Vejamos o que apurou a IT em sede de ação inspetiva sobre esta matéria a fls. 18 a 20 do relatório:
• Na análise às operações declaradas no campo 1 (taxa reduzida) e no campo 3 (taxa normal), verificámos a existência de documentos emitidos relativos à “Cedência de exploração do complexo de aviários da Herdade ... na produção de frangos (…).”
• O contribuinte foi questionado sobre a aplicação å mesma operação, quer da taxa reduzida quer da taxa normal (...) e de acordo com a sua, o objeto da cessão de exploração é um núcleo de aviários, construído pela A..., que já se encontrava em funcionamento para a realização de testes, e cuja exploração foi cedida à "C..., Lda." Desta operação não existe contrato escrito, apenas um acordo verbal, conforme indicado pelo contribuinte. (sublinhado nosso)
• Estamos assim na presença de uma operação de cedência de exploração de aviários devidamente preparados para o exercício das atividades para as quais a “C..., Lda.” se encontra coletada. Para além das instalações propriamente ditas (aviários), fazem parte da operação, as próprias aves, como se verifica pela análise das faturas emitidas. Ou seja, o que aqui está a ser cedido temporariamente, é o direito de exploração de uma unidade como um todo, provida de todos os elementos necessários e indispensáveis, para o exercício das atividades, desenvolvidas pela “C..., Lda."
• Ainda que a verba 4 da Lista I anexa ao CIVA não elenque a totalidade das prestações de serviços que contribuem para a realização de atividades de produção agrícola, verificamos que o teor das mesmas respeita a prestações de serviços especificamente conexas com atividades de produção agrícola, não se encontrando aqui qualquer referência à cessão de exploração.
• Deste modo, perante os esclarecimentos prestados, constatamos que não estamos perante as prestações de serviços mencionadas nas verbas 4.2 e 5.22, ambas da Lista I do CIVA, mas perante a cedência temporária de uma globalidade de bens e serviços, suscetível de constituir uma atividade que será explorada pelo cessionário, constituindo uma prestação de serviços, de harmonia com a al. do n.º 1 do art. 1.º, conjugado com o n.º 1 do art. 4.º do CIVA, sujeita a liquidação à taxa normal de IVA definida na al. c) do n.º do art. 18.º do CIVA. Este é o entendimento da AT patente no despacho n.º ... de 06-07-2012, relativamente a uma cessão de exploração cuja atividade a desenvolver pelo cessionário é de fito agrícola.
Este é também o entendimento da AT patente no despacho n.º ... de 06-07-2012, relativamente a uma cessão de exploração cuja atividade a desenvolver pelo cessionário é de fito agrícola, pois um contrato de arrendamento agrícola que, para além de disponibilizar a utilização dos solos, das culturas e dos equipamentos nele implantados que constituem um todo indissociável, integra também “todos os direitos relativos às parcelas arrendadas que constituam apoios facultados pelos programas de política agrícola nacional ou comunitários”, não beneficia da isenção na locação de bens imóveis, previsto no n.º 29 do artigo 9.º do CIVA.
Com efeito, estamos perante uma cedência temporária de exploração de uma globalidade de bens e serviços, suscetível de ser uma atividade independente, a qual é considerada, no âmbito do Código do IVA, uma prestação de serviços, de harmonia com a alínea a) do n.º 1 do artigo 1.º, conjugado com o n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, sujeita à liquidação de IVA à taxa normal.
Uma vez que em sede de reclamação graciosa não foram apresentados novos elementos, reiteramos as conclusões da IT, por se nos afigurar que se encontram corretas e devidamente fundamentadas.
Ora, encontrando-se o sujeito passivo investido na condição de Reclamante, cabe-lhe o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos que alega, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da LGT “o ónus da prova dos fatos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”, o que não se verifica no caso em apreço, razão pela qual a não prestação de prova ou a sua prestação insuficiente não poderá deixar de influenciar o mérito da pretensão.
Apreciação de Juros Indemnizatórios
Cumpre ainda referir que por não se verificarem in casu os pressupostos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, fica prejudicada a apreciação do direito a juros indemnizatórios.
(…)»
t) Em 23 de julho de 2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]
§2. FACTOS NÃO PROVADOS
13. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.
§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO
14. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório (incluindo o processo administrativo) carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.
No tocante às declarações de parte prestadas pela legal representante da Requerente – I..., Presidente do Conselho de Administração, que depôs de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto da factualidade em causa neste processo, pelo que as suas declarações nos mereceram credibilidade –, as mesmas centraram-se na factualidade atinente à “Herdade ...” e no contrato celebrado entre a Requerente e a “C..., Lda.” que teve por objeto os pavilhões/aviários ali existentes, tendo sido, no essencial, corroborado tudo quanto, a este propósito, está vertido no pedido de pronúncia arbitral. Com particular destaque, foi dito que a Requerente nunca explorou aqueles pavilhões/aviários, apenas os tendo construído com o fito de ali realizar ensaios das rações que produz, o que nunca se veio a concretizar, sendo que a Requerente nem sequer chegou a contratar o fornecimento de água e de eletricidade para aqueles espaços. Assim, segundo foi frisado, a atribuição do direito de utilização daqueles espaços e de alguns equipamentos ali existentes à empresa “C..., Lda.” visou rentabilizar o investimento que tinha sido feito pela Requerente. Mais foi dito que aquele contrato foi meramente verbal, tendo-se consubstanciado, tão só, na atribuição do direito de utilização dos pavilhões/aviários e de alguns equipamentos ali existentes.
Relativamente aos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas pela Requerente, as mesmas corroboraram, no essencial, a factualidade por esta alegada, sobre a qual depuseram – factualidade essa circunscrita à “Herdade...” e ao contrato celebrado entre a Requerente e a “C..., Lda.” que teve por objeto os pavilhões/aviários ali existentes –, tendo-o feito de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto daqueles factos, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade; concretizando, essas testemunhas afirmaram, em síntese, o seguinte:
(a) J..., contabilista do Grupo A..., esclareceu que a empresa “C..., Lda.” é uma subsidiária do Grupo A..., ao qual pertence igualmente a Requerente, nunca esta se tendo dedicado à atividade de produção de animais, designadamente de aves. Referiu que foi a empresa “C..., Lda.” que estreou aqueles pavilhões/aviários, ao abrigo de um contrato pelo qual a Requerente lhe facultou a utilização dos mesmos, mediante uma contrapartida financeira estabelecida em função do número de aves alojadas, que era concretamente determinada e paga no fim do ciclo de criação de cada bando de aves, que durava cerca de 6 (seis) semanas.
(b) K..., contabilista da empresa “C.., Lda.”, começou por esclarecer que esta empresa e a Requerente integram o mesmo grupo empresarial (Grupo A...), dentro do qual se processa todo o circuito económico compreendido na sua atividade global (isto é, desde o fabrico das rações até à criação e saída das aves para o mercado). Mais disse que a Requerente nunca explorou aqueles pavilhões/aviários, tendo somente facultado o direito de utilização dos mesmos e de alguns equipamentos ali existentes à “C..., Lda.”. A contrapartida financeira que a Requerente aufere da “C..., Lda.”, no âmbito desse contrato, é fixada em função do número de aves alojadas, bando a bando, e é paga quando termina o respetivo ciclo de criação.
(c) L..., ex-contabilista da Requerente (atualmente está reformado), esclareceu que a construção daqueles pavilhões/aviários teve por objetivo realizar ali testes às rações produzidas pela Requerente, o que nunca foi feito, pelo que, não tendo a Requerente por atividade a criação de aves, nunca utilizou aqueles pavilhões/aviários. Segundo disse, o contrato celebrado entre a Requerente e a “C..., Lda.” foi meramente verbal e visou rentabilizar aquelas instalações, disponibilizando-as a uma empresa do mesmo grupo empresarial (Grupo A...) que se dedica à criação de aves e que utilizava pavilhões similares, propriedade de terceiros exteriores ao grupo empresarial, com os inerentes custos daí advenientes. No tocante à contrapartida financeira auferida pela Requerente, no âmbito daquele contrato, reafirmou o que foi dito pelas anteriores testemunhas.
(d) M..., contabilista da Requerente, afirmou que a Requerente investiu na construção dos ditos pavilhões/aviários para ali realizar testes às rações que produz, o que nunca chegou a acontecer, pelo que nunca os utilizou, uma vez que apenas tem por atividade o fabrico de rações para animais. Mas afirmou que a Requerente apenas facultou o direito de utilização daqueles edifícios e dos equipamentos ali existentes, sendo que toda a atividade foi implementada e desenvolvida pela “C..., Lda.”. No tangente à contrapartida financeira que a Requerente recebe da “C..., Lda.”, no âmbito daquele contrato, também disse que a mesma não era fixa, sendo determinada em função da ocupação efetiva dos pavilhões/aviários, ou seja, em função do número de aves alojadas em cada ciclo de criação.
III.2. DE DIREITO
15. Nos presentes autos, as questões decidendas dizem respeito a saber:
a) Se a cedência da “Herdade...” pela Requerente, à empresa “Sociedade D..., Lda.” se enquadra na previsão do n.º 29 do artigo 9.º do Código do IVA porquanto deve ser qualificada como um contrato de locação estando, consequentemente, o contrato isento de IVA.
b) Se a cedência das instalações avícolas situadas na “Herdade ...”, pela Requerente, à empresa “C...” está sujeita à tributação à taxa reduzida, ao abrigo das verbas 4.2 e 5.2.2 da Lista I anexa ao CIVA.
Cumpre decidir.
a) Da cedência da “Herdade ...” pela Requerente, à empresa “Sociedade D..., Lda.”:
A Requerente alega que não se revelam justificados os motivos que levaram à correção do imposto (IVA) nos períodos de 2015, 2016 e 2017, sendo que, segundo o que lhe é dado perceber, as correções efetuadas pela AT resultam, no caso da locação da “Herdade ...”, que esta não estaria isenta de IVA, sendo antes tributada à taxa reduzida, uma vez que estaria excluída da previsão do artigo 9.º, alínea 29), do CIVA, em virtude de no terreno existir arvoredo com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem e construções implantadas no prédio misto.
Entende a Requerente que a interpretação do artigo 9.º, alínea 29), do CIVA que é feita pela AT se afigura tão restritiva que, in casu, retiraria qualquer efeito útil ao arrendamento. A esta luz, o facto de existir no imóvel arrendado arvoredo com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem e construções implantadas é, precisamente, o que permite que do mesmo se retirem as utilidades inerentes ao arrendamento.
A tese da Requerida AT de que a isenção só opera nos casos de locação do solo seria, para a Requerente, não só redutora, como estabeleceria uma limitação à isenção que não tem respaldo em qualquer das alíneas do artigo 9.º, 29), do CIVA; ou seja, a AT estaria a criar, por via administrativa, limitações à isenção de IVA que não existem na lei, o que é violador do princípio da legalidade tributária, previsto no artigo 8.º, n,º 1, da LGT.
A Requerente considera ainda que a locação do imóvel tem como objeto o exercício de tais atividades pelo locatário e de modo próprio, pelo que, in casu, se está numa situação de locação de bem imóvel que beneficia de isenção de IVA; só assim não seria se existissem prestações conexas, complementares ou autonomizáveis que fosse possível desagregar da função locativa e atribuir outra qualificação, o que manifestamente não ocorre.
Deste modo, conclui a Requerente, não se pode considerar que se verifica a exclusão da isenção prevista na alínea c) da alínea 29) do artigo 9.º do CIVA, uma vez que não existe a transferência onerosa da exploração de qualquer estabelecimento comercial ou industrial.
O que existe é um verdadeiro arrendamento sendo o arvoredo, pasto e construções implantadas a essência daquele e que permite a prossecução do respetivo fim.
A Requerida AT alega que o terreno agrícola a locar está preparado e apetrechado, dispondo de recursos normalmente utilizados nas explorações agrícolas (arvoredo florestal com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem, construções diversas que se encontram implantadas no prédio misto e, ainda, a exploração cinegética). Deste modo, a locação em causa estará excluída da isenção prevista no artigo 9.º, 29), do CIVA, configurando uma prestação de serviços tributada.
A Requerida AT suporta o entendimento na circunstância de os terrenos agrícolas estarem nas referenciadas condições, isto é, se tiverem sido antecedidos de prévia preparação ou se no terreno estiver implantada qualquer obra de benfeitoria útil, os respetivos contratos de arrendamento estão sujeitos a tributação em sede de IVA e, sendo o arrendatário um produtor agrícola, é, por enquadramento na verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, aplicável a taxa reduzida de imposto, prevista no artigo 18.º, n.º 1, alínea a), do CIVA.
Consequentemente, as rendas faturadas pela Requerente à “Sociedade D..., Lda.”, relativas ao prédio misto “Herdade ...”, estariam sujeitas a IVA, à taxa reduzida.
Da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA:
De harmonia com a verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, estão sujeitas a IVA à taxa reduzida as prestações de serviços que contribuem para a realização da produção agrícola, designadamente a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas (alínea e)).
A propósito da interpretação de taxas reduzidas, o CAAD já teve ocasião de se pronunciar no acórdão n.º 171/2013-T que aqui acompanhamos.
Referia-se, nesse acórdão, o seguinte:
“Sobre a aplicação de taxas reduzidas por parte dos Estados-Membros, o TJUE tem, de forma reiterada, afirmado que se trata de uma “possibilidade reconhecida aos Estados-Membros por derrogação ao princípio segundo o qual é aplicável a taxa normal” e que “as taxas reduzidas de IVA [uma ou duas] podem unicamente ser aplicadas às entregas de bens e às prestações de serviço referidas no anexo H [actual Anexo III]” – cf. Acórdão de 3 de Abril de 2008, Zweckverband zur Trinkwasserversorgung, processo n.º C-442/05 (ponto 39), e Acórdão de 18 de Janeiro de 2001, Comissão vs Espanha, processo n.º C-83/99 (ponto 18).
Estamos, assim, face a uma opção ou faculdade dos Estados-Membros, naturalmente limitada ao elenco de operações constante do Anexo III da Directiva IVA, e não a uma vinculação destes na transposição de operações sujeitas à taxa reduzida.
Acresce que os Estados-Membros podem fazer uma aplicação selectiva da taxa reduzida (a produtos ou serviços concretos e específicos), desde que a mesma não crie um risco de distorção de concorrência – cf. Acórdão de 8 de Maio de 2003, Comissão vs França, processo n.º C-384/01 (pontos 25 a 28).
De acordo com o TJUE, a introdução e a manutenção de taxas reduzidas de IVA só são admissíveis se não violarem o princípio da neutralidade fiscal inerente ao sistema comum do IVA, “o qual se opõe a que mercadorias semelhantes, que estão, portanto, em concorrência entre si, sejam tratadas de maneira diferente do ponto de vista do IVA” – cf. Acórdão de 3 de Abril de 2008, Zweckverband zur Trinkwasserversorgung, processo n.º C-442/05 (ponto 42); Acórdão de 28 de Outubro de 2003, Comissão vs Alemanha, processo n.º C-109/02 (ponto 20); Acórdão de 8 de Maio de 2003, Comissão vs França, processo n.º C-384/01 (ponto 25), e Acórdão de 3 de Maio de 2001, Comissão vs França, processo n.º C-481/98 (pontos 21 e 22).
É, por conseguinte, recorrente a afirmação do Tribunal de Justiça no sentido de que os Estados-Membros têm de respeitar o princípio da neutralidade fiscal quando aplicam taxas reduzidas.
Além do mais, por configurar uma excepção ao princípio geral (que é o da aplicação de uma taxa normal), a aplicação de taxas reduzidas deve ser, de acordo com a jurisprudência comunitária, interpretada de forma estrita, conforme salientado nos Acórdãos proferidos nos processos n.ºs C-83/99 (ponto 19) e C-384/01 (ponto 28), acima citados.
No entanto, a este respeito, deve esclarecer-se que interpretação estrita não é equivalente a interpretação restrita ou restritiva. A jurisprudência do TJUE utiliza a palavra “estrita” (em inglês, “strictly”, em francês “de manière stricte” e em castelhano “estrictamente”), cujo significado é “precisa”, “rigorosa” (Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea, Academia das Ciências de Lisboa, Verbo, I Volume, 2001). Assim, o que este Tribunal Europeu preconiza é uma interpretação literal, também denominada de declarativa, e não, como refere a AT, uma interpretação restritiva.
Na realidade, a correspondência literal ou rigorosa com o texto da norma não implica uma restrição do sentido desta, típica da interpretação restritiva assente no pressuposto de que o texto disse mais do que aquilo que se pretendia dizer, mas sim a eleição de um sentido que o texto directa e claramente comporte, por ser esse [sentido] aquele que corresponde ao pensamento legislativo (cf. João Baptista Machado, “Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador”, Almedina, 2010, 18.ª reimpressão, pp. 185 e 186).
Na interpretação estrita ou declarativa, “o sentido literal, ou um dos sentidos literais, cobre aquilo que, definitivamente, se apura ser o que ela pretende exprimir” (cf. Oliveira Ascensão, O Direito. Introdução e teoria geral, Almedina, 10.ª ed., 1999, p. 418). Na interpretação restritiva (tal como na interpretação extensiva), pelo contrário, corrige-se, em certo sentido, o texto da lei, abandona-se o sentido ou sentidos literais possíveis (cf. idem, 419-421).
Ora, a existir um qualquer princípio especial de interpretação no domínio da aplicação das taxas reduzidas de IVA, tal princípio só pode ser o de integral e rigoroso respeito pelo sentido (ou sentidos) verbal possível das expressões constantes da lei (princípio de interpretação estrita ou declarativa). Pelo contrário, afigura-se inadmissível a consideração de um princípio que tome como regra geral que o legislador foi traído pelas palavras que usou, revelou um mau uso da sua língua e exprimiu mais do que intentava (suposto princípio de interpretação restritiva).”
Sabendo que, por configurar uma excepção ao princípio geral (que é o da aplicação de uma taxa normal), a aplicação de taxas reduzidas deve ser, de acordo com a jurisprudência comunitária, interpretada de forma estrita, vejamos qual deve ser a interpretação a dar à verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA.
O Código do IVA refere, na verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA, estarem sujeitas a IVA à taxa reduzida as prestações de serviços que contribuem para a realização da produção agrícola, designadamente a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas (cfr. alínea e)).
Sublinhe-se que, de harmonia com o CIVA, deve estar em causa a locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas (sublinhado nosso).
Não há, no CIVA, uma definição do que se entende serem “meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas”.
Contudo não pode deixar de se considerar que a exigência, prevista na lei, de serem locados meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas e silvícolas vai além da mera locação de bens imóveis, como prédios rústicos, e das árvores, arvoredo com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem e construções implantadas em prédios rústicos.
Para efeitos de aplicação da verba 4.2 da Lista I anexa ao CIVA deve estar em causa a locação de meios (verbi gratia instalações ou equipamentos) que se destinam ao fim produtivo normalmente associado a explorações agrícolas e silvícolas, os quais adquirem, de alguma forma, autonomia económica em relação aos prédios rústicos em que se inserem.
Ora, no caso sub judice, não se vê em que medida a locação de um prédio rústico e das árvores, arvoredo com cortiça extraível, vinha, olival, culturas diversas, pastagem e construções nele implantadas adquire, de alguma forma, autonomia económica em relação ao prédio rústico em que se inserem.
A esta luz não pode deixar de se considerar que o contrato de cedência da “Herdade...” pela Requerente, à empresa “Sociedade D..., Lda.” constitui um contrato de arrendamento rural, isto é, de um arrendamento, total ou parcial, de prédio rústico para fins agrícolas, pecuários ou florestais, ou outras atividades de produção de bens ou serviços associados à agricultura, à pecuária ou à floresta.
Este contrato corresponde, portanto, a um contrato de locação de bens imóveis que se insere na previsão do n.º 9 do artigo 29.º do Código do IVA.
Por esta razão, o contrato de cedência da “Herdade ...”, pela Requerente, à empresa “Sociedade D..., Lda.” está isento de IVA.
b) Da cedência das instalações avícolas situadas na “Herdade ...”, pela Requerente, à empresa “C...”:
b.1. Enquadramento geral:
Está ainda pendente a segunda questão: saber o enquadramento, em sede de IVA, do contrato de cedência das instalações avícolas situadas na “Herdade ...”, pela Requerente, à empresa “C...”:
Vejamos.
A Requerente defende que a cedência do direito de utilização dos pavilhões avícolas e dos equipamentos que neles se encontrem afetos à exploração avícola não corresponde a uma cessão de exploração de estabelecimento comercial mas a uma locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas.
Em contraposição, a AT sustenta que a relação jurídica estabelecida entre as partes não pode ser tida como um contrato de locação, mas antes como um contrato de cessão de exploração, que se não enquadra no artigo 9.º, n.º 29 do Código do IVA e que, como tal, constitui uma prestação de serviços que, nos termos gerais, se encontra sujeita à liquidação de IVA à taxa normal.
Em ordem a responder a esta questão deve, prima facie, proceder-se à distinção entre contrato de cessão de exploração e contrato de locação.
b.2. Do contrato de cessão de exploração:
Nos termos do artigo 1.º n.º 1 alínea a) do Código do IVA (CIVA), conjugado com o artigo 4.º n.º 1 do mesmo Código, a locação de bens imóveis é considerada uma prestação de serviços sujeita a IVA.
Contudo, o princípio geral segundo o qual o imposto é cobrado sobre qualquer prestação de serviços efetuada a título oneroso por um sujeito passivo tem algumas derrogações, entre as quais a previsão do artigo 9.º, n.º 29 do CIVA, que determina que a locação de bens imóveis está isenta de IVA.
Deve, por isso, analisar-se o que se entende por “contrato de cessão de exploração”, distinguindo-o da “locação de bens imóveis” para, de seguida, subsumir estas noções à realidade dos factos in casu.
No passado, os tribunais comuns pronunciaram-se sobre o contrato de cessão de exploração.
Assim, o Tribunal da Relação de Lisboa teve ocasião de, no processo 1289/09.5TBFUN.L1-6, de 28/6/2012 considerar que “o contrato de arrendamento comercial e o contrato de cessão de exploração (ou de locação de estabelecimento) são diferentes, na medida em que o primeiro consiste na cedência temporária do gozo de um imóvel mediante retribuição, com o fim de aí ser exercida uma qualquer actividade comercial ou industrial, enquanto o segundo consiste na cedência temporária, mediante retribuição, da unidade económica constituída por um determinado estabelecimento comercial, do qual faz parte a fruição do imóvel onde ele está instalado.”
Acrescentava o mesmo Tribunal que, para a qualificação de um contrato de cessão de exploração, era “essencial que se pretenda a manutenção pelo cessionário da exploração do estabelecimento no respectivo ramo de actividade e que a transmissão seja acompanhada de elementos que integram o estabelecimento, mas não é necessário que o estabelecimento já tenha funcionado antes ou já esteja completo.”
Também o Supremo Tribunal de Justiça, em acórdão proferido em 20 de janeiro de 2009, afirmou, relativamente ao contrato de cessão de exploração de estabelecimento comercial que este “pressupõe (…) que se verifiquem, cumulativamente, os seguintes requisitos: a) -transferência para outrem da exploração de um estabelecimento comercial ou industrial, englobando a transmissão das instalações, utensílios, mercadorias ou outros elementos que integrem o estabelecimento; b) feita juntamente com o gozo do prédio, continuando a exercer-se nele o mesmo ramo de comércio ou indústria, não podendo ser-lhe dado destino diferente; c) temporária; d) onerosa.”
Este Alto Tribunal entende também que se “o estabelecimento se encontre desfalcado de algum ou alguns dos seus elementos não essenciais, haverá cessão do estabelecimento. O que não pode faltar são os elementos essenciais à sua existência, que só caso a caso é possível precisar” e, por fim, “para haver cessão de exploração, não é necessário que o estabelecimento comercial esteja a ser explorado, podendo tal negócio ter 1ugar mesmo que a exploração não se tenha iniciado ou esteja interrompida, bastando que para tal se encontre legalizado.”
Por fim, o Tribunal da Relação de Coimbra, no processo 221/09.0TBCDN.C1, de 17/4/2012 , procedeu ao enquadramento histórico do contrato de cessão de exploração, reconhecendo que o surgimento, como negócio próprio do estabelecimento, se devia à jurisprudência (com o Acórdão do STJ de 8 de Fevereiro de 1935, a propósito do cinema portuense Águia d´Ouro), tendo o Código Civil de 1966 autonomizado a cessão de exploração pelo prisma da exclusão do regime do arrendamento (cfr. artigo 1085.º), solução que transitou, posteriormente, para o RAU (cfr. artigo 111.º, n.º 1) tendo, finalmente, a regulação do contrato regressado de novo ao Código Civil (cfr. artigo 1109.º, n.º 1).
Também o CAAD teve ocasião de se pronunciar sobre esta problemática.
Na decisão proferida no acórdão n.º 204/2018–T, que acompanhamos de perto, entendeu-se que o traço característico da cessão de exploração se traduz, não na cedência de fruição do imóvel e do gozo do mobiliário ou do recheio que nele se encontre, mas na cedência temporária do estabelecimento como um todo, como uma universalidade, como uma unidade económica mais ou menos complexa.
E, nesse sentido, na transmissão efetuada pelo cedente vai incluído todo o somatório de elementos materiais e imateriais que integram a organização da empresa, desde os móveis e imóveis até à clientela e os contratos com o pessoal e as entidades financeiras.
A cessão de exploração pressupõe, portanto, a transmissão da generalidade dos meios empresariais pertencentes ao cedente que integram o estabelecimento comercial e, assim, todos os elementos com valor económico que pertencem à empresa, não podendo incidir apenas sobre elementos singulares que integram o estabelecimento.
b.3. Da qualificação da cedência das instalações avícolas situadas na “Herdade ...”, pela Requerente, à empresa “C...”:
No tocante às instalações sitas na “Herdade ...”, a Requerente celebrou com a sociedade C... um acordo verbal pelo qual se limitou a transferir, temporária e onerosamente, os direitos de gozo e uso de certas instalações avícolas, que se encontram identificadas no ponto j) dos factos dados como provados, incluindo a totalidade dos equipamentos nelas existentes.
Não estava em causa uma cessão de exploração de estabelecimento comercial em sentido próprio, visto que não se verificava a transmissão do estabelecimento como uma unidade mas apenas a transmissão de algumas das instalações empresariais que integram o estabelecimento.
Como foi dado como provado, a Requerente tinha construído, na “Herdade...”, núcleos de aviários com o objetivo de realizar testes no terreno das rações animais que produz e nunca tinha dado qualquer utilização aos mencionados núcleos de aviários.
Consequentemente, a Requerente facultou à sociedade “C...” os direitos de gozo e uso dos ditos núcleos avícolas e dos respetivos equipamentos, o que se traduzia em a “C..., Lda.” poder utilizar aqueles pavilhões avícolas e os equipamentos ali existentes destinados à atividade avícola.
Como contrapartida da utilização das mencionadas instalações avícolas e dos respetivos equipamentos, a Requerente recebia da “C..., Lda.” um montante monetário que não era fixo, sendo estabelecido em função do número de aves alojadas e concretamente determinado e pago no fim do ciclo de criação de cada bando de aves, que durava cerca de 6 (seis) semanas.
Não foi dado como provado que a Requerente tivesse colocado à disposição da empresa “C...” os meios materiais indispensáveis à utilização, por esta empresa, adaptados ao ramo de atividade, nomeadamente, máquinas e utensílios que viabilizassem o arranque da exploração comercial.
Nesse sentido aponta a circunstância de a retribuição ter sido fixada, não por referência ao estabelecimento como uma unidade jurídica e económica, mas antes pelo pagamento mensal de um valor determinado em função do número de aves alojadas em cada um dos pavilhões que foram objeto de cedência.
A característica predominante da operação económica in casu consistia na colocação passiva das instalações à disposição da empresa “C...”.
O acordo celebrado entre as partes correspondia, nestes termos, em termos materiais, a um contrato de locação de bens imóveis, pelo qual o locatário adquire o uso e fruição da coisa locada e que poderá definir-se como arrendamento caso se entenda que incide sobre partes integrantes de prédios rústicos e/ou urbanos.
Não se trata, em todo o caso, de um arrendamento rural, isto é, de um arrendamento, total ou parcial, de prédio rústico para fins agrícolas, pecuários ou florestais, ou outras atividades de produção de bens ou serviços associados à agricultura, à pecuária ou à floresta.
Não há, aí, a locação de um prédio rústico, mesmo que parcial, mas a locação de instalações e equipamentos que se destinam ao fim produtivo específico de criação de aves e que adquirem autonomia económica em relação aos prédios rústicos em que se inserem.
Por conseguinte não há nenhum motivo para considerar, neste contexto, que não estamos perante uma locação e que não se trata de uma locação, para fins agrícolas, dos meios normalmente utilizados nas explorações agrícolas.
Pode assim concluir-se que o contrato de cedência das instalações avícolas situadas na “Herdade ...”, pela Requerente, à empresa “C...” está sujeito a IVA, à taxa reduzida, ao abrigo das Verbas 4.2 e 5.2.2 da Lista I anexa ao CIVA.
Consequentemente, o pedido arbitral é totalmente procedente.
16. Observe-se, por fim, que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outra ou, em qualquer caso, cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
***
IV. DECISÃO
Nos termos expostos, acordam neste Tribunal Arbitral em julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:
a) Declarar ilegais e anular as liquidações adicionais de IVA, as liquidações de juros compensatórios e as respetivas demonstrações de acerto de contas, referentes aos períodos de tributação de 201506, 201507, 201508, 201510, 201512, 201601, 201602, 201603, 201604, 201605, 201606, 201607, 201608, 201610, 201611, 201612, 201701, 201702, 201703, 201704, 201705, 201706 e 201802, das quais resultaram o montante total a pagar de € 167.769,79 (cento e sessenta e sete mil setecentos e sessenta e nove euros e setenta e nove cêntimos), com as legais consequências, incluindo os juros indemnizatórios devidos;
b) Declarar ilegal e anular a decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...2018..., com as legais consequências;
c) Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.
*
VALOR DO PROCESSO
Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 167.769,79 (cento e sessenta e sete mil setecentos e sessenta e nove euros e setenta e nove cêntimos).
*
CUSTAS
Em conformidade com o acima decidido e nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 3.672,00 (três mil seiscentos e setenta e dois euros), a cargo da Requerida.
*
Notifique.
Lisboa, 6 de março de 2020.
Os Árbitros,
(Maria Fernanda Maçãs)
(Nuno Cunha Rodrigues)
(Ricardo Rodrigues Pereira)