Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 482/2019-T
Data da decisão: 2020-03-26  IRC  
Valor do pedido: € 3.710.568,39
Tema: IRC – RETGS – Alteração da composição do grupo de sociedades – Dedução de benefícios fiscais.
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DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

                               1.  A..., SGPS, SA, portadora do NIPC ..., com sede na ... n.º ..., ...º, ...-... Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade de liquidação adicional n.º 2018... referente ao IRC de 2014, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzida.

 

                               Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

O Grupo A..., sujeito ao regime especial de tributação de grupos de sociedades (RETGS), alterou o seu perímetro fiscal, no período de 2014, mediante a inclusão de um conjunto de sociedades que anteriormente pertenciam ao Grupo B... e ao Grupo C..., mantendo-se como sociedade dominante.

 

No âmbito de um procedimento inspectivo, a Autoridade Tributária procedeu a correcções aos consumos de crédito de imposto por benefícios fiscais por considerar que os créditos fiscais oriundos de empresas que passaram a integrar o Grupo Fiscal A... apenas podem ser utilizados no grupo “na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do grupo”.

 

Discordando desse entendimento e correções subjacentes, a Requerente deduziu reclamação graciosa que foi objecto de indeferimento.

 

A decisão de indeferimento e as liquidações impugnadas enfermam de vício de fundamentação a posteriori e violação de lei por ofensa dos artigos 69.º, 70.º e 71.º do Código do IRC.

 

Estas disposições em momento algum referem que o crédito de benefícios fiscais trazidos por empresas que integravam um ou mais grupos já existentes apenas possam ser utilizados no grupo a que passam a pertencer na medida do seu resultado tributável no âmbito do grupo e, da mesma forma, a alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º não contém qualquer limitação desse tipo.

 

E, por outro lado, a Autoridade Tributária veio a alterar a posição inicialmente seguida, visto que os serviços da inspeção tributária defenderam que a dedução do crédito de benefícios era feita até ao limite da coleta dos grupos (A..., B... e C...), segregando os saldos iniciais e finais não por empresa, mas por grupos, ao passo que no despacho de indeferimento sustenta-se que aquela dedução de crédito de benefícios deve ser feita até ao limite da coleta de cada empresa.

 

Ora, a fundamentação da liquidação de IRC consta do Relatório de Inspeção Tributária, e não da decisão de indeferimento da reclamação graciosa, termos em que a motivação indicada nesta decisão deve ter-se como não relevante, sob pena de vício de fundamentação a posteriori.

 

Acresce que a liquidação assenta num entendimento que constitui uma limitação artificial e arbitrária da dedução dos créditos fiscais, na medida em que se trata de uma interpretação que não resulta da aplicação do direito constituído, e, desse modo, viola o princípio da igualdade fiscal e, cumulativamente, o disposto nos artigos 103.º, 268.º e 13.º da Constituição.

 

Sucede ainda que o entendimento da Autoridade Tributária opera dois exercícios interpretativos e de aplicação de lei: por um lado, procede a uma restrição expressa da aplicação do disposto na alínea c) do n.º 2 do artigo 90.º e do regime previsto nos artigos 69.º, 70.º, e 71.º do Código do IRC, violando a lei fiscal; por outro lado, ao não permitir os créditos fiscais de empresas que passaram a integrar perímetro do grupo de sociedades, e antes pertenciam a um outro grupo, sejam utilizados na determinação do lucro tributável do grupo, cria um espaço de incidência e onerosidade fiscal que a lei fiscal não consagrou.

 

Em rigor, a posição da Autoridade Tributária baseia-se numa analogia com o regime expressamente previsto para os prejuízos fiscais constante do artigo 71.º do Código do IRS, que não é admissível no âmbito do Direito Fiscal, nem seria  expectável que fosse aplicada, o que significa uma violação do princípio da protecção da confiança, ínsito no artigo 2.º da Constituição.

 

A interpretação adoptada pela Administração viola ainda o princípio da legalidade, seja na vertente da juridicidade que pauta a actuação administrativa, seja na vertente de violação da hierarquia de normas prevista no artigo 112.º da Constituição.

 

 Autoridade Tributária, na sua resposta, invoca a excepção do erro na forma de processo e incompetência do tribunal arbitral, por entender que o thema decidendum incide exclusivamente sobre os critérios de ordenamento dos benefícios fiscais a deduzir no exercício de 2014, não sendo convocada qualquer outra matéria factual ou jurídica para fundamentar a anulação da liquidação impugnada. E, sendo assim, é a acção administrativa o meio processual adequado para a pretensão formulada no pedido arbitral já que é esse o meio de reação destinado a apreciar actos em matéria tributária que não importem a legalidade da liquidação (artigo 97.º, n.º 2, do CPPT), e, nessa medida, o tribunal arbitral é incompetente para conhecer do pedido.

Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária sustenta que, embora o legislador não tenha criado disposições específicas sobre o tratamento a dar aos créditos de imposto por benefícios fiscais pertencentes a sociedades de um grupo fiscal que tenham passado  a integrar um outro grupo fiscal, o que resulta do regime legal é que (a) a nova sociedade dominante pode optar pela inclusão das sociedades pertencentes aos grupos fiscais extintos, desde que preencham os requisitos relevantes definidos no artigo 69.º; (b) a inclusão dessas sociedades no grupo fiscal da nova sociedade dominante é tratado como uma alteração da composição deste grupo por novas entradas; (c) a quota-parte dos prejuízos fiscais atribuída às sociedades do grupo fiscal extinto que não são incluídas no grupo fiscal da nova sociedade dominante seguem o regime da alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º; (d) a quota-parte dos prejuízos fiscais atribuída às sociedades do grupo fiscal extinto que são incluídas no grupo fiscal da nova sociedade dominante são dedutíveis segundo as regras aplicáveis aos prejuízos verificados em períodos de tributação anteriores aos do início de aplicação do regime (alínea a) do n.º 1 do artigo 71.º).

 

Impõe-se assim concluir que o legislador assimilou a inclusão das sociedades pertencentes aos grupos fiscais extintos no grupo fiscal da nova sociedade dominante como uma alteração da composição deste grupo por novas entradas.

 

 O legislador não optou por uma solução de neutralidade na inclusão das sociedades dos grupos fiscais extintos, preferindo uma solução intermédia que qualifica a inclusão das sociedades, que continuam a preencher os requisitos legais para integrar um grupo fiscal, como uma simples entrada num novo grupo, e aplicando às sociedades que não preenchem tais requisitos as consequências definidas para a cessação do RETGS.

 

Nestes termos, a resposta à questão de saber se as deduções relativas a benefícios fiscais devem projectar-se sobre situações consolidadas na esfera jurídico-tributária de uma sociedade antes da sua entrada no perímetro de um  grupo fiscal, alargando os efeitos esses benefícios às demais sociedades do grupo, não pode deixar de ser negativa  por razões de ordem sistemática, porque propiciaria a inclusão no perímetro do grupo de sociedades com benefícios fiscais dedutíveis mas sem capacidade individual para o seu aproveitamento.

 

A tese da Requerente assenta na ideia de que o exercício do direito ao crédito de imposto por benefícios fiscais constituídos até 31 de Dezembro de 2013, tanto para as sociedades que pertenciam aos grupos fiscais extintos como para as sociedades que já integravam o grupo fiscal A..., tem apenas como limite o que resulta da colecta do grupo, não fazendo distinção entre as sociedades incluídas nesse grupo fiscal em 2014 e as sociedades nele já integradas. No entanto, o legislador, relativamente aos prejuízos fiscais, declaradamente assumiu um “corte” entre os grupos fiscais que se extinguem e o “novo” grupo em que as respectivas sociedades se integram, e não há razão para que esse princípio se não torne aplicável a outros aspectos que tenham a ver com essa realidade.

 

Acresce que o entendimento dominante é que o regime especial de tributação de grupos de sociedades é um regime de tributação conjunta, e não um regime de tributação unitária, dado que o grupo fiscal não tem personalidade tributária, pelo que não é possível afirmar que, para efeitos da dedução dos benefícios fiscais, só é relevante a colecta de IRC do grupo, porquanto cada sociedade do grupo deve proceder ao apuramento individual do imposto devido.

 

Deste modo, os créditos de imposto por benefícios fiscais constituídos em momento anterior à entrada das sociedades de grupos fiscais extintos num novo grupo fiscal só relevam no seio desse grupo nos mesmos termos em que poderiam relevar na esfera individual de cada sociedade. 

 

Este entendimento é o que se concilia com os princípios gerais estatuídos no artigo 15.º do EBF sobre a transmissibilidade dos benefícios fiscais. 

 

Conclui no sentido da procedência da excepção dilatória e, se assim se não entender, pela improcedência do pedido arbitral.

 

2. No seguimento do processo, a Requerente respondeu à matéria de excepção, dizendo, em síntese, que o pedido arbitral se reporta à anulação de um acto de liquidação - que se consubstancia na liquidação de IRC de 2014 - com fundamento na sua ilegalidade, e de um acto de indeferimento da reclamação graciosa contra ele deduzida, sendo que o objecto do processo não se relaciona com o reconhecimento dos benefícios fiscais mas com a dedução desses benefícios no montante de imposto apurado. E. assim, estando em causa um acto de liquidação, e não existindo uma qualquer outra lesão jurídica autonomizável, o meio próprio de reacção é a impugnação judicial do acto, tal como se requereu no pedido arbitral.

 

Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores posições.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 30 de Setembro de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi suscitada a excepção dilatória de erro na forma de processo e incompetência do tribunal arbitral.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que são tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente exerce a actividade de sociedade gestora de participações sociais não financeiras, sendo a sociedade dominante do Grupo A...;

B)           No período de tributação de 2014, por efeito da alteração do disposto no artigo 69.º, n.º 2, do Código do IRC, que reduziu de 90% para 75% o nível de participação mínimo para uma sociedade dominante optar pela aplicação do regime especial de tributação de grupos de sociedades, o Grupo A... passou a integrar as empresas que anteriormente faziam parte do Grupo B... e do Grupo C...;

C)           A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo externo de âmbito parcial, credenciado pela Ordem de Serviço n.º OI2017..., destinado a verificar o cumprimento das obrigações em sede de IRC inerentes à aplicação do regime especial de tributação de grupos de sociedades regulado nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC.

D)           O Relatório de Inspecção Tributária elaborado no âmbito desse procedimento inspectivo concluiu que os créditos fiscais decorrentes de benefícios fiscais por SIFIDE, RFAI e CFEI, constituídos em 2013 pelas sociedades que passaram a integrar o Grupo A..., apenas poderiam ser utilizados no âmbito do grupo, para efeitos do regime especial de tributação, na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuísse para o apuramento do imposto do Grupo;

E)            Nessa sequência, o Relatório de Inspecção Tributária propôs correcções aritméticas ao apuramento do imposto que determinou a liquidação adicional de IRC n.º 2018..., emitida em 12 de Dezembro de 2018;

F)            O Relatório de Inspecção Tributária encontra-se fundamentado, na parte que mais releva, nos seguintes termos:

A - QUANTO AO SALDO DE BENEFÍCIOS FISCAIS QUE TRANSITAM DE 2013

Conforme resulta da Declaração de Rendimentos Modelo 22 submetida pela A... e reportada a 2014, a 31 dezembro de 2013, em resultado da insuficiência de coleta do grupo permaneceriam sem utilização de benefícios fiscais que ascendiam a 13.879.877,31 Euros.

Antes de mais, importa recordar que a A... optou, no período de 2014 e em resultado da alteração do limiar mínimo de participação para 75% do capital social, pela alteração na composição do grupo integrando as sociedades que se mostravam elegíveis nos dois grupos  fiscais, e  que  tinham por sociedades dominantes a B..., SA e a C... SA, os quais cessaram conforme adiante é referido.

Assim, e tendo por base a decomposição de saldo inicial que a A... apresentou no decurso do procedimento de inspeção, temos que aquele valor se reparte por:

Quadro 11: Saldo inicial de benefícios fiscais no grupo A... – declarado em 2014

 

                REPORTE DE 2013 A...

RETGS 2013        GPI         RFAI      CFE        SIFIDE   TOTAL

B...         0,00       0,00        0,00       11.927.170.98    11.927.170,98

C...         0,00       0,00        685.556,90          0.00       685,556,90

A...         0,00       323.880,21          439.567,38          412.701,84          1,176,149,43

TOTAL DECLARADO        0,00       323.880,21          1.121.12?.28       12.339.872,82    13.788.877.31

 

A informação reportada pelo grupo não tem em consideração os impactos de liquidações subsequentes à autoliquidação do IRC de cada grupo nos períodos anteriores (entre 2006 e 2013) sejam decorrentes de procedimentos de inspeção ou de contencioso, realizados pela Autoridade Tributária e Aduaneira.

Assim, atendendo a que, após procedimentos de inspeção a períodos anteriores a 2014, o saldo final de benefícios fiscais a reportar em cada um dos grupos existentes  até 2013-12-31 e cujas  empresas passaram a integrar o grupo A... em 2014, temos que o saldo inicial dos benefícios fiscais a considerar no grupo A... em 2014 será o somatório dos benefícios fiscais ainda não utilizados em 2013 que resultam da última liquidação IRC reportada a 2013.

Quadro 12: Saldo inicial de benefícios fiscais no grupo A... – depois das correções pela AT

                REPORTE DE 2013 - AT

RETGS 2013        GPI         RFAI      CFEI       SIFIDE   TOTAL

B...         0,00       0,00        0,00       9.500.063,64      9.500.063,64

C...         0,00       0,00        685.556,90          0.00       685,556,90

A...         0,00       440.109,07          689.278,44          439.436,00          1,568.823,51

TOTAL DECLARADO        0,00       440.109,07          1.374.835,34       9.939.519,64      11.754.464,05

 

Conforme resposta ao grupo A... no âmbito de um pedido de informação vinculativa (PIV 7372) “Formalmente, verificou-se a cessação dos Grupos adquiridos” quando por força das alterações introduzidas pela lei nº 2/2014, de 16 de Janeiro, ao regime especial de tributação dos grupos de sociedades (RETGS), nomeadamente nos artigos 69º, 70º e 71º do CIRC, destacando-se, para o caso em questão o nº 2 do art.º 69º do CIRC, quanto à alteração da percentagem detenção da participação de capital social, por parte da sociedade dominante de, pelo menos, 90%, para o mínimo de 75%, para efeitos de inclusão no Grupo. “A descida da percentagem de detenção do capital para o mínimo de 75% veio provocar alterações na composição dos diversos grupos fiscais designadamente a alteração da sociedade.

Como indicou a A... no ponto 5 do seu requerimento da Informação Vinculativa , “o  Grupo não pretende optar, nos termos do n.º 10 do art.º 69° do CIRC, pela alteração do sociedade dominante, mas sim pela alteração na composição do seu grupo, integrando as sociedades que se mostrem elegíveis nos dois Grupos adquiridos”. Formalmente, verifica-se a cessação dos Grupos adquiridos pelo que desde 1 de janeiro de 2014 que as sociedades que integravam os grupos fiscais B... e C... a 31 de dezembro de 2013, integram o grupo, fiscal que tem como sociedade dominante a A..., tendo esta sociedade considerado que os benefícios fiscais ao investimento gerados por aquelas sociedades antes de integrarem o grupo por si dominado reportam em benefício do imposto do atual grupo.

À letra da lei não define a forma como se processa a dedução benefícios fiscais anteriores ao grupo nos casos em que há a opção de tributação pelo RETGS. Tal facto não constitui historicamente qualquer entrave à utilização do benefício nos casos em que há tal opção, com as limitações que decorrem dos regimes específicos de cada benefício fiscal.

A interpretação consolidada, nomeadamente da Lei n.º 40/2005 que regulava o SIFIDE, quanto à sua aplicação nos casos em que a sociedade que gera o direito ao benefício fiscal do SIFIDE integra um grupo tributado peto RETGS, aponta para que esse crédito fiscal e dedutível ao Imposto apurado pelo grupo a ainda que, eventualmente, a empresa onde se realizou as  despesas de investigação e desenvolvimento não apure lucro tributável.

Tal entendimento apresenta-se suportado na mecânica imposta pela letra da lei em causa em articulação com o Código do IRC, se não vejamos:

I.             O benefício fiscal do SIFIDE constitui-se de um crédito fiscal que opera por dedução à coleta de imposto sobe o lucro;

II.            O crédito fiscal deve ser deduzido ao imposto do período em que se concretizaram as despesas de investigação e desenvolvimento e, apenas nos casos em que há insuficiência de coleta, se admite a dedução à coleta de imposto dos períodos seguintes até a um máximo de seis;

III.          O Imposto apurado pelo grupo em resultado do RETGS constitui a coleta de imposto com base no lucro tributável do grupo, ou seja, está influenciado pelas despesas de investigação que originaram o SIFIDE;

IV.          Ao imposto apurado no grupo é dedutível o somatório dos benefícios fiscais apurados em cada uma das empresas que o integra (n.º 6 do artigo 90.º Código do IRC).

Resta avaliar como tratar em 2014 na esfera do grupo A..., os benefícios fiscais apurados por empresas do grupo B... e  C... antes da respetiva cessação dos grupos, sendo que os benefícios fiscais não foram utilizados em razão da insuficiência da sua coleta de imposto.

Veja-se o já citado n.º 6 do artigo 90.º do Código IRC ao prescrever que “Quando seja aplicável o regime especial do grupo de sociedades as deduções referidas no n.º 2 relativas a [1] cada uma das sociedades são efetuadas no montante apurado relativamente [2] ao grupo, nos termos do n.º 1.”, aponta claramente para duas realidades diferentes. Se por um lado a dedução referida no n.º 2 do artigo 90.º que na al. b) inclui os benefícios fiscais, mantém uma individualização já que se remete para as deduções relativas a cada empresa, o imposto do grupo apresenta-se como um bolo único.

As sociedades que compõem RETGS mantêm a sua individualidade e autonomia fiscal, o que manifesta de diversos modos, conforme acima demonstrado.

Deve assim entender-se que apesar de dedutíveis ao imposto do grupo no período em que os créditos de imposto por benefícios fiscais ao investimento foram gerados, a existência desses benefícios é autónoma empresa a empresa. De resto basta atentar à fórmula de cálculo do benefício em que apenas se considere o investimento da empresa.

Verificando-se a extinção do grupo, a parte não utilizada no RETGS dos benefícios fiscais gerados por cada empresa, deverá ser deduzida nos períodos seguintes uma vez que o seu reporte decorre da insuficiência de coleta de Imposto, caso a sociedade integre um novo grupo a dedução deve ser limitada á coleta dessa sociedade.

A dedução do crédito fiscal acompanha em regra o período em que as despesas  estão a incluídas no lucro tributável que origina o imposto ao qual se deduz o benefício fiscal.

Quando tributada individualmente, e no caso em que uma empresa apresenta prejuízo fiscal no período em que reconhece os gastos  com I&D que lhe conferem o crédito fiscal por SIFIDE, ou regista o investimento que lhe conferiu direito a RFAI ou CFEI, e como tal não apresenta coleta de imposto, é-lhe conferido o direito a reportar para os períodos seguintes quer o prejuízo fiscal quer o crédito de imposto.

Se no período seguinte a empresa passa a integrar um grupo fiscal na sequência da opção de ser tributada IRC pelo RETGS, a lei é clara no que se refere às condições em que os prejuízos fiscais gerados fora do grupo podem ser aproveitados por este, limitando a possibilidade à concorrência do lucro tributável dessa empresa. Para os primeiros prejuízos, verificados em períodos de tributação anteriores ao início de aplicação do regime, estabelece o preceito a regra de que só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo “até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitem”.  De modo que é preciso calcular este limite anualmente. Daí, é claro que os prejuízos gerados antes do REGTS continuam a pertencer à sociedade onde foram gerados e que os aportou (cfr. n.º 6 do art.º 120.º do CIRC), sendo dedutíveis nos termos dos artigos 70.º e 71.º, conforme ali previsto.

A passagem do reporte do crédito fiscal existente à data de integração no RETGS não aparece regulada de forma expressa. Contudo, e nos termos da construção lógica já apresentada, está demonstrada a intenção do legislador de que o crédito fiscal acompanha (ou procura acompanhar) o impacto dos gastos suportados  no  resultado  tributável, logo e impacto desse  crédito fiscal  no  imposto do grupo que a sociedade passou a integrar não pode ultrapassar aquele que decorre da sua contribuição para tal imposto.

Nestes termos, conclui-se que os créditos fiscais que as sociedades dos grupos B... e  C... trazem consigo para o grupo A... quando em Janeiro de 2014 passam a integrar o mesmo para efeitos de tributação pelo RETGS apenas podem ser utilizados nesse grupo na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do  grupo (considerando-se como tal a coleta de IRC e a Derrama Estadual);

G)           Em 29 de Agosto de 2019, a Requerente deduziu reclamação graciosa contra o acto de liquidação adicional por discordar do entendimento de que os créditos fiscais constituídos pelas empresas que passaram a integrar o Grupo A... apenas podem ser utilizados no grupo em função da contribuição dessas empresas para o apuramento do imposto;

H)           A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 17 de Abril de 2019, do Chefe de Divisão do Serviço Central, praticado com delegação de competências, por concordância com a informação n.º 83-AIR 1/2019, que integra o documento n.º 2 junto com o pedido arbitral e que aqui se dá como reproduzido;

I)             Na informação refere-se, além do mais, o seguinte:

38.          A A..., SGPS, perante a alteração ao n.º 2 do artigo 69.º do Código do IRC, ditada pela Lei n.º 2/2014, de 16 de janeiro, que reduziu o limiar de participação mínima de 90% para 75% para a inclusão obrigatória de sociedades dominadas num grupo fiscal, com efeitos a 1 de janeiro de 2014, optou, na qualidade de sociedade dominante. nos termos dos números 1 e 7 do mesmo artigo, pela aplicação do RETGS ao “Grupo A...” cuja composição é alterada pela inclusão das sociedades dos grupos anteriormente dominados pelas sociedades B..., SA; NIPC ... e C..., SA, NIPC... .

 

39.          Os novos pressupostos legais, não obstante, produzirem uma alteração na esfera dos grupos existentes, não impediram a Reclamante de exercer com toda a liberdade a opção pela tributação no regime especial previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC.

 

40.          E fê-lo na qualidade de sociedade dominante do grupo que passa a abarcar as sociedades, incluindo as dominantes, dos dois grupos anteriormente existentes.

 

Assim,

 

41.          A partir de 1 de janeiro de 2014, o perímetro fiscal do “Grupo A...” passou a ser composto pelas sociedades do “Grupo B...” e do “Grupo C...” complementarmente às subsidiárias que já cumpriam os requisitos para a aplicação do RETGS.

 

42.          A Reclamante mantém o seu grupo, alargando-o com a inclusão das sociedades dominantes e dominadas dos outros dois grupos.

 

43.          Contrariamente ao que alega a Reclamante, a alteração ao n.º 2 do artigo 69.º do Código do IRC não tem qualquer interferência na confiança que os sujeitos passivos têm na manutenção das condições exigidas para a concessão dos benefícios fiscais, na medida em que a sua opção para RETGS foi feita livremente.

 

Desta forma,

 

44.          Para o “Grupo A...” os benefícios fiscais a tomar em consideração para a dedução à coleta do grupo têm como particularidade o facto de ao serem respeitantes a empresas que entraram para o grupo em 1 de janeiro de 2014 só poderem ser elegíveis na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribua para o imposto do grupo.

 

45.          É este o critério utilizado pelos serviços de inspeção e que a Reclamante entende ser uma limitação artificial da dedução dos créditos fiscais das empresas B... e C... .

 

Ora,

 

46.          O critério em questão tem por base o facto de a Reclamante ao decidir pela manutenção do “Grupo A...” excluiu os dois outros grupos incorporando no primeiro as sociedades destes últimos.

 

47.          Trata-se de uma situação de inclusão de sociedades para o grupo fiscal anteriormente existente, ou seja, de uma alteração na composição do grupo.

 

E,

 

48.          É nesta medida que os benefícios fiscais dessas sociedades, cujos pressupostos de usufruição se verificaram em períodos anteriores a sua inclusão no grupo, são dedutíveis à coleta desta tendo, porém, como limite máximo a coleta individual de cada uma das sociedades promotoras dos investimentos.

 

De facto,

 

49.          Este é o entendimento que a AT tem vindo a considerar para a dedução de benefícios fiscais nos casos em que os investimentos foram realizados pelas empresas antes da entrada no perímetro fiscal de um grupo, associando essa dedução à respetiva coleta individual.

 

50.          Na ficha doutrinária - Processo 2010..., PIV n.º 1212, com entendimento sancionado por Despacho de 2010-10-27, do Diretor-Geral, refere-se:

“(...) Quanto à questão de poder (ou não) usufruir do benefício fiscal por ter sido integrada em 2010, no perímetro fiscal de um grupo de sociedades tributadas ao abrigo do REGTS, é determinante o facto de a requerente, no período de tributação de 2009, ainda não pertencer a este grupo.

De facto, se no período de tributação em que nasceu o direito ao benefício fiscal em questão (RFAI 2009) os pressupostos eram, entre outros, a possibilidade de dedução à coleta – individual - da requerente, não pode agora, por ter integrado em 2010 um grupo abrangido pelo RETGS, aproveitar, relativamente a esse benefício, do regime que pretende, ou seja, de uma dedução à coleta do grupo sem ter em consideração a coleta individual que apuraria  caso não estivesse integrada nesse grupo.

Embora o diploma seja omisso no caso especial do REGTS, o caso concreto da requerente tem de ser analisado face aos pressupostos existentes à data em que nasceu o direito ao RFAI 2009 e não às circunstâncias surgidas posteriormente.

Portanto, o sujeito passivo ainda pode aproveitar do benefício nas liquidações que se vierem a operar no grupo nos quatro períodos de tributação seguintes (2010 a 2013), mas a dedução à coleta a efetuar tem, necessariamente, como limite máximo, a coleta individual que ela própria apuraria se não tivesse  sido integrada no grupo em 2010.(…)”

 

51.          Neste sentido, o critério aplicável aos benefícios fiscais gerados nas empresas dos Grupos "B..." e "C..." não deduzidos por insuficiência de coleta destes  grupos até 2013 e o da sua utilização até à concorrência da contribuição de cada empresa para a coleta de IRC  do "Grupo A..." em 2014 e nos limites específicos consoante a natureza do crédito fiscal.

 

E,

[…]

61.          Exercendo a Reclamante com toda a liberdade a opção pela tributação no regime especial previsto nos artigos 69.º a 71.º do Código do IRC, assiste, nessa sequência, relativamente a sociedades que entraram para o grupo e na esfera das quais se verificaram os investimentos à dedução dos benefícios fiscais à coleta do grupo tendo como limite máximo a respetiva coleta individual.

 

62.          É este o entendimento que a AT tem vindo a considerar para a dedução de benefícios fiscais nos casos em que os investimentos foram realizados por empresas anteriormente à sua entrada no perímetro fiscal de um grupo, associando essa dedução à respetiva coleta  individual, nos termos consagrados na já referida ficha doutrinária - Processo 2010...,   PIV n.º 1212, com entendimento sancionado por Despacho de 2010-10-27, do Diretor-Geral.

 

63.          Tal significa que sendo os benefícios concedidos a uma empresa determinada a sua dedução no âmbito do grupo deve atender aos pressupostos existentes a data em que nasce o respetivo direito, ou seja:

 

             Se o direito aos benefícios nascer antes da entrada da sociedade para um grupo sujeito ao RETGS, a dedução à coleta do grupo tem, como limite máximo, a coleta individual que essa sociedade apuraria se não tivesse sido integrada no grupo;

             Se o direito aos benefícios nascer quando a empresa promotora dos  investimentos já estiver integrada no grupo sujeito ao RETGS, aplica-se a regra geral prevista no  n.º 6 do artigo 90.º do Código do IRC, sendo os benefícios dedutíveis à coleta do grupo e até ao limite legal estabelecido.

 

Nesses termos,

 

64.          Considerando a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso “Projeto de Decisão”. somos, então, a entender pela definitivamente do mesmo, com todas as consequências legais.

 

VII . DA CONCLUSÃO

 

Em conformidade com todo o exposto e compulsados os elementos dos autos, designadamente o nosso anterior “Projeto de Decisão" e as peças processuais carreadas pela Reclamante, parece-nos ser de indeferir o pedido inserto nos autos, com todas as consequências legais, designadamente sendo o caso, no que tange ao preceituado no artigo 163.º do CPA e, bem como, ao cumprimento do determinado pelo artigo 100.º da LGT.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados pelas partes.

 

Saneamento

 

Erro na forma do processo e incompetência do tribunal arbitral

 

5. Autoridade Tributária, na sua resposta, invoca a excepção do erro na forma de processo e incompetência do tribunal arbitral, por entender que a Requerente pretende apenas  discutir os critérios de utilização dos benefícios fiscais a deduzir no exercício de 2014 e, sendo assim, o meio processual adequado é a acção administrativa a que se refere o artigo 97.º, n.º 2, do CPPT, por se tratar de pretensão relativa a questão tributária que não comporta a apreciação da legalidade do acto de liquidação, e, nessa medida, o tribunal arbitral é também incompetente para conhecer do pedido.

A arguição é manifestamente improcedente.

 

A Requerente formulou um pedido de declaração de ilegalidade de liquidação adicional em IRC referente ao exercício de 2014, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzida.

 

A liquidação adicional baseou-se, na sequência de um procedimento inspectivo, na correção aos consumos de crédito de imposto por benefícios fiscais por se considerar que os créditos fiscais oriundos de empresas que passaram a integrar o Grupo Fiscal A... apenas podiam ser utilizados no grupo “na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do grupo”.

 

E é esse critério de utilização dos créditos fiscais adoptado pela Autoridade Tributária que a Requerente entende encontrar-se eivado de ilegalidade por erro nos pressupostos de direito e que constitui o fundamento do pedido de anulação dos actos tributários.

 

É assim claro que a pretensão deduzida em juízo não incide sobre o reconhecimento de benefícios fiscais mas sobre um pedido de declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos que, como tal, pode ser objecto de impugnação judicial, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT, e se encontra abrangida pelo âmbito de competência material dos tribunais arbitrais face ao estabelecido no artigo 2.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

De facto, a dedução de benefícios fiscais constitui uma das operações da liquidação do IRC, como se depreende do disposto no artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRC e o que se discute no processo é a legalidade do apuramento do imposto quando tenha ocorrido erro de direito no cálculo dos benefícios fiscais dedutíveis.

 

O critério de utilização dos créditos fiscais constitui, por conseguinte, não o pedido mas a própria causa de pedir.

 

A invocada excepção dilatória é assim improcedente.

 

Questão de fundo

6. A questão que vem colocada traduz-se em saber em que termos há lugar à dedução de benefícios fiscais constituídos no ano de 2013 por empresas que faziam parte do Grupo B... e do Grupo C... e que, no período de tributação de 2014, passaram a integrar o Grupo A... .

 

A Autoridade Tributária concluiu, no âmbito do procedimento inspectivo, que os benefícios fiscais que se encontravam já concedidos no momento em que as empresas dos grupos B... e C... passaram a integrar o Grupo A... apenas podem ser utilizados nesse grupo “na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do grupo”.

 

A Requerente defende que não existe disposição legal que possa sustentar esse entendimento e que a Administração, no âmbito do procedimento de reclamação graciosa, veio a alterar a anterior posição, passando a considerar que a dedução dos benefícios pode ser efectuada até ao limite da coleta de cada empresa. É neste contexto que a impugnante começa por imputar à decisão de indeferimento da reclamação graciosa e à liquidação adicional em IRC, em primeira linha, o vício de fundamentação a posteriori e violação de lei por ofensa dos artigos 69.º, 70.º e 71.º do Código do IRC.

 

Deve começar por dizer-se que a eventual adopção de um novo ou diferente fundamento na decisão da reclamação graciosa não representa, em si, uma fundamentação a posteriori.

 

A reclamação graciosa, constituindo uma garantia procedimental do contribuinte, corresponde a um procedimento de segundo grau, visando a reapreaciação da legalidade do acto impugnado, permitindo que a Administração possa ainda tomar uma posição definitiva sobre a questão antes de o interessado poder suscitar um litígio judicial. E, nesse sentido, a argumentação que a entidade competente para decidir venha a adoptar, em caso de indeferimento, passa a integrar a fundamentação do acto tributário impugnado, justificando a sua manutenção na ordem jurídica.

 

O que se pretende salvaguardar com a proibição da fundamentação a posteriori é que o tribunal baseie a formulação do juízo sobre a legalidade do acto sindicado tal como ele ocorreu, em face da fundamentação contextual integrante do próprio acto, impedindo que possam ser valoradas razões de facto e de direito que não constam dessa fundamentação, mormente quando tenham sido invocados na pendência de meio jurisdicional impugnatório (cfr. acórdão do STA de 27 de Junho de 2016, Processo n.º 043/16).

 

Não é esse o caso quando a adopção de novos fundamentos ocorre ainda na fase procedimental em termos de poder influir na relação jurídica tributária.

 

Acresce que a decisão de indeferimento da reclamação graciosa é ela própria objecto de impugnação, cumulativamente com a liquidação adicional de IRC, e a apreciação da sua legalidade não pode deixar de ter em consideração os fundamentos que serviram de base ao indeferimento, ainda que estes pudessem ser distintos daqueles em que se baseou a decisão que manifestou concordância com o relatório de inspecção tributária.

 

Por outro lado, também não se detecta na decisão da reclamação graciosa, em sede de fundamentação, um qualquer dissídio relativamente ao que consta do relatório de inspecção tributária que propôs as correcções aritméticas no apuramento do imposto.

 

De facto, no relatório de inspecção tributária, “conclui-se que os créditos fiscais que as sociedades dos grupos B... e C... trazem consigo para o grupo A... quando em Janeiro de 2014 passam a integrar o mesmo para efeitos de tributação pelo RETGS apenas podem ser utilizados nesse grupo na medida em que o resultado tributável dessas empresas contribuir para o imposto do grupo”. E na informação que serviu de base à decisão de indeferimento da reclamação graciosa considerou-se que “se o direito aos benefícios fiscais nascer antes da entrada da sociedade para um grupo sujeito aos RETGS, a dedução à colecta do grupo tem como limite máximo a colecta individual que essa sociedade apuraria se não tivesse sido integrada no grupo”. O que está em causa é, por conseguinte, o mesmo princípio básico: a dedução relativa a benefícios fiscais constituídos antes da entrada no grupo societário não releva relativamente ao resultado fiscal do grupo mas apenas quanto ao resultado fiscal individual das empresas titulares dos benefícios. 

 

7.  Afastado o vício da fundamentação a posteriori cabe agora verificar se ocorreu a pretendida violação de lei por ofensa dos artigos 69.º, 70.º e 71.º do Código do IRC.

 

Nos termos do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRC, à colecta apurada mediante a aplicação da taxa à matéria colectável são efectuadas as deduções relativas a benefícios fiscais. Dessas deduções não pode resultar um valor negativo que implique o direito ao reembolso, pelo que as deduções são feitas apenas até concorrência da colecta (n.º 9). E quando seja aplicável o regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo (n.º 6).

 

O regime especial de tributação dos grupos de sociedades tem igualmente um regime específico de dedução dos prejuízos fiscais, conforme o previsto no artigo 71.º. Assim, “os prejuízos das sociedades do grupo verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do regime só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo, nos termos e condições previstos no n.º 2 do artigo 52.º, até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam” (artigo 71.º, n.º 1, alínea a)). Aquele preceito, por sua vez, estabelece um limite quantitativo quanto ao reporte dos prejuízos fiscais, ao consignar que a dedução a efectuar em cada um dos períodos de tributação não pode exceder o montante correspondente a 70 % do respetivo lucro tributável, sem prejuízo de a parte cuja dedutibilidade não tenha sido possível no exercício poder ser efectuada em um ou mais dos 12 períodos de tributação posteriores (n.º 1). O reporte dos prejuízos fiscais tende assim a implicar o apuramento de um resultado positivo e o consequente pagamento de imposto.

 

Na situação do caso, o que está em causa é a dedução de benefícios fiscais já existentes na esfera jurídica das empresas dos grupos B... e C... quando estas passaram a integrar o Grupo A... por efeito da alteração da composição do grupo.

 

O Código não contém qualquer norma que regule especificamente esta questão, limitando-se a estabelecer um princípio geral – já há pouco enunciado – segundo o qual, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo.

 

No entanto, a Administração Tributária acrescenta a essa uma outra regra, ao considerar que o direito aos benefícios fiscais gerados antes da entrada das empresas no grupo de sociedades confere a dedução à colecta mas tendo como limite máximo a colecta individual de cada uma dessas empresas. E para assim concluir parte de uma interpretação por analogia com o regime do reporte dos prejuízos fiscais a que se refere o artigo 71.º, n.º 1, alínea a), no ponto em que aí se consigna que os prejuízos das sociedades do grupo verificados em períodos de tributação anteriores ao do início de aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades só podem ser deduzidos ao lucro tributável do grupo até ao limite do lucro tributável da sociedade a que respeitam.

 

É esta, pois, a questão que cabe dilucidar.

 

8. A LGT proíbe a integração analógica de lacunas resultantes de normas tributárias abrangidas na reserva de lei da Assembleia da República, admitindo implicitamente que a analogia possa ser aplicada no tocante às restantes matérias (neste sentido, SÉRGIO VASQUES, Manual de Direito Fiscal, Coimbra, 2015, pág. 363). A reserva parlamentar está circunscrita, em matéria fiscal, à criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições a favor das entidades públicas (artigo 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP), havendo de entender-se que no conceito de criação de impostos se incluem todos os elementos essenciais à própria definição do imposto a que se refere o artigo 103.º, n.º 2, como sejam a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes (GOMES CANOTILHO/VITAL MOREIRA, Constituição República Portuguesa Anotada, 4.ª edição, Coimbra, I vol., pág. 329, II vol. págs.1091-1092).

 

A norma que estabelece o regime dedução dos benefícios fiscais à colecta do imposto não se enquadra na reserva de lei, visto que não se reporta propriamente à instituição do benefício fiscal mas ao mecanismo do seu reporte para o apuramento do imposto.

 

À luz de todos os precedentes considerandos, a primeira questão que se coloca é a de saber se se verifica uma lacuna.

 

Pode falar-se numa lacuna normativa quando uma norma particular se encontra incompleta, ou seja, quando não possa ser aplicada em absoluto sem que se lhe acrescente uma outra disposição. Diferentemente, existe uma lacuna da lei quando ocorre uma incompletude quanto à regulação em conjunto, ou seja, quando uma lei não contém nenhuma regra para uma certa questão que era suposto ter sido igualmente prevista segundo o plano de regulação ou o contexto global da lei.

 

Por outro lado, a integração por analogia consiste na transposição de uma regra prevista na lei para uma determinada hipótese legal para uma outra hipótese semelhante que não se encontra regulada na lei. A transposição pressupõe que ambas as hipóteses sejam concordantes relativamente a aspectos decisivos da valoração jurídica, em termos de o recurso à analogia se tornar justificável com base na exigência da justiça de tratar igualmente aquilo que é igual (KARL LARENZ, Metodologia da Ciência do Direito, edição Fundação Calouste Gulbenkian, Lisboa, 7.ª edição, págs. 525 e segs.).

 

No caso vertente, e tal como a questão vem colocada, não está em causa uma lacuna normativa mas uma lacuna de regulação por efeito de a norma que regula o procedimento de liquidação de IRC, no que se refere à dedução de benefícios fiscais, não conter uma regra para a situação específica em que as empresas titulares dos benefícios fiscais tenham transitado para um outro grupo de sociedades.

 

Deve começar por sublinhar-se que, no regime jurídico português, a substância económica do regime de tributação especial dos grupos de sociedades assenta na possibilidade de determinação de uma base de tributação comum e não se assume como um modelo de consolidação total e pleno. Aquilo que existe é um modelo de Group Pooling que permite a agregação dos resultados individuais de cada membro do grupo societário (rendimentos e perdas) por forma a permitir-se a compensação. A gestão dessa agregação é da competência da sociedade dominante, mas não implica a perda da existência jurídica individual e das obrigações fiscais individuais de cada uma das sociedades dominadas. Daí resultam implicações práticas na forma como os direitos e as obrigações fiscais são tratados.

 

A passagem de uma entidade de grupo empresarial para outro grupo empresarial não implica dissolução da entidade nem afasta os seus direitos e as suas obrigações, uma vez que a entidade continua a ser juridicamente autónoma, transportando consigo todo o seu universo de direitos e obrigações para o novo grupo societário.

 

E esta concepção coaduna-se com o disposto no artigo 70.º, n.º 1, do Código do IRC, que prevê que, não obstante a agregação dos resultados, cada entidade pertencente ao grupo tem de apresentar declaração periódica individual, sendo com base nessas múltiplas declarações individuais – devidas por cada um dos membros do grupo – que a sociedade dominante poderá calcular o lucro tributável do grupo. Ou seja, não há a criação de um novo sujeito passivo de imposto, mas antes a sujeição a um regime especial de tributação (sobre estes aspectos, cfr. o acórdão proferido no Processo n.º 133/19-T).

 

                Sendo este o regime jurídico aplicável, não se vê em que termos é que pode configurar-se uma lacuna de regulação legal no que se refere à dedução dos benefícios fiscais de que as empresas eram já titulares quando transitaram para um grupo de sociedades. Com efeito, o Código estabelece como regra que, no âmbito do regime especial de tributação dos grupos de sociedades, as deduções relativas a cada uma das sociedades são efectuadas no montante apurado relativamente ao grupo (artigo 90.º, n.º 6). E, por outro lado, para efeito da agregação dos resultados, o Grupo A... passou a incorporar os direitos e as obrigações das empresas que passaram a integrar o Grupo, incluindo o direito aos benefícios fiscais que já detinham à data em que se operou a alteração da composição do Grupo.

 

A lei é clara ao associar a dedução de benefícios fiscais ao resultado fiscal do grupo e não ao resultado que tenha sido apurado individualmente por cada uma das sociedades que o integram.

 

Como se deixou dito, a existência de uma lacuna pressupõe a necessidade de estabelecer uma regra para regular uma certa matéria quando essa era a intenção legislativa subjacente aos fins que se pretendiam atingir através do diploma legislativo. E face à configuração legal do regime especial de tributação de grupos de sociedades não se denota qual a utilidade de acrescentar um novo preceito, por integração analógica, que ao invés de completar o regime jurídico, seria contrário ao princípio geral que decorre do artigo 90.º, n.º 6, do Código do IRC.

 

  Também não se descortina a identidade de valoração jurídica entre a dedução de benefícios fiscais e o reporte de prejuízos fiscais a que se refere o artigo 71.º, n.º 1, que pudesse justificar o recurso à analogia. A limitação da dedução dos prejuízos fiscais por referência ao lucro tributável da sociedade a que respeitam, no que concerne aos prejuízos gerados em períodos de tributação anteriores à entrada num grupo societário, tem em vista evitar que, por via da opção pelo regime especial de tributação dos grupos de sociedades   ou da alteração da composição do grupo societário, o resultado fiscal positivo do grupo pudesse ser influenciado negativamente pelos prejuízos fiscais cumulados anteriormente por empresas que passam a integrar o grupo.

 

Assim se compreende, de resto, que não possam fazer parte do grupo as sociedades que registem prejuízos fiscais nos três exercícios anteriores ao início da aplicação do regime (artigo 69.º, n.º 4, alínea c)). 

 

A disposição do falado artigo 71.º, n.º 1, tem, por conseguinte, o sentido de uma norma anti-abuso que visa evitar a obtenção indevida de uma vantagem através de fraude aos princípios do sistema, e mal se compreende que esse mesmo critério houvesse de ser aplicado à dedução de benefícios fiscais quando estes benefícios visam compensar incentivos fiscais na área do investimento e da investigação e desenvolvimento empresarial que têm em vista, essencialmente, promover o crescimento económico e o emprego e contribuir para o reforço da modernização e da competividade do País.

 

O pedido arbitral mostra-se ser, por conseguinte, procedente por violação do artigo 90.º, n.º 2, alínea c), do Código do IRC.

 

Vícios de conhecimento prejudicado

 

9. Face à solução a que se chega, fica prejudicado o conhecimento dos restantes vícios invocados, bem como das questões de constitucionalidade. 

 

III – Decisão

Termos em que se decide julgar procedente o pedido arbitral e anular o acto de liquidação adicional n.º 2018..., referente ao IRC de 2014, bem como do despacho de indeferimento da reclamação graciosa contra ela deduzida.

 

Valor da causa

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 3.710.568,39, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 47.124,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 26 de Março de 2020,

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

João Pedro Rodrigues

 

O Árbitro vogal

André Festas da Silva