DECISÃO ARBITRAL
A árbitra do Tribunal Singular Dra. Catarina Belim, designada pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formar o presente Tribunal Arbitral, constituído em 18.09.2019, decide o seguinte:
I. RELATÓRIO
1. A... UNIPESSOAL, LDA., doravante designada por “Requerente”, número de pessoa coletiva e de identificação fiscal ..., com sede na Rua ... n.º..., ...-... ..., ..., Portugal, tendo sido notificada do ato de indeferimento da Reclamação Graciosa apresentada contra os atos tributários de liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), com os ns.º ... (período de tributação 01.15), no valor de € 241,69, ... (período de tributação 02.15), no valor parcial de € 21,05, ... (período de tributação 03.15), no valor parcial de € 2.208,53, ... (período de tributação 04.15), no valor parcial de € 3.409,16, ... (período de tributação 05.15), no valor parcial de € 8.510,02, ... (período de tributação 06.15), no valor parcial de € 3.927.74, ... (período de tributação 07.15), no valor parcial de € 3.630,57, ... (período de tributação 08.15), no valor parcial de € 1.056,76, ... (período de tributação 09.15), no valor parcial de tributação de € 706,62, ... (período de tributação 10.15), no valor parcial de € 1.666,91, ... (período de tributação 11.15), no valor parcial de € 1.551,40, ... (período de tributação 12.15), no valor parcial de € 169,97 emitidos em 08.09.2018, na sequência de uma inspeção externa de âmbito parcial, em sede de IVA, para o ano de 2015, apresentou, em 05.07.2019, pedido de constituição de Tribunal Arbitral com árbitro singular, ao abrigo do disposto nos artigos 5.º, n.º 2, alínea b) 10.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, conjugados com o artigo 102.º, n.º 1, alínea b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), sendo Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”).
2. A Requerente pretende a anulação da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa e anulação das liquidações adicionais identificadas no ponto 1. acima, nos valores impugnados, e consequente restituição das quantias de crédito de IVA corrigidas nesse valor acrescidas dos respetivos juros indemnizatórios nos termos do artigo 43.º da Lei Geral Tributária.
3. Invoca, em sede material, que não existe fundamento legalmente válido que sustente as liquidações impugnadas, por a isenção constante do artigo 13.º n.º 1, alínea f) do Código do IVA ser de aplicação automática e não existir obrigação, por parte dos prestadores de serviços conexos com a importação, de demonstrar, através da apresentação do DAU do importador, que os serviços por si prestados foram incluídos no valor tributável da respetiva importação.
4. Invoca ainda, em sede procedimental, que a AT violou os princípios do inquisitório, da verdade material e da justiça ao não verificar, de forma oficiosa, se os serviços objeto de correção em IVA foram ou não incluídos no valor tributável das respectivas importações.
5. De acordo com os artigos 5.º, n.º 2, alíneas a) e b) e 6.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem designou como árbitra singular do Tribunal Arbitral a signatária, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
6. O Tribunal Arbitral foi constituído no CAAD, em 18.09.2019, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD.
7. Notificada para o efeito, em 16.10.2019, a Requerida apresentou resposta e juntou o respetivo processo administrativo (“PA”) tendo-se defendido por impugnação e solicitando o reenvio prejudicial ao Tribunal de Justiça da União Europeia (“TJUE”) da questão de saber se: (i) a isenção prevista no artigo 144.º da Diretiva IVA deve operar, mesmo quando o valor dos serviços não foi incluído no valor tributável da importação e (ii) se o ónus da prova de que o valor dos serviços foi incluído no valor tributável da importação é do sujeito passivo ou das Administrações Fiscais dos Estados Membros.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT, sem oposição das Partes.
9. Tendo sido concedido prazo para alegações sucessivas, foram as mesmas apresentadas pelas partes, pronunciando-se sobre a prova produzida e desenvolvendo as respetivas posições jurídicas.
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10. Em face do exposto, importa delimitar as principais questões a decidir.
11. Em primeiro lugar, importa analisar o pedido de reenvio prejudicial apresentado pela Requerida.
12. Caso o pedido seja indeferido, há que apreciar e decidir a questão material, que se centra na aplicação da isenção de IVA prevista na alínea f) do n.º 1 do artigo 13.º do Código do IVA para prestações de serviços conexas com a importação.
13. Caso não procedam os vícios materiais imputados à aplicação da norma de isenção acima identificada, caberá analisar se a AT violou os princípios do inquisitório, da verdade material e da justiça ao não verificar, de forma oficiosa, se os serviços prestados pela Requerente aqui em causa foram ou não incluídos no valor tributável das respectivas importações.
II. SANEAMENTO
14. O Tribunal é competente.
15. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT, contado a partir dos factos previstos no artigo 102.º n.º 1, alínea b) do CPPT.
16. O processo não enferma de vícios que o invalidem na totalidade.
17. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se legítimas.
III. MATÉRIA DE FACTO
A. Factos provados
41. Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que o Tribunal julga provados:
a. A Requerente é uma sociedade comercial portuguesa que tem por objeto a atividade de trânsito, armazenagem, carga, descarga, depósito, conservação, custódia, manipulação, embalagem, recolha, distribuição, seguro, despacho e transporte, combinado ou intermodal, com meios próprios ou alheios, por via aérea, marítima, fluvial e terrestre, no país e no estrangeiro, de toda a espécie de mercadorias e produtos, bem como a prestação de serviços auxiliares ou complementares, bem como a aquisição, exploração e alienação de bens imóveis, encontrando-se abrangida pelo CAE 52291 para “Organização e Transporte” (cfr. ponto II.3.1 e ponto II.3.2 do Relatório Final da Inspeção junto como documento 14 do PPA).
b. A Requerente encontra-se enquadrada para IVA no regime normal mensal (cfr. ponto II.3.2 Relatório Final da Inspeção).
c. A Requerente não utilizou em 2015 o programa de faturação certificado obrigatório por lei (cfr. ponto II.3.2 Relatório Final da Inspeção, confirmado no PPA).
d. A Requerente está em constante situação de crédito de IVA desde novembro de 2007 até dezembro de 2015 (cfr. ponto III.1 do Relatório Final da Inspeção, confirmado no PPA).
e. A Requerente reporta operações no campo 3 (correspondente a “transmissões de bens e prestações de serviços em que liquidou imposto”), nos campos 7 e 8 (correspondente a “operações isentas ou não tributadas que conferem direito à dedução”) e no campo 16 (correspondente a “prestações de serviços efetuadas por sujeitos passivos de outros Estados Membros, cujo imposto foi liquidado pelo declarante”) das declarações periódicas de IVA por si entregues (cfr. ponto III.1 do Relatório Final da Inspeção, confirmado no PPA).
f. A Requerente prestou, em 2005, serviços de transporte relacionados com a importação de mercadorias por via marítima, antes e após o desalfandegamento dos bens, tendo emitido faturas com os seguintes descritivos quanto a estes serviços (cfr. ponto III.3 e Anexo I do Relatório Final da Inspeção e artigo 21.º do PPA):
Descritivos das Faturas
Antes do desalfandegamento dos bens • Frete Marítimo, tráfego entrada
• THC Destino (manuseamento da carga no terminal de chegada)
• ISPS – segurança no navio e no terminal
• ENS Fee – taxa de transmissão (ocorre na origem)
• Agency Fee, Handling fee e/ou Documentação
• BAF – Fuel Surcharge – taxa de petróleo Recolha/entrega do contentor
• Seguros
• Armazenagem
• CAF – fator de ajuste da moeda
Depois do desalfandegamento dos bens • INLAND (transporte interno desde o porto de destino até às instalações do cliente)
• Demurrage - Paralisação da mercadoria
• Adicionais por demora nas instalações do cliente (quando por exemplo motorista fica retido com carga por entregar por motivos imputáveis ao cliente)
• Despacho da mercadoria
• Armazenagem
g. Em 2015, a Requerente não liquidou IVA nas faturas por si emitidas relativas aos serviços acima descritos em f., tendo mencionado nas mesmas a isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 13.º do Código do IVA (cfr. ponto III.3 do Relatório Final da Inspeção, confirmado no PPA).
h. A Requerente envia, por regra, aos despachantes alfandegários as faturas emitidas relativas aos serviços acima descritos com a discriminação das despesas acessórias e frete, sendo este envio anterior ao DAU (documento administrativo único) (cfr. direito de audição apresentado pela Requerente não impugnado pela AT).
i. Compete aos despachantes, e não à Requerente, o preenchimento dos DAUS’s da importação dos clientes a quem foram prestados os serviços enumerados em f), com base nas faturas enviadas pela Requerente (cfr. direito de audição apresentado pela Requerente, ponto IX do Relatório de Inspeção).
j. A Requerente foi objeto de uma ação de inspeção externa de âmbito parcial referente ao IVA, exercício de 2015, realizada pelos Serviços de Inspeção Tributária sob a Ordem de Serviço n.º OI2016... emitida em 26.03.2018 (cfr. página 2 do Relatório de Inspeção ponto II.1.).
k. A Requerente foi notificada do Projeto de Relatório de Inspeção que continha correções em sede de IVA, tendo apresentado Direito de Audição em 13.08.2018 (cfr. ponto IX do Relatório Final de Inspeção, confrmado pelo PPA).
l. A Requerente foi notificada do Relatório Final de Inspeção em 06.09.2018 (cfr. Relatório Final de Inspeção junto com o PA).
m. Neste Relatório: (i) foram acolhidas parte das alegações invocadas pela Requerente em sede de Direito de Audição e (ii) foram mantidas correções de IVA no total de € 27.100,41 relativas às faturas mencionadas na alínea f) deste ponto 41.
n. As correções em causa foram efetuadas com base nos seguintes fundamentos que se transcrevem do Relatório Final de Inspeção:
“
III - DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
III.3 - Operações conexas com a importação /aplicação de Isenção
(…)
Assim, foram identificadas diversas operações conexas com a importação por via marítima com desalfandegamento em território nacional, bem como fora de Portugal, onde não foi liquidado IVA na fatura, tendo sido consideradas como isentas de IVA.
Nestas, a sociedade, na sua condição de intermediária, apesar de deduzir o IVA liquidado nas faturas emitidas pelos subcontratados, não liquidou IVA ao seu cliente final, invocando o disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 13.° do CIVA.
Nestas circunstâncias, foram essencialmente identificados como serviços subcontratos, os prestados pelo despachante oficial, os serviços de transporte interno dos bens (com origem e destino em território nacional) e serviços de armazenagem após as mercadorias estarem desalfandegada s.
Por outro lado, foram ainda identificados outros serviços faturados pela A..., designadamente, despesas de descarga, carga, paralisação de contentores, manuseamento, desconsolidação, levante, embalagem, pesagem, despesas de terminal, taxas de uso de porto e paletização, também consideradas isentas ao abrigo do mesmo dispositivo legal.
Relativamente a todos estes serviços, a aplicação da referida isenção de IVA está intimamente relacionada com o momento em que estes são realizados, ou seja, serão de isentar desde que tenham sido efetuadas antes do desalfandegamento dos bens e apenas se o correspondente valor do serviço estiver englobado no valor tributável na importação (para efeitos de cálculo de IVA e direitos aduaneiros), sendo incorporado no DAU, quer através da sua inclusão no total das despesas (campo 44 ou 45), quer através da utilização da Tabela Optativa .
(…)
III.4 - Base legal de isenção nas operações conexas com a importação
Atente-se que a disposição utilizada pela sociedade para isentar as operações relacionadas com a importação de bens é a constante da alínea f), do n.º 1, do artigo 13.º do CIVA, que se transpõe:
Assim, a alínea b), do n.º 2, do artigo 17º do Código do IVA, define as despesas que poderão ser incluídas no valor tributável das importações de bens, nomeadamente:
Ou seja, genericamente, desde que o valor faturado pelos serviços prestados pela sociedade A..., esteja incluído no valor tributável da importação de bens introduzidos no Documento Administrativo Único (DAU) deve ser aplicada a isenção prevista pelo artigo 13° do Código do IVA, evitando a sua dupla tributação, na medida em que este já foi tributado para o efeito pelos Serviços Aduaneiros.
A exceção a esta regra que, no entanto, não foi identificada na amostra selecionada, apenas acontecerá no caso de, no documento de transporte, estar definido que o primeiro local de destino dos bens dentro do território nacional é o armazém do comprador (lncoterm: "DAT" ou "DDP").
Neste caso, o valor dos serviços prestados até ao armazém do comprador final está incorporado na fatura comercial emitida pelo vendedor do bem, e, como tal, incluído no DAU, para efeitos de apuramento de IVA e de eventuais direitos aduaneiros.
De notar que, em caso algum, estamos perante uma não sujeição de IVA, isto é, todas as operações relacionadas com a importação de bens são sujeitas a IVA, divergindo apenas o local onde este vai ser liquidado, se na Alfândega, se posteriormente, através da entrega da declaração periódica de IVA pela entidade prestadora dos serviços (neste caso a A...).
III.5 - Notificação efetuada / Prova de suporte da Isenção de IVA
Perante o disposto, foi solicitado à sociedade a demonstração, fazendo prova, de que, efetivamente, o valor dos serviços que isentou na fatura emitida ao abrigo da disposição constante da alínea f), do n.º 1, do art. 13° do CIVA, reúne, de facto, as condições necessárias para o efeito, ou seja, a sua inclusão no valor tributável declarado no DAU da importação.
(…)
III.6 – Análise Documental
(…)
III.6.2 - Processos sem validação do DAU
(…)
Na análise efetuada, nomeadamente, aos documentos apresentados em sede de resposta à notificação efetuada, apurámos que foram considerados isentos nos termos da al. f), do n.º 1, do artigo 13° do CIVA, serviços conexos com a importação marítima de bens em que não é possível validar que o montante isento na fatura emitida pela sociedade está englobado no valor tributário da importação, constante do DAU, por este não existir/ter sido apresentado.
(…)
III.7 - Conclusões Finais
Segundo o disposto na alínea f), do n.º 1, do artigo 13.º do CIVA, "estão isentas de imposto as prestações de serviços conexas com a importação cujo valor esteja incluído no valor tributável das importações de bens a que se refiram, conforme o estabelecido na alínea b), do n.º 2, do artigo 17.º do CIVA" , ou seja, " as despesas acessórias, tais como despesas de comissões, embalagem, transportes e seguros, verificadas até ao primeiro lugar de destino dos bens em território nacional, ou outro lugar de destino no território da Comunidade se este for conhecido no momento em que ocorre o facto gerador na importação, com exclusão das despesas de transporte a que se refere a alínea t), do n.º 1, do artigo 14.º do CIVA" (transporte de mercadorias entre as ilhas que compõem as regiões autónomas dos Açores e da Madeira), bem como o transporte de mercadorias entre estas regiões e o continente, ou qualquer outro Estado Membro, ou vice-versa).
Considera-se assim determinado que a Administração Tributária (aduaneira) liquida IVA sobre o Valor Tributável nas importações, devendo incluir este, todas as despesas conexas com a importação ocorridas até ao 1º lugar de destino dos bens na Comunidade.
O n.º 3 do Art.º 17º do CIVA define lugar de destino como “(...) aquele que se encontre documentalmente comprovado perante os serviços aduaneiros ou, na falta dessa indicação, o lugar em que ocorra a primeira rutura de carga, se esta se efetuar no interior do pafs, ou, caso tal não se verifique, o lugar da importação.·”
Até aqui, diremos que a liquidação do IVA nas importações assenta, em valor, nos elementos declarados pelo contribuinte na declaração de importação (declaração que dará lugar ao DAU). Ou seja, a AT integra no Valor Tributável os valores declarados e definidos (incluindo transportes e outras despesas acessórias) apenas até ao 1º lugar de destino.
A maior parte das situações relativas aos documentos analisados, referem como 1 ° lugar de destino o lugar de desalfandegamento e, não incluem, então, despesas dos despachantes, despesas em terra, custo de transporte após desalfandegamento e outros suportados após o dito 1º lugar de destino.
Tanto assim, que o sujeito passivo recorre frequentemente à subcontratação destes serviços e sobre o valor destes incide IVA que o SP deduz. Contudo, subsequentemente não o repercute nos valores debitados aos seus clientes.
Por seu turno, o artigo 44.º do CIVA (Requisitos da Contabilidade) estabelece o seguinte:
1 - A contabilidade deve ser organizada de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, bem como a permitir o seu controle comportando todos os dados necessários ao preenchimento da declaração periódica do imposto.
2 - Para cumprimento do disposto no nº 1, deverão ser objeto de registo, nomeadamente:
a) As transmissões de bens e prestações de serviços efetuadas pelo sujeito passivo;
b) As importações de bens efetuadas pelo sujeito passivo e destinadas às necessidades da sua empresa;
c) As transmissões de bens e prestações de serviço efetuadas ao sujeito passivo no quadro da sua atividade empresarial.
3 - As operações mencionadas na alínea a) do número anterior devem ser registadas de forma a evidenciar:
a) O valor das operações não isentas, líquidas de imposto, segundo a taxa aplicável;
b) O valor das operações isentas sem direito à dedução;
c) O valor das operações isentas com direito à dedução;
d) O valor do imposto liquidado, segundo a taxa aplicável, com relevação distinta do respeitante às operações referidas nas alíneas f) e g) do nº 3 do artigo 3º e nas alíneas a) e b) do nº 2 do artigo 4.º bem como dos casos em que a respetiva liquidação compete, nos termos da lei, ao adquirente.
2 - As operações mencionadas nas alíneas b) e c) do nº 2 devem ser registadas de forma a evidenciar:
a) O valor das operações cujo imposto é total ou parcialmente dedutível, líquido deste imposto;
b) O valor das operações cujo imposto é totalmente excluído do direito à dedução;
c) O valor das aquisições de gasóleo, gases de petróleo liquefeitos (GPL), gás natural e biocombustíveis;
d) O valor do imposto dedutível, segundo a taxa aplicável."
Donde decorre que, enquanto naquela alínea f) do nº 1 do art.º 13.º, se descrevem os condicionalismos de que depende a aplicação da isenção nas operações, o art.º 44.º impõe algumas das obrigações contabilísticas que o legislador considera necessárias no sentido de viabilizar uma eficaz fiscalização e assegurar a cobrança correta do imposto, evitando a fraude e evasão fiscal, designadamente a nível do seu registo na contabilidade.
Não basta para o efeito de isenção que se invoque a alínea f), n.º 1, art.º 13° do CIVA, por oposição desta norma na fatura, para que os serviços conexos com uma importação de bens sejam considerados isentos de imposto, mas sim, a demonstração que estes serviços foram já sujeitos a IVA, encontrando-se incluídos no valor tributável calculado no DAU.
Com efeito, se para efeitos de aplicação de isenção às "prestações de serviços conexas com a importação", o legislador impõe que o seu valor esteja incluído no valor tributável das importações de bens a que se refiram, incluindo, na medida em que nele não estejam compreendidos, as despesas acessórias verificadas até ao primeiro lugar de destino de bens em território nacional, expresso num documento designado por Documento Administrativo Único (DAU) (o meio mais importante e cabal de fazer prova), certo é, também, que o legislador adotou regras relativas à sua fiscalização, impondo obrigações contabilísticas e de registo de forma a possibilitar o conhecimento claro e inequívoco de todos os elementos necessários ao controle e cálculo do imposto dedutível.
Por isso, a alínea g), do n.º 1, do artigo 29.º do CIVA dispõe que os sujeitos passivos são obrigados a dispor de contabilidade adequada ao apuramento e fiscalização do imposto, o artigo 44.º do CIVA impõe um conjunto de regras que devem ser observadas tendo em vista determinar com precisão, relativamente a cada operação e a cada período de liquidação, o montante total de IVA repercutido aos clientes, o montante de IVA suportado pelo sujeito passivo e o IVA que este tem direito a deduzir.
(…)
Ora, para justificar os valores declarados e inscritos nas declarações periódicas de IVA comunicadas à Administração Fiscal, concretamente os que constam do campo 8 - "Operações isentas ou não tributadas que conferem o direito à dedução" e/ou os que foram declarados no campo 61 - "Excesso a reportado período anterior' (por supostamente dizerem respeito a crédito acumulado), não basta a mera apresentação dos documentos que serviram ou serviriam de suporte aos registos contabilísticos que integram a contabilidade (que o sujeito passivo tão pouco exibiu), já que a AT não só tem o poder de auditar toda a documentação como os ditos registos (contabilidade) que espelham a construção (apuramento) do imposto a entregar (ou a recuperar) pelo sujeito passivo, como tem o dever de o fazer. Com efeito, a AT deve questionar sobre os registos contabilísticos e em face da documentação que lhe serve de suporte, nos termos do art.º 44.º do CIVA, de forma a conhecer, clara e inequivocamente, os elementos necessários ao cálculo do imposto e a auditar o preenchimento da declaração periódica efetuada pelo sujeito passivo.
Não exibidos: (i) os registos referidos no art.º 44.º do CIVA, que; (ii) conjuntamente com os documentos que lhe servem de suporte; (iii) bem como os comprovativos e demais elementos correlacionados com os enquadramentos e/ou opções tomadas pelo SP relativos à concessão de isenções ou nao sujeições, elementos estes que, no seu todo, integram um universo incindível designado contabilidade, conduz à desconsideração dos valores de IVA a recuperar e à liquidação dos valores inscritos no Campo 8 das DP apresentadas no período alvo do procedimento.
Além dos aspetos atrás mencionados, constatámos que o sistema de registo exibido pelo sujeito passivo, mais não é que um mero arrolamento de documentos com o objetivo de apurar o valor do IVA em cada um dos períodos relativos ao ano de 2015, sendo certo que, nem assim tal se encontra devidamente relevado, já que não foram exibidos os documentos e/ou explicados os valores relativos aos registos que constam do dito "arrolamento" e os lançamentos de apuramento do imposto.
III.8 - Correções para efeitos de IVA
No ano de 2015, a sociedade declarou valores no campo 8 das declarações periódicas de IVA entregues sem, contudo, comprovar o cumprimento dos condicionalismos para a aplicação da isenção de IVA nas operações, conforme determina a alínea f), do n.º 1, do artigo 13º do Código do IVA.
Deste modo existe falta de liquidação de imposto, à taxa normal vigente neste exercício, no montante de € 195.033,44 (…).
IV - MOTIVO E EXPOSIÇAO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS
Não aplicável.
(…)
IX – DIREITO DE AUDIÇÃO
Em 13-08-2018, deu entrada nesta Direção de Finanças (n.º de Entrada 2018...), o exercício de direito de audição manifestado pela sociedade, e que, por economia processual, apenas transcrevemos trechos que consideramos ilustrativos da temática abordada, mas cujo teor se dá por integralmente reproduzido para efeitos legais, merecendo-nos os comentários seguintes.
(…)
4. "DO ÓNUS DA PROVA DA CORRETA APLICAÇÃO DA ISENÇÃO DO ART.º 13°, N.º 1, ALÍNEA F) DO CIVA"
Alegações:
Nos pontos 67 a 80, a Exponente, reafirma que não está obrigada a apresentar os respetivos DAU para aplicação da isenção na fatura ao abrigo do art.º 13º do CIVA, entendendo que o ónus da prova relativamente a esta matéria compete à AT.
No entanto, na sequência da resposta à notificação efetuada, diligenciou junto dos seus clientes e despachantes, no sentido de reunir cópia dos DAU relativos às importações de mercadorias, por forma a demonstrar que o valor do transporte internacional relacionado com a importação de mercadorias está incluído nestes, tendo apresentado semanalmente um ficheiro em formato "excel", no qual lista todas as faturas e respetivos DAU (quando possível), aproveitando agora para o atualizar em sede de direito de audição, com a junção de outros tantos DAU.
(…)
Acrescenta ainda que, ·caberia à alfândega de importação, enquanto entidade competente para a liquidação do IVA na importação, determinar se o valor declarado corresponde ao efetivamente devido, no momento dessa liquidação.
Resposta ao direito de audição:
Começando por divergir da opinião da Exponente, reiteramos que o ónus da prova relativamente à aplicação da isenção de IVA, aquando da emissão da fatura, apenas poderá incumbir à sociedade emitente, uma vez que é a esta que compete o respetivo enquadramento da operação e a verificação do cumprimento de todos os condicionalismos inerentes à sua aplicação.
Das diligências agora efetuadas, a Exponente conseguiu reunir cópia de parte dos DAU relacionados com as faturas por si emitidas onde aplicou a referida isenção de IVA.
Do tratamento dado pela Exponente aos documentos agora recolhidos, resultaram divergências que veio a apurar, e que apresenta no quadro supra constante do direito de audição, tratando de apresentar as suas conclusões como um todo, abordando as isenções concedidas em conjunto, e que, no nosso entender, o não podem ser.
A aplicação da referida isenção de IVA terá obrigatoriamente de ser tratada, operação a operação, fatura a fatura, tendo sempre por base a imposição apontada no normativo, ou seja, a inclusão do montante isento na fatura, no valor tributário da importação (DAU).
Analisados os documentos agora apresentados em sede de direito de audição, entendemos que foram comprovados os seguintes valores:
Período Base Tributável
2015/01 16 371,33 €
2015102 101 099,50 €
2015103 89 879,95 €
2015104 113 326,84 €
20 15/05 114 664,65 €
2015106 135 007,28 €
2015/07 38 315,96 €
2015/08 111,69 €
2015109 9 360,13 €
2015110 8 159,93 €
2015111 9 876,85 €
2015/12 2 830,77 €
Total 639 004,88 €
CONCLUSÕES FINAIS:
Ponto 1:
Atendendo ao exposto, e apesar da Exponente afirmar que não está obrigada a apresentar os respetivos DAU para justificar a aplicação da isenção da alínea f), do n.º 1, do art.º 13° do CIVA, na fatura por si emitida, o certo é que não é esse o nosso entendimento.
Com efeito, não antevemos outra forma de verificar o condicionalismo aposto no normativo, nomeadamente, a comprovação de que os montantes isentos na fatura por si emitida foram incluídos no valor tributável da importação, sem ter acesso ao respetivo DAU.
Segundo o pensamento da Exponente, a obrigação do cumprimento do formalismo Inerente à aplicação da isenção, não é da sua responsabilidade, mas sim:
- Do Despachante, por ser este ser o responsável pela entrega do DAU, sendo este por si subcontratado ou até mesmo não o sendo; e/ou
- Dos Serviços alfandegários, na medida em que não comprovaram os documentos que serviram de suporte à elaboração do DAU; e/ou
- Do importador das mercadorias, cliente da Exponente, na medida em que este é devedor do IVA das mercadorias importadas.
Na verdade, gostaríamos de atestar que a Exponente cumpre com todas as suas obrigações, no que toca às isenções aplicadas nas faturas por si emitidas, mas não o conseguimos fazer, nem através da contabilidade da Exponente, que se mostra totalmente desadequada para o seu apuramento, não demonstrando perentoriamente a aplicação da lei, nem tão pouco através dos documentos apresentados, que se mostram desorganizados e/ou ausentes.
(…)
Ponto 3:
Apenas em sede de direito de audição, a Exponente conseguiu carrear para o processo, parte dos elementos necessários à validação da aplicação da isenção concedida nas faturas emitidas, e que nos mereceu o devido tratamento e o respetivo ajustamento das correções apuradas.
Mais uma vez, reforçamos a ideia que o presente caso não se reporta a um apuramento à posteriori do correto preenchimento do DAU, mas sim, à verificação do cumprimento da lei, nomeadamente, a obrigação de comprovar que os montantes que a Exponente considerou como isentos nas faturas por si emitidas, nos termos do referido normativo, foram devidamente aplicadas.
Não basta para o efeito que se invoque a alínea f), n.º1, art. 13° do CIVA, por aposição desta norma na fatura, para que os serviços conexos com uma importação de bens sejam considerados isentos de imposto, mas sim, a demonstração que estes serviços foram já sujeitos a IVA, encontrando -se incluídos no valor tributável calculado no DAU.
Ora, se a sociedade emite a fatura em tempo anterior à definição do valor tributável, como alega, desde logo cai por terra que este consiga garantir que o valor isento estará incluído no valor tributário do DAU, do qual, como também afirma, não depende de si e ainda não foi apurado.
Ponto 4:
Em resultado do exposto, no ano de 2015, a sociedade declarou valores no campo 8 das declarações periódicas de IVA entregues sem, contudo, comprovar o cumprimento dos condicionalismos para a aplicação da isenção de IVA nas operações, conforme determina a alínea f), do n.º 1, do artigo 13° do Código do IVA.
Face ao exposto, tendo em conta os elementos agora apresentados, foram efetuados ajustamentos aos valores apurados de acordo com o quadro seguinte.
Base tributável. Operações não isentas ao abrigo da al. f), nº 1, art. 13º do CIVA
Período Correções apuradas no Projeto Relatório de Inspeção (1) Reg. Voluntárias e DAU apresentado em sede de Dto. Audição (2) Correções a efetuar (3)=(1)·(2)
2015/01 23 284,87 € 22 234,04 € 1 050,83 €
2015/02 103 938,09 € 103 846,59 € 91,50 €
2015/03 106 660,34 € 97 058,04 € 9 602,30 €
2015/04 133 954,66 € 119 132,23 € 14 822,43 €
2015/05 161 232,76 € 124 232,69 € 37 000,07 €
2015/06 162 738,36 € 145 661,21 € 17 077,15 €
2015/07 72 417,57 € 56 632,49 € 15 785,08 €
2015/08 9 422,40 € 4 827,77 € 4 594,63 €
2015/09 25 070,98 € 21 998,75 € 3 072,23€
2015/10 18 754,53 € 11 507,08 € 7 247,45 €
2015/11 22 615,51 € 15 870,31 € 6 745,20 €
2015/12 7 881 ,42 € 7 142,41 € 739,01 €
Total 847 971,49 € 730 143,61 € 117 827,88 €
Deste modo, existe a falta de liquidação de imposto, à taxa normal vigente neste exercício, no montante de € 27.100,41, conforme dispõe o n.º 1, do artigo 18° do Código do IVA, discriminado por período conforme quadro seguinte.
Junta-se, em ANEXO 1, num tota l de 3 folhas, listagem dos processos referentes à tabela supra.”
o. Foram emitidos pela Autoridade Tributária e Aduaneira, em 08.09.2018, os atos tributários de liquidação adicional de IVA com os ns.º ... (período de tributação 01.15), ... (período de tributação 02.15), ... (período de tributação 03.15), ... (período de tributação 04.15), ... (período de tributação 05.15), ... (período de tributação 06.15), ... (período de tributação 07.15), ... (período de tributação 08.15), ... (período de tributação 09.15), ... (período de tributação 10.15), ... (período de tributação 11.15), ... (período de tributação 12.15), (cfr. docs. 1 a 12 juntos com o PPA).
p. O IVA liquidado foi pago, em 08.09.2018, por utilização de créditos de IVA da Requerente nos períodos correspondentes (cfr. docs. 1 a 12 juntos com o PPA).
q. A Requerente apresentou, em 07.01.2019, Reclamação Graciosa contra as liquidações adicionais de IVA aqui impugnadas PPA (cfr. artigo 4.º do PPA, confirmado no projeto de decisão da Reclamação Graciosa junto no PA).
r. A Requerente foi notificada em 08.04.2019, por VIA CTT, do indeferimento expresso da Reclamação Graciosa (cfr. Doc. 13 junto com o PPA).
s. A Requerente apresentou no CAAD, em 05.07.2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo.
B. Factos não provados
42. Não foi provado que a contabilidade da Requerente não possibilitava o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, nem permitia o seu controlo.
C. Fundamentação da decisão da matéria de facto
43. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
44. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
45. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
46. Relativamente aos factos dados como não provados, resulta do Relatório de inspeção (cfr. pontos III.5, III.6, IX, 4 e Anexo I do Relatório de Inspeção) que a AT: (i) conseguiu verificar os extratos das contas onde se encontravam registadas as faturas com menção à isenção do artigo 13.º n.º 1 alínea f) do Código do IVA, (ii) conseguiu identificar e analisar as faturas durante a inspeção e (iii) conseguiu validar o campo da declaração periódica de IVA em que os valores constantes dessas faturas foram inscritos.
47. Aliás, caso efetivamente tivesse concluído que a contabilidade da Requerente não possibilitava o conhecimento claro e inequívoco dos elementos necessários ao cálculo do imposto, nem permitia o seu controlo, a AT teria que ter recorrido aos métodos indirectos, nos termos dos artigos 87.º n.º 1, alínea b) da LGT , o que não se verificou.
48. Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas ou de direito, insuscetíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
IV. DO DIREITO E DO MÉRITO
A. Delimitação da questão decidenda material
49. Na presente ação arbitral, está em causa a resposta para a seguinte questão fundamental:
a isenção constante do artigo 13.º n.º 1, alínea f) do Código do IVA obriga, para a sua aplicação, que os prestadores de serviços conexos com a importação demonstrem, através da apresentação do DAU do importador, que os serviços por si prestados foram incluídos no valor tributável da importação a que respeitam?
Vejamos.
B. Quadro normativo nacional
50. A questão decidenda material tem o seu enquadramento legal central nos artigos 13.º e 17.º n.º 2. do Código do IVA os quais dispõem da seguinte forma à data dos factos:
“Artigo 13.º do Código do IVA
(DL 394-B/84, de 26 de Dezembro)
Isenções nas importações
1 - Estão isentas do imposto:
(Redacção dada pelo DL 404/87 de 31 de Dezembro)
...
f) As prestações de serviços conexas com a importação cujo valor esteja incluído no valor tributável das importações de bens a que se refiram, conforme o estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 17.º;
(Redacção dada pelo DL 290/92 de 28 de Dezembro)
Artigo 17.º do Código do IVA
(DL 394-B/84, de 26 de Dezembro)
Valor tributável nas importações
...
2 - O valor tributável dos bens importados inclui, na medida em que nele não estejam compreendidos:
(Redacção dada pelo DL 102/2008, de 20 de Junho. Renumerado pelo DL 290/92, de 28 de Dezembro, corresponde ao anterior n.º 3)
a) Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos devidos antes ou em virtude da própria importação, com exclusão do imposto sobre o valor acrescentado;
(Redacção dada pelo DL 290/92, de 28 de Dezembro).
C. Quadro normativo europeu
51. O regime nacional, em particular o artigo 13.º n.º 1 alínea f) do Código do IVA, está balizado pelo artigo 144.º n.º 1 da Diretiva IVA , incluído no capítulo 5 desta Diretiva sob a epígrafe “Isenções na Importação”. Este artigo determina que:
“
Artigo 144.º
Os Estados-Membros isentam as prestações de serviços relacionadas com a importação de bens e cujo valor se encontre incluído no valor tributável em conformidade com a alínea b) do n.o 1 do artigo 86.º”.
52. Por sua vez, o artigo 17.º n.º 2 do CIVA está balizado pelo artigo 86.º da Diretiva IVA, que estabelece:
Artigo 86.o
1. O valor tributável inclui os seguintes elementos, caso não estejam já incluídos:
a) Os impostos, direitos aduaneiros, taxas e demais encargos devidos fora do Estado-Membro de importação, e bem assim os que são devidos em virtude da importação, com excepção do IVA a cobrar;
b) As despesas acessórias, tais como despesas de comissão, de embalagem, de transporte e de seguro, verificadas até ao primeiro lugar de destino dos bens no território do Estado Membro de importação, bem como as despesas decorrentes do transporte para outro lugar de destino no território da Comunidade, se este lugar for conhecido no momento em que ocorre o facto gerador do imposto.
2. Para efeitos da alínea b) do n.º 1, entende-se por «primeiro lugar de destino» o que consta da guia de remessa ou de qualquer outro documento ao abrigo do qual os bens entram no Estado-Membro de importação. Na falta dessa indicação, considera-se primeiro lugar de destino aquele em que ocorre a primeira ruptura de carga no Estado-Membro de importação.
D. Do reenvio prejudicial para o TJUE
53. Na sua Resposta, a AT sugere “tendo o Tribunal dúvidas sobre a interpretação do artigo 144.º da Directiva IVA, desde já se requer o reenvio prejudicial, formulando ao Tribunal de Justiça da União Europeia, as seguintes questões:
- A aplicação da isenção deve operar, mesmo quando o valor dos serviços não foi incluído no valor tributável da importação?
- O ónus da prova de que o valor dos serviços foi incluído no valor tributável da importação é do sujeito passivo ou das Administrações Fiscais dos Estados Membros?”
54. A Requerente, nas suas Alegações, refere o seguinte, sobre o reenvio:
– “Não obstante nada ter a opor-se ao reenvio para o TJUE das questões prejudiciais, suscitadas pela Requerida, a Requerente não vê tal necessidade, uma vez que entende que, no caso em análise, estão reunidos os requisitos para a dispensa do reenvio”.
– “O Acórdão de 06-10-1982, Caso Cilfit, proferido no processo n.º C-283/81, o TJUE entendeu que não há que fazer o reenvio prejudicial quando a questão for impertinente, quando o Direito da União Europeia seja claro e quando já haja um precedente na jurisprudência europeia (incluindo 19 decisões anteriores dos tribunais nacionais) a tratar a questão jurídica em causa, mesmo quando as questões a apreciar não sejam estritamente idênticas (doutrina do ato aclarado), e quando a correta aplicação do Direito da União Europeia seja tão óbvia que não deixe campo para qualquer dúvida razoável no que toca à forma de resolver a questão de direito da União Europeia suscitada (doutrina do ato claro).”
- “No caso em apreço, resulta já (i) do Acórdão de 4.10.2017 do TJUE, Processo C-273/16, proferido em questão não estritamente idêntica à do caso em apreço e (ii) do Acórdão do STA de 7.2.1996, Relator BENJAMIM RODRIGUES, Processo 13891, proferido em situação estritamente idêntica à do caso em apreço e (iii) do Acórdão do Tribunal Arbitral Tributário de 10.12.2019, árbitros Cons. JORGE LOPES DE SOUSA, Prof.ª Doutora CLOTILDE CELORICO PALMA e Dr. EMANUEL VIDAL LIMA, Processo 352/2018-T, proferido em situação igual à do caso em apreço, que nem o Direito da União Europeia, nem a legislação interna impõe qualquer condição para aplicação da isenção do artigo 13.º n.º 1 alínea f) do Código do IVA (o qual tem correspondência perfeita com o artigo 144.º da Diretiva IVA)”.
- “Em relação à questão do ónus da prova colocada pela Requerida, parece à Requerente que esta deverá ser respondida à luz do disposto no artigo 74.º da LGT e não do Direito da União Europeia, pelo que também neste caso não se antecipa a necessidade de enviar a respetiva questão prejudicial para o TJUE.”
55. Este Tribunal entende que a Requerente tem razão quanto à não aplicação do Direito da União para resolver a questão do ónus da prova, pois o artigo 144.º da Directiva IVA, que é a única norma invocada pela AT para justificar o reenvio, não tem qualquer referência, mesmo implícita, ao ónus da prova, sendo uma norma dirigida aos Estados-Membros, determinando que “os Estados-Membros isentam as prestações de serviços relacionadas com a importação de bens e cujo valor se encontre incluído no valor tributável em conformidade com a alínea b) do n.º 1 do artigo 86.º”.
56. De igual modo, não resultam, da redação da lei e jurisprudência referida pela Requerente acima - a qual delimita a ratio legis da norma em causa - dúvidas sobre o âmbito de aplicação da isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 13.º do Código do IVA.
57. Pelo que não será de efetuar o reenvio prejudicial para o TJUE das questões apresentadas pela Recorrida.
58. Nesta medida, cabe decidir a questão material em causa, iniciando pela análise da questão do ónus da prova no presente caso.
E. Questão material
59. As regras relativas ao ónus da prova estão previstas no artigo 74.º da LGT:
“Artigo 74.º
Ónus da Prova
1 - O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque.
2. Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.
(…)”
60. No presente processo, a AT entendeu que, existindo irregularidades na escrita da Requerente, cessa a presunção de veracidade que estabelece o artigo 75.º, n.º 1, da LGT, por força da alínea a) do seu n.º 2.
61. No caso em apreço, a Requerente defende que, a recair sobre si o ónus da prova, ele ficou satisfeito, à face do preceituado no n.º 2 do artigo 74.º da LGT, por ter identificado as faturas e todos os importadores a quem prestou serviços e a AT ser possuidora dos DAU relativos a todas as importações.
62. De facto, a AT tem acesso à generalidade dos DAU, como resulta do Manual da Declaração Aduaneira de Importação publicado pela AT (versão 1 -19.ª Actualização / Maio de 2012), disponível online no site da AT (página 101, seção 9 relativa a Arquivo).
63. A mesma conclusão resulta das Disposições de Aplicação do Código Aduaneiro Comunitário (vigente em 2015) onde o Anexo 37, «Instruções de Utilização do Documento Administrativo Único», estabelece, no Título I - Observações gerais, A. Apresentação geral, alínea c) que «o exemplar n.º 6, que é conservado pelas autoridades do Estado-Membro em que são cumpridas as formalidades de importação».
64. Assim, tem de se concluir que a Requerente, ao identificar os serviços prestados e que os mesmos eram conexos com importação (o que não é aqui contestado pela Recorrida), as faturas respeitantes aos serviços, respetivas datas de emissão e os importadores/despachantes que emitiram os DAU em causa (cfr. ponto IX, 4 e Anexo I do Relatório Final de Inspeção e Anexo II do Projeto de Relatório de Inspeção, por remissão do Relatório Final) satisfez o previsto no n.º 2 do artigo 74.º da LGT, pois «os elementos de prova dos factos» estavam «em poder da administração tributária», obrigada a conservar o exemplar 6, e a Requerente procedeu «à sua correcta identificação junto da administração tributária».
65. Por isso, satisfeito pela Requerente o ónus da prova, a dúvida que subsista sobre a inclusão do valor dos serviços no valor tributável que consta dos DAU tem de ser valorada processualmente a favor da Requerente e não contra ela, o que se reconduz, em termos processuais, a uma situação equivalente à de ter feito a prova de que o valor dos serviços foi incluído no valor tributável referido nos DAU.
66. O que só por si significa que o pedido de pronúncia arbitral procede, por a liquidação enfermar de vício de violação de lei por erro sobre os pressupostos de direito, quanto às prestações de serviços relativamente às quais não foi apresentado o DAU.
67. Mas indo mais fundo, cabe ainda fazer notar que a isenção constante da alínea f) do n.º 1 do artigo 13.º do Código do IVA não obriga, para a sua aplicação, a que os prestadores de serviços conexos com a importação demonstrem, através da apresentação do DAU do importador, que os serviços por si prestados foram incluídos no valor tributável da importação.
68. Como aqui já foi referido, nos termos do artigo 86.º da Directiva IVA n.º 2006/112/CE, “nas importações de bens, o valor tributável é constituído pelo valor definido para efeitos aduaneiros pelas disposições comunitárias em vigor”.
69. Em 2015, vigorava o Código Aduaneiro Comunitário, aprovado pelo Regulamento (CEE) n.º 2913/92 do Conselho (doravante "CAC") , que estabelecia no seu artigo 29.º, n.º 1, que “o valor aduaneiro das mercadorias importadas é o valor transaccional, isto é, o preço efectiva mente pago ou a pagar pelas mercadorias quando são vendidas para exportação com destino ao território aduaneiro da Comunidade, eventualmente, após ajustamento efectuado nos termos dos artigos 32.º e 33.º”.
70. Nos termos do artigo 32.º, n.º 1, alínea e) do CAC “para determinar o valor aduaneiro por aplicação do artigo 29.º, adiciona-se ao preço efetivamente pago ou a pagar pelas mercadorias importadas: (...) e) i) as despesas de transporte e de seguro de mercadorias importadas e ii) as despesas de carga e manutenção conexas com o transporte das mercadorias importadas, até ao local de entrada das mercadorias no território aduaneiro da Comunidade”.
71. Ora resulta da letra da lei “para determinar o valor aduaneiro adiciona-se ao preço pago pelas mercadorias importadas as despesas de transporte até ao local de entrada das mercadorias” que as prestações de serviços de transporte estão incluídas no valor tributável da importação, o que equivale a dizer, por maioria de razão, que quem tem o ónus de declarar, no valor tributável das mercadorias, o valor dos serviços de transporte (ou serviços conexos com a importação), é o importador.
72. Resulta ainda da letra da lei que – em casos de efetiva (não fraudulenta) prestação de serviços como é o presente – ainda que o importador não inclua os serviços de transporte no valor da importação, não se transfere para o prestador a obrigação de liquidar IVA sobre os mesmos.
73. Com efeito, a exigibidade do IVA destes serviços ocorre no momento da respetiva importação dos bens, nos termos do artigo 7.º n.º 1 alínea c) do Código do IVA e 201.º do CAC .
74. Concorda assim este Tribunal com a Requerente quando esta indica que:
- “Para além de não ter suporte legal, a imposição por parte da AT de uma condição – cujo preenchimento está dependente de uma entidade terceira – para aplicar a isenção de imposto aos serviços de transporte prestados antes da importação, é desprovida de sentido, uma vez que o valor tributável da importação é apurado pelos próprios serviços aduaneiros da AT mediante informação a prestar pelo importador, não sendo por conseguinte suscetível de não ser escrupulosamente cumprida.”
- “Deste modo, e ainda que, por lapso, o valor tributável da importação apurado no momento do desalfandegamento não tenha em consideração o valor dos serviços de transporte, uma verificação a posteriori pela AT apenas pode constituir fundamento de liquidação adicional de IVA na esfera do importador dos bens, por se tratar de IVA devido na importação, e nunca na esfera da entidade que prestou os AT em momento anterior à importação.”
75. E tanto assim é que o modelo do DAU, o qual é tipificado a nível Europeu, não possui nenhum exemplar destinado aos prestadores de serviços anteriores ao desalfandegamento dos bens (existindo exemplares para importador/exportador/autoridades aduaneiras).
76. A conclusão a que aqui se chega é confirmada pela jurisprudência do STA fixada no Acórdão do STA 13891 de 07.02.1996.
77. E ainda pela jurisprudência do Acórdão TJUE, C-273/16 (04/10/2017), Agenzia delle Entrate v Federal Express Europe Inc., designadamente o seu ponto 47, a contrario.
78. Pelo que, por tudo o supra exposto, procede o pedido de pronúncia arbitral.
***
79. Procedendo o pedido de pronúncia arbitral pelos fundamentos materiais acima identificados, fica prejudicado, por ser inútil (artigo 130.º do CPC), a apreciação dos vícios procedimentais invocados pela Requerente, por violação dos princípios do inquisitório e da verdade material.
F. Do pagamento de juros indemnizatórios
80. O IVA liquidado foi pago em 08.09.2018, através da utilização de créditos da Requerente, como consta das liquidações juntas com o PPA.
81. Nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea b) do RJAT, em linha com o artigo 100.º da LGT, a decisão arbitral a favor do sujeito passivo tem por efeito restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.
82. O artigo 24.º, n.º 5 do RJAT ao dispor que “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, permite o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral, nos termos dos artigos 43.º e 100.º da LGT, aplicáveis ex vi artigo 29.º do RJAT.
83. O direito a juros indemnizatórios depende de um conjunto de pressupostos constitutivos, sendo imprescindível que a Requerente tenha suportado o “pagamento” do imposto relativamente ao qual reclama a contagem de juros. Na situação concreta, o “pagamento” da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, ocorreu quando da compensação do crédito de IVA com o valor do imposto indevidamente liquidado, pelo exato valor da compensação (coincidente com o da liquidação), em 08.09.2018.
84. Estando em causa a errada interpretação e aplicação pela Requerida de normas de isenção ficou demonstrado que os atos tributários padecem de erros de direito imputáveis à AT, que não deveria ter procedido à liquidação do IVA em causa.
85. Da aplicação das regras supra ao caso concreto, resulta que a anulação do ato tributário ilegal deve ter por consequência a restituição do valor ilegalmente liquidado à Requerente (de € 27.100,41 – vide nota de rodapé 2) e o pagamento de juros indemnizatórios sobre esse valor, nos termos dos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, pelo que procede o pedido de condenação da AT à restituição do IVA e ao pagamento de juros indemnizatórios.
V. DECISÃO
De harmonia com o exposto acordam neste Tribunal Arbitral em:
a) Julgar procedente o pedido de anulação parcial das liquidações;
b) Anular parcialmente as liquidações impugnadas, quanto ao valor global de
€ 27.100,41, nos respetivos valores parciais por liquidação:
- n.º... (período de tributação 01.15), no valor de € 241,69;
- n.º ... (período de tributação 02.15), no valor parcial de € 21,05;
- n.º ... (período de tributação 03.15), no valor parcial de € 2.208,53;
- n.º... (período de tributação 04.15), no valor parcial de € 3.409,16;
- n.º ... (período de tributação 05.15), no valor parcial de € 8.510,02;
- n.º... (período de tributação 06.15), no valor parcial de € 3.927.74;
- n.º... (período de tributação 07.15), no valor parcial de € 3.630,57;
- n.º... (período de tributação 08.15), no valor parcial de € 1.056,76;
- n.º... (período de tributação 09.15), no valor parcial de € 706,61;
- n.º... (período de tributação 10.15), no valor parcial de € 1.666,91;
- n.º... (período de tributação 11.15), no valor parcial de € 1.551,40;
- n.º ... (período de tributação 12.15), no valor parcial de € 169,97;
c) Anular, em consequência, o ato de indeferimento da Reclamação Graciosa;
d) Julgar procedente o pedido de reembolso acrescido de juros indemnizatórios e condenar a AT a pagar a Requerente a quantia de € 27.100,41 acrescida de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento indevido (08.09.2018), até que ocorra o reembolso.
VI. VALOR DO PROCESSO
De harmonia com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 27.100,42.
VII. CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 1.530,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da AT atento o decaimento.
Notifique.
Lisboa, 16 de março de 2020
(Catarina Belim)