DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. No dia 03 de Junho de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., ..., ...-... Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com as alterações subsequentes (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial do acto autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), respeitante ao período de Dezembro de 2016, com o número ..., entregue em 10-02-2017, no valor de € 786.698,24, bem como a decisão da Reclamação Graciosa que teve aquele acto como objecto.
2. Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, que procedeu à aplicação da percentagem de dedução de 12% ao IVA incorrido nos recursos de utilização mista adquiridos, calculada de acordo com os entendimentos veiculados pela AT, nomeadamente as instruções do Ofício-Circulado n.º 30108, quando, de acordo com a legislação nacional e comunitária do IVA, a percentagem de dedução deveria corresponder a 25%.
3. No dia 04-06-2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.
4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
5. Em 30-07-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.
6. Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 20-08-2019.
7. No dia 30-09-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.
8. Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.
9. Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, as mesmas abstiveram-se de o fazer.
10. Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no artigo 21.º/1 do RJAT.
11. O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.
O processo não enferma de nulidades.
Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.
Tudo visto, cumpre proferir:
II. DECISÃO
A. MATÉRIA DE FACTO
A.1. Factos dados como provados
1- A Requerente é uma sociedade comercial com sede em território nacional, que exerce, a título principal, actividade no âmbito das “OUTRA INTERMEDIAÇÃO MONETÁRIA” (CAE 64190), e a título secundário, nas “ATIVIDADES DE FACTORING” (CAE 64991).
2- Para efeitos de IVA, configura-se como um sujeito passivo nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA, encontrando-se enquadrada no regime normal de periodicidade mensal, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 41.º do mesmo diploma.
3- Caracteriza-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce atividades que conferem direito à dedução e também realiza operações no âmbito da atividade financeira, a qual é isenta do imposto nos termos do n.º 27 do artigo 9.º do CIVA, procedendo ao apuramento do IVA de cada período com recurso ao disposto no artigo 23.º do mesmo diploma.
4- Para efeitos de dedução do IVA dos bens de utilização mista, e porque no âmbito da sua actividade a Requerente realiza operações de locação financeira (Leasing e ALD), a Requerente adoptou o método de coeficiente de imputação específico previsto no Ofício-Circulado n.º 30108, de 30 janeiro 2009, e apurou uma percentagem de dedução definitiva de 12% para o ano de 2016, do qual resultou uma dedução de IVA de € 726.183,00.
5- Caso a dedução do IVA dos recursos comuns de 2016 tivesse sido efectuada tendo em conta no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º, e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento, o pro rata ascenderia a 25%, sendo que:
i. O IVA susceptível de dedução ascenderia a € 1.512.881,24;
ii. Tendo sido provisoriamente deduzido o valor de € 302.612,18, na declaração periódica de Dezembro de 2016 haveria lugar a uma regularização a favor do sujeito passivo de € 1.210.269,06;
iii. Na declaração periódica de Dezembro de 2016 ter-se-ia apurado um crédito de imposto no montante de € 19.397.770,14, ao invés de crédito no montante de € 18.611.071,89.
6- O montante da renda (componente de capital e componente de juro) relativo às operações de locação financeira foi integralmente incluído no cálculo do pro rata a que se refere o ponto anterior.
7- A Requerente pagou, oportunamente, o imposto resultante da autoliquidação de IVA relativa ao período de Dezembro de 2016.
8- A ora Requerente apresentou reclamação graciosa da autoliquidação de IVA do período de Dezembro de 2016, na medida em que, por força da aplicação dos critérios estabelecidos no Oficio-Circulado n.º 30.108, de 30 de janeiro de 2009, não considerou no cálculo da percentagem de dedução definitiva prevista no artigo 23.º do CIVA, o valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira (leasing e ALD).
A.2. Factos dados como não provados
Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.
A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada
Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.
B. DO DIREITO
Conforme concordam ambas as partes, a questão que se apresenta a resolver nos presentes autos prende-se com a consideração, ou não, do total do montante da renda (componente de capital [amortizações] e componente de juro) relativo às operações de locação financeira, no cálculo do pro rata relativo aos recursos de utilização mista, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 4 do CIVA aplicável.
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Com relevo na matéria ora em apreço, dispõe o artigo 23.º do CIVA aplicável:
“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:
a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;
b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.
2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:
a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;
b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.
4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.
5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.”
No que diz respeito à (des)consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira do cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido pelo Requerente nos recursos de utilização mista, como nota a Requerida, está em causa aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.
A este propósito, começa a Requerida por notar que o objecto deste tipo de contrato não é a transferência da propriedade, mas sim a cedência, pela locadora do uso do bem, concluindo que a locação financeira constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do disposto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA, e é efectuada pelo sujeito passivo no âmbito duma actividade económica.
Chama, a Requerida, a atenção para a necessidade de se respeitar o princípio da igualdade, assegurando-se um tratamento fiscal equivalente, no sentido de igual onerosidade, em relação àquele que adquire um bem através de um contrato de locação financeira, face a outra pessoa que o adquire directamente.
Para a Requerida, nem todo o valor pago a título de renda no âmbito de um contrato de locação financeira é correspondente à amortização financeira ou do capital que tenha de ser incluída no cômputo do apuramento da percentagem de dedução, conjuntamente com a parte correspondente aos juros e outros encargos, uma vez que, prossegue, a renda constitui o pagamento do serviço de concessão de financiamento ao locador, sendo composta por duas partes: capital ou amortização financeira, que mais não será que o reembolso da quantia "emprestada"; e juros, acrescidos de eventuais encargos, que constituem a remuneração do locador.
Conclui a Requerida que deve ser excluída do cálculo da percentagem de dedução a parte da amortização financeira incluída na renda, uma vez que esta mais não é do que a restituição do capital financiado/investido para a aquisição do bem, já que à luz do princípio da neutralidade em que assenta o sistema do IVA, se deve considerar que a incidência do IVA sobre a totalidade da renda é a única forma de garantir que o Estado recupera o valor do imposto que foi já deduzido pelo sujeito passivo, e que é apenas aquele valor diferencial (que, genericamente, corresponde a juros) que se encontra conexo com os custos de aquisição de recursos utilizados indistintamente em operações com e sem direito à dedução, já que, de outro modo, permitia-se um aumento artificial da percentagem de dedução do IVA incorrido com a generalidade dos bens ou serviços com utilização mista adquiridos pelo sujeito passivo.
Louva-se, ainda a Requerida, no decidido no Acórdão do TJUE de 10 de Julho de 2014, proferido no processo C-183/13, que considera aplicável ao caso.
Já a Requerente, começa por notar que a adopção do método de dedução previsto no n.º 2 do art.º 23.º do CIVA – ou seja, a afectação real – tem de ter sempre por base critérios objectivos, salientando que relativamente a métodos de dedução, nada mais é previsto no Código do IVA, ainda que a Directiva n.º 2006/112/CE permita que os Estados-Membros adoptem outros métodos de dedução para além do pro rata e da afetação real.
No que respeita ao Ofício-Circulado n.º 30108, a Requerente aponta que o mesmo terá sempre de ser analisado à luz das normas nacionais implementadas, e que o mesmo vem impor a utilização de um “critério de imputação específico”, o qual:
- Não é um pro rata nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA;
- Nem um método de afectação real, nos termos do artigo 23.º, n.º 2 do CIVA porque não é possível o recurso a critérios objectivos.
Assim, conclui o Requerente, não sendo possível adoptar o método da afectação real, o único outro método de dedução previsto no CIVA é o pro rata, apurado nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, pelo que aquilo que a AT vem propor no Ofício-Circulado n.º 30108 não tem enquadramento nem no artigo 23.º, n.º 1 do CIVA, nem no 23.º, n.º 2 do mesmo diploma.
Louva-se, ainda, a Requerente em jurisprudência arbitral que enumera , e em doutrina citada por aquela.
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No Acórdão Volkswagen Financial Services (Processo C-153/17) do TJUE, procurou-se responder à questão de saber se o artigo 168.º e o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às prestações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não são repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, a parte tributável da operação, mas sim no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, a parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, os Estados Membros podem aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega.
Note-se desde logo, que as situações da Requerente nos presentes autos e da Volkswagen Financial Services no processo C-153/17, não são idênticas, porquanto esta é uma instituição especializada, dedicada exclusivamente a operações financeiras conexionadas com o ramo automóvel.
Não obstante julga-se, ainda, assim, que o TJUE emitiu, com clareza, pronúncia com relevância para a matéria que ora se discute, pelo que será útil analisar a decisão em questão.
Na mesma, começa o TJUE por definir se, do ponto de vista do IVA, diferentes operações como a concessão de financiamento e a disponibilização de veículos, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas por vários elementos, tendo concluído que a resposta a tal questão deve ser dada pelo órgão jurisdicional nacional, tendo em conta os seguintes critérios:
a) cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente, e uma operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA;
b) há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria carácter artificial;
c) está se em presença de uma prestação única quando um ou mais elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.
Adicionalmente, esclareceu o TJUE que o pagamento diferido do preço de compra de um bem, mediante o pagamento de juros, pode ser considerado como uma concessão de crédito, que constitui uma operação isenta nos termos desta disposição, desde que o pagamento dos juros não constitua um elemento da contrapartida recebida pela entrega dos bens ou pelas prestações de serviços, mas sim a remuneração desse crédito.
Relativamente ao direito à dedução, o TJUE reafirmou que o sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, independentemente dos respectivos fins ou resultados, desde que essas actividades estejam elas próprias sujeitas a IVA, sendo admitido, no entanto, um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa sejam parte das despesas gerais deste último e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo, sendo que a decisão de não incluir estes custos no preço das operações tributáveis, mas unicamente no preço das operações isentas, não pode ter qualquer repercussão nesta conclusão de facto e que o resultado dessas operações económicas não é pertinente, à luz do direito à dedução, na condição de a própria actividade estar sujeita a IVA.
Ressalva, no entanto, o TJUE que o âmbito desse direito à dedução varia em função do uso a que os bens e os serviços em causa se destinam, já que, ao passo que, para os bens e serviços destinados a serem utilizados exclusivamente para realizar operações tributáveis, os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir a totalidade do imposto que incidiu sobre bens ou serviços que lhes tenham sido fornecidos ou prestados, para os bens e serviços destinados a uso misto, resulta do artigo 173.º, n.º 1, da Diretiva IVA que o direito à dedução se limita à parte do IVA que é proporcional ao valor respeitante às operações que conferem direito à dedução realizadas através desses bens ou serviços, e que nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida Directiva, os Estados Membros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.
A este propósito, recordando o Acórdão Banco Mais, acrescenta o TJUE que qualquer Estado Membro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução, dado que o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução, sendo que o método escolhido não tem necessariamente de ser o mais preciso possível, mas deve poder garantir um resultado mais preciso do que aquele que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
Ainda a propósito do Acórdão Banco Mais, refere o TJUE que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.
Conclui o TJUE que atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações, pelo que tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.
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Como assinala a Requerente, a matéria ora em discussão já foi apreciada em várias decisões arbitrais, podendo indicar-se, para além das atrás referidas, as proferidas nos processos arbitrais n.º 335/2018-T, 339/2018-T e 498/2018-T .
Em todas as referidas decisões, proferidas por Tribunais Arbitrais colectivos, após análise do quadro legal nacional e comunitário aplicável, foi entendido de forma unânime que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva (a que corresponde o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE) para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, não sendo determinante que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Directiva no sentido de que não se opõe a que, nas actividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros, dado que o Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e a norma em causa deixa uma margem de livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.
Daí que da pronúncia do TJUE não decorra a validade/invalidade de uma norma de direito nacional, mas unicamente, a interpretação correcta do direito europeu a aplicar. Com efeito, “um reenvio deve ter por objeto a interpretação ou a validade do direito da UE, e não das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.” .
Assim, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 311/2017-T do CAAD, escreveu-se o seguinte:
“A AT, através do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, veio divulgar a sua interpretação do artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD, para efeitos do apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução.
Entendeu a AT que estes sujeitos passivos devem utilizar, nos termos do nº2 do artigo 23º, do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, por considerar que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º, do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação” (Cfr nº 8 do referido Ofício Circulado).
E entendeu ainda a AT que, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico (sublinhado nosso), tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA (nº9 do referido Ofício Circulado).
Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23º-4, do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução, não pode, como tal, ser sufragado.
Na verdade, tal como dispõe e impõe o artigo 16º-2/h), do CIVA, nas operações de locação financeira, o valor tributável em sede de IVA, é o da totalidade da renda (sublinhado nosso) recebida ou a receber do locatário.
Ou seja: é sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; e de ser claro também que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.
A solução proposta pela Administração Fiscal de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização financeira não tem apoio direto nos textos legais.
Certo que neste tipo de contratos (também denominados de leasing), o proveito que releva para efeitos contabilísticos e, consequentemente, para efeitos de tributação do rendimento, é apenas aquele que isola a componente de juros da renda a pagar pelo locador; ou seja: a parte da renda relativa à amortização do capital não releva na, digamos, folha contabilística do locador.
Sendo a parcela dos juros a única que afeta o resultado contabilístico, também, consequentemente, o mesmo sucede para efeitos de tributação em IRC por força da relação de dependência (parcial) prevista no artigo 17º, do CIRC.
Já não assim é, porém, para efeitos de IVA, na medida em que a base tributável encara as duas componentes da renda como uma só, fundindo-as no conceito geral de contrapartida [a renda tout court] previsto no citado artigo 16º, do CIVA, cuja epígrafe é “valor tributável”.
Por seu lado, o artigo 23º, do CIVA, consagra objetivamente o pro rata como o regime de dedução do IVA para – como é o caso dos autos – os comummente denominados “sujeitos passivos mistos” – Cfr nºs 1 e 4 – sem prejuízo de opção do sujeito passivo pela dedução segundo a afetação real (sublinhado nosso), com base em critérios objetivos e igualmente sem prejuízo – agora sim -, de intervenção Autoridade Tributária e Aduaneira (que poderia impôr, em determinadas circunstâncias, condições especiais ou mesmo fazer cessar esse procedimento, se for entendido que aquele provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação) (nº 2, do citado artigo 23º).
Apenas em duas situações, porém, foi feita a transposição para a legislação nacional da margem estabelecida na Diretiva IVA, relativamente à possibilidade de obrigar um sujeito passivo a não aplicar o método pro rata de dedução: (i) quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e (ii) no caso de se verificarem distorções significativas na tributação – Cfr artigo 23º-3, do CIVA.
Assim é que, in casu, ao colocar, inicialmente, no numerador e no denominador do pro rata o montante anual das rendas sobre o qual incidiu IVA – ou seja, o montante da contrapartida - o Banco requerente utilizou a base de liquidação de IVA devida e legal.
Ao contrário, as liquidações ora impugnadas, na linha ou em cumprimento do determinado no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009 [que traduz o entendimento da AT de que para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros], enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Na verdade, e de acordo com a legislação comunitária ( artigos 173º, 174 e 175º da Diretiva nº 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006) e com a legislação interna já citada (artigo 23º, nº1, nº4, nº6, nº7 e nº8, do Código do IVA), resulta que: (a) o método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a dos autos (b) o método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos, (c) a AT pode obrigar à aplicação do método da afetação real, (d) a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou prorata prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do nº 4 do artigo 23º do CIVA , (e) este artigo 23º não prevê outra fórmula de determinação do pro rata.
Daqui decorre, reafirma-se, que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» nos termos referidos no ponto 9 do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, da AT, não tem o necessário enquadramento legal.
Assinale-se ainda a natureza manifestamente infundada ou não fundamentada de que a aplicação do método do pro rata pretendida pela Requerente na determinação do grau de utilização de bens e serviços utilizados em operações mistas segundo os termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA conduza a “distorções significativas na tributação”(!)
O caso “Banco Mais”
O TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.
Ora compulsado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais logo se verifica que o mesmo parece assentar num equívoco, já que assume, sem efetivamente o apurar, que a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.
Assim, o § 19 do Acórdão do TJUE refere: «Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva».
Como bem refere JOSÉ MARIA MONTENEGRO (in Comentário ao Acórdão “Fazenda Pública contra Banco Mais, SA” de 10 de julho de 2014 – Proc C-183/13) é «…neste ponto base, diria mesmo, nevrálgico – que nos distanciamos do Acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014. Pois não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva. E mais dificuldade teremos em acompanhar a afirmação de que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva» (Anotação à aludida jurisprudência, reproduzida como documento 8, junto com a Petição).
É manifesto, por outro lado, que o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).
Daí que, recolocada a questão, a resposta ao pedido prejudicial pretende incidir justamente sobre «…se as disposições do sistema comum do IVA em matéria do direito à dedução, em particular as constantes do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, permitem a um Estado membro estabelecer que os bancos que também, realizam operações de locação financeira, apurem o direito à dedução relativo a bens e serviços de uso misto tomando em consideração, quanto às mencionadas operações, a parte correspondente à remuneração do capital (juros) investido na aquisição dos bens dados em locação, assim como eventuais comissões e encargos afins».
Assinale-se que, tal como resulta dos factos alegados e não contestados pela AT em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico, a locação financeira não constitui uma atividade meramente acessória de uma instituição financeira como a Requerente.”
No acórdão arbitral 312/2017T exarou-se que:
“Em suma e concluindo:
Os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do Código do IVA são a:
a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» (n.º 1 alínea b) do artigo 23.º do Código do IVA com remissão para o n.º 4;
«a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA).
Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1) «conduza a distorções significativas na tributação», a AT pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.
E compulsado este n.º 2, o mesmo apenas prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».
É manifesto que a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, como faz a Requerida, no caso em apreço, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.
Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.
Donde, conclui-se de que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum.
Não se desconhece a possibilidade conferida pelo artigo 173.º, n.º 2, c) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, aos seus Estados Membros de «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», mas tal possibilidade não foi transposta para o Código do IVA nacional, i.e., a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do mesmo código.
E, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT).
Decorre de tudo o supra exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.”.
Posteriormente, no processo arbitral n.º 335/2018T, na sequência do que já havia sido referido no processo arbitral n.º 309/2018T veio a referir-se que:
“Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva, contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adotado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.
Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º
De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração, através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais objectivos na dedução pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.
O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.
Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Como é sabido, no entanto, as circulares são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que, apesar de possuírem força vinculativa para a Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), não podem sobrepor-se aos actos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir por isso como fundamento jurídico válido para a imposição de um critério de dedução que não tenha suficiente apoio nos textos legais.
Certo é que o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-183/13 concluiu que a norma do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que um Estado membro obrigue uma instituição que exerce atividades de locação financeira a incluir no método de dedução pro rata para os bens e serviços de utilização mista apenas a parte das rendas pagas que correspondem aos juros.
A norma comunitária não tem, no entanto, a característica própria do efeito directo, que apenas é reconhecido às disposições que confiram ou imponham obrigações de forma, clara, precisa e incondicionada. E, pelo contrário, deixa alguma margem de liberdade de conformação ao legislador nacional quanto à definição dos critérios de afectação real (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 356). Basta notar que a norma, depois de enunciar o critério geral de dedução por percentagem, que consta do n.º 1, apenas se limita a conferir aos Estados-membros, no n.º 2, alínea c), a possibilidade de tomar medidas no sentido de “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.
E embora a norma comunitária admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
Ora, é claro que que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução (neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017).
Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).
Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.
Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”
No processo arbitral 339/2018T prosseguiu-se entendendo que:
“Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.
Não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva, contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adotado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.
Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º
De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração, através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais objectivos na dedução pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.
O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.
Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.
Como é sabido, no entanto, as circulares são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que, apesar de possuírem força vinculativa para a Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), não podem sobrepor-se aos actos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir por isso como fundamento jurídico válido para a imposição de um critério de dedução que não tenha suficiente apoio nos textos legais.
Certo é que o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-183/13 concluiu que a norma do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que um Estado membro obrigue uma instituição que exerce atividades de locação financeira a incluir no método de dedução pro rata para os bens e serviços de utilização mista apenas a parte das rendas pagas que correspondem aos juros.
A norma comunitária não tem, no entanto, a característica própria do efeito directo, que apenas é reconhecido às disposições que confiram ou imponham obrigações de forma, clara, precisa e incondicionada. E, pelo contrário, deixa alguma margem de liberdade de conformação ao legislador nacional quanto à definição dos critérios de afectação real (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 356). Basta notar que a norma, depois de enunciar o critério geral de dedução por percentagem, que consta do n.º 1, apenas se limita a conferir aos Estados-membros, no n.º 2, alínea c), a possibilidade de tomar medidas no sentido de “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.
E embora a norma comunitária admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.
Ora, é claro que que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução (neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017).
Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).
Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.
Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”
Por fim, no acórdão arbitral n.º 498/2018T reafirmou-se o seguinte:
“Em suma, decorre da legislação aplicável que:
(i) O método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a que está subjacente aos presentes autos;
(ii) O método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos;
(iii) A Autoridade Tributária pode obrigar à aplicação do método da afetação real em certos casos;
(iv) Porém, a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou pro rata prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, não havendo margem para a alterar.
Assim, e subsumindo tudo o que antecede ao caso em apreço, ter-se-á de concluir que, tendo as autoliquidações ora impugnadas resultado das orientações vertidas no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009 – e de acordo com o qual, para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros – enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.
Diga-se, por fim, que, ao contrário do que refere a Requerida, este entendimento não é colocado em causa pela Jurisprudência do TJUE e, em particular, pelo Acórdão daquele Tribunal datado de 10/07/2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”).
Desde logo porque, como ressalta da mera leitura do mesmo e vem sendo denunciado pela Doutrina, o referido Acórdão lavra em erro de facto. Na verdade, e como decorre dos §.18 e 19 do referido aresto, assentou o TJUE a sua decisão no pressuposto de que o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva constitui a transposição, para o direito interno do Estado Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva” .
Por outro, o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).
Não se ignora que o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.
Porém, e como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa), nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”.
Não cabe, pois, ao TJUE aplicar o direito europeu “à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional” .
Decorre do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA não é uma disposição de efeito directo, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.
Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23.º do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos, a saber:
– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA por remissão para o n.º 4 da mesma norma; e
– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do CIVA).
Ademais, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2. Contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. (...)
Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.
Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.
Sem prejuízo do que antecede, só por si suficiente para conduzir à anulação dos actos tributários impugnados, dir-se-á ainda, no que concerne ao argumento invocado pela Requerida no §. 41 da Resposta, e segundo o qual a aplicação do método referido no Ofício-Circulado n.º 30.108 é uma imposição do “princípio da neutralidade do imposto e mais do que esse o princípio o da sã concorrência no espaço da União Europeia”, dir-se-á que também não procede.
Desde logo, não fundamenta a Requerida, como lhe competia, as suas alegações. De todo o modo, e como referem José Xavier de Basto e António Martins no Parecer junto aos autos e já citados, tal afirmação não é rigorosa. Na verdade, “o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada”.”.
Como se referiu anteriormente, todas as referidas decisões foram tomadas por unanimidade, tendo apreciado extensivamente o quadro legal, nacional e comunitário aplicável, e analisado aprofundadamente os argumentos apresentados pela AT, quer no Ofício-Circulado n.º 30108 quer nos próprios processos arbitrais, em termos que se subscrevem plenamente, sendo certo que, nos presentes autos, a Requerida não formulou qualquer novo argumento ou questão que infirme o quanto a jurisprudência citada concluiu e que cumpra apreciar.
Note-se, ainda, que se julga que o entendimento, sustentado pela Requerida, segundo o qual a renda corresponde à devolução do capital (amortização da dívida), e por isso não constitui uma remuneração do sujeito passivo, que estará, nessa parte, a “receber de volta” o montante de capital que disponibilizou e com o qual adquiriu o veículo automóvel, não se afigura congruente.
Efectivamente, caso assim fosse, ou seja, estivesse em questão a restituição do capital correspondente a uma operação de crédito, tal restituição seria sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 17 da TGIS, e, como tal, isenta de IVA nos termos do art.º 9.º/27)/a) do CIVA.
Assim, em coerência com o entendimento por si sustentado, a AT, salvo melhor opinião, deveria considerar isento de IVA o pagamento da parte que considera como correspondente à restituição de capital na renda paga pelo locatário.
Com efeito, a concluir-se que, em substância, na parte das rendas imputáveis ao capital, estamos perante uma operação de concessão de crédito, que tal parte nem será uma contraprestação verdadeira e própria, desde logo em IVA, nem constitui um preço, que a determinação do valor tributável em IVA nas rendas da locação financeira não segue a regra, não se justifica, minimamente, que ao locatário, naquelas operações, seja liquidado, cobrado, e entregue à AT, IVA sobre aquela mesma parte das rendas imputáveis ao capital.
A acolher-se a argumentação da AT, quem estaria a beneficiar indevidamente seria a AT, que receberia de uma viatura, adquirida através de um financiamento, não o IVA correspondente ao valor base da viatura (IVA excluído), e o correspondente aos encargos financeiras e despesas com o crédito, como acontece, nesses casos, mas o IVA correspondente ao valor total do crédito, acrescido daqueles.
Assim, por exemplo, se um determinado sujeito passivo decidir adquirir uma viatura automóvel com o valor de €10.000,00 + IVA, num total de (à taxa actual) €12.300,00, e optar por recorrer a um crédito (mútuo bancário), a AT arrecadaria o IVA, correspondente ao preço base da viatura (ou seja, calculado sobre €10.000,00), mais o IVA correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.
Já se o sujeito passivo optasse por adquirir a mesma viatura por via de leasing/ALD, e em que, portanto, aquilo que a AT reputa de capital mutuado, fosse o preço final da viatura (no exemplo, €12.300,00), a AT estaria a arrecadar IVA sobre este valor, mais o IVA correspondente aos encargos financeiros e despesas com o crédito.
Deste modo demonstra-se, julga-se, que o critério/método preconizado pela AT, ao pretender reconduzir as operações de leasing/ALD a simples operações de crédito, ignorando as especificidades próprias desses instrumentos contratuais, que justificam, precisamente, o seu reconhecimento no ordenamento jurídico, resulta, efectivamente, em distorções significativas na tributação, em prejuízo do consumidor final.
Acresce que, se a AT - como é o caso – entende que as operações realizadas a jusante, no caso, pela Requerente, são integralmente sujeitas a IVA (ou seja, que a renda paga pelos clientes da Requerente), não poderá, fundadamente, considerar que o IVA suportado a montante, com os recursos consumidos para a realização de tais operações, não seja dedutível.
Efectivamente, como se refere no ponto (30) da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de Novembro de 2006), um dos princípios fundamentais desse imposto é que “A fim de preservar a neutralidade do IVA, as taxas aplicadas pelos Estados-Membros deverão permitir a dedução normal do imposto aplicado no estádio anterior.”.
Daí que o art.º 1.º, n.º 2, segundo parágrafo da mesma Directiva, prescreva que “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”.
De resto, bem vistas as coisas, o direito à dedução, pelo método do pro rata, reflecte, como não poderia deixar de ser este princípio.
Assim, o art.º 168.º da Directiva IVA, prescreve que quando “os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor” .
Deverá ser neste contexto que o regime do pro rata deverá ser entendido, ou seja, se bens ou serviços forem utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor.
Daí que o CIVA disponha, no seu art.º 19.º, em conformidade e para além do mais, que “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem (...) ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos” .
Assim, quando o art.º 173.º da Directiva diz que “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º” , e o art.º 23.º do CIVA refere, correspondentemente, que “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução” , tal se deva entender como reportando a operações referidas, respectivamente, no art.º 168.º e 19.º.
Ora as operações realizadas a jusante pela Requerente em questão no caso, designadamente as operações subjacentes à cobrança das rendas (na parte reputada como equivalente à restituição de um capital mutuado), não são entendidas, pela AT como operações que sejam abrangidas pelas excepções ao direito à dedução, nem que não sejam tributadas. Daí que não deva ser legítimo à AT excluir – seja pelo método da imputação directa, se possível, ou pelo método do pro rata, subsidiariamente – precludir o direito à dedução do sujeito passivo que realiza tais operações.
Por outro lado, e no que respeita ao método aplicado pela AT, e concretizado no Ofício-Circulado n.º 30108, o certo é que o mesmo não se reconduz nem à aplicação, nos termos que resultam do CIVA, do método de imputação directa, nem do método, nos mesmo termos, do pro rata.
Daí que, quer se considere o mesmo como um terceiro método, como ocorre nas decisões arbitrais citadas, quer se considere o mesmo como um “pro rata embora com um elemento de afectação real”, sempre se deverá concluir pela sua inadmissibilidade, face ao direito positivo português, já que o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA refere-se, exclusivamente, ao método da afectação real.
Ressalvado o muito respeito devido, não se poderá também subscrever a tese de que a remissão do n.º 3 do CIVA aplicável para o referido n.º 2, permite à AT impor ao sujeito passivo outros métodos que não o da afectação real, tal como previsto e regulado no CIVA, nem, muito menos, fazê-lo retroactivamente.
Relativamente a esta última parte, crê-se que o n.º 2 referido é suficientemente claro, no seu elemento literal, ao referir que a Direcção-Geral dos Impostos pode “vir a impor condições especiais” .
A fórmula verbal utilizada, reporta-se, ressalvada melhor opinião, exclusivamente ao futuro. Ou seja: utilizado o método da afectação real pelo sujeito passivo a DGI poderá vir a impor condições especiais para se manter tal utilização, e não corrigir retroactivamente, a utilização daquele método utilizado pelo sujeito passivo, até porque, como se verá de seguida, a imposição daquelas condições visará assegurar cabalmente a possibilidade de a AT verificar a inexistência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação.
E não se diga que, pelo Ofício-Circulado n.º 30108 a AT veio impor aos contribuintes, para efeitos do n.º 3 do art.º 23.º do CIVA aplicável, a utilização do método ali preconizado, desde logo porquanto – e mais longe não será necessário ir – é consensual que as instruções administrativas (Circulares, Ofícios Circulados, etc.), não têm eficácia externa, vinculando, exclusivamente, a própria administração.
Este entendimento, conjuga-se com aquela que se julga ser a melhor leitura da expressão “condições especiais”.
Com efeito, e ressalvado o respeito devido a outras opiniões, as “condições especiais” a que o n.º 2 do art.º 23.º em questão se reporta, não deverão nem poderão ser entendidas como a imposição de métodos de cálculo do direito à dedução, que não os previstos na lei, desde logo porque tratando-se de regulação directamente relacionada com matéria de incidência do próprio imposto, o deferimento da determinação do método de cálculo do montante do direito à dedução à discricionariedade administrativa, resultaria, julga-se, numa violação do princípio constitucional da tipicidade dos impostos.
Por outro lado, se aquele número 2 quisesse, efectivamente, referir-se a métodos de dedução (expressão utilizada na epígrafe do artigo que o contém), teria, seguramente, utilizado essa expressão.
Daí que, sempre ressalvado o respeito devido a outras opiniões, a expressão “condições especiais” deverá ser entendida como reportando-se a obrigações tributárias acessórias, em especial obrigações de informação e documentação, que sejam necessárias ao efectivo controlo da adequação do método da afectação real, tal como previsto na lei (e não de forma mista, ou mitigada de acordo com critérios de discricionariedade administrativa), tendo sobretudo em vista aferir se a utilização de tal método provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação.
Neste seguimento, o segmento final do número 2 do art.º 23.º em análise, deverá ser entendido como reportando-se, apenas à faculdade da DGI fazer cessar a utilização do método da afectação real, o que é confirmado pela letra daquele preceito, seja na localização da expressão “no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação”, após, e não antes, da expressão “lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento”, seja na ausência de vírgula, a separar ambas as expressões, seja na exigência de que se “verifique” a ocorrência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação, já que não faria sentido que, verificado (ou seja, confirmado efectivamente), que a utilização do método da afectação real é susceptível de causar distorções significativas na tributação, se previsse a possibilidade de manutenção de tal método, ainda que com “condições especiais”.
Daí que, no n.º 3 daquele mesmo art.º 23.º, ao dispor sobre os poderes da AT nos casos em que o sujeito passivo aplique o método do pro-rata, não preveja a possibilidade daquela autoridade impor ao sujeito passivo a utilização de tal método com “condições especiais”, não obstante prever a possibilidade fazer cessar aquele procedimento (de utilização do método do pro rata), nos casos em que verificar que se provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.
Ou seja: se a ocorrência (real ou potencial) de distorções significativas na tributação, fosse, na óptica do legislador, susceptível de ser corrigida com a imposição de “condições especiais” (seja qual for o entendimento que se tenha deste conceito), seguramente não deixaria o legislador de prever no n.º 3 do art.º 23º do CIVA aplicável a possibilidade de a AT impor tais condições, nos casos em que o sujeito passivo utilizasse o método do pro rata, quando verificasse que tal utilização conduzia a distorções significativas na tributação.
Por outro lado, a não previsão, no n.º 3 do art.º 23.º referido da possibilidade de a AT impor a utilização do método do pro rata, com “condições especiais”, vem confirmar o entendimento anteriormente formulado, relativamente à interpretação daquele conceito, no sentido de se reportar à imposição de obrigações tributárias acessórias, em especial obrigações de informação e documentação, que sejam necessárias ao efectivo controlo da adequação do método da afectação real, tal como previsto na lei (e não de forma mista, ou mitigada de acordo com critérios de discricionariedade administrativa), tendo sobretudo em vista aferir se a utilização de tal método provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação.
É que, ao pressupor o n.º 3 do art.º 23.º do CIVA aplicável a confirmação da ocorrência de distorções significativas na tributação decorrente na utilização do pro rata, e ao não prever a possibilidade de a AT impor a utilização de tal método com “condições especiais”, confirma-se que estas têm por finalidade facultar à AT a possibilidade de controlar cabalmente a ocorrência daquelas distorções, possibilidade que no caso daquele mesmo n.º 3 não é prevista para o caso de o sujeito passivo estar a utilizar o método do pro rata, por ser esse o regime regra previsto no n.º 1.
Não se poderá deste modo e em caso algum, julga-se, dar o salto da remissão daquele n.º 3 para o número 2 que o precede, para concluir que o legislador quis conferir, e conferiu, poderes à AT para impor condições especiais num método de apuramento de pro rata geral, ignorando que aquele mesmo n.º 2, prevê apenas a possibilidade de a AT impor “condições especiais” na utilização do método da imputação directa, e que o n.º 3 não prevê essa possibilidade, para o caso em que o sujeito passivo esteja a utilizar o método do pro rata, nos termos do n.º 1.
De resto, a própria AT parece ter consciência disso mesmo, ao referir no Ofício-Circulado n.º 30108, que aí está em causa o método da afectação real com “um coeficiente de imputação específico”, o que se explicará, justamente, por ter percebido que o n.º 3 do art.º 23.º não licencia a aplicação de outro método, que não o da afectação real.
Assim, e em suma, da leitura conjugada dos n.ºs 1 a 3 do CIVA aplicável, deverá concluir-se, no que para o caso importa, que:
i. O sujeito passivo, no caso dos inputs mistos, deverá utilizar, por regra, o método do pro rata;
ii. Opcionalmente, o sujeito passivo pode utilizar o método da afectação real;
iii. Neste caso, a AT poderá impor ao sujeito passivo “condições especiais”, no sentido acima explanado, não só independentemente, mas se não demonstrar que ocorrem, ou podem ocorrer, distorções significativas na tributação;
iv. Num e noutro caso, verificando e demonstrando que ocorrem, ou podem ocorrer, distorções significativas na tributação, com a utilização de um ou de outro método (pro rata ou afectação real) a AT poderá/deverá impor a utilização do outro método que não o utilizado pelo sujeito passivo, sendo que se a imposição for da utilização do método da afectação real, a AT poderá fazer acompanhar esta imposição de “condições especiais”;
v. Na utilização dos seus poderes, não poderá a AT impor a utilização de outros métodos que não os tipificados na lei, na forma em que a lei os tipificou. Daí que, sem prejuízo de melhor opinião, nos termos daquela norma, e é aí que nos situamos porque nenhuma das partes questiona que se está perante recursos enquadráveis na al. b) do n.º 1 do art.º 23.º do CIVA, a AT apenas poderá impôr o método da afectação real, e não o método do pro rata, nem, muito menos, este com “com um elemento de afectação real”.
Assim, considerando-se, nos termos fundamentados pela jurisprudência arbitral indicada, que:
- o artigo 23.º do Código do IVA não licencia a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, excluindo dessa mesma base a dedução das amortizações de capital;
- a tal conclusão não obsta a circunstância de o Direito Comunitário, tal como interpretado pelo TJUE, conferir aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método, dado que, face ao direito português, essa faculdade deve imperativamente ser exercida por via legislativa, não decorrendo deste entendimento, antes pelo contrário, a violação de qualquer norma da CRP, incluindo o artigo 8.º/4 desta, ou o princípio da igualdade;
- ainda que assim não se entendesse, sempre se concluiria que o método que a AT pretende aplicar não preenche os pressupostos necessários à sua admissibilidade, por dele decorrerem distorções significativas na tributação.
É certo que, no Acórdão de 09-10-2019, proferido no processo 0401/14.7BEPRT, em caso análogo, o STA decidiu que:
“I - Por Acórdão de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13 considerou o TJUE que os Estados-Membros em circunstâncias como as do referido processo, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.
II - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, por serem idênticos os pressupostos de facto e de direito, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.”.
E é certo que, nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, sob reserva de ratificação de tal entendimento por aquele Alto Tribunal, a presente decisão será susceptível de recurso para o mesmo, sendo ainda certo que o Requerente não alegou, nem consequentemente, provou, que “nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.”, pelo que não pode o presente Tribunal dar como provados, ou não provados tais factos.
Todavia, na medida em que se têm por bons todos os argumentos da jurisprudência arbitral em que assenta a presente decisão, e que, tanto quanto transparece da fundamentação do aresto referido, não se vislumbra que tais argumentos hajam sido ponderados na referida decisão do STA, se tem como conforme à melhor aplicação do Direito que aquele Alto Tribunal, pondere e delibere sobre tais argumentos, crê-se, ainda assim e por isso, ser dever deste Tribunal arbitral decidir no sentido exposto, deixando àquele mesmo Tribunal, caso a parte interessada assim o entenda, o encargo de definir, em termos definitivos, a questão decidenda.
Face ao exposto, deve o pedido arbitral proceder.
***
Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.
No caso, o erro que afecta as liquidações parcialmente anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, nos termos do artigo 43.º/2 da LGT, uma vez que o Requerente autoliquidou o imposto, conforme aquela reconhece expressamente, de acordo com instruções genéricas devidamente publicadas.
Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento, até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.
*
C. DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:
a) Anular parcialmente a autoliquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), respeitante ao período de Dezembro de 2016, com o número ..., entregue em 10-02-2017, no valor de € 786.698,24, bem como a decisão da Reclamação Graciosa que teve aquele acto como objecto;
b) Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;
c) Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante indicado infra.
D. Valor do processo
Fixa-se o valor do processo em € 786.698,24, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
E. Custas
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 11.322,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.
Notifique-se.
Lisboa, 27 de Fevereiro de 2020
O Árbitro Presidente
(José Pedro Carvalho)
O Árbitro Vogal
(Cristina Aragão Seia)
O Árbitro Vogal
(Sofia Ricardo Borges, vencida conforme declaração que segue)
Declaração de Voto
Votei vencida por não acompanhar seja o sentido da Decisão, seja a respectiva fundamentação. Com efeito, após aprofundada análise, e sempre com todo o devido respeito, não nos é dado acompanhar a interpretação dos dispositivos legais que subjaz à Decisão. Conforme síntese que segue.
Estamos no âmbito de uma matéria que é reconhecidamente das mais complexas de aplicação em IVA. A determinação da medida da dedutibilidade dos montantes de imposto suportado pelo sujeito passivo (“SP”) em inputs mistos (promíscuos) a montante destinados a ser utilizados na sua actividade tributável, quando nesta se incluam quer operações que conferem direito a dedução, quer operações que não conferem direito a dedução. Vejamos.
Rege com interesse a este respeito, desde logo, a Directiva IVA (“DIVA”) no Artigo 173.º, sendo aí tembém relevantes os Artigos 174.º e 175.º, e os Artigos 167.º, 168.º e 169.º, bem como o Artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo. Correspectivamente, a matéria era regulada na Sexta Directiva, Artigo 17.º, e v. também, 19.º e 20.º. Na Primeira Directiva v. o Artigo 2.º.
No nosso Direito interno dispõe o CIVA sobre a matéria no art.º 23.º e, ainda com interesse, nos art.ºs 19.º, 20.º, 21.º e 22.º. Por sua vez, em matéria de leasing financeiro (locação financeira), rege, com relevo para o caso, no mesmo Diploma, o art.º 16.º, n.º 2, al. h). E, não de somenos, quanto a nós, para o enquadramento da questão e boa decisão da causa, o regime jurídico da locação financeira cfr. configurado pelo nosso legislador (em especial o DL n.º 149/95, de 24 de Junho, que sucedeu, revogando-o, ao DL n.º 171/79, de 6 de Junho).
De entre estas, as normas que em especial nos ocupam para decidir nos autos são as vertidas nos n.º 2 e 3 do art.º 23.º do CIVA e, bem assim, nos seus n.ºs 1, al. b) e n.º 4. Sendo que a norma vertida no n.º 2, conforme inclusive expressamente reconhecido pelo TJUE no Acórdão Caso Banco Mais , corresponderá à transposição para o nosso Direito interno (“reproduz, em substância”) da al. c) do n.º 2 do Artigo 173.º da DIVA. E sendo ainda que, como também na mesma sede explicitado pelo TJUE, com base nessa disposição pode um EM prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial (é esta a expressão, a sublinhado nosso, utilizada pelo TJUE) da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços em causa, incumbindo aos EM estabelecer as regras que podem ser usadas em tal situação . Isto porque, como ali desenvolve o TJUE, a Directiva não estabeleceu quais sejam essas regras, pois que o Artigo 174.º, n.º 1 da mesma remete unicamente para o pro rata de dedução previsto no Artigo 173.º, n.º 1, primeiro parágrafo , “e, assim, apenas fixa uma regra de cálculo específica para o caso visado neste artigo 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo [da Sexta Directiva]”.
A este último correspondendo, refira-se, no nosso Direito interno, a al. b) do n.º 1 do art.º 23.º do CIVA (“b) Sem prejuízo (…), tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica (…), parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.”). E daqui também se concluindo, pois - e como também não poderia deixar de decorrer da simples interpretação conjugada dos mesmos dispositivos internos - que o n.º 4 do art.º 23.º do CIVA (“4. A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual (…) e, no denominador, o montante anual (…).”), ao estabelecer de determinada maneira uma fórmula de cálculo a reflectir numa fracção para apuramento da porção de IVA dedutível, o faz - fixa essa regra - especificamente para o caso visado naquela al. b) do n.º 1 do art.º 23.º. E tão só naquela.
E isto dito, avancemos. Para mais adiante aqui retornarmos.
O objectivo visado pelo legislador (comunitário e, depois, nacional) ao estabelecer metodologias para apuramento da porção dedutível do IVA suportado em inputs promíscuos (utilizados, portanto, pelo SP indistintamente/simultaneamente para os fins das suas operações que conferem direito a dedução e para os fins das que o não conferem) não foi outro senão o de, perante a dificuldade em si contida nessa realidade, procurar alcançar, por via do método aplicável, o apuramento de um valor dedutível que seja o mais aproximado possível da realidade. O mais aproximado possível da medida da utilização dos inputs promíscuos (do IVA nessa medida neles contido) nas actividades/operações que conferem direito a dedução. Ou seja, que o método conduza a um resultado (valor de IVA a deduzir) o mais aproximado possível daquela que tenha sido a real/efectiva utilização – ou, mais rigorosamente, o grau de utilização efectiva – desses inputs nas operações praticadas pelo SP que conferem direito à dedução. Sendo este o objectivo tido em vista pelo legislador, é com ele em mente que teremos que interpretar as respectivas normas.
E se dúvidas houvesse quanto a ter sido esse o objectivo, ficariam as mesmas dissipadas desde logo atentando nas regras nesta sede constantes dos Artigos 168.º e 169.º da DIVA e art.ºs 19.º e 20.º do CIVA. E assim, nesta matéria, o princípio será sempre o de que os inputs utilizados exclusivamente nas operações que conferem direito à dedução serão dedutíveis na sua totalidade e, por outro lado, os utilizados exclusivamente nas operações que não conferem direito à dedução serão, na sua totalidade, não dedutíveis. Só se colocando a questão do método de cálculo que nos ocupa quando se não recaia em qualquer dessas situações. Caso pois, sublinhe-se, o SP tenha incorrido em inputs exclusivamente destinados a ser utilizados nas operações que conferem direito a dedução assiste-lhe o direito de os deduzir por imputação directa – cfr. art.º 20.º do CIVA – ao IVA que tenha nessas operações, a jusante, liquidado. O facto de ser SP misto em nada afasta o princípio, que é aquele.
Recai-se, pois, no âmbito do artº 23.º do CIVA (como no Artigo 173.º da DIVA) tão só quando existam inputs incorridos a montante pelo SP que são por ele utilizados a jusante não só em operações que conferem direito a dedução, como também em operações que não conferem direito a dedução. A complexidade surge assim perante SP mistos, i.e. SP que praticam a par de operações sujeitas e não isentas, e eventualmente operações sujeitas e isentas com direito a dedução (isenções completas), operações sujeitas mas isentas sem direito a dedução (isenções incompletas). É precisamente o caso típico das Instituições Financeiras como a Requerente nos nossos autos, em que a actividade principal beneficia de uma isenção incompleta (cfr. art.º 9.º, 27) do CIVA) – portanto não lhes assistindo, nessa medida, direito a deduzir os inputs incorridos para os fins dessa actividade principal/dessas suas principais operações, enquanto que a actividade de leasing financeiro automóvel que também desenvolvam se encontra sujeita e não isenta – cfr. art.º 16.º, n.º 2, al. h) do CIVA. E é na delicadeza do eventual mix de utilização de inputs entre as duas referidas actividades que surge a necessidade de aplicar um método que permita de uma forma o mais aproximada possível da realidade aferir quais os inputs efectivamente utilizados, e em que medida/grau o foram (utilizados), numa/noutra dessas actividades. Perante a previsível (garantida) dificuldade, e para ultrapassá-la, entendeu o legislador estabelecer um método aproximativo: o método do pro rata. Ou, se se quiser, dois métodos, o do pro rata e o da afectação real. Como é comum distinguir-se. O método da afectação real porém, bem vistas as coisas, vindo previsto pelo legislador a propósito do apuramento de um pro rata. Senão vejamos.
Por referência ao CIVA (para não nos alongarmos demasiado). É após determinar - no n.º 1, al. b) do art. 23.º - que tratando-se de inputs mistos será necessário, para apurar a parcela de IVA (neles contida) dedutível, utilizar uma percentagem (“o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução”), que o legislador vem estabelecer - no n.º 2 - que “não obstante”, o SP pode efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos inputs mistos utilizados. E, também aí, no mesmo n.º 2, estabelecendo que nesse caso (i.e. tendo o SP optado por deduzir segundo essa afectação real o IVA contido em todos ou numa parte dos inputs mistos) a Direcção-Geral dos Impostos pode vir impor condições especiais, ou mesmo a cessação desse procedimento, por motivo de o mesmo (esse procedimento de dedução segundo a afectação real) provocar ou poder provocar distorções significativas na tributação. Após o que estabelece o legislador - no n.º 3 - que a AT pode obrigar o SP a proceder “de acordo com o disposto no número anterior”. Portanto, assim o lemos, obrigar ao SP proceda à dedução mediante a tal afectação real (cfr. n.º 2) de todos ou parte desses inputs. E com possibilidade de imposição de condições especiais (como consta do n.º 2, para o qual o n.º 3 remete). Isto quando verificada alguma das duas situações identificadas nas alíneas deste n.º 3, a saber, e ao que ao caso mais releva, “b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.”
Recapitule-se. A AT pode obrigar o SP a efectuar a dedução segundo a afectação real, de todos ou de parte dos inputs mistos, afectação real que terá por base critérios objectivos, e podendo nesse procedimento imposto ser impostas (pela AT) condições especiais (tudo cfr. n.ºs 2 e 3). Disse-o o legislador neste n.º 3.
E é só depois, no n.º 4, que o legislador vem estabelecer a fórmula da fracção destinada ao apuramento da percentagem de dedução “referida na alínea b) do n.º 1”.
Parece-nos claro, percorrida assim a legislação, que o método do pro rata geral, puro, padrão (como quer que o queiramos denominar) é o constante do n.º 1 al. b) conforme calculado pela regra fixada pelo legislador no n.º 4 (todos do art.º 23.º). Mas este não será, quanto a nós, um método utilizável exclusivamente naquela sua fórmula pura. Ele pode ser conjugado, quanto a nós, desde logo com elementos de afectação real. O que será senão uma aplicação do método pro rata com elementos de afectação real o procedimento de dedução do n.º 2 pela afectação real de apenas uma parte dos inputs mistos? Ou, se se preferir assim designar, será uma conjugação entre os dois métodos, aquilo de que se trata. Pois que na outra parte (de inputs, em que não se operou a afectação real) sempre se recorrerá ao pro rata. Da mesma forma, a imposição de condições especiais (cfr. parte final do n.º 2 – v. supra) em relação a um procedimento de afectação real sempre poderá implicar aproximações ao método da proporção (pro rata). O que bem se compreende, insista-se, se tivermos em mente o objectivo visado pelo legislador: a aproximação o mais possível à realidade.
Dito isto, refira-se ainda que o método do pro rata traduz, afinal, o apuramento do montante de IVA dedutível por recurso a uma proporção, que se presume/assume. Presume-se, com base em regras da experiência comum, que a proporção (o “peso”, o peso relativo), no conjunto das receitas globais do SP, das receitas geradas pelas actividades do SP que conferem direito à dedução, será directamente proporcional ao grau de utilização de inputs mistos que, do total dos inputs mistos incorridos pelo SP, se destinou à actividade que confere direito a dedução (montante anual das operações).
Pretendendo-se que só seja concedida a dedução que seja a proporcional ao montante de IVA incorrido em inputs mistos utilizados nas operações que conferem direito à dedução (e na medida do grau/intensidade dessa utilização), e que seja afastado (não seja deduzido) o IVA incorrido nos inputs mistos utilizados nas operações que não conferem direito à dedução. A fórmula de cálculo do pro rata geral, nos termos do n.º 4, resulta da fracção aí definida. Que se baseia, assim, no volume de negócios do SP.
Aqui chegados. E passando ao concreto.
O leasing financeiro é uma figura jurídica que comporta uma relação triangular. Com efeito, para a locadora contratar o contrato de locação financeira com o locatário é necessário, a montante, contratar com o fornecedor do veículo automóvel a compra do mesmo. E estamos aqui a pensar na situação que ocorre - como sucede nos autos - no caso das Instituições Financeiras (“IF”) locadoras (que não já nas eventuais situações de locadoras que sejam, elas próprias, produtoras/fornecedoras de veículos automóveis). A IF compra à empresa fornecedora do veículo esse veículo, para depois, ao abrigo de um contrato de locação financeira, o locar ao locatário. Ou seja, a IF – para os fins da sua actividade de locação financeira, e não de outra – adquire para si um bem, o veículo automóvel em causa. Para assim proceder incorre em custos (inputs) a montante para os fins de uma sua actividade que dá direito à dedução de IVA, a locação financeira, cfr. art.ºs 20.º e 16.º, n.º 2, al. h) do CIVA. Actividade da qual irá auferir, mais tarde, rendimentos. Aquando do recebimento das rendas por parte do locatário, na vigência do contrato de locação financeira que virá a celebrar com referência a esse veículo. Mas actividade que, naquele momento, a faz (à IF) incorrer em custos a montante: a IF adquire o veículo para o destinar à actividade de locação financeira. É-lhe liquidado IVA nessa compra – transmissão de bens (cfr. art.º 1.º, n.º 1, al. a)). IVA que suporta e relativamente ao qual lhe assiste o direito de o deduzir, na íntegra. Ou seja, na sua totalidade, por imputação, pois, directa ao IVA que no mesmo período tenha liquidado no âmbito das suas operações tributáveis. Cfr. art.ºs 19.º, n.º 1 al. a) e 20.º, n.º 1, al. a) do CIVA. O que fará em momento próximo, e não em meses e anos distanciados no futuro ao longo dos períodos em que irá receber rendas ao abrigo do contrato de locação financeira. Cfr. art.º 22.º do CIVA, cujo n.º 1 estabelece: “O direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível, de acordo com o estabelecido pelos artigos 7.º e 8.º, efectuando-se mediante subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um perído de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período.”. De todo o modo, não se chegando nunca a recair, para os fins desta dedução, no art.º 23.º do CIVA. Como nos parece claro.
Assim, e com vista à disponibilização dos veículos, esse que será um substancial input incorrido pelo SP na actividade de locação financeira é neutralizado pelo exercício do direito à dedução que aí assiste (assistiu, num momento anterior ao recebimento das respectivas rendas), como visto, ao SP. Quando se chega pois ao exercício do art.º 23.º não se está já a cuidar desse input. Que já foi (o IVA sobre ele incidente) utilizado para efeitos de dedução, por imputação directa (porque input não promíscuo).
Quanto, ainda, à figura jurídica da locação financeira. Cedo (comparativamente com o sucedido noutros países) lhe consagrou o nosso legislador um regime jurídico próprio (“RJ”), plasmado hoje no DL n.º 149/95, já referido. RJ que determina, traços gerais e apenas no que ao nosso caso mais releva, que no contrato de locação financeira o locador se obriga a ceder ao locatário o gozo de uma coisa (pensemos nos veículos automóveis) que adquire para si, embora por indicação do locatário, coisa essa que o locatário poderá vir a comprar decorrido que seja um determinado período, por um preço determinado ou determinável (valor residual). A figura que o nosso legislador denominou de locação financeira (“lf”) enquadra-se na figura que poderemos dizer mais vasta do leasing financeiro que, uma vez surgida na realidade da prática do mercado, não foi tratada pelos diferentes legisladores nacionais nem em simultâneo, nem exactamente da mesma maneira. Mas que, como quer que seja, traduz a resposta a necessidades de financiamento dos agentes económicos. Surge, afinal, como uma forma de crédito às empresas que necessitam de se equipar . A qualificação de financeiro, conferida ao leasing, é, aliás, reflexo disso: “serve para vincar o seu escopo, para frisar que, do ponto de vista da empresa locatária, a operação se resolve numa decisão financeira.” Para dizermos que, o locatário aquilo que visa - neste contexto - é precisamente o financiamento na aquisição do bem. Por, por razões que ora não cabe desenvolver, poder considerar ser-lhe mais vantajosa a possibilidade de adquirir o bem por esta via do que pela de, diferentemente, contrair um empréstimo em dinheiro e adquirir ele o bem, passando a ser ele o proprietário desde o início. Podemos pois dizer que, em substância, estamos perante uma operação de concessão de crédito, muito embora com particularidades que lhe são próprias. Estamos perante um método alternativo de financiamento do investimento. É essa a “causa-função” da lf, e que não pode ser perdida de vista para a respectiva compreensão, também em sede do que nos autos cabe decidir. Apreciado o nosso RJ da lf (que é aquele em que aqui nos cabe atentar, se bem que o enquadramento da figura num contexto mais vasto, quanto a nós, seja pertinente para a sua compreensão), é o nosso entendimento, fica patente a intervenção da locadora ser, afinal, equiparada à de um intermediário, e a função creditícia o que verdadeiramente justifica a sua intervenção.
Aqui chegados, vejamos em que outros inputs (para além do já visto acima) incorrerá o SP, IF, com vista à disponibilização dos veículos ao locatário. Estamos (colocamo-nos na perspectiva, já se disse, do nosso OJ, como não poderia deixar de ser) perante um contrato nominado misto ou, noutra maneira de ver, perante uma união ou coligação de contratos . Como quer que seja, ele implica um contrato de compra e venda que o precede e, desde logo, elementos próprios da locação, com todas as complexidades que daí poderão advir. Tendo o legislador permitido a aplicação supletiva, em certa medida, de normas próprias da locação (cfr. Código Civil), aquilo que ficou mais patente foi o afastamento, legislativamente querido e claramente adoptado, desse regime geral. Queremos referir-nos, em termos breves, a que no contrato de lf - cfr. DL n.º 149/95 – ao contrário do que seria a regra numa locação, os riscos, encargos, responsabilidades em geral relativas ao bem correm pelo lado do locatário, não obstante não ser ele o proprietário. Ou seja, o locador fica, na lf, liberto daquilo que são as obrigações regra do proprietário no regime geral da locação. Entre o mais, não corre por conta dele o risco do perecimento do bem, sendo a obrigação de segurar o bem do locatário; não corre por conta dele locador, mas sim por conta do locatário, a obrigação de realizar reparações, mesmo que necessárias ou urgentes; ao locatário é reconhecido o direito de fazer uso de acções possessórias, sendo a ele locatário que compete defender a integridade do bem e o respectivo gozo; o locador não responde pelos vícios do bem, nem pela sua inadequação aos fins do contrato; as despesas de transporte, seguro, montagem, instalação e reparação do bem, assim como as necessárias à sua eventual devolução ao locador ficam a cargo do locatário, salvo estipulação em contrário; como assim também o risco de perda e deterioração do bem. Tudo cfr. art.ºs 10.º, 12.º, 13.º, 14.º, 15.º do DL n.º 149/95. Sendo ainda elucidativo, quanto a nós, o art.º 22.º do mesmo Diploma, sob a epígrafe “Operações anteriores ao contrato”, ao determinar que se, antes de celebrado o contrato de lf, “qualquer interessado [tiver] procedido à encomenda de bens, com vista a contrato futuro, entende-se que actua por sua conta e risco, não podendo o locador ser, de algum modo, responsabilizado por prejuízos eventuais decorrentes da não conclusão do contrato, (…).” Tudo a configurar, parece-nos líquido, uma relação na qual o locador, não obstante se tornar proprietário, fica desresponsabilizado (afastado) de praticamente tudo (senão tudo) o que sejam as obrigações regra de um proprietário.
Posto isto, parece-nos evidente decorrência do próprio regime legal, os custos (inputs) em que o locador incorre para a disponibilização dos veículos aos locatários, como proprietário sui generis que os “aluga”, circunscrever-se-ão essencialmente ao da aquisição do veículo (supra tratado). Incorrendo, a par desses, como será de admitir, em custos de financiamento e gestão dos contratos.
Será pois neste último contexto - custos de financiamento e gestão dos contratos - que se detectarão com relevo, é a nossa maneira de ver, possíveis inputs promíscuos.
Avancemos, para depois também aqui retornarmos.
Em IVA o conceito de prestação de serviços é um conceito residual. O legislador recorre a esta técnica, entre o mais, para ajudar à resolução de problemas de aplicação do modelo do IVA nos EM, e não tanto com vista a uma adequação à realidade existente. Assim enquadrou o nosso legislador a lf em IVA. Já percorrida sumariamente a complexidade, e o modo de funcionamento, no nosso OJ, do contrato de lf, bom será de ver que, neste contrato, ou nas rendas a que ao abrigo do mesmo o locatário fica obrigado a pagar ao locador, estarão incluídas componentes também elas, à imagem dos contratos que em abstracto deram vida ao contrato de lf (compra e venda/locação), com origens distintas. Referimo-nos à componente amortização de capital versus componente juros e outros encargos. Com efeito, se por via deste contrato o locatário conseguiu o diferimento do pagamento do preço do bem, nem por isso deixou de ter que o vir a pagar. É o que faz mediante pagamento das rendas, na parte correspondente ao capital antecipado pelo locador (via aquisição do bem). Um montante, pois, calculado objectivamente. Sem qualquer interferência de uma vontade subjectiva de atribuição de um determinado valor. Não parece pois, nem será, uma contraprestação verdadeira e própria, desde logo em IVA.
Contraprestação em IVA implica a existência de prestações recíprocas em que a retribuição recebida pelo prestador representa o contravalor efectivo do serviço fornecido ao beneficiário (v. Acórdão do TJUE Caso Tolsma, Proc. C-16/93, de 03.03.1994), correspondendo a um valor subjectivo (transaccional), passível de ser expresso em dinheiro, e não a um valor calculado com base em critérios objectivos (v. Acórdão TJUE Caso Naturally Yours Cosmetics, Proc. C-230/87, de 23.11.1988). Ora, não há aqui, no reembolso do capital (correspondente ao montante adiantado pelo locador), assim nos parece, uma retribuição. Há a devolução de um montante em dívida, cujo pagamento foi diferido no tempo. Não se trata de um contravalor efectivo por um serviço prestado, não estamos – aqui, nesta parte da renda – perante um preço pago ao prestador.
Nos termos do Artigo 1.º, n.º 2, segundo parágrafo da DIVA (como assim já no Artigo 2.º, segundo parágrafo, da Primeira Directiva), a dedução a fazer do imposto suportado (a montante) contra o imposto liquidado (a jusante), no Sistema Comum do IVA tal como foi configurado, é a dedução do imposto “que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço”. Não configurando - a parte da renda correspondente à amortização de capital - um preço, não nos parece haver como deduzir IVA (não) incorrido em inputs ao IVA incidente sobre esse valor (essa parte da renda).
É naquela necessária relação directa e imediata entre custos (de bens e serviços utilizados) a montante e preço de operações a jusante que se há-de encontrar a chave para a concretização do direito à dedução e da respectiva medida. Aplicado aos inputs promíscuos diremos, com José Xavier de Basto e Maria Odete Oliveira, que eles “são portanto elementos do preço de ambos os tipos de operações” (operações que conferem e que não conferem direito à dedução). “Em qualquer caso, para determinar se sim ou não foi feito uso de uma particular aquisição numa determinada operação realizada a jusante, tem sempre de estabelecer-se se sim ou não existe uma relação directa e imediata entre esse custo e a operação a jusante. (…) De acordo com o critério da 2.ª directiva, existe essa relação directa e imediata sempre que o custo suportado for uma componente do preço duma operação ou conjunto de operações realizadas ou a realizar. (...)”
Ora, a amortização de capital não constitui um preço.
Por outro lado, como vimos já também, na aquisição do bem, num momento anterior, o locador suportou IVA. E, assim, procedeu, a seu tempo, à dedução do IVA que suportou nesse input não misto da sua actividade tributada. Com vista à disponibilização do veículo. Concluindo este ponto: inputs para serem dedutíteis terão que ser imputáveis a elementos do preço a jusante. Não há pagamento de um preço no reembolso de capital. Logo não há inputs a aí deduzir (a deduzir ao IVA liquidado pelo locador sobre a parte da renda correspondente ao reembolso do capital). Com vista à disponibilização do bem houve sim o pagamento de um preço, input incorrido pelo SP a montante, na compra do veículo, mas cujo IVA foi, entretanto, deduzido por imputação directa.
Em coerência com o que vimos de ver, também essa mesma realidade (valor da renda correspondente à amortização do capital) não constitui receita da IF, não integrando o respectivo volume de negócios. Como não poderia deixar de ser. E como se vê reflectido não só nas normas contabilísticas aplicáveis, como desde logo no “Regulamento das concentrações comunitárias” aplicável às IF. A componente da renda correspondente a amortização de capital não constitui proveito.
Mas vamos ainda supor, por hipótese académica e voltando um pouco atrás, que assim não fosse. Ou seja, que não fosse necessária (como é) a tal relação directa e imediata inputs – preço. Se se quisesse aferir sobre ter o SP, IF, incorrido ou não em outros custos com a disponibilização dos veículos, para além do input da compra. Teria a IF incorrido também em custos (inputs promíscuos) com a disponibilização dos veículos após a respectiva compra, portanto no decurso da vigência dos contratos que celebrou ao abrigo do RJ da locação financeira (cujos traços principais no que para o efeito releva vimos supra) e por força dos quais recebe rendas? Não cremos. Como vimos, a generalidade das obrigações, riscos, responsabilidades relacionadas com o bem correm pelo locatário. Não existem prestações positivas do locador ao locatário em relação directa com o bem.
Acresce que, como da observação da prática do mercado se retira, as IF que desenvolvem também a actividade de leasing financeiro dispõem habitualmente de Departamentos exclusivamente afectos a essa actividade. Admitindo que incorrem aí em inputs não mistos ficar-lhes-à assegurado o direito à respectiva dedução (do IVA sobre eles incidente) integral. E admitindo haver aí utilização de inputs promíscuos - pense-se, por ex., na electricidade comum num edifício que é mais amplo e onde desenvolve também a sua actividade principal, isenta cfr. art.º 9.º - sempre será uma utilização não tanto conexa com a disponibilização dos veículos aos clientes (que, como vimos, exige da parte da IF, e para além do da compra do bem, uma diminuta incursão em custos, pela própria natureza e estruturação do contrato de lf, cfr. supra) , mas sobretudo (senão exclusivamente) conexa com o financiamento e gestão da dívida/dos contratos.
Ora estes últimos inputs não deixam de ser considerados para efeitos do método de cálculo conforme preconizado pela AT no seu Ofício-Circulado – nele não se deixa de considerar, na fracção, seja no denominador, seja no numerador, o valor correspondente às receitas da parte da renda correspondente a juros e outros encargos. Por outro lado, a prática seguida pelas IF na vigência dos contratos de lf – aliás em conformidade com o RJ que os rege - é a de fazer repercutir nos clientes (locatários), cobrando-lhes, caso a caso, quaisquer outras despesas em que eventualmente venham a incorrer não incluídas previamente nessa parte da renda. Pense-se numa multa de trânsito, por ex.. Tudo a apontar, sempre, no mesmo sentido. Da praticamente inexistência de despesas, regra geral, da responsabilidade da IF, com a disponibilização do bem. Isto, não deixando de se reconhecer, como visto, as implicadas despesas de gestão dos contratos – as quais são remuneradas pela componente da renda juros e outros encargos.
A componente da renda correspondente a juros e outros encargos, sim, constitui contraprestação pelo serviço prestado. É um proveito do SP. Integra o respectivo volume de negócios, contribuindo para influenciar o resultado do exercício. Como também bem se compreende. Nesta “segunda parte” da renda se contém a remuneração do locador. O pagamento de um preço, pois. Tendo havido inputs mistos incorridos pelo SP para os fins desta prestação (financiamento/gestão de contratos), inputs que, assim, constituem elementos do respectivo preço (juros e outros encargos), quanto a eles sim, e na medida da respectiva utilização, haverá direito à dedução (à dedução do IVA que sobre eles incidiu). Sendo que é esta, afinal, a medida (medida da utilização, logo medida da dedução) que o método em discussão nos presentes autos visa apurar.
O art.º 16.º, n.º 2, al. h) do CIVA não contraria o que antecede. Com efeito, ali se trata precisamente das situações que não se enquadram na regra geral - constante do respectivo n.º 1. A saber, a regra de que o valor tributável é o valor da contraprestação. Conclui-se, pois, que a determinação do valor tributável nas rendas da lf não segue a regra. O valor tributável não corresponde, aqui, ao valor da contraprestação. Precisamente. Pelas razões que vimos. A contraprestação está contida não na totalidade, mas sim e apenas numa parte da renda (a correspondente a juros e outros encargos) .
Quanto, por fim, ao Ofício-Circulado, que a Requerente invoca estar ferido de ilegalidade e com base no qual procedeu ao cálculo do montante da dedução na sua autoliquidação em crise.
O legislador comunitário estebeleceu (DIVA) no n.º 2 da al. c) do Artigo 173.º - “Pro rata de dedução” - que “Os Estados-Membros podem (…) c) Autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e serviços;”. E o legislador nacional determinou (cfr. art.º 23.º, n.º 3 do CIVA) que quando a aplicação do processo referido no n.º 1 - ou seja, quando a aplicação do pro rata geral apurado com base na fórmula contida no n.º 4 (tudo como supra) – conduza a distorções significativas da tributação, a AT pode obrigar o SP a proceder de acordo com o n.º 2. Vimos, logo no início, o que se estabelece nestes n.ºs 2 e 3. Não vemos como não entender conferidos pelo legislador à AT, nos termos das respectivas disposições conjugadas, poderes para casuisticamente impor ao SP uma adaptação do método de apuramento do montante de IVA dos inputs mistos dedutível – desde que preenchida alguma das duas alíneas do n.º 3. Sendo que consideramos preenchida a al. b) do n.º 3. Como segue.
Vejamos, primeiro que tudo, se a imposição feita ao SP (de retirar da fracção do n.º 4 a parte da renda correspondente à amortização de capital) o poderia ter sido pela AT por via do Ofício- Circulado.
Que o legislador quis conferir, e conferiu, poderes à AT para impor condições especiais num método de apuramento de pro rata geral parece-nos líquido. Não só a letra da lei é clara (cfr. n.º 3 ao remeter para o n.º 2) como bem se compreende o sentido da norma. Se (cfr. n.º 2) a AT pode impor ao SP condições especiais quando este tenha optado pela dedução com base em critérios “objectivos”, e esses critérios podem ter que ser alterados por imposição de condições especiais por parte da AT - sempre com o objectivo, não o percamos de vista, de aproximar o mais possível da realidade o montante de IVA a deduzir, evitando distorções significativas da tributação - então por maioria de razão faz sentido que a AT também o possa fazer no âmbito do método do pro rata geral. Que será em princípio de apuramento menos “fino” do que aquele no qual se incluam, ademais, elementos de afectação real. Por isso mesmo, e em coerência, o legislador assim o veio permitir também no n.º 3. Desenvolveremos ainda adiante.
Que por Doutrina Administrativa assim podia ter sido feito no respeito do princípio da legalidade, vejamos. O legislador disse que a AT pode obrigar o SP a efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos inputs mistos e que pode impor condições especiais (cfr. n.ºs 3 e 2).
A AT veio fazê-lo por Ofício-Circulado. O Ofício-Circulado é Doutrina Administrativa e esta vincula a própria AT e visa “a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias.” (v. art.º 68.º-A, n.º 1 e n.º 3, da LGT). Trata-se de um poder/dever de colaboração que sobre a AT não poderia deixar de recair. A AT revela assim publicamente a interpretação que faz das normas tributárias. O que, perante a complexidade da legislação tributária é, não só razoável, como desejável, contribuindo para a uniformização de procedimentos e aplicação uniforme da lei. O que a AT deverá fazer obedecendo aos princípios da prossecução do interesse público, no respeito pelos direitos e interesses legítimos dos cidadãos e segundo as regras aplicáveis de interpretação da lei.
No nosso caso acrescendo que foi o legislador quem expressamente determinou que a AT pode vir impor condições especiais (cfr. n.sº 3 e 2 do art.º 23.º).
Ora, parece-nos até, o legislador nem sequer estaria a exigir que a AT o viesse fazer desde logo mediante Doutrina Administrativa. Parece-nos, pela formulação legal, à AT seria dado, porque o legislador assim o quis (permitiu), vir caso a caso impor condições especiais (quando verificada alguma das situações constantes das alíneas a) ou b), no caso do n.º 3). Como sucederia por hipótese em sede procedimento de Inspecção Tributária. O que, será transversalmente unânime, não traria as mesmas previsibilidade e segurança jurídica que a emissão de um Ofício-Circulado. Que traduz um tratamento já segundo um caso típico, que não segundo o caso individual.
É a complexidade das situações da vida real que assim impõe ao legislador proceder. Não será nunca possível ao legislador, na complexidade infindável das situações específicas de casos como os que se poderão conter em tudo o que seja apuramento de montantes de dedutibilidade de IVA em inputs mistos, prever normativamente a regulação e o tratamento de todas as questões potencialmente implicadas. Pense-se na complexidade que o próprio método já implica e, depois, na infinita possibilidade de sectores de actividade com todas as suas especificidades.
Pensando em situações como também esta, como sabemos, há que reconhecer que “A concretização administrativa tipificante é, pois, o resultado da busca da melhor solução para a aplicação da lei. Ela é o resultado da interpretação que, segundo os seus critérios, melhor satisfaz o fim da norma, de acordo com o interesse público específico, com critérios de racionalidade jurídica (princípio da igualdade, proporcionalidade e praticabilidade, por exemplo) e ponderando interesses concorrentes (…).”
Não estamos pois, por aqui, perante uma excepção nem uma violação ao princípio da legalidade.
Assim se referia Saldanha Sanches ao tema: “(…) é na norma jurídica em sentido material que podemos encontrar o fundamento para outros tipos de aplicação da lei pela Administração fiscal nas múltiplas relações que estabelece com o contribuinte. Isso não impede, assim, que a fonte directa para a produção de actos tributários por parte da Administração fiscal, o fundamento invocado para a sua decisão, seja, em inúmeros casos, não a lei em sentido formal, mas uma orientação administrativa (circular ou ofício), em que esta define, em termos gerais e com eficácia interna, o comportamento a adoptar perante casos concretos (…).” E, mais adiante, “As virtualidades das orientações administrativas são incontestáveis: (…). No entanto, estas orientações terão de ser sempre sujeitas a um juízo de legalidade. Esse juízo de legalidade, a realizar em relação a qualquer orientação, vai ter como objecto a sua maior ou menor capacidade para traduzir correctamente um princípio que tem como fonte constitutiva a norma jurídica, que concretizam num fenómeno de cascata. (…) cumpre aos tribunais a resolução do litígio e o juízo definitivo sobre a legalidade ou ilegalidade da orientação administrativa.”
E quanto à bondade do critério/método ali imposto. Vejamos se em substância a imposição feita pela AT passa ou não num juízo de legalidade.
No caso dos autos, o SP, IF, pratica, a par da sua actividade principal, isenta e que não confere direito a dedução, a actividade de leasing financeiro, que confere direito a dedução. Sendo que uma parte da renda dos contratos de lf, sujeita a IVA, não constitui um preço, nem integra o volume de negócios, não constituindo receita do SP. É aos nossos olhos claro que a aplicação do método pro rata geral ou puro conduz a distorções significativas da tributação.
Método que se baseia, como vimos, numa proporção por referência ao “peso relativo” - no total do volume de negócios do SP - daquele que seja o “peso” das operações que conferem direito a dedução.
Desde logo não integrando os montantes em causa o volume de negócios do SP - a serem considerados na fórmula do n.º 4 (na fracção aí estabelecida) inquinam o ponto de partida para o apuramento da medida da dedução. Ao que acresce que, não sendo esses montantes um preço, não existem inputs que tenham relação directa com os mesmos, como visto. E ao que ainda acresce, como também visto, que, mesmo que assim não se entendesse (como tem que se entender), sempre se teria que reconhecer que a utilização de inputs por parte do SP com vista à disponibilização dos veículos (que não o input compra do veículo, que nem é misto), nunca serão significativos.
Por tudo o acima percorrido, e não perdendo também de vista que a Requerente desenvolve como actividade principal uma actividade financeira que não confere direito à dedução, parece-nos, o uso do método do pro rata puro não é o que permite apurar com maior aproximação à realidade a intensidade do uso dos inputs mistos na actividade de locação financeira. Muito pelo contrário, conduz a distorções.
Pela simples razão de ser um método que tem por base o apuramento de uma proporção entre o peso das receitas originadas pela actividade de leasing financeiro no global das receitas do SP, e a partir dessa proporção considerar que essa mesma proporção é a que será de considerar (presumir) - no bolo dos inputs mistos utilizados pelo SP no global da sua actividade - ter sido a proporção que deles foi utilizada para os fins da actividade de leasing financeiro.
Conjugada a compreensão deste funcionamento do método pro rata puro ou geral com as razões que vimos de ver, fica claro, assim entendemos, o que vínhamos de concluir.
O objectivo visado pelo legislador, de uma maior aproximação possível à realidade, é melhor prosseguido, não nos restam dúvidas, desde logo se se retirar da fracção (do denominador e do nominador) o montante das rendas correspondente à amortização de capital.
Mais, no Ofício da AT começa por referir-se que o SP deverá, podendo, proceder segundo a afectação real. Só não o conseguindo, então, devendo aplicar o método como exposto na parte final do Ofício (no n.º 9). Não ficou pois sequer afastada a possibilidade, e bem, de o SP por hipótese - conseguindo - proceder à afectação com base em critérios que – quiçá – a existência de separação de Departamentos para o efeito do leasing financeiro lhe propiciariam em certa medida.
Como quer que seja, a nosso ver e como no início começámos por tratar, daquilo de que sempre se cuida – no art.º 23.º do CIVA, como no Artigo 173.º da DIVA - é de um método aproximativo, um método que se baseia numa presumida proporção, sempre com o objectivo da maior aproximação possível à realidade no apuramento da medida dos inputs que foram efectivamente utilizados para os fins das receitas em actividade tributada e com direito a dedução.
A AT veio, e bem, ao abrigo do n.º 3 do art.º 23.º, por Ofício-Circulado, estabelecer, para um determinado sector de actividade, específico o suficiente para tanto o justificar, o procedimento que entende dever ser adoptado pelos SP - em aplicação do art.º 23.º do CIVA - no apuramento do IVA dedutível nos inputs mistos. Pois que a aplicação do método do pro rata puro ou geral conduz, no caso, assim o entendemos, a um direito a dedução num montante superior àquele que corresponde ao uso efectivo de inputs na actividade que confere direito a dedução – isto enquanto estes SP continuarem a beneficiar de uma isenção incompleta na sua actividade financeira principal, e, em simultâneo, desenvolverem a actividade de leasing financeiro.
E andou bem também a Requerida quando no final do Ofício refere que “Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do n.º 4 do art.º 23.º do CIVA.”
Conforme já desenvolvido supra, o método resultante da fracção do n.º 4 do CIVA é o do pro rata puro ou geral que, como vimos, se aplica apenas para o caso do disposto na al. b) do n.º 1 do art.º 23.º. Nos demais casos, ou seja quando se apliquem o n.º 2 ou o n.º 3 (ou ambos em conjugação) não se segue o método pro rata puro ou geral.
Mas mais. E na linha do que também antes deixámos exposto. Não se deixará de estar, sempre, no âmbito do apuramento de uma percentagem, mesmo nos casos de recurso também a elementos de afectação real.
Aquilo que é referido no Ofício como “coeficiente de imputação específico” seria, à partida, aos nossos olhos, um elemento de afectação real no método pro rata. Que assim deixaria de ser um pro rata puro ou geral. O que nos parece perfeitamente possível nos moldes em que o legislador estabeleceu o apuramento do IVA dedutível em inputs mistos. A escolha entre denominar esse outro método (método adaptado, com elementos de afectação real e/ou com condições especiais) de forma diferente, como seja de método da afectação real, ou denominá-lo de pro rata não nos parece determinante. Determinante é, quanto a nós, que ele seja um pro rata puro ou geral, ou não. Sendo pro rata puro ou geral estaremos a aplicar a fracção do n.º 4, como prevista pelo legislador. Não sendo este o caso, quaisquer adaptações - ao abrigo do mesmo art.º 23.º CIVA/Artigo 173.º DIVA - conduzirão a um método de apuramento que já não é o do pro rata puro ou geral. O que é certo é que o que o legislador previu foi um método por aproximação, sempre. É o nosso entendimento. Repare-se como mesmo quando se refere a afectação real no n.º 2 e os critérios a considerar, se determina logo que a AT pode vir impor aí mesmo condições especiais, ou até pôr fim a esse procedimento. O que só fará pelas razões que já conhecemos (evitar distorções da tributação, maior aproximação à realidade). Note-se também como não deixou o mesmo legislador, o nosso, no n.º 6 do art.º 23.º, de contemplar os cálculos feitos com base nessa afectação real, tal como os outros, num necessário procedimento de correcção anual.
Para dizer que não é por o legislador ter utilizado a expressão “afectação real” no n.º 2 do art.º 23.º que o procedimento aí previsto será um método que existe de forma autónoma do método pro rata. Eles existirão em conjugação. A menos, admita-se, em situações nas quais todos os inputs mistos sejam sujeitos a um método de afectação real. O que não será as mais das vezes, atrevemo-nos a dizer, viável/insusceptível de questionamento. De todo o modo, bastará, quanto a nós, que, como previsto pelo legislador, o SP proceda pela afectação real quanto apenas a uma parte dos inputs mistos para que, no seu conjunto, o cálculo seja feito numa proporção.
Em conclusão, não é quanto a nós razão para afastar a legalidade do método imposto pela AT no Ofício o facto de ali se ter feito referência ao mesmo como “método de afectação real” no qual “deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico”. Não procedendo, quanto a nós, os argumentos da Requerente, seguidos também na presente Decisão, de que o legislador só previu a possibilidade de um de dois métodos distintos – ou o pro rata do n.º 4 ou a afectação real. Não podemos concordar. Por tudo o já exposto. E diríamos que não estamos sós. Antes de mais, o TJUE sempre tem entendido que o Artigo aqui em causa (17.º na Sexta Directiva, agora 173.º na DIVA) deve ser interpretado como um todo. Mas mais. V. como se escreveu em Relatório de todo o interesse sobre o tema : “No que respeita à utilização do método da afectação real previsto no n.º 2 do artigo 23.º do CIVA para os bens e serviços de uso misto, cabe salientar que a mesma poderá ser também expressa por uma proporção, já não baseada nos volumes de negócios gerados a jusante, mas que represente o grau de utilização dos bens e serviços nas operações que possibilitam a dedução do IVA e nas outras que não a possibilitam, a partir de outros critérios que visem determinar o seu nível de utilização numa circunstância e noutra.”. E Clotilde Celorico Palma, assim: “(…) Caso o sujeito passivo que opte pela aplicação do método da afectação real tenha várias despesas comuns afectas a diversas actividades, o imposto suportado relativamente a estas despesas deve ser deduzido de acordo com a aplicação de uma percentagem calculada em função do respectivo destino. (233) Ou seja, é possível a coexistência da aplicação do método da afectação real com o método do pro rata.”
Atente-se, aliás, na epígrafe do Artigo 173.º da DIVA: “Pro rata de dedução”. E note-se também que - cfr. al. b) do n.º 2 do mesmo Artigo 173.º – aí se refere uma “dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e serviços”, não se utilizando a expressão “afectação real”. E, em sintonia, refere o TJUE no Acórdão Banco Mais que “pode um EM prever um regime de dedução que tenha em conta a afectação especial” (é esta a expressão utilizada), como vimos logo no início.
E não andará senão próximo deste nosso entendimento, parece-nos, o exposto pelo TJUE, entre outros, no Acórdão Caso BLC Baumarkt, Proc. C-511/10, de 08.11.2012 - “A Sexta Diretiva não se opõe, portanto, a que, no exercício desse poder, os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério de repartição diferente do método do volume de negócios, nomeadamente o método baseado na área em causa no processo principal, desde que o método seguido garanta uma determinação do pro rata de dedução do IVA pago a montante mais precisa do que a resultante da aplicação do método do volume de negócios.” (sublinhados e negritos nossos)
Independentemente do nome que queiramos dar ao método quando se utilizem elementos de afectação real, seja ele método de afectação real, seja ele método de pro rata com elementos de afectação real, como nos parece mais correcto, o certo é que a Requerida tinha poderes para impor, como impôs, o que denominou de “coeficiente de imputação específico”. Por tudo o que vimos.
Afinal, e bem vistas as coisas, parece-nos até, aquilo que assim está a ser imposto (para o caso de não ser seguido o denominado critério de afectação real) ao SP traduz, afinal, a aplicação daquela que será a fracção do n.º 4 do art.º 23.º devidamente adaptada à específica situação das IF que também exercem actividade de locação financeira. Fracção que só assim (retirando-se-lhe a parte da renda amortização de capital, do denominador e do numerador) se baseará no (real) volume de negócios no caso. Pelo que supra ficou exposto. Assim se devolvendo, se quisermos, ao método a virtualidade de reflectir “objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem diretio à dedução.” - cfr. Acórdão Banco Mais, ponto 31.
Concluindo mais uma vez, não será pelo nome que se lhe tenha dado no Ofício, ou que se lhe queira dar, que o método tal como foi imposto pela Requerida deixa de ser uma concretização da lei em vigor, por via de Doutrina Administrativa, dentro dos poderes de que a Requerida dispunha para o efeito, e que – a nosso ver – exerceu em conformidade com o princípio da legalidade, seja de uma perspectiva formal, seja material.
Parece-nos também claro de tudo o que antecede que é pela aplicação da solução que seguimos que ficam acautelados os princípios fundamentais da estrutura de funcionamento do imposto, abstendo-nos aqui de maiores desenvolvimentos a este respeito.
A solução que seguimos é também a que é conforme ao entendimento expresso pelo TJUE no Acórdão Caso Banco Mais, que não poderemos deixar de convocar para os presentes autos. Sendo que, pelo contrário, não consideramos para aqui convocável a Jurisprudência do Tribunal no Acórdão Caso Volkswagen Financial Services (UK), Proc. C-153/17, de 18.10.2018. A não ser para fazer um paralelo de raciocínio que resulta até em favor do entendimento que vimos expondo. Com efeito, na origem do reenvio prejudicial neste último caso está uma situação em tudo distinta da presente: o locador era empresa pertencente a grupo automóvel, portanto produtores/fornecedores, no Grupo, dos veículos; o contrato em causa é um contrato consagrado pelo legislador do Reino Unido que não tem correspondência com o nosso contrato de locação financeira, trata-se ali de contrato “hire-purchase” (locação-venda será a figura mais próxima nos OJ continentais), com especificidades próprias e distintas das do nosso contrato de locação financeira; o regime de IVA aplicável no caso é distinto do nosso: a parte das rendas correspondente à amortização de capital está sujeita (conferindo direito a dedução) enquanto que a dos juros e demais encargos está isenta (sem direito a dedução). E o que o SP ali vem peticionar (mesmo numa situação como aquela, em que não é uma IF mas sim uma empresa de um Grupo Automóvel, onde seria eventualmente maior a probabilidade de ocorrerem despesas de fornecimento/disponibilização do veículo) é que lhe seja permitido deduzir os inputs em que incorreu, o que não lhe era permitido fazer à partida porque, no RU, no tipo de contrato em causa, a parte da renda correspondente aos juros e encargos está isenta, não dá direito a dedução, e é com relação a essa que incorreu em inputs (e não em relação à outra, correspondente à amortização de capital). Como incorreu em inputs em conexão com os juros e encargos e, nesta parte, não lhe é reconhecido direito a dedução, vem pedir que os inputs nos juros e encargos sejam ainda assim considerados para dedução. O que daqui poderemos retirar com interesse para o nosso caso, desde logo, e para além do mais, é pois a constatação de que não há – mesmo ali – inputs incorridos pelo SP para os fins da disponibilização dos veículos.
Refira-se ainda que, em coerência com tudo o que fica exposto, não nos é dado acompanhar a Jurisprudência Arbitral que se vem formando na matéria, e que na posição que fez vencimento na presente Decisão é também seguida.
E diga-se ainda que no mesmo sentido decisório que consideramos ser o correcto vem o STA já decidindo - cfr., entre outros, Ac. de 9 de Outubro de 2019, proc.º n.º 0401/14, Ac. de 4 de Março de 2015, proc.º n.º 1017/12, e Ac. de 29 de Outubro de 2014, proc.º n.º 01075/13.
Como órgão jurisdicional, teríamos por fim conhecido, com a fundamentação também supra, do que o TJUE na sua resposta ao reenvio prejudicial no Caso Banco Mais manda ao órgão de reenvio conhecer. Considerando, desde logo, que por força do próprio RJ da locação financeira, tal como entre nós consagrado, os inputs mistos utilizados pelo SP com a disponibilização dos veículos, a existirem, não são significativos, sendo a utilização de inputs mistos sobretudo determinada pelo financiamento e gestão dos contratos. Por tudo o que vimos.
Sendo também certo que a Requerente não se propôs fazer prova de que assim não se tivesse passado no caso, nem sequer tal tendo alegado. O que inclusivamente poderia também ter feito em sede de direito de audição no procedimento de Reclamação Graciosa, de cujo projecto de decisão consta a questão, levantada pela Requerida, sendo que também aí a Requerente o não fez.
Cabendo-lhe o ónus da prova de que utilizou inputs mistos na lf que não sobretudo determinados pelo financiamento e pela gestão dos contratos, provada que ficou – quanto a nós – a legalidade da actuação da AT ao manter, como manteve, o acto tributário de autoliquidação em crise. Cfr. art.ºs 74.º, n.º 1 da LGT e 342.º, n.º 1 do CC.
E não deixaremos de notar, a concluir finalmente, que não deixaria de ser interessante a Requerente se ter proposto provar que - no total do seu volume de negócios - a sua actividade de locação financeira representa cerca de 25% do mesmo, e não cerca de 12%. Ou melhor, que está mais aproximada da realidade aquela percentagem do que esta última. Que é, aos nossos olhos, daquilo de que afinal também aqui se trata.
Pelas principais razões que antecedem, teríamos decidido pelo total indeferimento do PPA.
PS_Para uma delimitação dos conceitos de receita/volume de negócios não haveria aqui lugar. De todo o modo, se dúvidas houvesse quanto à utilização que fizémos da grandeza receita ao expôr o funcionamento da fracção do pro rata geral, v., entre outros, J.L. Saldanha Sanches e João Taborda da Gama, “Pró rata revisitado: Actividade econónica, actividade acessória e dedução do IVA na jurisprudência do TJUE”, in CTF, n.º 417, 2006, pp. 101-130.
Aos 27 de Fevereiro de 2020,
Sofia Ricardo Borges