DECISÃO ARBITRAL
Os árbitros Dra. Alexandra Coelho Martins (árbitro presidente), Prof. Doutor Eduardo Paz Ferreira, Dra. Susana Cristina Constantino de Carvalho Furtado, designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (“CAAD”) para formarem o Tribunal Arbitral, acordam no seguinte:
I. RELATÓRIO
A..., LDA., doravante “Requerente”, pessoa coletiva sob o número único ..., com sede na Av. ..., n.º..., ..., ...-... ..., veio requerer a constituição de Tribunal Arbitral Coletivo, ao abrigo do artigo 10.º, n.ºs 1 e 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (“RJAT”), aprovado pelo Decreto-lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com as alterações subsequentes, e dos artigos 1.º e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, com vista à declaração de ilegalidade e anulação das liquidações de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (“IRC”) e de juros compensatórios, relativas aos exercícios de 2014 e 2015, no valor global de € 537.724,34 (€ 257.735,39 referentes a 2014 e € 279.988,95 relativos a 2015).
É demandada a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante referida por “AT” ou “Requerida”.
Em 23 de maio de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Exmo. Senhor Presidente do CAAD e seguiu a sua normal tramitação, nomeadamente com a notificação da AT, em 30 de maio de 2019.
Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, alínea a), todos do RJAT, o Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os árbitros do Tribunal Arbitral Coletivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável. As Partes, notificadas dessa designação em 16 de julho de 2019, não manifestaram vontade de a recusar, nos termos dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo ficou constituído em 5 de agosto de 2019.
POSIÇÃO DA REQUERENTE
A Requerente advoga ter logrado cumprir o ónus da prova relativo ao preço efetivo de venda, apresentando para o efeito elementos documentais e as necessárias autorizações de acesso às suas contas bancárias e dos seus gerentes, no âmbito do “Procedimento Tendente à Demonstração do Preço Efetivo na Transmissão de Imóveis”, promovido ao abrigo do disposto no artigo 139.º do Código do IRC.
Segundo a Requerente, a AT não se pronunciou sobre a efetividade do preço, assentando a sua decisão unicamente na falta de justificação “de que o preço efetivamente praticado foi o resultante das condições, anormais, especiais ou excecionais de mercado”. Diz que, ao contrário do que subjaz ao entendimento da AT, o que está em causa no procedimento de prova do preço efetivo na transmissão de imóveis é a demonstração de que foi esse o preço realmente praticado, o que a Requerente considera ter alcançado, e não de que aquele preço corresponde ao valor de mercado. Trata-se de ilidir uma presunção de rendimento sem pôr em crise a liberdade de decisão económica, arguição no âmbito da qual invoca jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, do Tribunal Central Administrativo Sul (“TCAS”) e arbitral do CAAD.
Por outro lado, acrescenta a Requerente que existem diversas circunstâncias que podem justificar preços de venda inferiores ao valor patrimonial tributário (“VPT”) dos prédios, para além de condições anormais de mercado, como a venda com ónus ou encargos, que se verificou no caso concreto, dado que impendiam sobre os imóveis alienados várias penhoras, uma hipoteca voluntária e um ónus de fracionamento.
A Requerente rejeita ainda a existência de relações especiais entre si e os adquirentes dos imóveis, afirmação que reputa desprovida de fundamento, por não se constatar nenhuma das situações descritas no artigo 63.º, n.º 4 do Código do IRC, invocando que é alheia à origem dos meios financeiros envolvidos no pagamento do preço.
Considera, deste modo, que o contributo das operações de alienação dos dois prédios urbanos infra identificados (metade alienada em 2014 e a outra metade em 2015) para a determinação do seu lucro tributável deve ser aferido por referência ao preço de venda declarado e efetivamente praticado e não ao valor patrimonial tributário (“VPT”), superior àquele, tendo-se por afastada a aplicação do artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC, sob pena de violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição.
Conclui que os atos tributários aqui impugnados, fundados no n.º 1 e no n.º 3, alínea a) do citado artigo 64.º do Código do IRC, padecem de vício de violação de lei por erro nos pressupostos de facto e de direito, neste último caso por violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição, pugnando pela sua anulação. A Requerente juntou documentos e requereu a inquirição de 3 testemunhas.
POSIÇÃO DA REQUERIDA
Em 14 de outubro de 2019, após prorrogação de prazo deferida por despacho de 26 de setembro de 2019, a Requerida apresentou Resposta na qual se defende por impugnação, tendo junto o processo administrativo (“PA”).
Sustenta decorrer do artigo 64.º, n.º 1 do Código do IRC a exigência de os sujeitos passivos deverem “adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável […] valores normais de mercado” e assinala que a norma em apreço tem como ratio legis o combate à elisão e evasão fiscais. Daí que a possibilidade de prova de que o preço praticado foi inferior ao VPT definitivo do imóvel não desonere os sujeitos passivos da prova do preço normal de mercado. Argumenta a este propósito que o artigo 139.º do Código do IRC se reporta ao seu artigo 64.º n.º 2, respeitante às transmissões onerosas previstas no n.º 1 do mesmo preceito, ou seja, às transmissões que devem ser realizadas a “valores normais de mercado”, o que entende resultar, de igual modo, da jurisprudência convocada pela Requerente.
Segundo a Requerida que foi o próprio contabilista certificado da Requerente a afirmar que as razões que subjazem a estas operações não são de natureza económica, mas outras, nomeadamente obstar a que os imóveis servissem de garantia ou fossem penhorados à ordem de um processo judicial que estava pendente, caso viesse a ocorrer uma desfecho desfavorável, e, bem assim, minimizar o Imposto do Selo da verba 28.1 da Tabela Geral [hoje com correspondência no AIMI], uma vez que o VPT atribuído a cada lote era superior a 1 milhão de euros, ou seja, razões de planeamento fiscal.
Entende decorrerem dos factos relações especiais por demais evidentes entre as adquirentes e a alienante [a Requerente], sendo a enumeração das situações previstas no artigo 63.º, n.º 4 do Código do IRC efetuada a título meramente exemplificativo, como ilustra o emprego da palavra “designadamente”. Aponta como elemento de ligação D..., contabilista certificado da Requerente e administrador/gerente das duas sociedades adquirentes dos imóveis, B..., S.A. e C..., LDA.. D... é presidente do conselho de administração da B..., S.A., na qual é contabilista certificada a sua esposa, que acumula com o exercício de vogal no conselho de administração. É ainda gerente da C..., LDA. cujo capital social é detido em 75% pela B..., S.A., sendo os restantes 25% detidos por outra sociedade –E..., LDA. – da qual também é contabilista certificado e cujo gerente é o mesmo da Requerente e o seu filho (G... e H..., respetivamente), circunstâncias que enquadra na alínea d) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, evidenciando uma dependência das adquirentes dos imóveis face à Requerente.
Constata, ainda, terem-se verificado transferências bancárias dos sócios-gerentes da Requerente a favor das sociedades adquirentes dos bens, tendo aqueles disponibilizado a totalidade dos meios financeiros utilizados para a aquisição.
Na sua perspetiva, a exigência de demonstração da prática de valores normais de mercado não representa uma intromissão na liberdade de gestão dos agentes económicos, configurando um requisito expresso pelo artigo 64.º, n.º 1 do Código do IRC, sendo a atuação da AT modelada pelo princípio da legalidade na proteção do interesse público ou bem comum e pelo exercício de poderes vinculados.
A Requerida entende que não deve ser reconhecido à Requerente o direito a juros indemnizatórios, o que, não tendo a Requerente deduzido tal pedido, se entende dever-se a lapso.
Por fim, pronuncia-se no sentido da inutilidade da inquirição das testemunhas e conclui pela improcedência e absolvição do pedido de pronúncia arbitral, por não provado, com as legais consequências.
Por despacho de 25 de outubro de 2019, o Tribunal Arbitral determinou a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, com inquirição das testemunhas indicadas pela Requerente.
Em 21 de novembro de 2019, realizou-se no CAAD a mencionada reunião, tendo sido inquiridas pelo Tribunal Arbitral as três testemunhas arroladas pela Requerente, I... e J..., na qualidade de acionistas da sociedade adquirente B..., S.A., e G..., sócio da Requerente e gerente desta à data dos factos. Foi ainda aceite a junção de um documento (extrato de conta da B..., S.A.) para melhor apuramento da verdade material.
As Partes foram notificadas para apresentarem alegações escritas sucessivas e fixado o prazo para prolação da decisão arbitral. O Tribunal Arbitral advertiu a Requerente de que até à data da prolação da decisão arbitral deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do artigo 4.º, n.º 4 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”) e comunicar o pagamento ao CAAD.
Em 11 de dezembro de 2019, a Requerente apresentou as suas alegações finais, nas quais mantém a sua posição, considerando-a sufragada pela prova documental e testemunhal produzida.
Em 21 de janeiro de 2020, a Requerida contra-alegou, reiterando os fundamentos e conclusões constantes da resposta que considera em consonância com a prova produzida.
Por despacho de 23 de janeiro de 2020, foi prorrogado por dois meses o prazo de prolação da Decisão Arbitral, atenta a complexidade das questões suscitadas.
II. SANEAMENTO
O Tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria para conhecer dos atos liquidação de IRC e inerentes juros compensatórios, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º, n.º 3, alínea a), 6.º, n.º 2, alínea a) e 11.º, n.º 1, todos do RJAT.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo de 90 dias previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do RJAT.
A cumulação de pedidos é admissível, nos termos do disposto no artigo 3.º, n.º 1 do RJAT, atendendo a que os atos tributários, apesar de se reportarem a diferentes períodos (exercícios), respeitam a IRC e derivam de idênticas circunstâncias de facto e estão sujeitos aos mesmos princípios e regras de direito.
Não foram identificadas questões que obstem ao conhecimento do mérito.
III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
1. MATÉRIA DE FACTO PROVADA
Com relevo para a decisão, importa atender aos seguintes factos que se julgam provados:
A. A A..., LDA., aqui Requerente, tem desenvolvido a sua atividade sob o CAE 068100 – Compra e venda de bens imobiliários – cf. Informação da Ação de Inspeção constante do PA1.
B. À data dos factos, em concreto nos exercícios de 2014 e 2015, a Requerente tinha como contabilista certificado, D... (adiante D...) – cf. Informação da Ação de Inspeção constante do PA1.
C. A Requerente era titular de dois terrenos destinados a construção, classificados como prédios urbanos, contabilisticamente relevados como existências, de seguida identificados:
i) Terreno para construção com a área de 1925m2 sito em ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... daquela freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da união de freguesias de ... e ... (anterior ... da freguesia de ...), adiante referido por “Terreno ...”;
ii) Terreno para construção com a área de 1925m2 sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ... daquela freguesia, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ... da união de freguesias de ... e ... (anterior ... da freguesia de ...), adiante referido por “Terreno ...”;
– cf. certidões do registo predial juntas pelo Requerente, informação constante do PA1 a PA4, incluindo as respetivas cadernetas prediais, e depoimento da terceira testemunha.
D. Os Terrenos em causa encontram-se localizados a cerca de 30 metros de um dos canais principais da Ria de ..., numa zona de subsolo lodoso, muito próximo do Hotel ... . Não estão servidos por infraestruturas de eletricidade, gás natural ou passeios. Em caso de edificação, os gastos com estas infraestruturas ficam a cargo do construtor – cf. depoimento das três testemunhas e elementos constantes de PA1 a PA4.
E. O Plano Diretor Municipal (PDM) determina a construção de um número mínimo de lugares de estacionamento o que é possível com a construção de pisos em cave ou sacrificando um piso acima do solo, sendo que a edificação neste tipo de subsolo implica a aplicação de estacaria densa e profunda para estabilização do imóvel e gastos de impermeabilização, com acréscimo nos correspondentes custos de construção – cf. elementos constantes de PA1 a PA4 corroborados pelo depoimento das três testemunhas.
F. A Requerente, representada pelo seu sócio e gerente à data, G... (adiante referido por G...), alienou, por escritura pública celebrada em 19 de dezembro de 2014, o direito a metade dos prédios urbanos acima identificados como Terreno ... e Terreno ... à sociedade B..., S.A., representada por D..., na qualidade de presidente do Conselho de Administração desta última sociedade, pelo preço de € 187.500,00 cada, perfazendo o total de € 375.000,00. A transmissão foi realizada com cláusula de reserva de propriedade – cf. cópia da escritura constante do PA1.
G. À data da alienação da (primeira) metade dos referidos terrenos para construção [19 de dezembro de 2014] o VPT de cada um dos imóveis cifrava-se em € 1.870.420,00, correspondendo metade ao valor de € 935.210,00 – cf. informação constante do PA1 a PA4 e menção na escritura.
H. Os imóveis em causa estavam onerados nos seguintes moldes, de que os outorgantes declararam ter tido conhecimento quando da celebração da escritura de compra e venda, em 19 de dezembro de 2014:
i) Terreno ...– Hipoteca voluntária a favor do K... (AP. 137 de 2010/04/14 - capital: € 100.000,00; montante máximo assegurado: € 136.694,00) e registo provisório de Penhora. Encontra-se também registado um ónus real de não fracionamento;
ii) Terreno ... – Penhora (AP. ... de 2009/01/20, quantia exequenda € 47.837,67); Penhora (AP. ... de 2010/03/30, quantia exequenda € 159.452,44); Penhora (AP. ... de 2010/04/20, quantia exequenda € 40.207,74); Penhora (AP. ... de 2010/07/28, quantia exequenda € 15.096,52); Penhora (AP. ... de 2011/08/25, quantia exequenda € 127.211,23) e Penhora (AP. ... de 2014/09/16, quantia exequenda € 75.346,10), todas promovidas pela AT, perfazendo o montante total de € 465.151,70,
– cf. certidões do registo predial juntas pelo Requerente e informação constante do PA1 a PA4.
I. Em 29 de janeiro de 2015, a Requerente requereu no Serviço de Finanças de ..., a instauração de procedimento tendente à demonstração do preço efetivo na transmissão de imóveis ocorrida em 19 de dezembro de 2014, nos termos do disposto no artigo 139.º, n.ºs 1 e 3 do Código do IRC, relativamente à alienação de metade do Terreno ... e de metade do Terreno ..., para o que juntou os seguintes elementos documentais:
Cópia das escrituras de compra e venda;
Cópia das transferências bancárias realizadas para pagamento do preço de venda;
Declaração de quitação, uma vez que a escritura foi feita com reserva de propriedade até integral pagamento do preço;
Declarações de autorização de acesso às contas bancárias da Requerente e às contas particulares dos seus gerentes, subscritas por todos os titulares, com referência ao ano em que ocorreu a transmissão e o ano anterior (2013 e 2014)
– cf. requerimento junto pela Requerente e e informação constante do PA1 a PA4.
J. A Requerente alienou, por escritura pública celebrada em 12 de junho de 2015, representada nesse ato pelo seu sócio e gerente à data, G..., o direito à (segunda) metade dos prédios urbanos acima identificados como Terreno ... e Terreno ..., à sociedade C..., LDA., representada por D..., na qualidade de gerente desta sociedade, pelo preço de € 187.500,00 cada, perfazendo o total de € 375.000,00. Mantinham-se à data os ónus reais (hipoteca e penhoras) referidos no ponto E supra, aos quais foram adicionadas duas novas Penhoras ao Terreno ... (Ap. 2886 de 2015/01/14 e Ap. 9429 de 2015/04/22), de que os outorgantes declararam ter tido conhecimento no momento da celebração desta escritura – cf. cópia da escritura constante do PA1.
K. Nesta data [12 de junho de 2015], o VPT de cada um dos imóveis mantinha-se em € 1.870.420,00, correspondendo a cada metade (1/2) o valor de € 935.210,00 – cf. informação constante do PA1 a PA4 e menção na escritura.
L. Em procedimento de segunda avaliação veio posteriormente a ser atribuído o VPT de € 1.540.000,00, com efeitos circunscritos à incidência de IMT e de IRC, ao abrigo do disposto no artigo 76.º, n.ºs 3 e 5 do Código do IMI – cf. informação constante do PA2.
M. A sociedade C..., LDA. era, desde 3 de junho de 2015, detida em 75% pela B..., S.A. e em 25% pela E..., LDA., sendo gerentes desta última G... [também gerente da Requerente] e seu filho H...– cf. informação constante do PA1.
N. A aquisição de metade do Terreno ... e do Terreno ... pela B..., S.A. e, bem assim, da outra metade dos mesmos terrenos pela C..., LDA., foi integralmente financiada por G..., que emprestou os meios financeiros à B..., S.A., sendo o financiamento titulado por letra. Algumas transferências parcelares identificadas com o nome da sua esposa e da sua mãe ficaram a dever-se ao facto de derivarem de contas conjuntas, em que aquelas figuravam como primeiras titulares, sem prejuízo de o pagamento ter sido feito por e ser atribuível a G...– cf. depoimento das três testemunhas, informação constante do PA1 a PA4 e extrato da conta 258 da B..., S.A.
O. À semelhança do que já havia feito em relação à escritura de venda da primeira metade dos ditos Terrenos, a Requerente submeteu, em 28 de janeiro de 2016, junto do Serviço de Finanças de ..., novo pedido de demonstração do preço efetivo relativo à transmissão (parcial) de imóveis ocorrida em 12 de junho de 2015, nos termos do disposto no artigo 139.º, n.ºs 1 e 3 do Código do IRC, relativamente à alienação da segunda metade do Terreno ... e do Terreno ..., instruindo-os com idêntico suporte documental, incluindo o contrato-promessa de compra e venda que antecedeu a celebração da escritura de venda da segunda metade dos terrenos em causa – cf. requerimento junto pela Requerente e informação constante do PA1 a PA4.
P. Nesta sequência, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de ... iniciaram um procedimento inspetivo externo, abrangendo os anos 2013 a 2015, ao abrigo do despacho DI2016..., para consulta, recolha, cruzamento de elementos e obtenção de informação com vista a instruir o procedimento de revisão previsto nos artigos 64.º e 139.º do Código do IRC e artigos 91.º e 92.º da Lei Geral Tributária (“LGT”), e preparar o debate contraditório com o contribuinte. Este procedimento abrangeu a alienação das duas metades do Terreno ... e do Terreno ... ocorrida sucessivamente em 2014 e 2015 – cf. informação constante do PA1 a PA4.
Q. No âmbito desta ação, os Serviços de Inspeção produziram uma Informação, sancionada por despacho de 22 de agosto de 2017, do Chefe de Divisão, por delegação, da qual se retira o seguinte excerto com relevo para a situação dos autos 2015 – cf. informação constante do PA1:
“II.6. ADQUIRENTES DOS IMÓVEIS – IDENTIFICAÇÃO E MEIOS DE PAGAMENTO UTILIZADOS
II.6.1. B..., S.A.
II.6.1.1. Constituição da sociedade, objeto e capital social
O Despacho n.º DI2017... foi dado a assinar em 2017/02/02, a D..., NIF..., na qualidade de administrador da B..., S.A., detentora do NIF ..., com sede na Rua de ...-..., sociedade que se encontra registada desde 2013/12/10, pelo exercício da atividade de «Compra e venda de bens imobiliários» CAE 68100. O capital social no montante de € 50.000,00 encontra-se repartido por 100 ações no valor nominal de € 500,00, emitidas ao portador.
Como já se referiu, o antes identificado D... é Presidente do Conselho de Administração da B... assumindo a sua esposa L..., NIF... a posição de Vogal e de contabilista certificada na mesma sociedade - Certidão Permanente em Anexo 10.
Relembra-se que D... é também o CC [contabilista certificado] da A... .
Questionado sobre a sua envolvência com a B..., referiu que se deve a um pedido que lhe foi feito pelo Dr. M..., pessoa que conhece desde há muitos anos, sendo inclusive o CC das várias empresas do Grupo.
II.6.1.2. Capacidade económica e meios de pagamento
Da consulta e análise aos movimentos financeiros e respetivos suportes documentais, que estiveram envolvidos na aquisição à A... dos dois imóveis (metade do U-... e metade do U-...), confirma-se que foi cumprido o estabelecido no plano de pagamentos:
(…) o pagamento do preço será feito em 5 prestações de € 75.000,00 cada uma, a primeira a ser liquidada até ao dia 25/12/2014 e as seguintes até aos dias 31/12/2014, 07/01/2015, 13/01/2015 e 16/07/2015 (…)
Foi ainda apurado, que a B... não despendeu quaisquer recursos financeiros próprios uma vez que se comprovou documentalmente que, em data imediatamente anterior ou muito próxima aos pagamentos a realizar, foram efetuadas, por parte dos sócios da A... (M... [€ 297.000,00], .N.. [€ 3.000,00], e J... [€ 70.000,00]) transferências de dinheiro para a conta da B... de forma a esta estar em condições de efetuar, nas datas aprazadas, os pagamentos agendados.
Da consulta efetuada à contabilidade da B..., constatamos que esta espelha os referidos movimentos bancários e que estes têm expressão e reflexo na conta «27821001 Outros Devedores e Credores - Outros credores diversos – A...».
[…]
A informação contabilística e financeira acedida permite pois concluir que, não obstante D... figurar como administrador da sociedade B..., quem a administra de facto é M... . Tal conclusão firma-se nos seguintes elementos recolhidos:
✓ Doc. lnt. ...: Fatura n.º 8951535-2 de 31/Mar/2015 da ... . No endereço da […] figura em primeiro lugar, o nome do G... e de seguida o da B... S.A. – Anexo 12;
✓ Doc. Lnt. ...: Fatura n.º 150244 de 2015/06/26 de O..., SROC Unip Lda no valor de € 738,00. No documento de suporte à transferência para pagamento da fatura está referido […] debitar «minha conta 223829926» - a referida conta pertence a M...- Anexo 13;
✓ Doc. Lnt ...: Fatura n.º 12860196 de 29/04/2015 do ..., I.P. no valor de € 25,00.Para o pagamento desta fatura foi debitada a «conta prestige 223829926» - pertencente a M...- Anexo 14;
✓ Em 30 de abril de 2015, o M... transferiu para a B... a importância de € 14.975,00, para fazer face ao pagamento do Imposto de Selo devido pela aquisição das duas metades dos imóveis - Anexo 15;
✓ Doc. lnt....: O 1.º pagamento especial por conta referente ao exercício de 2015 no valor de € 500,00 foi efetuado através da conta DO n.º ... que tem como 1.ª titular a esposa do M... (P...) - Anexo 16.
A análise aos extratos da conta «1201 - Novo Banco» dos exercícios de 2014 e 2015, da B... (Anexo 17) permite verificar que não existiram, para além dos movimentos associados à aquisição dos bens em causa, outros movimentos de relevo.
Em resumo, da análise efetuada resulta claro que a B... só pôde cumprir com o plano de pagamentos porque os responsáveis da sociedade alienante dos imóveis lhe proporcionou os meios financeiros para o efeito, caso contrário, não o poderia ter feito
II.6.2. C..., LDA.
II.6.2.1. Constituição da sociedade, objeto e capital social
O Despacho n.º Dl2017... foi dado a assinar, em 2017/02/02, a D..., na qualidade de gerente da C..., Lda., NIF ..., com sede na Rua ... ,...–... . Estamos perante uma sociedade constituída em 2014/12/01 como sociedade unipessoal, que tinha como sócia Q..., NIF..., natural do Brasil, coletada desde 2014/01/16 com o «CAE 6010 -Advogada». Em 2015/06/03 o capital social de € 1.000,00 foi dividido em duas quotas e transmitido às sociedades abaixo identificadas, ficando como gerente o CC D... (Anexo 18):
B... S.A., detentora de 75% do capital social
E..., Lda., NIF ... que possui 25% do capital social
(Esta sociedade que foi constituída em 2014/05/14 tem como gerentes M... e o seu filho H... e, como CC, D...).
II.6.2.2. Capacidade económica e meios de pagamento
Da consulta e análise aos movimentos financeiros e respetivos suportes documentais, que estiveram envolvidos na aquisição de metade dos dois imóveis, com o seguinte plano de pagamentos:
3 prestações no valor de € 65.000,00, num total de € 195.000;
2 prestações no valor de € 50.000,00, perfazendo € 100.000 e
2 prestações no valor de € 40.000, totalizando € 80.000
apurámos que, à semelhança do verificado na B... a C... não despendeu quaisquer recursos financeiros próprios uma vez que se comprovou documentalmente que, em data imediatamente anterior ou muito próxima aos pagamentos, foram efetuadas, por parte dos sócios da alienante (M... e J...) transferências de dinheiro para a conta da B..., que por sua vez, fez as entregas à A... por conta da compra da C..., ficando esta última devedora da B... .
As entregas encontram-se espelhadas na B..., inicialmente, na conta «27811001 A...» sendo, em 2015/06/30, saldada por contrapartida da conta «4113001 C...».
A justificação que nos foi apresentada pelo CC foi de que a aquisição dos restantes 50% dos prédios urbanos n.º ... e n.º ... era para ser feita pela B... . Como o negócio acabou por não se concretizar com esta sociedade mas sim com a C... (por causa da verba 28.1 da Tabela Geral do Imposto de Selo), foi a primeira que efetuou inicialmente os pagamentos das várias prestações, ficando, a final, credora da C..., uma vez ter sido esta a adquirir os prédios.
Os valores indicados no quadro infra, que foram retirados do extrato da conta DO n.º ... do ... da B... (Anexo 19) refletem os empréstimos efetuados a esta, por M... (€ 279.550,00) e por J... (€ 95.500,00) bem como as entregas das 7 prestações à A..., devidas por C... […]
Da análise efetuada resulta claro que a C..., ainda que por intermédio da B..., só pôde cumprir com o plano de pagamentos porque os responsáveis da sociedade alienante dos imóveis lhe proporcionou os meios financeiros para o efeito, caso contrário, não o poderia ter feito. Tais circunstâncias são, no mínimo, incomuns e revelam total dependência do adquirente face aos administradores da alienante.
II.7. PROCEDIMENTOS ADOTADOS NA AÇÃO INSPETIVA
I. Análise de todos os movimentos bancários efetuados nas contas da sociedade alienante A... nos anos de 2013, 2014 e 2015;
II. Análise de todos os movimentos bancários efetuados nas contas dos gerentes da A... – M... e J..., nos anos de 2013, 2014 e 2015;
III. Consulta e análise na contabilidade dos adquirentes B..., S.A. e C..., Lda., dos movimentos financeiros relacionados com a aquisição dos dois imóveis em apreço;
IV. Sendo o D... CC da A... foi-lhe questionado sobre o motivo que terá estado na origem da alienação dos bens, ao que nos foi respondido que a principal motivação prendeu-se com o um processo litigioso que a A... tem com a sociedade R..., Lda. NIF ... (Proc. n.º .../08...TBILH) no qual a A... previa que viesse a ocorrer um desfecho desfavorável. Com a alienação dos bens pretendeu deste modo obstar que estes servissem de garantia ou fossem penhorados a favor deste processo;
V. Outro dos motivos que nos foi referido como tendo contribuído para a alienação dos bens (venda de metade de cada um dos bens a duas entidades diferentes) terá sido a questão do imposto de selo – verba 28.1 CIS – uma vez que o VPT atribuído a cada lote é de valor superior a 1 milhão de euros.
II.8. FINANCIAMENTO DOS GERENTES ANTES DO EMPRÉSTIMO ÀS ADQUIRENTES
Da consulta e análise dos extratos bancários da alienante e dos seus gerentes, concluímos o seguinte:
a) Para que a adquirente B... tivesse capacidade financeira para realizar as aquisições, houve uma primeira fase, um provisionamento da sua conta bancária, que foi feito essencialmente pelo gerente da alienante, M...;
b) A mesma conta bancária da B..., continuou a ser provisionada com transferências efetuadas por M... e J... nos exatos montantes das prestações devidas pela C... à A..., decorrente da aquisição das restantes metades dos prédios, ficando a C... devedora á B... por via dessas entregas em seu nome;
c) Concluímos também que a entidade que proveu as contas do M... e da J... foi a A..., como se demonstra no quadro inserto na página seguinte e se comprova documentalmente através dos extratos bancários que se juntam em Anexo 20.
d) De igual modo se comprova que, exatamente no mesmo dia em que há registos das transferências da conta da A... para as contas dos gerentes (salvo uma ou outra exceção em que o dia não é coincidente) dão entrada, na conta da A..., as prestações devidas pelas adquirentes
[…]
Como decorre da observação do quadro supra, conclui-se que a mesma conta bancária da B... continuou a ser provisionada com transferências efetuadas por M... e J... nos exatos montantes das prestações devidas pela C... à A..., decorrente da aquisição das restantes metades dos prédios, ficando deste modo a C... devedora da B... por via das entregas em seu nome.
Todos estes movimentos de saídas de dinheiro da A... a favor de M... tiveram, em termos contabilísticos, reflexo nas seguintes contas:
Ano de 2014: «2782100110 Out. Dev. Cred. - Out. Cred Diversos – M... Esta conta evidencia um total de movimentos a débito de € 219.835,75 e um saldo nulo em 31/12/2014 (Anexo 21);
Ano de 2015: «2682291 - Sócios - Out Oper Passivas – M... Ao longo de 2015 esta conta registou movimento que ascenderam a € 283.200,00, ficando em 31/12/2015 com um saldo credor de € 46.815,14 (Anexo 22).
II.9. ALIENAÇÃO DO PRÉDIO U-... – ANO DE 2016
Em 24 de novembro de 2016, foi celebrado no Cartório Notarial da Dra. S..., em ..., entre D..., na qualidade de presidente do Conselho de Administração da B..., S.A. e de gerente da C..., Lda. e, T... em representação da sociedade U..., Lda., NIF..., com sede na Rua ..., n.º ..., ... freguesia da ... e ..., concelho de ..., um contrato de compra e venda no qual, as mencionadas sociedades vendem, ao segundo, pelo valor de € 700.000,00, o prédio U-... (Anexo 23).
II.10. PROMESSA DE ALIENAÇÃO DO PRÉDIO U-...
Na data em que foi alienado o U-..., foi também celebrado, entre D..., na qualidade de presidente do Conselho de Administração da B..., S.A. e de gerente da C..., Lda. e T... em representação da sociedade U..., Lda. um Contrato de Promessa de Compra e Venda com Eficácia Real, tendo por objeto o prédio U-..., o qual, deverá ser transmitido até ao final do mês de novembro do ano de 2017, livre de ónus e encargos, pelo valor de € 700.000,00, tendo o promitente comprador dado, a titulo de sinal, a importância de € 1.000,00 a cada uma das sociedades alienantes (Anexo 24).
II.11. APURAMENTO DO RESULTADO FISCAL DO EXERCÍCIO DE 2016 DA B... E DA C...
Da consulta efetuada à declaração Modelo 22 de IRC, relativa ao período de tributação de 2016, submetida pela B..., S.A. e pela C..., Lda, verificamos que, em ambas as sociedades, foi adotado o seguinte procedimento:
I. Acréscimo no campo 745 do Q.07 – diferença positiva entre o VPT definitivo do imóvel (no caso em apreço apena metade atendendo à contitularidade) e o valor considerado no contrato: € 585.210 (VPT € 935.210 – valor venda € 350.000)
II. Dedução no campo 772 do Q.07 – correção pelo adquirente quando adota o VPT definitivo: € 747.710 (VPT € 935.210 – valor venda € 187.500)
Verifica-se assim que, apesar de ser do conhecimento das duas sociedades adquirentes que sobre os imóveis em apreço havia sido iniciado o procedimento do artigo 139.º do CIRC consideraram, para a determinação do resultado tributável, o valor correspondente a metade do VPT dos referidos imóveis.
O procedimento descrito no ponto anterior é contrário ao que dispõe sobre a matéria o n.º 5 do Ofício-Circulado n.º 20136/2009, de 11 de março:
«(…) o adquirente deve abster-se, também, de alterar o valor pelo qual registou o imóvel e bem assim de influenciar os resultados que tenham origem nesses ativo».
II.12. RENÚNCIA À GERÊNCIA DA A...
Da consulta ao «Portal MJ - Publicação On-line de Ato Societário» constatamos que, em 29 de fevereiro de 2016, os sócios M... e J... renunciaram à gerência da A... e, em sua substituição, nomearam como gerente V... com o NIF..., com residência na Av. ..., n.º..., ... (Anexo 25).
Da consulta ao cadastro do contribuinte constata-se que não possui quaisquer bens móveis ou imóveis (Anexo 26). Quanto aos rendimentos auferidos, constatamos pela consulta às DR Modelo 3 de IRS que:
✓ Relativamente ao exercício de 2014, não apresentou declaração de rendimentos;
✓ A Mod 3 referente ao exercício de 2015 apenas evidencia rendimentos de trabalho dependente declarados pelo titular B;
✓ No exercício de 2016, o supra identificado gerente declarou ter recebido da A... rendimentos da categoria A no montante de € 4.890,47.
II.13. PATRIMÓNIO ATUAL DA A...
Por consulta efetuada no sistema informático da AT, no aplicativo «Matriz Predial - Consulta por Proprietário» verificamos que na data de elaboração da presente informação a A... não possui registados em seu nome quaisquer prédios. Vide Anexo 27.
Na pesquisa aos «Atos por Outorgante» apuramos que, em 12 de junho de 2017 a A... alienou à B... os 2 prédios urbanos (U-... e U-...) que possuía, na freguesia da ..., pelo valor de € 42.500,00, sendo que a soma dos respetivos VPT's totaliza € 42.470.00 (Anexo 28).
III. NOTAS FINAIS
Da análise documental que nos foi dada efetuar e explicações fornecidas, entendemos que, não obstante a A... invocar transações realizadas em condições anormais de mercado devido à existência de ónus, tal justificação não será passível de atendimento, porquanto:
I. Dois bens que possuem exatamente a mesma área, mas sobre os quais recaem ónus muito diferenciados (enquanto que para um recai apenas o ónus de não fracionamento, para o outro recai um ónus de € 465.151,70, como demonstrado no ponto 11.4.3.), foram transacionados por igual valor;
II. Existem relações especiais entre as sociedades alienante (A...) e as sociedades adquirentes (B... e C...), dado que:
✓ O presidente do conselho de administração da B... e o contabilista da A... são a mesma pessoa D...;
✓ Os sócios da C... (B... e E...) têm em comum o mesmo contabilista D...;
✓ As sociedades, E... e A..., têm em comum o mesmo gerente M...;
✓ A gestão de facto da alienante e das adquirentes está a cargo da mesma pessoa M...;
✓ As adquirentes não despenderam quaisquer recursos financeiros próprios com a aquisição dos dois prédios. Os meios financeiros serviram tao somente para complementar o circuito financeiro de molde a que este fosse credível e compatível com as escrituras;
III. Os factos descritos nos pontos anteriores levam-nos a concluir que não se tratam de negócios convencionais, na medida em que
não há independência entre compradores e vendedor
IV. Consultada a base de dados da AT /Consulta de Ações de Inspeção constatamos que, relativamente à sociedade A..., Lda. foram abertas, em 2017/08/04, duas ordens de serviço externas para os exercícios de 2014 e 2015, com âmbito de IVA e IRC e com código de atividade «102-05 - Controlo de sujeitos passivos com prejuízos declarados em anos fiscais consecutivos».
Para a mesma sociedade, também se encontra aberto, desde 2017/07/04, um despacho externo dirigido aos exercícios de 2014 e 2015, com o código de atividade «107-06 Instrução de processos de inquérito – Outros tipos de crime fiscal» e descrição «Notícia de Crime .../2014 IDAVR» (em Anexo 29) com os seguintes fundamentos:
«Mail da DSGCT - Devedores Estratégicos:
Segundo a informação do SEFWEB, a empresa tem 24 processos suspensos, ascendendo à data a dívida ao montante global de € 940.291,83. De acordo com os elementos da Mod. 11, alienou a quase totalidade dos imóveis de que era proprietário sendo que os adquirentes dos mesmos são empresas que têm como responsável (Membros do Conselho de Administração/Gerente) D... que também é o contabilista da executada A... .
Consultado o SINQUER, verifica-se existir Notícia Crime .../2014 IDAVR, por «Liquidação de IMT em 5 prédios urbanos e rústicos, em 2014 e 2015», o que, face às dívidas existentes poderá indiciar a prática do crime de frustração de créditos.”
R. Entretanto, em 24 de novembro de 2016, as sociedades B..., S.A. e C..., LDA. alienaram o Terreno ... (cada uma detentora de metade) à sociedade U..., LDA., empresa dedicada ao imobiliário e construção, pelo preço de € 700.000,00 – cf. informação constante de PA1 e depoimento das segunda e terceira testemunhas.
S. Na mesma data, foi celebrado entre as mesmas entidades o contrato-promessa de compra e venda com eficácia real relativo ao Terreno ..., o qual devia ser transmitido até final do mês de novembro de 2017, livre de ónus e encargos, também pelo valor de € 700.000,00 – cf. informação constante de PA1.
T. Para a libertação dos ónus e encargos que impendiam sobre este último imóvel [Terreno...], a B..., S.A. abordou G... e acordou no pagamento de um valor adicional de € 100.000,00, na sequência do que tais ónus foram removidos por iniciativa da Requerente, viabilizando a venda do imóvel por parte da B..., S.A. e da C..., LDA. ao terceiro adquirente, nas condições prometidas – cf. depoimento das três testemunhas.
U. Aberto o procedimento de revisão previsto nos artigos 91.º e seguintes da LGT, instaurado sob o n.º .../2018, foi realizado, em 15 de novembro de 2018, o debate contraditório, sem que, contudo, tivesse sido possível alcançar acordo entre os peritos das partes – cf. documento junto pela Requerente [Doc NV que inclui a ata da reunião] e informação constante do PA2 a PA4.
V. Na falta de acordo entre o contribuinte e a AT, o Diretor de Finanças de ..., alicerçado no parecer n.º 25/2018, de 23 de novembro de 2018, da Divisão de Planeamento e Coordenação, em relação ao qual proferiu despacho de concordância de 17 de dezembro de 2018, determinou, nos termos do artigo 92.º, n.º 6 da LGT, não haver sido feita prova do preço efetivo e fixou os montantes a adotar, para efeitos de apuramento do lucro tributável, ao abrigo do disposto no artigo 64.º, n.ºs 1 e 3, alínea a) do Código do IRC, nos seguintes moldes:
Anos Valor Patrimonial Tributário Valor declarado da escritura Correção para efeitos de IRC
2014 € 1.540.000,00 € 375.000,00 € 1.165.000,00
2015 € 1.540.000,00 € 375.000,00 € 1.165.000,00
– cf. documento junto pela Requerente [Doc NV] e informação constante do PA2 a PA4.
W. De acordo com a fundamentação constante do citado Parecer n.º 25/2018, à qual adere a resolução do Diretor de Finanças de ..., é referido o seguinte:
“C – APRECIAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL
[…]
O sujeito passivo refere que os preços de venda obedecem a regras próprias do mercado que poderão tornar desajustado o VPT.
No entanto, os peritos consultados referiram o preço de venda dos terrenos da zona específica em causa, no caso a zona do Plano de Pormenor do Centro (anexo A, de 6 fls.). cujo planeamento, parcelamento e caraterísticas de edificabilidade foram definidos pela CMA.
Em síntese, os peritos indicaram o preço de venda dos terrenos situados nesta zona em especial na qual vários edifícios (construídos e não construídos) têm características semelhantes aos do sujeito passivo, estando sob as mesmas regras do mercado, condicionantes e dificuldades construtivas.
Em relação aos vários itens do anterior ponto B.1, é de referir o seguinte:
Pontos 3.1, 3.2 e 3.3: O valor de um terreno tem relação direta com a capacidade construtiva que possui à data da compra, não remetendo obviamente para capacidades construtivas passadas ou futuras.
No caso em análise a capacidade construtiva de ambos os terrenos encontra-se completamente definida no Plano de Pormenor, não havendo lugar a dúvidas quando à mesma. Relativamente à possibilidade de, no futuro ela ser alterada, por exemplo, por alteração camarária do plano, tal possibilidade, em abstrato, existirá sempre em qualquer zona de construção ou plano do país, no entanto, mais uma vez se sublinha que o preço de um terreno está diretamente ligado à sua capacidade construtiva no momento da venda, sendo este o fator real concreto e mensurável para esse efeito.
Assim, a alegação do sujeito passivo carece de fundamento ou ligação à realidade.
Ponto 3.4: Relativamente à área de terreno afeta a espaço público que deixou de pertencer ao terreno, reduzindo a sua área, será de referir que um plano é executado sobre terrenos particulares, sendo muitas vezes uma parte deles necessários ao espaço público ou arruamentos.
No entanto, verifica-se que a zona de terreno afeta a construção possui uma elevada densidade construtiva, como se constata no Quadro de Parcelas do Plano de Pormenor do Centro. Por outro lado, a Comissão de peritagem estabeleceu o valor do terreno considerando apenas a zona de construção, não estando portanto em causa a área afeta a espaço público.
A título de nota sobre a elevada densidade construtiva que referimos acima, verifica-se, consultando o Quadro de Parcelas do plano, que as Parcelas 30 e 31, cada uma com a área de 1925 m2, totalizando 3850 m2, que se situam no terreno em análise possuem, no seu conjunto, uma capacidade construtiva de 10204 m2 de área máxima de construção, com 5 pisos acima do solo destinados a frações de comércio\ serviços e habitação, 2 pisos subterrâneos destinados a estacionamento, sendo previsto um n.º máximo de 74 fogos.
Pontos 3.5, 3.6, 3.7 e 3.8: No que se refere às dificuldades construtivas face ao tipo de solo e n.º de pisos de cave e à desvalorização de preço alegada pelo sujeito passivo, analisado o Quadro de Parcelas do plano verifica-se que existem vários edifícios na zona (construídos e não construídos) com situação semelhante ou seja, próximo da ...e e igualmente com 2 pisos de cave, verificando-se que os peritos estabeleceram um preço de venda único para a zona, valor esse, portanto, independente da proximidade à ria, n.º de pisos subterrâneos ou outros fatores de diferenciação.
Pontos 3.9, 3.10 e 3.11: Situação semelhante se conclui quanto à existência ou não de infraestruturas ou postos de transformação, verificando-se que estes fatores não foram de igual modo considerados pelos peritos como relevantes para estabelecer o preço de venda por m2 nesta zona.
Mais se deverá ter em consideração, no caso em apreço, que a zona em causa - Plano de Pormenor do Centro - é uma zona central da cidade, muito próxima de centros de comércio (por ex., o ...), de serviços (Avenida Dr. ...), etc., fatores que a tornam muito apreciada e apetecível, sendo do conhecimento comum e de profissionais do sector, que constitui uma das, ou mesmo a zona da cidade em que os preços das frações são mais elevados.
Acresce a este facto a elevada densidade construtiva, em área de construção, n.º de pisos, n.º de fogos, etc., e portanto a elevada rentabilidade da construção na zona, mesmo considerando os custos de construção.
Em conclusão, consideramos que não foi cumprido o ónus probatório colocado sobre o contribuinte pela Administração Tributária (n.º 1 do art.º 139.º do CIRC).
D - QUANTIFICAÇÃO DA MATÉRIA TRIBUTÁVEL (n.º 6, do art.º 92.º, da Lei Geral Tributária)
De acordo com o anteriormente exposto, tendo em conta a disposição do n.º 1 do art.º 64.º do CIRC, «Os alienantes e os adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos (...)».
Aqui chegados, importa estabelecer, então, qual o VPT a considerar para efeitos de correção a que se refere a al. a) do n.º 3 do art.º 64.º do CIRC.
No corpo da ata, pode ler-se que o PC acautela que o VPT que deve ser considerado não é € 1.870.420,00, para cada um dos artigos, mas sim o que veio a ser atribuído para efeitos dos n.ºs 3 e 5 do art.º 76.º do CIMI (€ 1.540.000,00), conforme notificações remetidas para as adquirentes, B..., SA e C..., Lda e para o próprio sujeito passivo alienante, A... (cf. anexo B, de 6 fls.).
De facto, confirma-se que ambos os artigos sofreram novas avaliações para os efeitos do dispositivo legal referido, cujo pedido mereceu, no entanto, uma fundamentação, ainda que sucinta, como forma de demonstrar a discordância com o resultado da 1.ª avaliação.
A norma constante do art.º 76.º do CIMI, consagra um regime de exceção, tendo como pressuposto a existência de um desvio do valor da 1.ª avaliação em mais de 15% face ao valor normal de mercado do imóvel em apreço (cf. n.º 5 da norma). Desta forma, utilizando o valor de mercado, o legislador enquadra exatamente aquilo que será um VPT desajustado.
Ou seja, quando o pedido de 2.ª avaliação tiver como fundamento o facto do «VPT, determinado nos termos dos art.ºs 38.º e seguintes do GIM/, se apresentar distorcido em relação ao valor de mercado», a Comissão efetua nova avaliação e fixa um VPT de acordo com a aplicação, no caso dos terrenos para construção, do «método comparativo dos valores de mercado», relevando esta avaliação para efeitos de IRC, isto é, para efeitos de correções a promover aos registos contabilísticos, de acordo com as disposições dos art.ºs 64.º e 139.º do CIRC.
Em conclusão, sempre que seja requerida uma 2.ª avaliação do imóvel com o fundamento da distorção do VPT, sempre terá de se proceder a duas segundas avaliações: uma segundo as regras do referido art.º 38.º (para efeitos de IMI), e uma 2.ª avaliação segundo o método do custo ou o método comparativo (no caso dos terrenos para construção), sendo na situação em análise, para efeitos do montante do ajustamento a inscrever no quadro 07 da mod. 22/IRC.
Destaque-se que o apuramento do VPT, para efeitos do art.º 76.º do CIMI, obedeceu ao cálculo constante das referidas notificações em anexo B a esta Informação, nas quais foi precisamente adotado o «preço de venda do terreno por m2, praticado no local, na situação de infraestruturas em que se encontra» e a «área do terreno» (1925m2), cf. o Quadro de Parcelas do Plano de Pormenor do Centro.
Face a tudo antes descrito, propomos que a RESOLUÇÃO que venha a ser assumida tenha em linha de conta o VPT que resultou da avaliação efetuada nos termos do art.º 76.º do CIMI, conforme mapa que a seguir se apresenta:
Anos Valor Patrimonial Tributário Valor declarado da escritura Correção para efeitos de IRC Artigo urbano
(01 05 17)
2014 1.540.000,00 € 375.000,00 € 1.165.000,00 € ...
2015 1.540.000,00 € 375.000,00 € 1.165.000,00 € ...
À consideração superior.”– cf. documento junto pela Requerente [Doc NV] e informação constante do PA2.
X. A Requerente foi notificada através do Ofício n.º..., datado de 17 de dezembro de 2018, do mencionado Despacho do Diretor de Finanças de ... (da mesma data), que fixou o valor a considerar para a determinação do lucro tributável nos anos 2014 e 2015 em € 1.540.000,00 para cada prédio, correspondente ao VPT que havia sido fixado em 2015 pela Comissão de Avaliação constituída para os efeitos previstos no artigo 76.º, n.ºs 3 e 5 do Código do IMI, de que resultou uma correção de IRC de € 1.165.000,00 em cada ano, que acresceu aos prejuízos fiscais declarados pela Requerente – cf. documento junto pela Requerente [Doc NV] e informação constante do PA5.
Y. Os resultados fiscais da Requerente foram, assim, fixados conforme quadro infra – cf. documento junto pela Requerente [Doc NV], informação constante do PA5 e liquidações de IRC juntas pela Requerente:
PT LUCRO TRIBUTÁVEL MATÉRIA COLETÁVEL
2014 € 1.128.021,66 € 935.494,54
2015 € 1.160.524,13 € 1.160.524,13
TOTAL € 2.288.545,79 € 2.096.018,67
Z. A Requerente foi notificada dos seguintes atos tributários de liquidação de IRC e juros compensatórios no valor global total de € 537.724,34 – cf. liquidações de IRC juntas pela Requerente:
i) Exercício de 2014 – liquidação de IRC n.º 2019 ... e de juros compensatórios n.º 2019 ..., de 7 de janeiro de 2019, cuja demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., de 9 de janeiro de 2019, resultou no valor a pagar de € 257.735,30, com prazo limite de pagamento em 22 de fevereiro de 2019;
ii) Exercício de 2015 – liquidação de IRC n.º 2019 ... e de juros compensatórios n.º 2019 ..., de 7 de janeiro de 2019, cuja demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., de 10 de janeiro de 2019, resultou no valor a pagar de € 279.988,95, com prazo limite de pagamento em 22 de fevereiro de 2019.
AA. Inconformada com tais atos de liquidação de IRC e juros compensatórios, a Requerente apresentou no CAAD, em 22 de maio de 2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada no SGP do CAAD.
2. FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provou a alegação constante do artigo 20.º do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) de que em 2014 e 2015 o mercado imobiliário estava estagnado, constituindo facto notório precisamente o inverso. Com efeito, na sequência da saída da troika em maio de 2014, no segundo semestre de 2014 e em 2015 o mercado imobiliário estava em fase de retoma, com perspetivas distintas das dos anos antecedentes, receando-se, mesmo, uma futura bolha imobiliária (a título de exemplo, veja-se a notícia do jornal “Público” - https://www.publico.pt/2015/03/31/economia/noticia/mercado-imobiliario-cresceu-em-2014-mas-mediadores-alertam-para-os-riscos-de-nova-euforia-1690950).
Com relevo para a decisão não existem outros factos que devam considerar-se não provados.
3. MOTIVAÇÃO DA DECISÃO DA MATÉRIA DE FACTO
Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, em face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (“CPPT”), 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil (“CPC”), aplicáveis por remissão do artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e) do RJAT, não tendo o Tribunal de se pronunciar sobre todas as alegações das Partes.
Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insuscetíveis de prova e cuja validade terá de ser aferida em relação à concreta matéria de facto consolidada.
A impugnação genérica no articulado da Requerida (artigo 20.º) de todos os factos alegados pela Requerente que se mostrem em oposição com a defesa considerada no seu conjunto (artigo 574.º, n.º 2 do CPC) não contraria a força probatória dos documentos carreados ao processo, ou a prova testemunhal produzida, sendo a falta de contestação especificada dos factos livremente apreciada pelo julgador, de harmonia com o disposto no artigo 110.º, n.º 7 do CPPT.
No que se refere aos factos provados, a convicção dos árbitros fundou-se essencialmente na análise crítica da prova documental junta aos autos, que está referenciada em relação a cada facto julgado assente, e nas posições assumidas por ambas as Partes em relação aos factos essenciais.
Quanto à prova testemunhal produzida, interessa notar que a primeira e segunda testemunhas, I... e J..., são acionistas da B..., S.A., e que a terceira testemunha, G..., é o principal sócio da Requerente sendo também, à data dos factos, gerente da mesma, circunstâncias ponderadas na formação da convicção deste Tribunal, atendendo, neste último caso, às ligações e interesses partilhados com a Requerente.
Acresce referir que as versões das testemunhas nem sempre foram coincidentes. A título de exemplo, a primeira testemunha refere uma relação de amizade, enquanto que a terceira testemunha (que geria a Requerente) afirma que não existia qualquer relação de amizade. A forma como surgiu o negócio e o pedido de financiamento também não foi idêntica nos diversos depoimentos. A primeira testemunha referiu que foi num jantar, enquanto a terceira testemunha afirmou não ter jantado com a primeira testemunha, nem existir entre eles convívio dessa natureza.
Quanto à segunda testemunha teceu afirmações sem correspondência com a realidade e contraditadas pelo teor dos documentos, afirmando que outorgou as escrituras notariais de compra dos imóveis com o seu sócio, quando se constata da leitura das escrituras que estas foram outorgadas por outra pessoa (D...).
O depoimento das testemunhas revelou-se útil para melhor clarificação do circuito financeiro relativo às transferências e empréstimos realizados por G..., nomeadamente no que se refere à menção dos nomes da sua esposa e da sua mãe em algumas daquelas transferências, que derivaram de estas serem primeiras titulares de algumas das contas bancárias que tinham em conjunto, utilizadas para o efeito, bem como do acordo oneroso de libertação dos ónus que incidiam sobre os imóveis, após a sua transmissão pela Requerente, e, por fim, à atividade da sociedade “U..., LDA.” que a segunda e terceira testemunhas confirmaram dedicar-se à construção civil.
As testemunhas não conseguiram indicar uma razão específica para alguns meses volvidos sobre a transmissão dos imóveis pela Requerente à B..., S.A. e à C..., LDA. estas últimas os terem revendido praticamente pelo dobro do preço a uma terceira entidade, sediada em..., dedicada à atividade de construção civil e, por conseguinte, conhecedora das particularidades dos terrenos em causa e das características e gastos inerentes à edificação e perspetivas de rentabilização.
IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA
1. QUESTÕES DECIDENDAS
A principal questão que importa apreciar e decidir respeita ao preenchimento dos pressupostos previstos no artigo 139.º, n.º 1 do Código do IRC, em relação à prova do preço efetivo de venda (inferior ao VPT), para afastamento da presunção ínsita no artigo 64.º, n.º 2 do mesmo Código.
A Requerente alega ainda a violação do princípio da tributação do rendimento real consagrado no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição.
2. ENQUADRAMENTO – REGIME APLICÁVEL
Sobre a matéria em discussão importa compulsar o artigo 64.º do Código do IRC , que dispõe o seguinte:
“Artigo 64.º
Correções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis
1 – Os alienantes e adquirentes de direitos reais sobre bens imóveis devem adotar, para efeitos da determinação do lucro tributável nos termos do presente Código, valores normais de mercado que não podem ser inferiores aos valores patrimoniais tributários definitivos que serviram de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) ou que serviriam no caso de não haver lugar à liquidação deste imposto.
2 – Sempre que, nas transmissões onerosas previstas no número anterior, o valor constante do contrato seja inferior ao valor patrimonial tributário definitivo do imóvel, é este o valor a considerar pelo alienante e adquirente, para determinação do lucro tributável.
3 – Para aplicação do disposto no número anterior:
a) O sujeito passivo alienante deve efetuar uma correção, na declaração de rendimentos do período de tributação a que é imputável o rendimento obtido com a operação de transmissão, correspondente à diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel e o valor constante do contrato;
b) O sujeito passivo adquirente adota o valor patrimonial tributário definitivo para a determinação de qualquer resultado tributável em IRC relativamente ao imóvel.
4 – Se o valor patrimonial tributário definitivo do imóvel não estiver determinado até ao final do prazo estabelecido para a entrega da declaração do período de tributação a que respeita a transmissão, os sujeitos passivos devem entregar a declaração de substituição durante o mês de Janeiro do ano seguinte àquele em que os valores patrimoniais tributários se tornaram definitivos.
5 – No caso de existir uma diferença positiva entre o valor patrimonial tributário definitivo e o custo de aquisição ou de construção, o sujeito passivo adquirente deve comprovar no processo de documentação fiscal previsto no artigo 130.º, para efeitos do disposto na alínea b) do n.º 3, o tratamento contabilístico e fiscal dado ao imóvel.
6 – O disposto no presente artigo não afasta a possibilidade de a Direcção-Geral dos Impostos proceder, nos termos previstos na lei, a correções ao lucro tributável sempre que disponha de elementos que comprovem que o preço efetivamente praticado na transmissão foi superior ao valor considerado.”
Esta norma consagra uma presunção de rendimentos quando o valor do contrato de alienação de bens imóveis seja inferior ao do(s) respetivo(s) VPT(s), conforme assinalado no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 6 de fevereiro de 2013, processo n.º 0989/12, circunstância que se verifica na situação sub iudice.
Neste âmbito, o legislador criou um mecanismo para elisão da presunção, que consta do artigo 139.º do mesmo Código, que, com relevo para a situação vertente, dispõe o seguinte:
“Artigo 139.º
Prova do preço efetivo na transmissão de imóveis
1 – O disposto no n.º 2 do artigo 64.º não é aplicável se o sujeito passivo fizer prova de que o preço efetivamente praticado nas transmissões de direitos reais sobre bens imóveis foi inferior ao valor patrimonial tributário que serviu de base à liquidação do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis.
[…]
3 – A prova referida no n.º 1 deve ser efetuada em procedimento instaurado mediante requerimento dirigido ao diretor de finanças competente e apresentado em Janeiro do ano seguinte àquele em que ocorreram as transmissões, caso o valor patrimonial tributário já se encontre definitivamente fixado, ou nos 30 dias posteriores à data em que a avaliação se tornou definitiva, nos restantes casos.
[…]
6 – Em caso de apresentação do pedido de demonstração previsto no presente artigo, a administração fiscal pode aceder à informação bancária do requerente e dos respetivos administradores ou gerentes referente ao período de tributação em que ocorreu a transmissão e ao período de tributação anterior, devendo para o efeito ser anexados os correspondentes documentos de autorização.
[…]”
A lei criou, assim, um procedimento que permite ao sujeito passivo demonstrar que o preço efetivamente praticado foi inferior ao VPT e, desta forma, afastar a presunção resultante do artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC acima transcrito, como aliás postula o artigo 73.º da LGT, segundo o qual “[a]s presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”. Acresce que a possibilidade de elisão desta presunção se revela essencial para assegurar a conformidade do regime com o princípio da tributação do rendimento real previsto no artigo 104.º, n.º 2 da Constituição.
Tendo a Requerente lançado mão do mencionado procedimento, o ponto central é o de saber se esta conseguiu demonstrar que o preço efetivo foi inferior ao VPT.
3. ANÁLISE CONCRETA
De acordo com a posição da AT expressa na resolução final do procedimento de revisão promovido pela Requerente “não foi cumprido o ónus probatório colocado sobre o contribuinte” nos termos previstos no artigo 139.º, n.º 1 do Código do IRC.
A Requerente contrapõe que esta conclusão é inválida por enfermar, desde logo, de um vício de enviesamento do raciocínio desenvolvido pela AT, cujas premissas não cumprem os requisitos legais. Entende a Requerente que a fundamentação da AT se orientou para a demonstração do valor de mercado dos imóveis e para a identificação de circunstâncias –anormais ou especiais – justificativas da diferença entre o preço de mercado e o declarado, não se tendo pronunciado, todavia, sobre se o preço acordado e pago foi o declarado.
Afigura-se, porém, que o argumento da Requerente não procede.
Em primeiro lugar, porque uma parte substancial da fundamentação do ato de liquidação (de IRC) controvertido respeita a circunstâncias concretas relativas às transações que não se referem ao valor de mercado dos imóveis, mas sim a factos indiciadores de relações de grande proximidade entre os intervenientes das transações (dito de outro modo, da falta de independência dos compradores em relação ao principal sócio e, em simultâneo, gerente da Requerente à data dos factos), bem como de situações atípicas de financiamento da aquisição – referentes à (falta de) capacidade económica dos adquirentes, meios de pagamentos utilizados (exclusivamente provenientes do principal sócio e gerente da Requerente) e circuito financeiro envolvido – que suscitam fundadas dúvidas sobre a sua transparência e veracidade. Pontos que não respeitam à aferição quantitativa do parâmetro do preço de mercado.
Acresce que as circunstâncias relativas ao valor de mercado foram trazidas à colação pela própria Requerente, que assentou a sua justificação (do preço efetivo de venda) no alegado menor valor dos terrenos para construção, por um conjunto de fatores sobre os quais a AT não podia deixar de pronunciar-se, sob pena de omissão indevida.
Por outro lado, em sintonia com a Requerida, a prova do preço efetivo não pode desligar-se da presunção à qual se dirige (e que pretende abalar), prevista no artigo 64.º, n.º 2 do Código do IRC. Presunção que tem como pressuposto assegurar o princípio vertido no n.º 1 do mesmo artigo de que devem ser adotados “valores normais de mercado” para efeitos de determinação do lucro tributável. Não se trata, por conseguinte, de um critério despiciendo cuja ponderação pudesse ser ultrapassada na fundamentação do ato tributário em apreço.
Relativamente à liberdade de decisão económica invocada pela Requerente, a exigência da demonstração dos valores normais de mercado no contexto da determinação da matéria tributável não representa uma intromissão ilegítima na gestão, mas o cumprimento de um requisito legal com suporte no artigo 64.º, n.º 1 do Código do IRC.
Impõe-se, nestes termos, concluir que, ao contrário do sustentado pela Requerente, a decisão da AT contém uma pronúncia expressa sobre o incumprimento do ónus probatório relativo ao preço efetivo de venda dos terrenos. Isto, sem prejuízo de, em simultâneo, como seu fundamento em concurso com outros, encerrar um juízo de valor negativo sobre a realização da operação a valores de mercado.
Em relação à satisfação do ónus probatório que recaía sobre a Requerente e atento o quadro factológico fixado não pode deixar de acompanhar-se o entendimento da Requerida, pois não ficou demonstrado o alegado preço efetivo de venda.
Na verdade, a Requerente não alegou nem provou factualidade passível de evidenciar que o preço efetivo de venda foi inferior ao VPT.
Desde logo, a Requerente começa por invocar condições anormais de mercado, de retração e de crise. Porém, o que se constata é que os terrenos foram alienados num momento em que, na sequência da saída da Troika em maio de 2014, se verificavam claros sinais de retoma do mercado imobiliário, que se mantiveram e reforçaram em 2015, conforme amplamente noticiado nos meios de comunicação social e em estudos do setor (veja-se, a título de exemplo, o jornal “Público” atrás referido e o estudo “O Mercado Habitacional em Portugal 2005-2015”, divulgado pelo portal do “Idealista” https://www.idealista.pt/news/imobiliario/habitacao/2015/06/02/27679-10-anos-de-imobiliario-residencial-em-revista-sabes-o-que-mudou-na-habitacao-desde).
Deste modo, é notório e do conhecimento geral que o contexto de mercado era de recuperação, com firmes perspetiva de crescimento e não de descida de preços.
No que se refere às alegadas condições específicas e gravosas dos terrenos, com gastos de construção elevados, superiores aos normais, derivados da proximidade de um dos canais da ... de subsolo lodoso (fazendo-se referência à necessidade de estacaria densa e profunda e a gastos de impermeabilização) e dos requisitos de lugares afetos a estacionamento impostos pelos instrumentos de planeamento territorial e urbanístico (PDM), as mesmas não só não são impeditivas ou inviabilizadoras da rendibilidade dos projetos, existindo a poucos metros um Hotel ...(inaugurado em 2006) e outros edifícios com situação semelhante e com 2 pisos de cave, como as mesmas se consideram compensadas, na opinião dos peritos referidos na resolução da AT, por fatores de valorização imobiliária.
Com efeito, de acordo com estes peritos, o preço da área é consideravelmente elevado, por se tratar de uma zona central da cidade de ... muito apreciada e apetecível, porventura aquela em que os preços das frações são mais altos, circunstância a que se soma a elevada densidade construtiva em área de construção e consequente rendibilidade “mesmo considerando os custos de construção”. As referidas condicionantes dos terrenos – subsolo lodoso e requisitos do PDM – não configuram situações novas com as quais a Requerente se tivesse deparado, sendo sobejamente conhecidas pelas entidades que desenvolvem atividades imobiliárias em ..., nas quais se incluem a Requerente e os adquirentes dos terrenos em causa, assinalando-se que estes últimos foram vendidos, meses depois da sua compra à Requerente, a uma sociedade de construção imobiliária, pelo dobro do preço.
A Requerente alega ainda como fator de desvalorização do preço dos terrenos, justificativo da prática de preços inferiores ao VPT, o facto de, no momento da transmissão, incidirem sobre estes ónus e encargos de valor superior a 600 mil euros (hipotecas e penhoras). Porém, não lhe assiste razão. Na situação concreta, se tais ónus tivessem, de forma objetiva, condicionado o preço dos terrenos (relembra-se que são dois lotes para construção, com a mesma localização e idêntica área total – 1.925m2), o respetivo preço de venda teria de ser diferenciado, uma vez que o Terreno ... tinha ónus de aproximadamente 100 mil euros e o Terreno ... de cerca de meio milhão de euros. Contudo, os terrenos foram alienados exatamente pelo mesmo preço (€ 373.000,00), impondo-se concluir que não foram materialmente tidos em conta os referidos ónus no âmbito da fixação do preço de venda dos dois terrenos .
Interessa, de igual forma, constatar a existência de relações relevantes entre o principal sócio e também gerente da Requerente à data dos factos, G..., que era também gerente de uma sociedade que participava no capital da C..., LDA. (uma das adquirentes), sendo a pessoa que, a título individual, forneceu a totalidade dos meios financeiros às sociedades adquirentes para celebrarem o negócio de compra dos dois terrenos para construção. Ou seja, o gerente da Requerente foi, ao mesmo tempo, o único financiador do negócio da venda dos terrenos a sociedades terceiras, por um preço declarado substancialmente abaixo do VPT. De notar que o contabilista da Requerente, D..., tinha também uma ligação às sociedades que adquiriram os terrenos à Requerente, sendo administrador/gerente destas.
Estes factos sugerem relações de proximidade e no caso do financiador G... uma indesmentível dependência económica das sociedades adquirentes em relação ao principal sócio e também gerente da Requerente. Deste modo, independentemente da sua qualificação como relações especiais na aceção do artigo 63.º, n.º 4 do Código do IRC, que não está aqui em aplicação, constituem factos-índice de que a presunção legal do artigo 64.º, n.º 2 deste diploma (i.e., o facto presumido de divergência entre o preço declarado e o preço efetivo) tem, in casu, correspondência com a realidade e não o contrário, como pretendido pela Requerente.
Em face do exposto e atenta a prova produzida, conclui-se, em linha com a fundamentação do ato tributário de IRC aqui impugnado, que a Requerente não fez a prova que lhe incumbia de que o preço efetivamente praticado na transmissão dos dois terrenos para construção foi inferior ao VPT que serviu de base à liquidação de IMT.
Esta solução não se revela desconforme ao princípio da tributação (fundamentalmente) pelo rendimento real, constante do artigo 104.º, n.º 2 da Constituição, que a Requerente invoca sem, contudo, concretizar em que medida a mesma é dissonante do padrão constitucional. A lei consagra a possibilidade de elisão da presunção, garantindo o direito do contribuinte à demonstração do preço efetivo do bem alienado, quando inferior ao VPT, pelo que este regime assegura a correta determinação da matéria coletável que, como salienta o TCAS, no Acórdão n.º 06090/12, de 1 de outubro de 2014, “está em linha com o imperativo da tributação do rendimento real”, não se apurando a aludida violação.
Simplesmente, a Requerente não afastou a presunção, ónus que sobre si recaía, pelo que a decisão lhe é necessariamente desfavorável, sem que tal signifique o desrespeito do princípio constitucional de tributação pelo rendimento real.
Atento o acima exposto, improcede o pedido anulatório da Requerente em relação à correção de IRC, com referência aos exercícios de 2014 e 2015, por não ter provado o preço efetivo de venda (cf. artigos 64.º, n.ºs 1 e 2 e 139.º, n.º 1 do Código do IRC), mantendo-se os atos tributários objeto da presente ação arbitral.
Idêntica conclusão se retira relativamente aos juros compensatórios derivados da correção do IRC da Requerente, verificando-se o respetivo requisito constitutivo, dado ter sido retardada a liquidação de imposto devido, nos termos do disposto no artigo 35.º, n.º 1 da LGT, segundo o qual estes juros são devidos “quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil – cf. artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
V. DECISÃO
De harmonia com o supra exposto, acordam os árbitros deste Tribunal Arbitral em julgar improcedente o pedido arbitral, com as legais consequências.
VI. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 537.724,34, indicado pela Requerente e não contestado pela Requerida, correspondente ao valor das liquidações de IRC e juros compensatórios cuja anulação se pretende – cf. artigo 97.º-A, n.º 1, alínea a) do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a) do RJAT e do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (“RCPAT”).
VII. CUSTAS
Custas no montante de € 8.262,00, a cargo da Requerente, em razão do decaimento integral, em conformidade com a Tabela I anexa ao RCPAT, e com o disposto nos artigos 12.º, n.º 2 e 22.º, n.º 4 do RJAT, 4.º, n.º 5 do RCPAT e 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
Notifique-se.
Lisboa, 13 de março de 2020
O Tribunal Arbitral Coletivo,
Alexandra Coelho Martins
Eduardo Paz Ferreira
Susana Cristina Constantino de Carvalho Furtado