I - RELATÓRIO
A… com o NIPC[1] ..., com sede na Rua E na Zona Industrial de ..., apresentou em 27/01/2014 um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do nº1 do artigo 2º,da alínea a) do nº 2 do artigo 5º e nº1 do artigo 6º,todos do RJAT[2], com vista à declaração de ilegalidade dos actos tributários consubstanciados nas liquidações nºs ...89; ...91; ...93;...95; ...97; ...01; ...03; ...05; ...06;...08; ...10; referentes a IVA[3] e respectivas liquidações de juros nºs ...90; ...92; ...94; ...96; ...98; ...00; ...02...04; ...07; ...09 e ...11 todas do ano de 2012.
2 – O pedido de constituição do tribunal arbitral foi feito sem exercer a opção de designação de árbitro, vindo a ser aceite pelo Exmº Senhor Presidente do CAAD[4] e automaticamente notificado à AT[5] em 28/01/2014.
3 – Nos termos e para os efeitos do disposto no nº2 do artigo 6º do RJAT, por decisão do Exmº Senhor Presidente do Conselho Deontológico, devidamente comunicada às partes, nos prazos legalmente aplicáveis, foi designado Arlindo José Francisco, na qualidade de árbitro, que comunicou ao Conselho Deontológico de Arbitragem Administrativa a aceitação do encargo no prazo legalmente estipulado.
4 - O tribunal foi constituído em 28/03/2014 de harmonia com as disposições contidas na alínea c) do nº 1 do artigo 11º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228º da Lei nº 66-B/2012, de 31 de Dezembro.
5 – Com o seu pedido visa a requerente que seja declarada a ilegalidade das aludidas liquidações, a sua consequente anulação e o reembolso à requerente dos valores por ela pagos com referência às mesmas.
6 – Invoca para o efeito a falta de prova e fundamentação do relatório de inspecção que as originou, por este violar normas jurídicas aplicáveis à situação concreta.
7 – Sustenta que o valor das liquidações notificadas à requerente não corresponde ao valor resultante do somatório dos montantes identificados no relatório inspectivo o que torna o acto praticado ilegal.
8 – Por outro lado sendo uma empresa portuguesa, embora o seu capital social seja detido maioritariamente por duas empresas belgas (B e C) com as quais estabeleceu um contrato principal de prestação de serviços e um contrato especial de prestação de serviços, tendo a requerente cobrado serviços à sua accionista (B) sem que tenha liquidado IVA uma vez que as enquadrou no nº 8 do artigo 6º do CIVA[6] com a redacção ao tempo em vigor, não havendo por isso qualquer falta de liquidação de IVA em prestações de serviços.
9 – Também não concorda com a posição da AT ao não aceitar a justificação dada quanto ao destino de certos bens (uns transferidos das instalações antigas para as novas e outros vendidos para a sucata) aquando da deslocalização das instalações da ... para ... e, consequentemente, ter procedido a liquidação de IVA no montante de €22 381,53 feita ao abrigo da alínea f) do nº3 do Código do CIVA.
10 – Contra estas liquidações apresentou a requerente reclamação graciosa que veio a ser totalmente indeferida e não se conformando com tal decisão apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
11 – Por sua vez a AT entende não haver violação de normas jurídicas aplicáveis à situação concreta e que o valor que a requerente alega não lhe ter sido notificado está incluído na liquidação ...95;
12 – AT também não aceita que a não liquidação de IVA nos serviços prestados à B possa ser enquadrada nas alíneas do nº8 do artigo 6º do CIVA, dada a natureza dos serviços em causa.
13 - Quanto aos bens do imobilizado da fábrica da ... a AT não aceitou a justificação da requerente e constatou que o abate dos bens ocorreu em Abril de 2008 e as vendas para sucata e transferências teriam ocorrido em 2005,2006 e 2007, considerando por isso que a liquidação adicional levada a efeito para o período de Abril de 2008 é legal e justifica-se.
14 – Por último a AT considera que a liquidação de Abril de 2008 no montante de €22 381,53 inclui o valor de € 4 410,00 relativo a imposto deduzido indevidamente, já que o documento emitido para suporte da dedução, não obedece ao formato legal.
II –SANEAMENTO
O tribunal foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, de acordo com o artigo 2º do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas e encontram-se regularmente representadas de harmonia com os artigos 4º e 10º,nº2 do RJAT e artigo 1º da Portaria nº 112-A/2011, de 22 de Março.
Em 04/06/2014, teve lugar a reunião do tribunal, de harmonia com o artigo 18º do RJAT e, ouvidas as partes, foi declarado pela requerente manter interesse na inquirição das testemunhas … e … e pela requerida mantinha também interesse na inquirição da testemunha indicada.
A inquirição ocorreu em 08/09/2014 e foi concedido um prazo de 15 dias para as alegações a correr em simultâneo para ambas as partes.
Nas alegações juntas aos autos pelas partes, no essencial, limitam-se a confirmar as posições já expendidas nas respectivas peças processuais e intervenções anteriores. A requerente, através de dois itens (do enquadramento legal da questão em sede de IVA; e dos princípios fundamentais do procedimento tributário) procura teorizar mais pormenorizadamente o seu ponto de vista. A requerida suporta a sua actuação nos factos verificados na acção inspectiva e na lei ao tempo em vigor.
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas questões que obstem à apreciação do mérito da causa, estando reunidas as condições para ser proferida decisão final.
III- FUNDAMENTAÇÃO
1 – Questões a dirimir:
a) Se houve ou não imposto deduzido indevidamente por constar em documento sem forma legal;
b) Se os serviços prestados pela requerente à B, empresa Belga, deveria a sua localização ser considerada na Bélgica, não cabendo à requerente a liquidação de IVA;
c) Se houve ou não falta de liquidação de IVA nos termos da alínea f) do nº 3 do artigo 3º do C IVA;
d) Se as liquidações levadas a efeito pela AT, aqui em discussão, padecem de falta de fundamentação e de ilegalidades por violação das normas jurídicas aplicáveis e consequentemente deverão ser anuladas e devolvidas à requerente as importâncias indevidamente pagas.
2 - Matéria de Facto:
2.1 - A matéria de facto relevante e provada com base nos elementos juntos aos autos é a seguinte:
a) A requerente é uma empresa portuguesa com sede na Zona Industrial de ... que se dedica à produção, acondicionamento e venda de vegetais congelados;
b) O seu capital social é maioritariamente pertencente a duas empresas Belgas (B e C);
c) Apresenta-se regularmente como credora de IVA dado que as suas transmissões de bens são intracomunitárias;
d) A empresa teve a sua sede em Leiria, deslocalizando-a para Alpiarça quando decidiu ampliar as suas instalações e aumentar a sua produção;
e) Foi apresentado um contrato principal de prestação de diversos serviços celebrado entre a requerente e as empresas do grupo (B e C) e um contrato especial celebrado entre a requerente e a B;
f) Houve imposto deduzido no montante de 4 410,00 cujo documento de suporte não reúne as condições legalmente impostas para o efeito;
g) Houve prestações de serviços da requerente, localizadas em território nacional, sem que o documento de suporte contenha a justificação para a não liquidação de IVA;
h) Não foi justificado o destino dos bens cujo abate contabilístico ocorreu em Abril de 2008;
i) Das testemunhas arroladas pela requerente só depôs … prescindindo a requerente da audição das restantes;
j) Do depoimento da referida testemunha destaca-se as afirmações:
1) “das prestações da A à B serem feitas em Portugal segundo instruções transmitidas da Bélgica e que mensalmente a A facturava os serviços à B;
2) da impossibilidade da identificação dos bens que vieram transferidos de Leiria para Alpiarça e dos vendidos para a sucata, uma vez que as pessoas que lidaram de perto com os materiais não os indicaram correctamente à contabilidade. E que o abate contabilístico só ocorreu em Abril de 2008, dado que a prioridade superiormente definida era a produção”
k) A testemunha arrolada pela requerida destaca-se “apenas se fez apreciação da situação dos bens que ainda permaneciam com valor contabilístico desprezando-se os que já estavam totalmente amortizados”.
2.2 Factos não provados com relevância para os autos:
A falta de notificação do valor de € 606,48.
3 – Matéria de Direito
3.1 A requerente pretende, em síntese, que seja declarada a ilegalidade das liquidações ao abrigo das alíneas a), c) e d) do artigo 99º do CPPT[7] com a sua consequente anulação e reembolso dos valores indevidamente pagos com referência às mesmas;
3.2 Por sua vez a AT pretende que seja declarada a improcedência do pedido por considerar ter havido dedução indevida de imposto, falta de liquidação de imposto em prestações de serviços, na afectação de bens da empresa a fins alheios à mesma e venda de bens para sucata;
3.3 Tendo em conta que toda a mecânica do IVA assenta na obrigatoriedade de emissão de factura ou documento equivalente pela transmissão de bens ou prestação de serviços definidas nos artigos 3º e 4º do CIVA e que as facturas ou documentos equivalentes tem de obrigatoriamente conter todos os elementos constantes do nº 5 e suas alíneas do artigo 36º do CIVA (ao tempo dos factos artigo 35º), iremos analisar o cumprimento ou não dos normativos legais aplicáveis;
3.4 Quanto ao IVA deduzido em documento sem forma legal, segundo o relatório da inspecção, foi deduzido pela requerente IVA no montante de 4 410,00€ através de venda a dinheiro nº 56 de 17 de Abril de 2008 de serviços prestados pela empresa X…Ldª sem que tal documento esteja emitido sob a forma legal, isto é, com os elementos mencionados no então artigo 35º do CIVA, hoje artigo 36º, com este comportamento a requerente infringiu o nº 2 e 6 do artigo 19º do CIVA, factos que a requerente não contestou e se dão por provados;
3.5 Aliás a jurisprudência sobre esta matéria é abundante e os serviços inspectivos carrearam para os autos através do seu relatório que nos dispensamos de os enumerar;
3.6 Quanto à falta de liquidação de IVA em prestações de serviços, segundo o mesmo relatório, a requerente prestou serviços ao sujeito passivo belga B NIF ..., com regularidade mensal durante o ano de 2008, e os documentos emitidos por essas prestações de serviços não só não tinham liquidação de IVA nem dos mesmos constava o motivo justificativo da não aplicação do imposto nessas prestações de serviços como lhe impunha, então, a alínea e) do nº 5 do artigo 36º do CIVA;
3.7 As referidas prestações de serviço foram realizadas em território nacional, não havendo nenhum conflito na factualidade, mas sim nos normativos aplicáveis ao caso concreto, enquanto a requerente entende que lhe é aplicável nas alíneas c) d) e f) do nº8 do artigo 6º do CIVA conjugado com a alínea a) do nº 9 deste mesmo artigo a AT entende que não, por as prestações de serviço em causa “armazenamento dos produtos produzidos pela B sob a marca D, gestão de stocks desses produtos, recepção dos mesmos, recepção dos pedidos de encomenda dos clientes da B, D entrega para os clientes nos seus armazéns” não são os referidos nos aludidos normativos;
3.8 De acordo com o nº 4 do artigo 6º do CIVA: “São tributáveis as prestações de serviços quando efectuadas por um prestador que tenha no território nacional a sede da sua actividade ou um estabelecimento estável a partir do qual os serviços sejam prestados ou, na sua falta, o seu domicílio”;
3.9 Nas alegações escritas veio agora a requerida argumentar que a A estaria numa subordinação tal qual a existente entre um trabalhador e um superior hierárquico e que a A, limita-se a executar tarefas em Portugal de acordo com as instruções materialmente resultantes de prestações de serviços efectuada pela entidade belga;
3.10 Mas o certo que as prestações de serviços de que se está a exigir o IVA resultam de tarefas realizadas em Portugal pela A e pelas quais emitia mensalmente a respectiva factura, sem que nas mesmas constasse liquidação de IVA ou o motivo justificativo da sua não liquidação como então lhe impunha a alínea e) do nº 5 do artº 36º do CIVA;
3.11 Por esta via as prestações em causa são localizadas no território nacional e como tal haveria lugar à liquidação de IVA e, para que tal não acontecesse, teriam que estar nas excepções então previstas nos nºs 5 e seguintes do artigo 6º do Código do IVA com a redacção contemporânea das prestações de serviço, isto é em 2008, o que não se verifica;
3.12 Do exposto é de concluir que as prestações em causa estavam sujeitas a imposto no valor apurado de €7 233,96 devendo a referida liquidação ser mantida;
3.13 Quanto à falta de liquidação de IVA nos termos da alínea f) do nº 3 do artigo 3º do CIVA aludida no referido relatório, constata-se que a requerente quando procedeu à venda das instalações da ..., não é feita qualquer referência aos bens móveis do activo imobilizado quanto à sua integração na mesma, no entanto, o seu abate ocorreu em Abril de 2008, conjuntamente com os imóveis;
3.14 Questionada a requerente o sobre destino dos bens móveis abatidos, esta, informa que foram transferidos alguns deles para ... após a conclusão das novas instalações e os restantes terão permanecido na ... até à sua venda para a sucata;
3.15 Porém a requerente não logrou a comprovação documental de tais factos junto da inspecção quer no que respeita aos bens transferidos quer quanto aos bens vendidos para a sucata e também não o conseguiu fazer nos presentes autos;
3.16 A tentativa de prova testemunhal também resultou infrutífera, na medida em que a testemunha repetiu o alegado e acrescentou ter havido impossibilidade de identificação dos bens, nos moldes pretendidos pela AT, uma vez que as pessoas que, ao tempo, lidaram com o processo não indicaram correctamente a identificação dos bens à contabilidade e que o abate contabilístico só ocorreu em 2008 dado que a prioridade, superiormente, estabelecida foi a produção;
3.17 Como já se referiu a mecânica do IVA exige emissão de documentos nos moldes legalmente previstos que justifiquem as operações e, no caso concreto, a requerente não conseguiu apresentar documentos probatórios do destino dado aos bens elencados no relatório inspectivo e, os apresentados, não configuravam as operações que pretendiam suportar;
3.18 Tendo em conta que se estava na presença de bens que pela sua aquisição houve dedução total do imposto suportado cujo destino não foi documentalmente justificado, a situação cai na previsão da norma da alínea f) do nº 3 do artigo 3º do CIVA, havendo lugar à liquidação de imposto;
3.19 Cabendo à requerente o ónus da prova do destino dos bens, que não conseguiu fazer através de documentos legalmente previstos, nos termos da última parte do artigo 86º do CIVA, há presunção de transmissão dos mesmos bens, o que suporta a legalidade das liquidações efectuadas e aqui em causa que deverão ser mantidas.
3.20 Quanto a saber se as liquidações levadas a efeito pela AT, aqui em discussão, padecem de falta de fundamentação e de ilegalidades por violação das normas jurídicas aplicáveis, como já se referiu o IVA tem a sua mecânica suportada nos documentos que obrigatoriamente os SP´s são obrigados a emitir, factura ou documento equivalente por cada transmissão ou prestação de serviços que devem ser emitidos nos prazos e com as formalidades elencadas no artigo 36º do CIVA , seus números e alíneas;
3.21 E, por tudo o que se deixa exposto, entende o tribunal que a AT não só fundamentou correctamente as liquidações em causa como as mesmas obedecem ao quadro legislativo ao tempo em vigor.
3.22 Quanto ao procedimento inspectivo também o mesmo foi realizado com a observância do das normas legais previstas nomeadamente do RCPIT[8] e, perante a documentação que lhe foi exibida (veja o respectivo relatório nos itens de IVA deduzido em documento sem forma legal; falta de liquidação de IVA em prestações de serviços; e a documentação de suporte das transferências de bens da ... para ... e dos bens vendidos para a sucata) a sua actuação foi não só legal mas ao mesmo tempo ponderada - veja-se o declarado pelo funcionário Inspector: “apenas considerou os bens com valor contabilístico desprezando os totalmente amortizados”
IV – DECISÃO
Face ao exposto o tribunal declara improcedente o pedido de pronúncia absolvendo a requerida do pedido, com todas as legais consequências.
Fixa o valor do processo em € 34 354,03,de harmonia com as disposições contidas no artigo 299 nº 1 do CPC[9], artigo 97º-A do CPPT e artigo 3º,nº 2 do RCPAT[10].
Custas a cargo da requerente, ao abrigo do nº 4 do artigo 22º do RJAT, fixando-se o respectivo montante em € 1 836,00,de acordo com o disposto na tabela I referida no artigo 4º do RCPAT.
Notifique.
Lisboa,15 de Outubro de 2014
Texto elaborado em computador, nos termos do artigo 131,nº5 do CPC, aplicável por remissão do artigo 29º,nº1 alínea e) do RJAT, com versos em branco e revisto pelo tribunal.
A redacção da presente decisão rege-se pela ortografia anterior ao acordo ortográfico.
O árbitro singular,
Arlindo Francisco
[1] Acrónimo de Número de Identificação de Pessoa Colectiva
[2] Acrónimo de Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária
[3] Acrónimo de Imposto Sobre o Valor Acrescentado
[4] Acrónimo de Centro de Arbitragem Administrativa
[5] Acrónimo de Autoridade Tributária e Aduaneira
[6] Acrónimo de Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado
[7] Acrónimo de Código de Procedimento e do Processo Tributário
[8] Acrónimo de Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária
[9] Acrónimo de Código de Processo Civil
[10] Acrónimo de Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária