Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Prof.ª Doutora Suzana Fernandes da Costa e Dr. Rui Ferreira Rodrigues (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-01-2020, acordam no seguinte:
1. Relatório
A... e mulher B..., contribuintes fiscais números ... e ..., residentes na Rua ..., ..., ......-... ... (adiante abreviadamente designados por «Requerentes»), vieram apresentar pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), tendo em vista a apreciação da legalidade da liquidação de IRS do ano de 2015, com o n.º 2019... .
É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.
O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 16-10-2019.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
Em 04-12-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-01-2020.
A Autoridade Tributária e Aduaneira apresentou resposta, em que defendeu a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
Por despacho de 07-02-2020, foi dispensada reunião e alegações.
O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.
As partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e art. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
O processo não enferma de nulidades.
2. Matéria de facto
2.1. Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
-
Foi realizada uma acção inspectiva aos Requerentes relativa ao ano de 2015, em sede de IRS;
-
Nessa inspecção foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária (RIT) que consta do documento n. 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais o seguinte:
III.1 ALIENAÇÃO ONEROSA DE PARTES SOCIAIS
III.1.1 ALIENAÇÃO DE AÇÕES DA SOCIEDADE C..., SA
No ano de 2015, o sujeito passivo A... vendeu 35.000.000 ações de que era detentor na sociedade C..., SA, NIPC ..., à sociedade D..., SA, NIPC ... (anexo I).
O valor total da operação foi de 6.120.873,52 EUR, correspondendo ao sujeito passivo o valor de venda de 3.037.748,52 EUR, valor que foi mencionado no Anexo G1 (Mais-valias não tributadas) da declaração de rendimentos Modelo 3 do IRS, bem como na informação da declaração Modelo 4 (Aquisição e/ou alienação de valores mobiliários) entregue pela D..., SA, enviada nos termos do artigo 138.º do CIRS.
A venda das ações (no total, 70.000.000, sendo 50% das mesmas propriedade de A..., e os restantes 50%, propriedade de E...), foram pagas da seguinte forma:
- a quantia de 2.537.748,52 EUR a ser paga a A... por cheque visado ou bancário entregue na data de celebração do contrato;
- a quantia de 500.000,00 EUR que fica na posse da D..., SA, a título de caução, que será entregue a A... em três prestações, sendo a última em final de 2019;
- a quantia de 3.083.125,00 EUR a ser paga a E... por cheque visado ou bancário entregue na data de celebração do contrato.
Considerando que o valor nominal das ações é de 0,01 EUR, as ações vendidas correspondem a 350.000,00 EUR do capital social da C..., SA.
Os ganhos resultantes da alienação de ações (partes sociais) são considerados mais-valias mobiliárias e, como tal, sujeitos a tributação como rendimento da categoria G, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 9.º e alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º do CIRS.
O ganho considera-se obtido no momento da alienação das ações, conforme o disposto no n.º 3 do artigo 10.º do CIRS. A alienação ocorreu em 2015-12-31, data em que foi celebrado o contrato de compra e venda de ações (anexo l). Assim, é esse o momento em que se considera obtido o ganho.
O ganho sujeito a tributação é dado pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição das ações, nos termos da alínea a) do n.º 4 do artigo 10.º do CIRS.
De acordo com o disposto na alínea f) do n.º 1 do artigo 44.º do CIRS, o valor de realização ascende a 3.037.748,52 EUR, conforme resulta dos documentos acima referenciados.
Quanto à aquisição das ações, importa começar por identificar os vários momentos. Atendendo aos registos inscritos na certidão permanente da C..., SA (anexo II), verifica-se que os Sujeitos Passivos adquiriram as partes sociais em oito momentos distintos, a saber:
(a) O primeiro momento ocorreu em 18-03-1978, aquando da constituição da sociedade (à data, F..., Lda, sociedade por quotas), sendo que A... subscreveu e realizou uma quota no montante de 16.703,73 EUR. Os dois sócios restantes subscreveram quotas no mesmo montante de 16.709,73 EUR, cada um. À data da constituição da sociedade, o capital foi subscrito em escudos, totalizando 10.050.000.000$00 (anexo II - fl. 11 verso);
(b) O segundo momento foi em 17-09-1990, com um aumento de capital realizado em numerário e pela incorporação de reservas de reavaliação. A... entrou com 25.971,60 EUR em dinheiro, tendo-lhe correspondido 7.871,83 EUR na incorporação de reservas de reavaliação em capital. Este aumento foi igual ao aumento dos dois restantes sócios. O capital da sociedade passou a 30.405.000$00, ou, em euros, 151.659,50 EUR (anexo II-fl. 11 verso);
(c) O terceiro momento foi em 05-06-1991, com outro aumento de capital, desta feita por incorporação de reservas livres, tendo sido incorporado na quota de A... o valor de 7.960,28 EUR, e 26.282,20 EUR em dinheiro, o que perfaz uma quota no montante de 84.795,64 EUR. Os restantes dois detentores do capital aumentaram as suas quotas em montantes iguais ao aumento da quota de A..., perfazendo o capital social, nesse momento, 254.386,83 EUR (anexo II -fl.s 11 verso e 12);
(d) O quarto momento foi em 30-10-2001, com um aumento de capital realizado por incorporação de reservas, cabendo 0,36 EUR a cada um dos três detentores do capital. A quota de A... correspondia ao valor de 84.796,00 EUR, ou seja, um terço do capital (anexo II -fl. 12 e 12 verso);
(e) O quinto momento foi em 22-11-2004, com o aumento de capital por incorporação de reservas de reavaliação (34.338,00 EUR para cada um dos sócios), incorporação de reservas especiais (63.129,36 EUR, idem), transformação de prestações suplementares em capital (49.199,33 EUR, idem), e 0,01 EUR em dinheiro, este valor apenas relativo ao sócio G... . A parte correspondente a A... ascendia a 231.462,69 EUR, e o capital social totalizava 694.388,08 EUR (anexo II - fl. 12 verso);
(f) O sexto momento ocorreu em 22-11-2004, momento em que a totalidade do capital pertencente a G... foi transmitida aos dois restantes sócios da sociedade, metade a cada um deles, pelo seu valor nominal. A... passou a deter uma quota no montante de 347.194,04 EUR (anexo II, fl. 12 verso e anexo III);
(g) O sétimo momento aconteceu em 18-12-2007, quando a sociedade foi transformada em sociedade anónima. Houve entrada de quatro novos acionistas, cada um deles tendo entrado com 650,00 EUR em dinheiro, totalizando 2.600,00 EUR. Na mesma data ocorreu o aumento do capital por incorporação de reservas livres, correspondendo 1.505,96 EUR a cada um dos dois restantes acionistas, sendo um deles A... (anexo II - fl. 3);
(h) O oitavo momento ocorreu em 31-03-2015, quando o sujeito passivo adquiriu 65.000 ações a H..., e 65.000 ações a I..., pelo valor unitário de 0,01 EUR, e global de 1.300,00 EUR.
Este acionista detinha, no final da operação, capital no montante de 350.000,00 EUR, sendo que a totalidade do capital social era de 700.000,00 EUR.
Em anexo (anexo IV) apresenta-se o mapa-resumo das alterações ocorridas no capital social da C..., SA, desde o momento da constituição até ao momento anterior à alienação das ações.
Uma vez que o valor nominal das ações é de 0,01 EUR, verifica-se que o sujeito passivo era possuidor de 35.000.000 tal como foi declarado na declaração Modelo 4 (Aquisição e/ou alienação de valores mobiliários) entregue pela D..., SA.
De seguida procede-se á determinação do valor de aquisição associado a cada um dos momentos acima identificados, fazendo referência às respetivas alíneas identificativas [alíneas de (a) a (h)]. Importa desde já referir, por ser importante para a exposição que se segue, que a C..., SA foi transformada em sociedade anónima em 18-12-2007 (antes era uma sociedade por quotas) e que cada ação tinha o valor nominal de 0,01 EUR. Refira-se ainda que a data de aquisição de ações resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem, conforme resulta da alínea b) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS.
O primeiro momento de aquisição (a) ocorreu em 1978, com a constituição da sociedade. Em causa estão 1.670.973 ações (16.709,73 EUR / 0,01 EUR por ação = 1.670.973 ações). O valor desta aquisição é de 16.709,73 EUR, conforme o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 48.º do CIRS.
Em 1990 ocorreu o segundo momento de aumento de capital (b), em que A... aumentou a sua quota em 33.843,44 EUR, sendo 7.871,83 EUR relativos a incorporação de reservas de reavaliação e o restante em numerário. Atendendo a que se está perante um aumento de capital por incorporação de reservas, para efeitos de mais-valias releva o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS, onde se lê que a data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem. Assim, há que reportar a aquisição desta quota ao primeiro momento de aquisição, ou seja, 1978. O valor da parte do aumento de capital por incorporação de reservas cuja data de aquisição se considera ter ocorrido em 1978 não releva para a determinação do valor de aquisição, por as participações sociais adquiridas antes de 01-01-1989, por força do definido nos n.ºs 1 e 3 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11, e na alínea a) do n.º 6 do art.º 43.º do CIRS, não se encontrarem sujeitas ao apuramento de mais-valias:
O terceiro momento de aquisição (c) ocorreu em 1991, com um aumento de capital realizado em parte por incorporação de reservas livres, cabendo ao sujeito passivo o montante de 7.960,28 EUR, sendo o restante em dinheiro (26.282,20 EUR). Neste aumento de capital, o sujeito passivo reforçou a sua participação em 34.242,48 EUR, passando a deter uma quota no montante de 84.795,64 EUR. Uma parte do aumento de capital por incorporação de reservas diz respeito à entrada de capital ocorrida em 1978, e uma parte diz respeito ao capital adquirido em 1990, tal como demonstrado no quadro seguinte:
O quarto momento de aquisição (d) ocorreu em 2001, com um aumento de capital realizado também por incorporação de reservas, no montante de 0,36 EUR atribuído ao sujeito passivo:
O quinto momento de aquisição (e) ocorreu em 2004, com o aumento da participação do sujeito passivo por incorporação de reservas (de reavaliação e especiais) e conversão de prestações suplementares em capital. O aumento da participação ocorrida nesta data foi de 146.666,69 EUR. Do montante de aumento de capital por incorporação de reservas, uma parte encontra-se excluída de tributação, e outra parte está sujeita a tributação:
O sexto momento de aquisição (f) ocorreu em 2004, momento em que o sujeito passivo adquiriu, pelo valor nominal, metade da participação pertencente a G..., no montante de 115.731,35 EUR.
O sétimo momento de aquisição (g) ocorreu em 2007, quando ocorreu mais um reforço de capital por incorporação de reservas (livres), tendo cabido ao sujeito passivo o aumento de 1.505,96 EUR.
O oitavo momento aconteceu em 2015, quando o sujeito passivo adquiriu 130.000 ações a H... e I..., pelo valor total de 1.300,00 EUR.
Foram vendidas 35.000.000 ações, pelo valor de 3.037.748,52 EUR. Contudo, uma parte da mais-valia apurada pela venda das ações não é tributada. A mais-valia não tributada corresponde às ações adquiridas antes de 1989-01-01, por força do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11. Nestas condições estão 1.670.973 ações correspondentes ao capital inicial (a sociedade C..., SA foi constituída em 1978) e 3.471.211 ações associadas aos vários aumentos de capital por incorporação de reservas, ocorridos posteriormente a 1989-01-01, mas que, por força legal, se reportam à data da constituição da sociedade:
Assim, a mais-valia associada à alienação de 5.142.184 ações (1.670.973 ações + 3.471.211 ações) não está sujeita a tributação em sede de IRS. As restantes ações alienadas, 29.857.816 ações (35.000.000 ações - 5.142.184 ações), estão sujeitas a tributação em sede de IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.ºdo CIRS.
De acordo com o n.º 1 do artigo 50.º do Código do IRS, o valor de aquisição de partes sociais é corrigido pela aplicação de coeficientes aprovados por portaria sempre que tenham decorrido mais de 24 meses entre a data de aquisição e de alienação.
O valor de aquisição das ações por incorporação de reservas não releva para o apuramento da mais valia, uma vez que os diversos aumentos de capital por incorporação de reservas não implicaram efetivas entradas em dinheiro ou espécie por parte do detentor de capital, pelo que a mais valia realizada (sujeita ou não a tributação) é correspondente ao valor total de realização das ações alienadas.
Posto isto, estamos em condições de calcular o valor da mais-valia que não está sujeita a tributação e a que está sujeita a tributação, associada à alienação das ações da sociedade C... SA, e isso é determinado no quadro seguinte (o qual também se junta como anexo V):
Em conclusão, a mais-valia sujeita a tributação em sede de IRS, resultante da alienação das ações da sociedade C..., SA, é no montante de 2.286.355,63 EUR (soma da coluna L do quadro acima). Refira-se que os Sujeitos Passivos declararam a totalidade da mais-valia realizada no Anexo G1 (Mais-valias não tributadas) da declaração Modelo 3 do IRS, e, como tal, a alienação das ações da sociedade C..., SA foi considerada totalmente não tributada, contrariamente ao que legalmente é devido e atrás se demonstrou.
Nos termos da alínea c) do n.º 1 do artigo 72.º do Código do IRS, são tributados à taxa de 28% o saldo positivo entre mais e menos valias relacionadas com a alienação onerosa de partes sociais.
Relativamente à possibilidade de o sujeito passivo usufruir da redução de tributação da mais-valia aqui calculada (n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS) pela alienação da participação de que era detentor na sociedade C..., entendemos que a mesma não existe. À data da alienação das partes sociais, a C... não demonstrou encontrar-se em condições de ser qualificada como micro ou pequena empresa. Foram apresentados requerimentos junto do IAPMEI nesse sentido, inicialmente para ser qualificada como Média Empresa, posteriormente para ser qualificada como Pequena Empresa, mas os requerimentos foram indeferidos e todas as certificações que haviam sido concedidas à C... foram revogadas, com efeitos retroativos:
Em 15-04-2019 foi remetido o ofício ao qual foi atribuído o número ..., ao IAPMEI - Agência para a Competitividade e Inovação, IP, solicitando que nos informasse:
- se foi apresentado naquele organismo, pela C..., pedido de certificação de PME nos termos do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, para o ano de 2015;
- se, na sequência do último pedido de certificação de PME apresentado para o ano de 2015, foi revogada, concedida ou mantida a certificação da C... como micro ou pequena empresa.
Em resposta, o IAPMEI remeteu um e-mail referindo o seguinte:
"Na sequência do pedido de informações e esclarecimentos da Direção de Finanças de ...(ofício..., de 15/04/2019) relativamente ao processo de certificação da empresa C..., S.A. (NIF ...), esclarece-se que, como pode ser verificado na plataforma de consulta da Certificação PME dessa Direção de Finanças, nos termos do n.º 3 do artigo 3º e do artigo 10º do Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 81/2017, de 30 de Junho, a empresa C..., S.A. (NIF...), após uma fase de caducidade da certificação, fez novo pedido de certificação em 24 de setembro de 2014, tendo pedido a posterior renovação da certificação em 16 de julho de 2015.
Esclarece-se ainda que, na sequência de um procedimento de averiguações ao processo de certificação da empresa C..., S.A. (NIF...), nos termos do n.º 4 do artigo 7º do referido Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro, alterado e republicado pelo Decreto-Lei n.º 81/2017, de 30 de junho, o IAPMEI procedeu, em 26 de abril último, à revogação das certificações da empresa, por motivo irregularidades nos dados que foram declarados para efeitos dos vários pedidos de certificação. A revogação das certificações tem efeitos retroativos à data da primeira certificação (inclui, portanto, os pedidos efetuados pela empresa em 24 de setembro de 2014 e em 16 de julho de 2015). A revogação das certificações pode igualmente ser observada na plataforma de consulta da Certificação PME da Direção de Finanças de ... ."
(...)
IX : Direito de Audição
O SP foi notificado, através do ofício n.º ..., do Projeto de Correções do Relatório de Inspeção (PRIT) e que poderia exercer, caso assim o entendesse, o direito de audição nos termos previstos no artigo 60.º da Lei Geral Tributária e artigo 60.º do Regime Complementar do Procedimento de Inspeção Tributária e Aduaneira, no prazo de 15 dias após a notificação.
A notificação foi remetida em 2019-05-07, no entanto, da consulta efetuada ao sítio dos CTT, verifica-se que o SP foi notificado apenas em 2019-05-16. Em 2019-05-31 foi enviado, via postal, o requerimento que deu entrada nesta direção de finanças em 2019-06-03.
Com o dito requerimento o SP visava exercer o direito de audição dos elementos constantes do PRIT. O SP discorda da tributação das mais valias relativas a aumentos de capital, quer por incorporação de reservas, quer por entradas em dinheiro, por terem ocorrido após 1989. O n.º 6 do artigo 43.º do Código do IRS determina que: "6 - Para efeitos do número anterior, considera-se que:
a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;
b) A data de aquisição de ações resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem."
Consequentemente, entendem que os sucessivos aumentos de capital se reportam à data de aquisição das quotas que lhes deram origem, ou seja, ao ano de 1978 e por isso excluídos de tributação.
Para dar razão a esta pretensão, apresentam as conclusões do Acórdão do STA, Processo n.º 0149/17, de 2018-07-03.
É ali referido que o aumento de capital de uma empresa assume duas diversas formas, ou se realiza por incorporação de reservas ou por novas entradas. Quando o aumento de capitai assume a forma de novas entradas, ou os sócios/acionistas das empresas adquirem novas quotas/ações emitidas pela empresa, ou não há criação de novas quotas/ações mas é aumentado o valor nominal das existentes.
Assim, é aí dito que, quando os sócios de uma empresa deliberam aumentar o capital da mesma "em reforço das suas quotas", expressão com o sentido inequívoco de que não houve aumento do número de quotas, pelo que a situação concreta tem enquadramento no disposto no art. 43º n.º 4, al. a) do CIRS.
Relativamente ao alegado no direito de audição apresentado pelo SP, discordamos do mesmo.
Na realidade, fiscalmente o que está em causa é apenas a diferenciação entre aumentos de capital por incorporação de reservas ou por entradas em dinheiro. As primeiras encontram-se enquadradas na alínea a) do n.º 4 do artigo 43.º do Código do IRS, sendo que a parte proporcional do aumento de capital que corresponde à entrada de capital anterior à entrada em vigor do Decreto-Lei 442-A/88, de 30 de novembro, se encontra excluída de tributação. Relativamente à segunda situação - aumentos de capital por entradas em dinheiro - as mesmas dizem respeito ao efetivo aumento de capital, independentemente de o mesmo se tratar da criação de novas quotas ou do reforço das já existentes. Em substância, estamos sempre perante um aumento de capital por entradas em dinheiro, independentemente da forma jurídica que esse aumento adquiriu. Face à realidade concreta – aumento de capital por entradas em dinheiro -, torna-se secundário se a empresa considerou tratar-se de um reforço da quota já existente ou da criação de uma nova quota.
Nem se trata sequer da violação do princípio constitucional da não retroatividade da lei, uma vez que quando o SP decide aumentar o capital da empresa por entradas em dinheiro, já está conhecedor da legislação fiscal nessa matéria e das consequências que esse aumento pode acarretar em termos fiscais.
O mesmo entendimento tem o Tribunal Central Administrativo Norte, conforme conclusões do acórdão do processo n.º 01264/09.0BEVIS, de 2017-09-28. As conclusões dos juízes relatores são aqui transcritas, nas suas partes mais relevantes:
Diferente é a posição da Administração tributária, para quem o valor declarado da cessão f...) deverá ser decomposto em duas parcelas por forma a imputar-se o resultado da venda proporcionalmente a cada uma das partes, a constituída em 1987 e excluída da tributação e a resultante do aumento de capital por entradas em dinheiro e sujeita a tributação. E tem razão a Administração tributária, avançamos já.
(...) Ora, a lei não estabeleceu qualquer exclusão de tributação ou benefício fiscal em sede de imposto de rendimento relativamente ao resultado da alienação de participações sociais adquiridas para reforço do capital social de conformidade com as disposições do D.L. 343/98, de 6 de Novembro. Em matéria de benefícios fiscais, como em matéria de incidência tributária, não há, por definição, lacunas, pois as situações não previstas como isentas de imposto (como as não sujeitas a imposto) estão, pura e simplesmente, fora do âmbito de aplicação da norma de isenção (ou de incidência, consoante os casos), mercê do especial vigor que o principio da legalidade, na sua vertente de tipicidade tributária - art.º 103.º n.º 2 da CRP - assume nestes domínios, podendo ver-se as afirmações concordantes do legislador ordinário no n.º4 do art.º 11.º da Lei Geral Tributária e no art.º 10.ºdo Estatuto dos Benefícios Fiscais.
Não vemos, pois, como inexistindo norma tributária que estabeleça a isenção ou não sujeição a imposto, dos ganhos obtidos com a alienação de quotas adquiridas em resultado do aumento de capital social imposto pelo D.L. 343/98, de 6 de Novembro, se possa pretender desviar tal situação do regime regra de tributação ou pugnar pela sua exclusão da norma de incidência, em cuja previsão literalmente se inclui. Por outro lado, defender que as quotas ia existiam à data de entrada em vigor do CIRS, somente foram actualizadas por imperativo legal, levando à alteração parcial do respectivo contrato social, como fa2em os impugnantes. é um artifício que não colhe de todo.
Como se disse já, o legislador não determinou a modalidade do aumento de capital, os sócios da sociedade, aqui impugnantes, é que deliberaram fazê-lo por entradas em dinheiro, aumentando assim o valor das quotas, quando o poderiam fazer por incorporação de reservas disponíveis, tanto mais que afirmam que a sociedade até nem tinha quaisquer necessidades de financiamento. E caso o aumento do capital social fosse efectuado por incorporação de reservas, todo o ganho obtido com a alienação das quotas estaria excluído de tributação em IRS, pois como decorre da alínea a) do n.º 4 do art.º 43.º do CIRS, "a cada de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas (...) é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem", isto é, no caso, 1987, data anterior à de entrada em vigor do CIRS. Justifica-se a diferenciação de regimes de tributação, pois no aumento de capital por incorporação de reservas o valor patrimonial da sociedade (e das participações sociais) mantém-se, não há o incremento patrimonial que se verifica nos aumentos de capital por entradas em dinheiro.
Ou seja, os sócios da sociedade, aqui impugnantes, sempre poderiam encontrar no quadro fiscal vigente soluções de forma a obviar à tributação inerente à alienação das quotas, efectuando o aumento de capital imposto por lei por incorporação de reservas disponíveis.
Concluindo, inexistindo norma tributária de isenção ou não sujeição a imposto dos ganhos obtidos com a alienação de quotas sociais adquiridas no domínio de vigência do Cód. do IRS por entradas em dinheiro, tais ganhos estão sujeitos a tributação por força do disposto na alínea b) do n.º 1 do art.º 10.º do CIRS. Se incluídas na alienação quotas constituídas (subscritas inicialmente) ou adquiridas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do CIRS, portanto não sujeitas a imposto, os ganhos devem ser decompostos (no caso, valor das quotas constituídas em 1987 e valor das quotas adquiridas em 2002) para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, sendo que o critério de imputabilidade proporcional que a Administração tributária seguiu não vem questionado nos autos.
Pelo acima exposto, as correções propostas no PRIT são de manter.
-
Na sequência da inspecção foram emitidas a liquidação de IRS n.º 2019 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2019 ..., que constam dos documentos n.ºs 1 e 2 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos;
-
A sociedade C..., SA não teve volume de negócios nem valores de balanço superior a 10 milhões de euros, os exercícios de 2012 a 2014;
-
Em 08-09-2004, foi celebrada a escritura que consta das páginas 148 a 152 do Processo Administrativo, cujo teor se dá como reproduzido;
-
A C..., SA não se encontra certificada como PME, tendo o IAPMEI revogado a sua certificação com efeitos retroactivos (artigo 37.º do pedido de pronúncia arbitral);
-
Nos anos de 2013 e 2014 a C..., SA não empregou menos de 50 trabalhadores, incluindo estagiários (documentos n.ºs 4.2. e 4.3 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos);
-
A Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a Circular n.º 7/2014, com o seguinte teor:
1. O n.º 3 do artigo 43.º do CIRS, na redacção dada pela Lei n.º 15/2010, de 26 de Julho, prevê que o saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, respeitante às transmissões onerosas de partes sociais de micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, seja considerado apenas em 50% do seu valor.
2. Por remissão expressa do n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro (alterado pelo Decreto-Lei n.º 143/2009, de 16 de Julho), diploma que define o procedimento de certificação por via electrónica de micro, pequena e média empresas (“PME”), da competência do Instituto de Apoio às Pequenas e Médias Empresas e à Inovação, I.P. (IAPMEI).
3. O Decreto-Lei em referência não contém no seu articulado uma definição de PME, dispondo apenas que os conceitos e os critérios a utilizar, para aferir o respectivo estatuto de PME para efeitos de certificação, constam do anexo ao diploma legal, que dele faz parte integrante.
4. Nos termos do artigo 2.º deste anexo, verifica-se que a qualidade de PME depende, essencialmente, da verificação de um conjunto de requisitos materiais – (I) os efectivos e (II) os limiares financeiros – tendo como referência os dados do último exercício contabilístico encerrado, calculados numa base anual (cfr. artigo 4.º do anexo ao Decreto-Lei n.º 373/2007 [trata-se de um lapso já que o diploma em
questão é o Decreto-Lei n.º 372/2007]).
5. Assim, a qualificação de micro ou pequena empresa para efeitos da aplicação dos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS, deve assentar na realidade material das entidades cujas partes sociais foram objecto de transmissão onerosa, com base na verificação dos requisitos materiais vertidos no anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, à data da alienação, impendendo sobre os sujeitos passivos o respectivo ónus da prova, nos termos do n.º 1 do artigo 74.º da Lei Geral Tributária.
6. Por conseguinte:
a) A existência de Certificação emitida pelo IAPMEI, válida à data da alienação das partes sociais, faz presumir a verificação dos requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, pelo que releva como prova bastante do estatuto de micro ou pequena empresa para efeitos do regime previsto nos n.ºs 3 e 4 do artigo 43.º do CIRS.
b) Caso a empresa não seja detentora de Certificação como micro ou pequena empresa, nos termos antes referidos, cumpre, ainda assim, aferir se a entidade, à data da alienação das partes sociais, preenchia os requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, com a consequente e eventual qualificação da entidade como micro ou pequena empresa para efeitos do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS».
-
Em 15-10-2019, os Requerentes apresentaram o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem ao presente processo.
2.2. Fundamentação da decisão da matéria de facto
Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.
2.3. Factos não provados
Não se provou que a decisão do IAPMEI de revogação da certificação da C..., SA como pequena empresa tenha sido impugnada. A Requerente faz tal afirmação, mas não apresentou qualquer prova.
3. Matéria de direito
O artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro, a aprovou o CIRS, estabelece o seguinte:
Artigo 5.º
Regime transitório da categoria G
1 - Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo código aprovado pelo Decreto-Lei n.º 46 673, de 9 de Junho de 1965, bem como os derivados da alienação a título oneroso de prédios rústicos afectos ao exercício de uma actividade agrícola ou da afectação destes a uma actividade comercial ou industrial, exercida pelo respectivo proprietário, só ficam sujeitos ao IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código. (Redacção do Decreto-Lei n.º 141/92, de 17 de Julho)
2 - Cabe ao contribuinte a prova de que os bens ou valores foram adquiridos em data anterior à entrada em vigor deste Código, devendo a mesma ser efectuada, quanto aos valores mobiliários, mediante registo nos termos legalmente previstos, depósito em instituição financeira ou outra prova documental adequada e através de qualquer meio de prova legalmente aceite nos restantes casos.
3 - Quando, nos termos dos n.ºs 8 e 10 do artigo 10.º do Código do IRS, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo mesmo valor das antigas, considera-se, para efeitos do disposto no n.º 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas. (Aditado pelo Decreto-Lei n.º 6/93, de 9 de Janeiro)
O n.º 6 do artigo 43.º do CIRS estabelece o seguinte, no que aqui interessa:
Artigo 43.º
Mais-valias
1 - O valor dos rendimentos qualificados como mais-valias é o correspondente ao saldo apurado entre as mais-valias e as menos-valias realizadas no mesmo ano, determinadas nos termos dos artigos seguintes.
(...)
3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor. ( [1] )
4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
(...)
6 - Para efeitos do número anterior, considera-se que:
a) A data de aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem;
b) A data de aquisição de ações resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem;
No ano de 2015, o Requerente A... vendeu 35.000.000 ações de que era detentor na sociedade C..., SA.
As acções alienadas foram adquiridas em 1978, quando foi constituída a sociedade, mas ocorreram vários aumentos de capital, designadamente: [2]
– aquando da constituição da sociedade (à data, F..., Lda, sociedade por quotas), sendo que A... subscreveu e realizou uma quota no montante de 16.703,73 EUR. Os dois sócios restantes subscreveram quotas no mesmo montante de 16.709,73 EUR, cada um;
– em 1990, realizado em numerário e pela incorporação de reservas de reavaliação; o aumento de capital do Requerente foi igual ao dois outros dois sócios;
– em 05-06-1991, realizado por incorporação de reservas livres; o aumento de capital do Requerente foi igual ao dois outros dois sócios;
– em 30-10-2001, aumento de capital realizado por incorporação de reservas; o aumento de capital do Requerente foi igual ao dois outros dois sócios;
– em 22-11-2004, realizado por incorporação de reservas de reavaliação – 34.338,00 EUR para cada um dos sócios –, incorporação de reservas especiais – 63.129,36 EUR, idem–, transformação de prestações suplementares em capital – 49.199,33 EUR, idem – e 0,01 EUR em dinheiro, mas este último valor apenas se refere ao sócio G...;
– na mesma data de 22-11-2004, a totalidade do capital pertencente a G... foi transmitida aos dois outros sócios da sociedade, um dos quais era o Requerente, em partes iguais;
– em 18-12-2007, quando a sociedade foi transformada em sociedade anónima, houve entrada de quatro novos acionistas, cada um deles tendo entrado com 650,00 EUR em dinheiro, totalizando 2.600,00 EUR. Na mesma data ocorreu o aumento do capital por incorporação de reservas livres, correspondendo 1.505,96 EUR a cada um dos dois restantes acionistas, sendo um deles A...;
– em 31-03-2015, quando o ora Requerente adquiriu 65.000 ações a H..., e 65.000 ações a I..., pelo valor unitário de 0,01 EUR, e global de 1.300,00 EUR.
A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu, em suma, que a mais-valia associada à alienação de 5.142.184 ações (1.570.973 ações + 3.471.211 ações), correspondente ao valor das partes do aumento de capital por incorporação de reservas, não está sujeita a tributação em sede de IRS, por a aplicação da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS levar a considerar o valor adquirido antes da entrada em vigor do CIRS, não sujeito a tributação por força do artigo 5.º do DL n.º 442-A/88, de 31 de Dezembro:
A mais-valia não tributada corresponde às ações adquiridas antes de 1989-01-01, por força do disposto no n.º 1 do artigo 5.º do Decreto-Lei nº 442-A/88, de 30/11. Nestas condições estão 1.670.973 ações correspondentes ao capital inicial (a sociedade C..., SA foi constituída em 1978) e 3.471.211 ações associadas aos vários aumentos de capital por incorporação de reservas, ocorridos posteriormente a 1989-01-01, mas que, por força legal, se reportam à data da constituição da sociedade.
(...)
O valor de aquisição das ações por incorporação de reservas não releva para o apuramento da mais valia, uma vez que os diversos aumentos de capital por incorporação de reservas não implicaram efetivas entradas em dinheiro ou espécie por parte do detentor de capital, pelo que a mais valia realizada (sujeita ou não a tributação) é correspondente ao valor total de realização das ações alienadas
Mas, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu também que «as restantes ações alienadas, 29.857.816 ações (35.000.000 ações - 5.142.184 ações), estão sujeitas a tributação em sede de IRS, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 10.ºdo CIRS».
Para além disso, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que não era aplicável a redução de tributação da mais-valia prevista no n.º 3 do artigo 43.º do Código do IRS, para micro e pequenas empresas:
À data da alienação das partes sociais, a C... não demonstrou encontrar-se em condições de ser qualificada como micro ou pequena empresa. Foram apresentados requerimentos junto do IAPMEI nesse sentido, inicialmente para ser qualificada como Média Empresa, posteriormente para ser qualificada como Pequena Empresa, mas os requerimentos foram indeferidos e todas as certificações que haviam sido concedidas à C... foram revogadas, com efeitos retroativos.
Os Requerentes defendem o seguinte, em suma:
– embora em datas diferentes os sucessivos aumentos foram sempre efetuados, ou por incorporação de reservas, ou por entradas em dinheiro em reforço da sua quota;
– em nenhuma dessas situações (aumentos de capital) foram efetuadas com a criação de novas quotas/ações, mas sim reforços da quota inicial;
– estamos em presença de uma pequena empresa, que não estando de momento certificada, não deixa de cumprir os requisitos necessários para essa classificação;
– fazendo referência no seu relatório apenas ao facto de não se encontrar certificada pelo IAPMEI, não analisando se a empresa reúne ou não as condições para ser enquadrada nessa classificação, como lhe competiria;
– os ganhos obtidos com a transmissão onerosa de participações sociais não se encontravam nas regras de incidência do Código de Imposto de Mais Valias aprovado pelo Dec. Lei n.º 46.373, de 1965.06.09;
– estabelece ainda o n.º 3 do referido art.º 5.º : ”Quando, nos termos dos n.ºs 8 e 10 do artigo 10.º do Código do IRS, haja lugar à valorização das participações sociais recebidas pelo valor das antigas, considera-se, para efeitos do disposto no n.º 1, data de aquisição das primeiras a que corresponder à das últimas";
– o mesmo resulta da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS;
– determina igualmente a alínea b) da mesma norma que: "A data de aquisição de acções resultantes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima é a data de aquisição das quotas que lhes deram origem;"
– são matérias abrangidas pela reserva de lei da Assembleia da República, não sendo permitida a interpretação ou integração por analogia;
– as participações sociais do impugnante, tiveram como data de origem 1978.03.18, muito antes da entrada em vigor do Dec. Lei 442-A/88 de 30 de novembro;
– embora, tenha reforçado ao longo dos anos o seu valor nominal, quer por reforço de capital, quer por incorporação de reservas, conforme a AT, e bem, evidenciou no seu relatório;
– a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo é no sentido da posição dos Requerentes;
– a decisão do IAPMEI foi impugnada judicialmente;
– a AT está vinculada pela Circular n.º 7/2014;
– não obstante a empresa não ser detentora de Certificação como pequena empresa, era obrigação da AT (por vínculo hierárquico) verificar se a empresa preenchia os requisitos materiais para que fosse qualificada naqueles termos, o que não fez.
A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:
– à data do Relatório da Inspecção Tributária os Requerentes não demonstraram a verificação do requisitos para a C..., SA ser considerada micro ou pequena empresa;
– a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo invocada pelos Requerentes não é uniforme, citando um acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte no sentido de que «se incluídas na alienação quotas constituídas ou adquiridas pelo sujeito passivo anteriormente à entrada em vigor do CIRS, portanto não sujeitas a imposto (n.º 1 do art.º 5.º do D.L. 442-A/88 de 30 de Novembro), os ganhos devem ser decompostos (no caso, valor das quotas constituídas em 1987 e valor das quotas adquiridas em 2002) para efeitos de exclusão ou sujeição a tributação, segundo determinado critério de imputabilidade.";
– no mesmo sentido se pronunciou a Ordem dos Contabilistas Certificados;
– tratando-se de aumento de capital por entradas em dinheiro ou em espécie, não se aplica o disposto na alínea a) do n.º 6 do artigo 43º do Código do IRS;
– justifica-se o tratamento diferenciado das duas realidades porquanto:
i) na incorporação de reservas não se verifica um aumento do património da sociedade;
ii) no aumento de capital por novas entradas em dinheiro ou em espécie, existe um incremento efetivo do património da sociedade a que corresponde um efetivo dispêndio de dinheiro ou bens por parte dos sócios.
– assim, os valores mobiliários alienados em 2015 consideram-se adquiridos em momentos diferentes, pelo que o valor da respetiva transmissão deve ser dividido em várias parcelas como se evidencia no relatório de inspeção;
– as referentes aos valores constantes do titulo constitutivo de 1978, as adquiridas posteriormente por aumentos de capital por incorporação de reservas e as decorrentes da transformação de sociedade por quotas em sociedade anónima, consideram-se adquiridas na data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem (1978), cujos ganhos se encontram excluídos da tributação, nos termos do regime transitório da categoria G, estabelecido no artigo 5.º do Decreto- Lei 442-A/88, de 30 de Novembro;
– por seu lado as resultantes de aumentos de capital por entradas em dinheiro são sujeitas a tributação;
– analisado o quadro apresentado pelo Requerente como documento 4 do pedido de pronúncia arbitral, verifica-se que nos anos 2013 e 2014, a média de trabalhadores apurada apenas é inferior a 50 por não terem sido contabilizados trabalhadores com a "categoria" estagiários;
– apenas os aprendizes ou estudantes em formação profissional titulares de um contrato de aprendizagem ou de formação profissional não são contabilizados nos efetivos e não genericamente qualquer trabalhador estagiário desconhecendo-se se os trabalhadores que constam dos mapas juntos como "estagiários" reúnem os requisitos para não ser contabilizados no número de efetivos da empresa, para efeitos de qualificação da entidade como micro ou pequena empresa;
– compulsados os dados do último exercício encerrado (2014) e dos dois anos anteriores (2013 e 2012), da IES consta um número médio de 51 pessoas remuneradas ao serviço da empresa.
3.1. Questão da aplicação do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS
As mais-valias realizadas com a transmissão de quotas ou acções adquiridas antes da entrada em vigor do CIRS (01-01-1989), não estão sujeitas a este imposto, por força do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro.
Nos termos da alínea b) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS, a transformação da sociedade por quotas F..., LDA na sociedade por acções C... SA, não afecta a situação de não sujeição a IRS, decorrente da aquisição das quotas antes de 01-01-1989.
A controvérsia entre as Partes tem apenas por objecto a interpretação da alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º, que determina que se considere como data da aquisição dos valores mobiliários cuja propriedade tenha sido adquirida pelo sujeito passivo por incorporação de reservas ou por substituição daqueles, designadamente por alteração do valor nominal ou modificação do objeto social da sociedade emitente, é a data de aquisição dos valores mobiliários que lhes deram origem.
No que concerne ao aumento do valor das quotas derivado de incorporação de reservas, a situação enquadra-se no âmbito desta alínea a), que não faz distinção entre os tipos de reservas incorporadas no valor das quotas ou acções.
Assim, as dúvidas recaem sobre os aumentos de capital que não formam realizados através de incorporação de reservas, designadamente em numerário e transformação de prestações suplementares, e as transmissões de partes de capital que eram detidas por outros sócios, ocorridas em 22-11-2004 (a totalidade do capital pertencente a G... foi transmitida aos dois restantes sócios da sociedade) e em 31-03-2015 (aquisição de 130.000 acções a dois sócios).
Na análise desta questão, é de atender à jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, designadamente o acórdão de 07-03-2018, proferido no processo n.º 0149/17, citado pelos Requerentes, a que se adere, no essencial:
A legislação comercial prevê a possibilidade de serem efectuados aumentos de capital. Por regra, tal operação funciona como uma fonte de financiamento para a empresa, para desenvolver novos projetos, um plano de expansão da organização, ou para fazer uma restruturação da atividade da empresa com a utilização de novos capitais próprios da organização que podem provir dos atuais acionistas ou sócios das empresas ou ser aberta a novos investidores.
O aumento de capital de uma empresa assume duas diversas formas, ou se realiza por incorporação de reservas, implicando uma mera operação contabilística, na qual as reservas (ou seja, nos lucros obtidos no passado e ainda detidos) se transferem para o capital social da organização, sem mudança da situação líquida da empresa, ou por novas entradas.
Quando, como na situação em análise, o aumento de capital assume a forma de novas entradas, em dinheiro ou em bens, a operação implica um processo diferente, com uma alteração da situação líquida da empresa, devido à entrada de dinheiro (ou de bens) na empresa. Neste caso, ou os sócios/acionistas das empresas adquirem as novas quotas/ações emitidas pela empresa, ou não há criação de novas quotas/acções mas é aumentado o valor nominal das existentes e, em ambas estas situações o resultado dessa operação serve para reforçar o capital social da organização.
Quando há emissão de novas quotas/ações esta é feita a um preço definido e, na maioria das vezes, as novas quotas/ações encontram-se reservadas aos anteriores sócios/acionistas, podendo ainda verificar-se a aquisição de novas quotas/acções por novos sócios. De acordo com o disposto no art.º 92.º, n.º 4 do CSC “A deliberação de aumento de capital deve indicar se são criadas novas quotas ou acções ou se é aumentado o valor nominal das existentes, caso exista, sendo que na falta de indicação, se mantém inalterado o número de acções”.
3.1.1. Alterações de capital até 22-11-2004
No caso em apreço, constata-se que o capital da F..., LDA, sociedade por quotas que antecedeu a da C..., SA, foi repartido inicialmente por igual pelos três sócios, e todos os aumentos realizados até 22-11-2014, inclusive, foram realizados em numerário ou por incorporação de reservas ou transformação de prestações suplementares, em partes iguais para os três sócios, mantendo-se, assim, 1/3 do capital na titularidade do Requerente A..., desde o início até 22-11-2004.
Isso sucedeu, inclusivamente, quanto ao aumento de capital realizado em 22-11-2004, referido na 1.ª parte da escritura que consta do processo administrativo (página 148 e seguintes).
Com estes aumentos de capital não foram criadas quotas, mas foi aumentado o valor nominal das existentes, inclusivamente o valor da quota de 1/3 do capital social que o Requerente detinha.
À face da referida jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, está-se perante situações de mera «alteração do valor nominal» da quota do Requerente A..., que se enquadram na hipótese prevista na alínea a) do n.º 6 do artigo 43.º do CIRS, em que as alterações se reportam à data de aquisição da participação social pelo Requerente.
Por isso, nenhum destes aumentos de capital afasta a relevância da data de aquisição da quota pelo Requerente, anterior à vigência do CIRS.
A quota cuja aquisição se reporta à aquisição inicial veio a traduzir-se em 23.146.269 acções quando ocorreu a transformação da F..., LDA em sociedade anónima, segundo se depreende do cálculo que consta da página 8 do RIT, cuja correcção quantitativa não é questionada.
3.1.2. Criação de quotas em 22-11-2014
Em 22-11-2004, depois de ter sido efectuado o aumento de capital, a quota do sócio G... (já aumentada) foi dividida em duas novas quotas, como se refere na 2.ª parte da escritura que consta do processo administrativo.
Cada uma destas novas quotas foi cedida, por preço igual ao valor nominal, pelo G... a cada um dos outros sócios, um dos quais era o Requerente A..., que, assim, passou a ser titular de duas quotas da F..., LDA: a de 1/3 do capital que detinha desde o início e uma das duas quotas resultantes da divisão da quota inicial do G... .
O facto de na escritura, logo a seguir à aquisição desta nova quota, o Requerente A... (bem como o outro sócio adquirente) ter declarado que pretendia unificar «a quota ora adquirida, com a que já possuía, numa única» não afasta a realidade, explicitamente reconhecida na escritura, de terem sido criadas duas novas quotas, uma das quais foi nessa data adquirida pelo Requerente A... .
Quanto a esta nova quota adquirida pelo A..., está-se perante uma aquisição ocorrida na vigência do CIRS e não perante uma mera alteração do valor nominal da quota de 1/3 que o Requerente A... detinha.
Por isso, relativamente a esta nova quota adquirida pelo Requerente A... em 20o4, não se está perante uma aquisição que se considere efectuada antes da entrada em vigor do CIRS.
Esta nova quota adquirida em 2004, depois unificada, veio a correspondera 11.573.135 acções, quando a F..., LDA veio a ser transformada em sociedade anónima, tratando-se, assim, de acções relativamente às quais as mais-valias realizadas estão sujeitas a IRS. ( [3] )
3.1.3. Alterações de capital posteriores a 2004
Em 18-12-2007, ocorreu a transformação da F..., LDA, em sociedade anónima, passando a ter a designação de C..., SA, com aumento de capital por incorporação de reservas quanto à participação do Requerente A... e entrada de quatro novos accionistas.
Em 31-o3-2015, o Requerente A... adquiriu 130.000 acções a dois dos novos accionistas referidos.
Tendo esta aquisição de 130.000 acções ocorrido em 2015, as mais-valias realizadas com a sua alienação estão sujeitas a IRS.
3.1.4. Conclusão
Do exposto resulta que, na vigência do CIRS, apenas se detectam dois momentos em que ocorreu aquisição de partes de capital pelo Requerente A...: em 22-11-2014 quando adquiriu uma das duas quotas resultantes da divisão da quota de G... (que, em 2007, na transformação da sociedade veio a corresponder a 11.573.135), e em 31-03-2015, quanto o Requerente adquiriu 130.000 acções.
Mas, nestas duas situações, ao contrário do que defendem os Requerentes, não se está perante incorporação de reservas ou entradas de dinheiro em reforço da sua quota adquirida antes da entrada em vigor do CIRS, mas sim aquisição de nova quota e aquisição de novas acções.
Assim, de 35.000.000 de acções vendidas pelo Requerente A..., foram adquiridas na vigência do CIRS as 11.573.135 acções correspondentes a uma das novas quotas criadas com a divisão da quota do G... e as 130.000 acções adquiridas em 31-03-2015.
Por isso, é em relação a estas 11.703.135 acções (11.573.135 + 130.000) que as mais-valias realizadas, no montante de € 877.885,03 (867.901,96 + 9.983,07) ( [4] ) estão sujeitas a IRS.
Tendo a liquidação assentado no pressuposto de que as mais-valias tributadas eram no montante de € 2.286.355,63, conclui-se que ela enferma de erro sobre os pressupostos de direito, que justifica a sua anulação, quanto ao excesso de matéria tributável de € 1.408.470,60.
3.2. Questão da aplicação do regime de tributação de mais-valias específico das micro e pequenas empresas
O artigo 43.º, n.ºs 3 e 4, do CIRS estabelecem o seguinte:
3 - O saldo referido no n.º 1, respeitante às operações previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 10.º, relativo a micro e pequenas empresas não cotadas nos mercados regulamentado ou não regulamentado da bolsa de valores, quando positivo, é igualmente considerado em 50 % do seu valor.
4 - Para efeitos do número anterior entende-se por micro e pequenas empresas as entidades definidas, nos termos do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de novembro.
Os Requerentes defendem que a C..., SA, reunia os requisitos para ser considerada pequena empresa, que a decisão do IAPMEI referida no RIT foi impugnada judicialmente e que a Autoridade Tributária e Aduaneira está vinculada pela Circular n.º 7/2014. Designadamente, referem ainda os Requerentes que «não obstante a empresa não ser detentora de Certificação como pequena empresa, era obrigação da AT (por vínculo hierárquico) verificar se a empresa preenchia os requisitos materiais para que fosse qualificada naqueles termos, o que não fez».
No artigo 2.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.º 372/2007, para que remete o n.º 4 do artigo 43.º do CIRS, refere-se «na categoria das PME, uma pequena empresa é definida como uma empresa que emprega menos de 50 pessoas e cujo volume de negócios anual ou balanço total anual não excede 10 milhões de euros».
Relativamente ao número de trabalhadores, os Requerentes apresentaram as listas de trabalhadores que constam do documento n.º 4.
As acções foram vendidas pelos Requerentes em 2015, pelo que os dados a considerar para o cálculo dos efectivos são os do ano de 2014, como decorre do n.º 1 do artigo 4.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.
No ano de 2014, a C..., SA em nenhum mês teve menos de 50 trabalhadores, incluindo os estagiários, que, como bem refere a Autoridade Tributária e Aduaneira na sua Resposta, são considerados como trabalhadores, já que são assalariados e não estão excluídos pelo artigo 5.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro.
Por outro lado, se é certo que o excesso de efectivos num único ano não implica a perda do estatuto de pequena empresa, para este excesso ser irrelevante é necessário que a qualidade de pequena empresa tenha sido adquirida anteriormente, o que não se demonstrou, pois o que resulta da matéria de facto fixada é que o IAPMEI revogou o reconhecimento como pequena empresa com efeitos retroactivos.
De resto, tal excesso verificou-se também no ano de 2013, pelo que se verificou também a repetição do excesso em dois exercícios consecutivos a que alude o n.º 2 do artigo 4.º do Anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, que faria perder a qualidade de pequena empresa, se tivesse sido previamente adquirida.
Nestas condições, é de concluir que não se fez prova de que os Requerentes possam beneficiar da redução de saldo de mais-valias prevista no n.º 3 do artigo 43.º do CIRS.
No que concerne à alegada falta de diligências efectuadas pela Autoridade Tributária e Aduaneira para averiguar se a empresa preenchia os requisitos materiais para que fosse qualificada, designadamente quanto ao número de trabalhadores, a Requerente diz que «poderia a AT não dispor de elementos tão claros» (artigo 47.º do pedido de pronúncia arbitral) e não procurou apurá-los, com o que entende ter sido violada a orientação administrativa que consta da Circular n.º 7/2014, que determina que «caso a empresa não seja detentora de Certificação como micro ou pequena empresa, nos termos antes referidos, cumpre, ainda assim, aferir se a entidade, à data da alienação das partes sociais, preenchia os requisitos materiais constantes do anexo ao Decreto-Lei n.º 372/2007, de 6 de Novembro, com a consequente e eventual qualificação da entidade como micro ou pequena empresa para efeitos do n.º 3 do artigo 43.º do CIRS».
Afigura-se que a interpretação adequada desta Circular é a de que pode ser reconhecida a qualidade de pequena empresa pela Autoridade Tributária e Aduaneira se se verificarem os requisitos materiais, independentemente de a empresa ser detentora de certificação, mas não, a de que a Autoridade Tributária e Aduaneira pode sobrepor o seu critério ao do IAPMEI, que é a entidade competente, nessa matéria.
Isto é, o alcance da Circular é determinar que não basta a circunstância de não haver certificação para afastar o reconhecimento pela Autoridade Tributária e Aduaneira da qualidade de pequena empresa, devendo diligenciar para averiguar a realidade material.
Mas, diferente da situação de mera inexistência de certificação, é aquela em que há, na prática, uma «certificação negativa», resultante de acto administrativo praticado pela entidade com especial competência para tal, que é o IAPMEI, que revogou a certificação com efeitos retroactivos.
Na verdade, a Autoridade Tributária e Aduaneira tem o dever de acatar os actos administrativos praticados pelas entidades a quem por lei é atribuída competência, pois eles fazem parte do bloco de legalidade a que se refere o artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo, ao determinar que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao direito».
Nesta referência ao «direito» cabem todas as vinculações jurídicas vigentes na ordem jurídica, inclusivamente de natureza não legislativa, como contratos e actos administrativos.
Por isso, se é aceitável que a Autoridade Tributária e Aduaneira possa suprir, para efeitos fiscais, a falta de certificação, quando não existe um acto administrativo sobre essa matéria, afigura-se que é de afastar, por ser ilegal, uma interpretação da Circular referida no sentido de permitir à Autoridade Tributária e Aduaneira sobrepor os seus próprios critérios aos actos administrativos praticados pela entidade competente, em matéria de apuramento dos requisitos para deter a qualidade de pequena empresa.
Sendo assim, tendo o IAPMEI informado que procedeu «à revogação das certificações da empresa, por motivo de irregularidades nos dados que foram declarados para efeitos dos vários pedidos de certificação. A revogação das certificações tem efeitos retroativos à data da primeira certificação (inclui, portanto, os pedidos efetuados pela empresa em 24 de setembro de 2014 e em 16 de julho de 2015)», a referida Circular não impunha à Autoridade Tributária e Aduaneira diligenciar no sentido de averiguar se havia razões para sobrepor o seu critério ao do IAPMEI.
Pelo exposto, improcede o pedido de pronúncia arbitral quanto a esta questão.
4. Decisão
Nestes termos, acordam neste Tribunal Arbitral em:
-
Julgar parcialmente procedente o pedido de pronúncia arbitral;
-
Anular a liquidação de IRS n.º 2019..., na parte em que considerou excessivamente como valor de mais-valias tributáveis o valor de € 1.408.470,60 (a liquidação revê subjacente o valor de € 2.286.355,63 em vez do valor de € 877.885,03)
5. Valor do processo
De harmonia com o disposto no art. 306.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 679.968,45.
6. Custas
Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 10.098,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente e da Autoridade Tributária e Aduaneira, nas percentagens de 38,40% e 61,60% respectivamente.
Lisboa, 26-02-2020
Os Árbitros
(Jorge Lopes de Sousa)
(Suzana Fernandes da Costa)
(Rui Ferreira Rodrigues)
[1] Artigo 14.º da Lei n.º 82-E/2014, de 31-12
Norma interpretativa
A alínea a) do n.º 4 do artigo 2.º, a alínea h) do n.º 2 do artigo 5.º, o n.º 3 do artigo 43.º e o n.º 11 do artigo 101.º do Código do IRS, na redação dada pela presente lei, têm natureza interpretativa.
[2] Na indicação destes aumentos de capital segue-se o que se refere no Relatório da Inspecção Tributária, que não é questionado, pois não estão juntas ao processo as respectivas escrituras de todos eles.
[3] Este número de acções é indicado no quadro que consta da página 8 do Relatório da Inspecção Tributária, a que não é imputado erro de cálculo.
[4] Valores indicados no quadro que consta da página 8 do Relatório da Inspecção Tributária, a que não é imputado erro de cálculo.