Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 662/2019-T
Data da decisão: 2020-03-05  IMI  
Valor do pedido: € 13.361,94
Tema: AIMI do ano de 2018 – Fracções autónomas de prédio urbano em regime de propriedade horizontal utilizadas por estabelecimento hoteleiro. N.º 2 do artigo 135.º-B do Código do IMI.
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DECISÃO ARBITRAL

 

I – RELATÓRIO

 

  1. Em 04 de Outubro de 2019 a Requerente, A... SA., NIPC..., com sede na Rua ..., ..., ..., ...-... Funchal, veio deduzir pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo em vista obter pronúncia  sobre a legalidade da decisão “que indeferiu a ... reclamação graciosa da liquidação de AIMI, com o nº 2018..., referente ao ano de 2018, ...na parte respeitante ao valor de 13.361,94 euros”;
  2. É demandada a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA, adiante designada por AT ou Requerida;

 

  1. A Requerente formula ao Tribunal Arbitral Singular (TAS) um pedido de pronúncia arbitral (PPA) no sentido de “ (1) de julgar integralmente procedente o pedido de pronúncia arbitral e declarar ilegal o ato tributário de liquidação do AIMI de 2018, na parte respeitante a 50 (cinquenta) fracções autónomas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo...º, da freguesia ..., concelho de ..., ... com fundamento na sua ilegalidade, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de facto e de direito, por violação do disposto no artigo 135º-B, nº 2, do CIMI” o que determina (2) “... a anulação da referida liquidação de AIMI do ano 2018, com o nº 2018..., na parte respeitante ao valor de 13.361,94 euros e a (3) restituição à requerente daquele valor, pago indevidamente em 27/09/2018” e ainda (4) “... o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios a que tem direito, em conformidade com o disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, calculados à taxa resultante do n.º 4 do artigo 43.º da LGT, até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.
  2. O pedido de constituição do TAS foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT no dia 07-10-2019.
  3. Pelo Conselho Deontológico do CAAD foi designado árbitro o signatário desta decisão, tendo sido notificadas as partes em 27.11.2019, que não manifestaram vontade de recusar a designação, nos termos do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.
  4. O Tribunal Arbitral Singular (TAS) encontra-se, desde 30 de Dezembro de 2019, regularmente constituído para apreciar e decidir o objeto deste dissídio (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 30.º, n.º 1, do RJAT).
  5. A fundamentar o pedido, a Requerente alega a seguinte factualidade:
  1. É titular inscrita na matriz predial de “... 50 frações autónomas (designadas pelas letras AA, AC, AD, AE, AL, AM, AP, AQ, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, BA, BB, BD, BE, BF, BG, BH, BI, BN, BR, BS, BU, BV, BX, CD, CE, CG, CH, CI, CJ, CK, CL, CM, CN, CO, CQ, CR, CS, H, I, N, O, P, Q, R, S), todas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de..., do concelho de...”.
  2.  “Este prédio urbano é composto por 75 frações autónomas, pertencendo aquelas 50 fracções à ora requerente e as restantes 25 à sociedade B... SA.” e apresentou “com a reclamação graciosa ... diversos documentos, ... que comprovam que as frações autónomas em causa integram um empreendimento turístico, denominado C... (anteriormente designado por Apartamentos Turísticos D...)”.
  3. Daqui resultando que “... os hotéis e os Aparthotéis, enquanto empreendimentos turísticos ou unidades hoteleiras, por definição, e enquanto tal, não têm, nem podem ter, afectação habitacional porque se encontram afectos à exploração da atividade turística”, a qual “... constitui um dos ativos que integra o conjunto de estabelecimentos hoteleiros e turísticos através dos quais a requerente exerce a sua normal atividade no âmbito do seu objecto social”
  4. Acrescenta que o empreendimento turístico se encontra “... licenciado pelo Turismo de Portugal, nos termos do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, com o nome C..., com a classificação de categoria 3, no registo de empreendimentos turísticos do Turismo de Portugal”;
  5. E que a Requerente “... na qualidade de proprietária, cedeu a exploração turística destas 50 frações, objeto da liquidação reclamada, por contrato de cessão de exploração a favor da sociedade E... SA, o que mais uma vez comprova a afetação das referidas fracções a “serviços” de exploração turística e não a habitação,  conforme contrato datado de 01/02/2002 que se encontra em vigor até à presente data”;
  6. E conclui: “ora, um empreendimento turístico, como qualquer Hotel ou Aparthotel, é um estabelecimento através do qual se exerce a exploração comercial de um serviço. Faz parte de uma atividade explorada por uma empresa. Que presta serviços de alojamento, mas que também tem serviços de segurança, de limpeza, serviços complementares, tem empregados, fornecedores, etc.”, sendo de aplicar  o artigo 135º-B, nº 2 do CIMI que é claro, no sentido de excluir da tributação em AIMI os prédios urbanos que sejam classificados “para serviços”, nomeadamente os afetos à exploração da atividade turística, uma vez que a “noção de afectação (“para serviços”) remete-nos para uma situação factual (e não formal) de utilização. Se a lei menciona prédio “para serviços” quer, seguramente, referir-se a um prédio que não é utilizado para habitação, mas sim afeto a uma atividade comercial ou industrial e explorado como tal!”
  7.  Pelo que em “... face de toda a prova documental que lhe foi apresentada ... e perante o princípio da prevalência da substância sobre a forma, deveria ter sido considerado pela AT que as referidas frações autónomas encontram-se afectas à exploração hoteleira do mencionado estabelecimento, sendo essa a sua verdadeira natureza, o que configura uma afetação dos prédios a “serviços” e não a “habitação””.
  8.  Quanto à concreta decisão que lhe indeferiu a reclamação graciosa refere: “é certo que a decisão ora recorrida não questiona esta natureza da afetação a “serviços” das frações autónomas em causa, mas sim o facto de “o contribuinte não ter contestado, previamente, a afectação constante da matriz”. Ora, o facto de o não ter feito previamente, não impede que o contribuinte invoque, agora, como também invocou na reclamação graciosa, o erro na afectação do prédio constante da matriz, como fundamento da reclamação do AIMI (cfr. artº 54º do CPPT)”,
  9. Uma vez que “nos termos do artº 130º, nº 3, do CIMI, o sujeito passivo pode reclamar a todo o tempo de qualquer incorreção nas inscrições matriciais” e muito embora “... o serviço de finanças também pudesse tomar a iniciativa de, oficiosamente, proceder à referida correção da afectação constante da matriz, nos termos do artº 130º, nº 5, do CIMI, a ora requerente reclamou perante o Serviço de Finanças da afectação constante da matriz. Fê-lo, precisamente, na parte final da sua reclamação graciosa, referente ao AIMI de 2017, onde contestou aquela afetação e requereu, justamente, a correção do erro na matriz no sentido de que, em face dos documentos apresentados, se procedesse ao averbamento matricial da afetação a “serviços” do prédio aqui em causa. De harmonia com a instrução de serviço nº ... – Serie II, de 17/12/2012, da Direção de Serviços do IMI – Divisão de Liquidação e Controlo”.
  10. E termina referindo: “Porém, ... o Serviço de Finanças nada fez e manteve a afetação das frações a “habitação”, provocando, com essa omissão, a sucessiva tributação anual em AIMI
  11. Invoca a Requerente, em seu favor, o sentido das decisões arbitrais CAAD Processo nº 205/2013-T e Processo nº 666/2017-T.

 

  1. Notificada a Requerida, respondeu em 03.02.2020 e protestou juntar PA. Por despacho de 03.03.2020 foi convidada a proceder à sua junção ou em alternativa a aderir aos documentos juntos pela Requerente com o PPA, caso tenham correspondência com o conteúdo do PA. Em 03.03.2020 procedeu à junção do PA.

 

  1.  A Requerida defendeu-se por impugnação, referindo o seguinte:
  1. As “frações autónomas em apreço, foram avaliadas já na vigência do CIMI e que após ter sido notificada do resultado dessa avaliação, a Requerente não contestou os valores patrimoniais tributários com fundamento na afetação a “Habitação”, os quais se tornaram definitivos”, verificando-se “ainda que até à presente data, não consta que tenham sido apresentadas quaisquer declarações modelo 1 do IMI, com vista à realização de novas avaliações às frações autónomas em apreço, com base na afetação “Serviços””.
  2. Acrescentando que “cada liquidação de AIMI resulta ... da soma dos VPT`s, reportados a 1 de janeiro, que constem na matriz predial na titularidade do sujeito passivo” e que “o ato individualizado de liquidação do AIMI diferencia-se, em conformidade, do ato de apuramento do VPT a inscrever na matriz predial, que serve de base à liquidação”.
  3. De onde extrai que “o sujeito passivo, nos termos do nº 1 do artigo 15º-F do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 60-A/2011, de 30 de novembro, quando não concordar com o VPT determinado no procedimento da AGPU, pode requerer uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias a contar da sua notificação”. “Não concordando com o ato de fixação do valor patrimonial determinado em procedimento de segunda avaliação, sujeito passivo pode impugnar judicialmente, no prazo de 90 dias, esse ato, conforme disposto no artigo 15º-G do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 60-A/2011, de 30 de novembro e artigo 77º do CIMI, sob pena de não poder ulteriormente impugnar a liquidação com o fundamento em erro na determinação desse valor”.
  4. E conclui: “destarte, não tem razão a Requerente ao apresentar uma Reclamação Graciosa, alegando que o VPT foi erroneamente apurado, pois o modo legal de proceder para que se efetuasse uma, eventual, correção dessa fixação de VPT seria o pedido de segunda avaliação”,
  5. Acrescendo que “nos termos do nº 8 do artigo 130º do CIMI, os efeitos das reclamações apresentadas, ou das correções promovidas pelo chefe do serviço de finanças, ao abrigo do referido artigo, só produzem efeitos na liquidação respeitante ao ano em que a mesma foi apresentada ou a retificação foi promovida”, “logo, uma reclamação apresentada pelo sujeito passivo, tem por cominação a produção de efeitos a partir da data da apresentação da mesma, sem ter efeitos retroativos, isto é, salvaguardando as liquidações anteriores, efetuadas com base no VPT determinado na avaliação direta anterior”.
  6. Por outro lado “não obstante, a alegação feita pela Requerente quanto à prova documental apresentada quanto à afetação “serviços”, constata-se que esta não apresenta os alvarás, ou as licenças de utilização para fins turísticos emitidas pela Câmara Municipal, respeitantes às frações autónomas em questão, documentos estes que permitem identificar a espécie de prédios urbanos, nos termos do número 2 do artigo 6º do CIMI”, “pois, exige essa norma que a qualificação dos prédios urbanos como habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços seja feita em função do licenciamento de utilização dos mesmos, cujo ato é praticado pela Câmara Municipal ao abrigo do RJUE, ou, na falta de licença, em razão de destino normal para o qual o prédio está construído”.
  7. Concluindo que “... nem o despacho de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa e nem o ato de liquidação do AIMI, referente ao ano de 2018 enfermam dos vícios apontados pela Requerente”.
  8. Quanto ao pedido de condenação em juros indemnizatórios refere que “não se verifica qualquer “erro imputável aos serviços”, até porque, acrescenta-se, a liquidação foi emitida de acordo com o VPT apurado na avaliação geral e notificado à requerente”.

 

  1. A Requerente apresentou alegações escritas em 02 de Março de 2020, mantendo o que já havia referido no PPA e indicando mais uma decisão arbitral em favor do seu ponto de vista.
  2. A Requerida apresentou alegações escritas em 04 de Março de 2020, referindo que a decisão arbitral indicada pela Requerente não tinha transitado, por ter sido objecto de recurso por oposição de julgados.

 

 

II – SANEAMENTO

 

  1. As partes são legítimas, gozam de personalidade jurídica e de capacidade judiciária e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).
  2. Tempestividade - o pedido de pronúncia arbitral foi apresentado no CAAD em 04 de Outubro de 2019. A Requerente impugna imediatamente o acto de indeferimento expresso de reclamação graciosa que deduziu contra a liquidação aqui em causa em 18 de Janeiro de 2019, decisão que lhe foi notificada por ofício datado de 03 de Julho de 2019.
  3. A AT não alegou a extemporaneidade da apresentação do pedido. A notificação do acto impugnado ocorreu necessariamente em data posterior à data que consta do ofício de notificação, não se contando o dia do recebimento do mesmo. Assim, nos termos conjugados dos artigos 102º, nº 1, alínea b), do CPPT e 10º, nº 1, alínea a), do RJAT, o pedido de pronúncia arbitral configura-se como sendo tempestivo.
  4. O processo arbitral não padece de nulidades.

 

Cumpre apreciar.

 

 

 

 

III - MÉRITO

III-1- MATÉRIA DE FACTO

 

Factos considerados provados

 

Considera-se como provada a seguinte matéria de facto:

 

  1. Relativamente ao AIMI de 2018, a Requerente foi notificada em data não apurada, da liquidação nº 2018... de 30.06.2018, resultando um valor de imposto a pagar de 13 692,10 euros – conforme documento nº 2 junto com o PPA;
  2. A  liquidação de AIMI referida na alínea anterior, reporta-se 50 frações autónomas que são propriedade da Requerente (designadas pelas letras AA, AC, AD, AE, AL, AM, AP, AQ, AS, AT, AU, AV, AX, AZ, BA, BB, BD, BE, BF, BG, BH, BI, BN, BR, BS, BU, BV, BX, CD, CE, CG, CH, CI, CJ, CK, CL, CM, CN, CO, CQ, CR, CS, H, I, N, O, P, Q, R, S), todas do prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de..., do concelho de ..., com o valor patrimonial tributário (VPT) global de 3 340 483,95 euros – conforme folhas 7 do documento nº 1 junto com o PPA (notificação de indeferimento da reclamação graciosa) e nº 6 do PPA;
  3. Em 18 de Janeiro de 2018, a Requerente, não concordando com a liquidação referida em a), na parte de 13 361,94 euros, deduziu a reclamação graciosa nº ...2019..., quanto ao AIMI resultante da tributação das fracções autónomas referidas em b), com o VPT de 3 340 483,95 euros – conforme documentos nº 2 e 6 juntos com o PPA;
  4. A Requerente foi notificada do projecto de decisão de indeferimento da reclamação graciosa, por do ofício nº ... de 2019.03.29 e o seu ilustre mandatário foi notificado através do ofício nº ... de 2019-05-13, para o exercício do direito de audição prévia, não tendo usado desta factualidade, tendo por ofício nº ... de 03.07.2019, sido notificada da decisão final, em cuja fundamentação consta, nomeadamente o seguinte:

No caso em apreço, importa frisar que, no âmbito da avaliação geral, conforme declaração Modelo I do IMI n.º ... de 2012-06-14 (e consequente ficha de avaliação nº...), às 50 fracções autónomas ..., todas do prédio urbano inscrito na matriz sob o artigo nº..., da freguesia de..., do concelho de ..., ... ficou considerada a afectação 'habitação" e foi atribuído o respectivo VPT sem que tenha havido contestação ao resultado da avaliação, ou seja, não foi apresentada a respectiva declaração Modelo I do IMI com a finalidade de solicitar a correcção da afectação de "habitação" para "serviços", assim como também não foi apresentada reclamação das liquidações de IMI emitidas, as quais atenderam à afectação "habitação". Salienta-se ainda que, na licença de utilização, anexa à referida ficha de avaliação nº..., consta "consigna-se que no dia 20 de Dezembro de 1984 foi concedida ao interessado a licença de habitação e ocupação nº 236".

Atendendo aos factos, nomeadamente à informação constante do sistema informático do património da AT, verifica-se que, a liquidação de AIMI nº 2018 ...1, ora reclamada, cumpre as disposições legais”. – conforme páginas 1, 3 e 9 do documento nº 1 junto com o PPA;

  1. O prédio urbano em regime de propriedade horizontal inscrito na matriz sob o artigo n.º..., da freguesia de..., do concelho de ... é composto por 75 frações autónomas, pertencendo aquelas 50 fracções à ora requerente e as restantes 25 à sociedade B... SA – conforme nº 7 do PPA e posição global da Requerida que não impugnou especificadamente esta factualidade
  2. No prédio atrás referido, encontra-se instalado o estabelecimento hoteleiro C... (anteriormente designado por Apartamentos Turísticos F...), de acordo com o Título Constitutivo, conferido por Despacho de 24/10/2001 da Direção-Geral do Turismo, com a classificação de “Apartamentos Turísticos de 2ª” – conforme nº 11 do PPA e documento nº 3 junto com o PPA
  3.  O empreendimento turístico referido na alínea anterior encontra-se licenciado pelo Turismo de Portugal, nos termos do Decreto-Lei nº 39/2008, de 7 de Março, com o nome C..., com a classificação de categoria 3, no registo de empreendimentos turísticos do Turismo de Portugal - conforme nº 12 do PPA e documento nº 4 junto com o PPA.
  4. A Requerente, na qualidade de proprietária, cedeu em 01.12.2002, a exploração turística das 50 frações, objeto da liquidação aqui impugnada, por contrato de cessão de exploração a favor da sociedade E... SA - conforme nº 13 do PPA e documento nº 5 junto com o PPA;
  5. Consta na matriz predial das frações autónomas referidas em b), que foram avaliadas já na vigência do CIMI e que após ter sido notificada do resultado dessa avaliação, a Requerente não contestou os valores patrimoniais tributários com fundamento na afetação a “Habitação” – conforme artigo 8º da Resposta da AT e posição global da Requerente no PPA;
  6.  Até à data da liquidação aqui impugnada, a Requerente não apresentou declaração modelo 1 do IMI, com vista à realização de novas avaliações às frações autónomas em apreço, com base na afetação “Serviços” - conforme artigo 9º da Resposta da AT e posição global da Requerente no PPA;
  7. Com data de 17.01.2018 a Requerente entregou no Serviço de Finanças de ... uma reclamação graciosa, contra a liquidação do AIMI de 2017, relativa às fracções autónomas acima referidas, em cujo ponto 14 referiu o seguinte “... em face da presente reclamação e dos documentos aqui apresentados ... deverá o Serviço de Finanças de ..., se ainda não o fez, proceder ao averbamento matricial da afectação a “serviços” do prédio aqui em causa– conforme documento nº 6 junto com o PPA;
  8. Em 27 de Setembro de 2019 a Requerente pagou à AT a importância de 13 361,94 euros – conforme documento nº 7 junto com o PPA;
  9. Em 04 de Outubro de 2019 a Requerente entregou no CAAD o presente pedido de pronúncia arbitral (PPA) – registo de entrada no SGP do CAAD do pedido de pronúncia arbitral.

 

 

 

 

Factos considerados não provados

 

Não existe outra factualidade alegada que não tenha sido considerada provada e que seja relevante para a composição da lide processual.

 

Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (conforme artigo 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de direito (conforme anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

 

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes e a prova documental junta, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, indicando-se, por cada ponto levado à matéria de facto assente, os meios de prova que se consideraram relevantes, como fundamentação.

 

III-2- DO DIREITO

III-2-1 - Quanto ao mérito

 

  1. O texto da lei cuja aplicação está aqui em causa.

 

Referem os artigos 135º-A, 135º-B, 6º e 8º do Código do IMI:

Artigo 135.º-A

Incidência subjetiva

1 - São sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis as pessoas singulares ou coletivas que sejam proprietários, usufrutuários ou superficiários de prédios urbanos situados no território português.

2 - Para efeitos do n.º 1, são equiparados a pessoas coletivas quaisquer estruturas ou centros de interesses coletivos sem personalidade jurídica que figurem nas matrizes como sujeitos passivos do imposto municipal sobre imóveis, bem como a herança indivisa representada pelo cabeça de casal.

3 - A qualidade de sujeito passivo é determinada em conformidade com os critérios estabelecidos no artigo 8.º do presente Código, com as necessárias adaptações, tendo por referência a data de 1 de janeiro do ano a que o adicional ao imposto municipal sobre imóveis respeita.

4 - Não são sujeitos passivos do adicional ao imposto municipal o Estado, as Regiões Autónomas, as autarquias locais e as suas associações e federações de municípios de direito público, bem como qualquer dos seus serviços, estabelecimentos e organismos, ainda que personalizados, incluindo os institutos públicos.

 

Artigo 135.º-B

Incidência objetiva

1 - O adicional ao imposto municipal sobre imóveis incide sobre a soma dos valores patrimoniais tributários dos prédios urbanos situados em território português de que o sujeito passivo seja titular.

2 - São excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do n.º 1 do artigo 6.º deste Código.

3 - Os sujeitos passivos legalmente autorizados ao exercício da atividade de locação financeira não podem repercutir sobre os locatários financeiros, total ou parcialmente, o adicional ao imposto municipal sobre imóveis quando o valor patrimonial tributário dos imóveis objeto de contrato de locação financeira não exceda a dedução prevista no n.º 2 do artigo 135.º-C.

 

Artigo 6.º

Espécies de prédios urbanos

1 - Os prédios urbanos dividem-se em:

a) Habitacionais;

b) Comerciais, industriais ou para serviços;

c) Terrenos para construção;

d) Outros.

2 - Habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins.

3 - ...

4 - ...

 

Artigo 8.º

Sujeito passivo

1 - O imposto é devido pelo proprietário do prédio em 31 de Dezembro do ano a que o mesmo respeitar.

2 - Nos casos de usufruto ou de direito de superfície, o imposto é devido pelo usufrutuário ou pelo superficiário após o início da construção da obra ou do termo da plantação.

3 - No caso de propriedade resolúvel, o imposto é devido por quem tenha o uso e fruição do prédio.

4 - Presume-se proprietário, usufrutuário ou superficiário, para efeitos fiscais, quem como tal figure ou deva figurar na matriz, na data referida no n.º 1 ou, na falta de inscrição, quem em tal data tenha a posse do prédio.

5- Na situação prevista no artigo 81.º o imposto é devido pela herança indivisa representada pelo cabeça-de-casal.

 

  1. Apreciação da questão de fundo, face aos factos provados.

 

Face aos factos provados em f), g), h, i) e j) da matéria de facto assente, flui que existem dois licenciamentos no que à utilização das fracções autónomas aqui em causa, diz respeito:

  • O mais antigo, o inicial, emitido pela edilidade local, quanto ao uso para “habitação” (alíneas f) e i) dos factos provados);
  • O mais recente e subsequente, quanto à instalação de estabelecimento hoteleiro que utiliza as fracções autónomas, classificando-o como “empreendimento turístico” e “apartamentos turísticos de 2ª”, classificação conferida pelo Turismo de Portugal e pela Direcção-Geral do Turismo.

 

Refere o nº 2 do artigo 6º do CIMI que “habitacionais, comerciais, industriais ou para serviços são os edifícios ou construções para tal licenciadas ou, na falta de licença, que tenham como destino normal cada um destes fins”.

 

Esta disposição evidencia uma preocupação legislativa: a de que o que interessa é o “destino normal” dos edifícios ou construções, isto para além da existência de licenciamento, seja ele da edilidade local ou de outro organismo público competente.

 

A AT defende que “... nos termos do nº 8 do artigo 130º do CIMI, os efeitos das reclamações apresentadas, ou das correções promovidas pelo chefe do serviço de finanças, ao abrigo do referido artigo, só produzem efeitos na liquidação respeitante ao ano em que a mesma foi apresentada ou a retificação foi promovida. Logo, uma reclamação apresentada pelo sujeito passivo, tem por cominação a produção de efeitos a partir da data da apresentação da mesma, sem ter efeitos retroativos, isto é, salvaguardando as liquidações anteriores, efetuadas com base no VPT determinado na avaliação direta anterior”.

 

No entanto, no caso, sendo a liquidação de 30.06.2018, na verdade a Requerente já na reclamação de 17.01.2018 tinha suscitado a alteração da finalidade das fracções autónomas  aqui em causa, na matriz predial, conforme alínea k) dos factos provados. E juntou, conforme se depreende do requerido, a documentação comprovativa da sua finalidade actualizada.

 

Não vislumbramos que resulte da lei que a AT, apenas possa acolher este tipo de pedidos, se for usado o Modelo 1 do IMI, como parece pretender transparecer do que se alega no artigo 9º da Resposta da Requerida.

 

Sendo certo que, se é essa a sua prática e o seu entendimento, o mesmo poderia ser comunicado à Requerente, no exercício, designadamente, do dever de recíproca cooperação e de acordo com o dever de emitir decisão sobre todas as questões que lhe são colocadas, ainda que se considere que deveriam ter sido formuladas com outro formalismo. O que não se configura ter ocorrido.

 

A AT, certamente tendo em vista, implicitamente, o regime do artigo 54º do CPPT, refere “O sujeito passivo, nos termos do nº 1 do artigo 15º-F do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 60-A/2011, de 30 de novembro, quando não concordar com o VPT determinado no procedimento da AGPU, pode requerer uma segunda avaliação, no prazo de 30 dias a contar da sua notificação. Não concordando com o ato de fixação do valor patrimonial determinado em procedimento de segunda avaliação, sujeito passivo pode impugnar judicialmente, no prazo de 90 dias, esse ato, conforme disposto no artigo 15º-G do Decreto-Lei nº 287/2003, de 12 de novembro, com a redação que lhe foi conferida pela Lei nº 60-A/2011, de 30 de novembro e artigo 77º do CIMI, sob pena de não poder ulteriormente impugnar a liquidação com o fundamento em erro na determinação desse valor”.

 

Mas a verdade é que a Requerente não suscitou nenhuma alteração, pelo menos no plano imediato, do VPT, mas tão-só da finalidade, da utilização em concreto dada às fracções autónomas com base num licenciamento público, ainda que tal possa representar, num plano mediato, a actualização do VPT face ao novo destino dos bens imobiliários, através de uma segunda avaliação, na vigência do IMI.

 

Acompanhamos aqui o que foi escrito no Processo CAAD nº 666/2017-T quando se aderiu à disciplina do Acórdão do Tribunal Constitucional nº 410/2015, processo 92/14, aqui aplicável por se tratar de uma situação semelhante, quando se refere que é “... inconstitucional a interpretação do artigo 54º do Código de Procedimento e Processo Tributário que, qualificando como um ónus e não como uma faculdade do contribuinte a impugnação judicial dos atos interlocutórios imediatamente lesivos dos seus direitos, impede a impugnação judicial das decisões finais de liquidação do imposto com fundamento em vícios daqueles, por violação do principio da tutela judicial efetiva e do princípio da justiça, inscritos nos artigos 20.º e 268º, nº 4, da Constituição da República Portuguesa”.

 

Também acompanhamos nesta decisão, o que é referido no Processo CAAD nº 666/2017-T (citado pela Requerente), por se tratar de uma situação em tudo similar à destes autos:

Acresce que a correção da matriz tanto poderia ocorrer por impulso da Requerente, como da Requerida, ou ainda da Câmara Municipal ou ainda da Junta de Freguesia, sendo a tese da Requerida sobre um eventual efeito preclusivo decorrente da ausência de impugnação da inscrição matricial, ainda, incompatível com o artigo 130º do CIMI, cujos números 3 e 5 dispõem o seguinte:

3 —O sujeito passivo, a câmara municipal e a junta de freguesia podem, a todo o tempo, reclamar de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, nomeadamente com base nos seguintes fundamentos:

5 — O chefe do serviço de finanças competente pode, a todo o tempo, promover a retificação de qualquer incorreção nas inscrições matriciais, salvo as que impliquem alteração do valor patrimonial tributário resultante de avaliação direta com o fundamento previsto na alínea a) do n.º 3, caso em que tal retificação só pode efetuar-se decorrido o prazo referido no número anterior.

Daqui decorre, desde logo, que, podendo as incorreções matriciais ser corrigidas a todo o tempo, inexiste a pretendida preclusão. Vamos até mais longe e entendemos que a expressão "pode" do no 5 do referido artigo 130º deve ser entendida, naqueles casos como o que nos ocupa, em que inexistem dúvidas sobre a incorreção, como um "poder-dever” do Chefe do Serviço de Finanças e não como uma faculdade, atentos os princípios da justiça, da igualdade e da legalidade a que a administração tributária está adstrita na globalidade da sua atividade.

...

Há que observar, ainda, que independentemente do sentido da decisão a proferir nos presentes autos, a mesma não implicará, em si mesma, como é apodítico, qualquer alteração na matriz predial.

Tal não impede, porém, como resulta do exposto, que o tribunal, para efeito de apreciação da ocorrência do facto tributário, pressuposto da legalidade da liquidação, conheça da verdadeira natureza dos prédios em causa, tanto mais que, em rigor, não se trata apenas de uma incorreção da matriz mas do apuramento de realidade indispensável à verificação do facto tributário. Neste caso, está em causa o elemento objetivo de incidência face ao artigo 135º-B, nº 2, do CIMI, sendo de salientar que o AIMI é imposto com sistema interno próprio e distinto do IMI, em cujo código apenas formalmente se encontra inserido.

Acresce ainda que, o artigo 135ºB, nº 2, do CIMI ao determinar que "são excluídos do adicional ao imposto municipal sobre imóveis os prédios urbanos classificados como «comerciais, industriais ou para serviços» e «outros» nos termos das alíneas b) e d) do nº 1 do artigo 6º deste Código", estabelece como critério legal para a classificação dos imóveis, no caso do AIMI, essencial para a verificação da ocorrência do próprio facto tributário, o do licenciamento ou na falta dele o do seu destino normal, nos termos do artigo 6º, nº 2, do CIMI.

Ora, os imóveis em causa estão licenciados para estabelecimento hoteleiro na modalidade de apartamentos turísticos, o que se enquadra, inquestionavelmente na destinação de serviços o que merece a concordância da Requerida que, em substância, apenas discorda da pretensão da Requerente por entender (implicitamente) que decorre do artigo 54º do CPPT esta tinha o ónus de requerer a alteração da inscrição matricial, sob pena de não poder discutir em sede de liquidação a natureza do prédio, conclusão que, todavia, não tem fundamento legal, sendo inconstitucional interpretação daquela norma em tal sentido, como acima se referiu.

Da matéria de facto provada e não contestada por nenhuma das partes emerge, pois, inquestionavelmente, que os imóveis da Requerente estão excluídos da incidência objetiva do imposto”.

 

Em consequência, reconhecendo, (porque não o contesta, nem coloca em causa a prova documental apresentada nesse sentido) a Administração Tributária, que as fracções autónomas do imóvel aqui em causa estão afectas a atividade turística, deveria ter procedido oficiosamente à promoção da respetiva correção (independentemente da Requerente, a Câmara Municipal e a Junta de Freguesia terem, também, legitimidade para reclamar da mesma).

 

Mesmo que assim não fosse, como se provou, a Requerente formulou por escrito um pedido expresso nesse sentido (alínea K) dos factos provados), pelo que sempre seria de aplicar o regime do nº 8 do artigo 130º do CIMI.

 

A decisão que aqui se adopta, está ainda em consonância com o que foi decidido no Processo CAAD 423/2019 (citado pela Requerente), onde se tratou de uma situação idêntica, quando se expressa:

22. Nestes termos, dado que as indicadas frações autónomas se enquadram como prédios “comerciais, industriais ou para serviços”, mais especificamente para serviços de exploração turística, isso envolve a respetiva subsunção à previsão legal de exclusão da tributação em AIMI objeto do n.º 2 do artigo 135.º-B do CIMI.

 23. Este enquadramento normativo não é prejudicado, ao contrário do que se pressupõe na decisão da reclamação graciosa ..., pelo facto de ...  na respetiva matriz constar como afetação das referidas frações autónomas a habitação, porquanto inscrições matriciais erróneas ou desatualizadas (conforme artigos 12.º e 13.º do CIMI), são, via de regra, suscetíveis de serem retificadas a todo o tempo (conforme n.ºs 1 e 3 do artigo 13.º e n.ºs 3 e 5 do artigo 130.º, ambos do CIMI), não impedindo, pois, a prevalência da realidade jurídico-fiscal nos termos configurados pelo artigo 6.º do CIMI, designadamente no âmbito da impugnação de ato de liquidação de imposto (conforme. artigo 99.º do Código do Procedimento e Processo Tributário e artigo 2.º do RJAT) que, em termos de pressupostos de facto e de direito, não tenha atendido, para além da classificação matricial não retificada, à correta qualificação jurídico-fiscal da espécie predial em causa, como, precisamente, se verifica in casu atenta a factualidade dada como provada”.

 

Em face do exposto, conclui este TAS, tal como se concluiu, nomeadamente, no processo CAAD nº 666/2017-T que “tendo-se demonstrado que, à data do facto tributário, na realidade, os prédios objeto da liquidação "sub judice" não se encontravam afetos a habitação mas a serviços, verifica-se que os mesmos se encontram abrangidos pela delimitação negativa de incidência prevista no artigo 135-B, nº 2, do CIMI e, deste modo, não pode a pretensão anulatória da Requerente deixar de proceder”.

 

C) - Direito ao reembolso do valor do AIMI pago a mais e a juros indemnizatórios.

 

Direito ao reembolso do valor do AIMI pago a mais

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43º n.º 1, da LGT e no artigo 61º nº 4, do CPPT.

 

O nº 5 do artigo 24º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Na sequência da ilegalidade parcial do ato de liquidação controvertido, há lugar a reembolso do imposto pago ilegalmente, por força do disposto nos artigos 24º nº 1, alínea b), do RJAT e 100º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso da quantia de € 13.361,94.

 

Direito a juros indemnizatórios

 

A Requerente formulou ainda um pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, por isso há que apurar se tem direito aos mesmos.

 

O artigo 43.º, n.º 1 da LGT dispõe que: «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido». Por outras palavras, são três os requisitos do direito aos referidos juros: i) a existência de um erro em acto de liquidação de imposto imputável aos serviços; ii) a determinação de tal erro em processo de reclamação graciosa ou de impugnação judicial e iii) o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Deste modo, é logo possível formular uma questão: é admissível determinar o pagamento de juros indemnizatórios em processo arbitral tributário? A resposta à questão é afirmativa. Com efeito, o artigo 24.º, n.º 5 do RJAT dispõe que: “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”.

 

A ilegalidade da liquidação  é imputável à Administração Tributária, que a emitiu com base em pressupostos de direito e de facto que não se verificavam, tendo sobretudo em conta que conforme se provou na a alínea k) dos factos provados “com data de 17.01.2018 a Requerente entregou no Serviço de Finanças de ... uma reclamação graciosa contra a liquidação do AIMI de 2017, relativa às fracções autónomas acima referidas, em cujo ponto 14 refere o seguinte “... em face da presente reclamação e dos documentos aqui apresentados ... deverá o Serviço de Finanças de ..., se ainda não o fez, proceder ao averbamento matricial da afectação a “serviços” do prédio aqui em causa”.

 

No presente caso será de aplicar o regime do nº1 do artigo 43º da LGT.

 

Consequentemente, a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos dos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, contados desde a data em que pagou o valor liquidado a mais de AIMI, que é de 13 361,94 €, ou seja, desde 27.09.2018, conforme documento nº 7 junto com o PPA

 

Os juros indemnizatórios são devidos sobre a referida quantia de 13 361,94 €, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1, e 35.º, n.º 10 da LGT, do artigo 24.º, n.º 1, do RJAT, do artigo 61.º, n.ºs 3 e 4, do CPPT, do artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, contados desde a data em que ocorreu o pagamento (27.09.2018) e até à emissão da respectiva nota de crédito.

 

IV. DECISÃO

 

Termos em que, com os fundamentos expostos, julga-se procedente o pedido de pronúncia arbitral, uma vez que o acto de liquidação, na parte impugnada e bem assim a decisão de indeferimento da reclamação graciosa que contra a mesma foi apresentada, estão em desconformidade com as normas constantes dos artigos 6º nº 2 e 135º-B nº 2, ambos do CIMI, na leitura acima adoptada, pelo que, consequentemente:

 

  1. Anula-se parcialmente o acto tributário de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) nº 2018... de 30.06.2018, de que resultou um valor de imposto a pagar de 13 692,10 euros, na parte impugnada de 13 361,94 €, e anula-se a decisão de indeferimento da reclamação graciosa (alíneas a), b), c) e d) dos factos provados);
  2. Condena-se a AT a proceder ao reembolso da quantia de € 13.361,94 (alínea l) da matéria de facto provada).
  3. Condena-se ainda a AT no pagamento dos juros indemnizatórios, contados desde 27.09.2018, calculados sobre € 13 361,94, à taxa de juro legal, até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

V - VALOR DO PROCESSO

 

Fixa-se o valor do processo em 13 361,94 €, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).

 

 

 

 

VI – CUSTAS

 

Custas de € 918,00, a suportar pela Requerida, conforme o artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.

 

Notifique.

Lisboa, 05 de Março de 2020

Tribunal Arbitral Singular,

 

Augusto Vieira