Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 640/2019-T
Data da decisão: 2020-03-06  IRC  
Valor do pedido: € 1.641,49
Tema: IRC – Créditos de Cobrança Duvidosa
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Decisão Arbitral

 

 

  1. RELATÓRIO

 

A..., Limitada, com sede na Rua ..., na freguesia de ..., do concelho de ..., pessoa colectiva ..., apresentou um pedido de constituição do Tribunal Arbitral singular, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), em que é Requerida a Autoridade Tributária e Aduaneira (adiante AT), com o objectivo de obter a anulação do indeferimento da reclamação graciosa apresentada, com vista à anulação do acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) identificado nos autos, no montante total de 1.641,49.

 

A 2 de Março de 2020, a Autoridade Tributária e Aduaneira, doravante AT, respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral, por não provado.

 

Foi dispensada a realização da reunião prevista no artigo 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT).

 

O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março) e estão devidamente representadas.

 

O processo não enferma de nulidades.

 

  1. MATÉRIA DE FACTO

 

1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

  1. A Requerente exerce a actividade de “comércio a Retalho de equipamentos hoteleiros e reparação de electrodomésticos e equipamentos hoteleiros”;
  2. A Requerente foi sujeita a um procedimento de inspecção externa, em cumprimento da ordem de serviço n.º OI 2017... âmbito geral, que teve início a 19 de julho de 2018 e fim no dia 15 de janeiro de 2019, tendo como principal motivo o controlo do valor dos inventários iniciais e finais declarados na IES do exercício de 2014;
  3. No âmbito do procedimento inspectivo verificaram os Serviços de Inspecção Tributária, no que à matéria em causa diz respeito, que:

“.. . o presente crédito provém da fatura n.º ... emitida em 2013 -11-29 (e vencimento em 2013-12- 29), no montante total de €16.952,81 (€13.782,77 acrescida de IVA no montante de 3.170,04 €), a B... SL, VAT n.º ... .

O vencimento da fatura data de 2013-12-29;

Em 2014-01-07, o cheque de pagamento do cliente em causa é dado como emitido sem provisão, sendo que é apresentado em tribunal uma participação criminal contra o cliente em causa em 2014-05-14; O SP contabilizou a imparidade na conta 651 Perdas por imparidade o valor de €13.782,77, por contrapartida da conta 219 Perdas por imparidade Acumulada.

 

  1. A imparidade foi considerada em Janeiro de 2014 aquando do cheque sem provisão no montante de 50%.

 

 

 

2. Fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos com o pedido de pronúncia arbitral e com o processo administrativo.

 

  1. MATÉRIA DE DIREITO

 

A principal questão que se coloca nos presentes autos prende-se com saber se o acto de liquidação adicional de IRC objecto da presente petição é ou não legal considerando a não aceitação como perda por imparidade em montante superior a 25% do crédito de cobrança duvidosa registado pela Requerente.

 

A este propósito, a Requerente alega no seu pedido de constituição do Tribunal Arbitral, em síntese, o seguinte:

 

  1. À data em que a Requerente recebeu a liquidação referente à correcção da matéria tributável do ano 2014 já tinha expirado o prazo para a Requerente pedir a revisão oficiosa da liquidação do IRC do ano de 2015, uma vez que, em 31 de Dezembro de 2015, tal crédito já estava em mora há mais de 18 meses;
  2. Conforme fundamentação do acórdão do STA de 14 de Março de 2018, no processo n.º 716/13, nos casos em “em que não seja possível a “correcção simétrica” por razões de tempestividade, a doutrina e a jurisprudência supracitadas tem vindo a afirmar que o custo ainda que indevidamente contabilizado, deve ser aceite, nomeadamente quando a respectiva imputação não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios.”
  3. Neste contexto, conforme consta do referido acórdão, “Haveremos de concluir que serão de considerar anuláveis, por vício de violação de lei, actos de correcção da matéria tributável que, como no caso subjudice, conduzam a situações injustas deste tipo.”
  4. Ora não restam dúvidas de que, com a actuação da ATA, a Requerente deixou de poder considerar 75% dos custos que teve com tal transacção;
  5. Deve ser aceite a contabilização efectuada pela Requerente já que não estão alegados ou provados factos através dos quais se demonstre que houve intenção deliberada de proceder à transferência de resultados de exercício ou de fuga à tributação.

 

Por sua vez, considera a AT o seguinte:

 

  1. A dedução de perdas por imparidade em dívidas a receber tem enquadramento na alínea h) do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IRC, ficando, no entanto, a sua aceitação para efeitos fiscais sujeita à verificação das condições previstas nos artigos 28.º-A e 28.º -B do Código do IRC;
  2. Os Serviços de Inspeção Tributária de modo a avaliar se a perda por imparidade registada pela Requerente podia ser aceite em valor correspondente ao crédito duvidoso, solicitaram provas da existência de processo de execução ou outro, nos termos do artigo 28.º-B do Código do IRC;
  3. A Requerente não apresentou provas da existência de qualquer processo pendente sobre o devedor, mas sim uma participação criminal apresentada contra C..., administrador da sociedade devedora, pela emissão de um cheque sem provisão, emitido a favor da Requerente para pagamento da fatura em divida;
  4. Entenderam os SIT, em função das provas apresentadas, que a perda por imparidade não poderia ser aceite em valor correspondente a 100% do crédito, mas sim em função da mora verificada no fim do período de tributação que, na situação presente, tinha como limite superior a percentagem de 25%, nos termos do n.º 2 do artigo 28.º-B do Código do IRC;
  5. A Requerente parece aceitar que dedução fiscal da perda por imparidade tenha como limite superior a percentagem de 25% do valor do crédito, mas reclama da AT que efetue a seu favor as correções simétricas nos exercícios seguintes de 2015 e 2016.
  6. Ora, salvo melhor opinião, não nos parece que possa ser atendida a pretensão da Requerente, pois, o registo da perda por imparidade deve ser reconhecido, quer para efeitos contabilísticos quer para efeitos fiscais, no período de tributação  em que  se verifica uma evidência objectiva de imparidade, e as excepções a esta regra só poderão ser aceites fiscalmente se enquadráveis no n.º 2 do artigo 18.º do Código do IRC, que determina que "as componentes positivas ou negativas consideradas como respeitando a períodos anteriores só são imputáveis a esse período de tributação quando na data de encerramento das contas do exercício a que deviam ser imputadas eram imprevisíveis ou manifestamente desconhecidas".
  7. Se, como parece ser o caso, a Requerente reconhece na sua contabilidade uma perda por imparidade em montante que ultrapassa o limite aceite para efeitos fiscais, deve acrescer o excesso no quadro 07 da modelo 22 desse período, sem prejuízo de poder vir a recuperar esse excesso em períodos de tributação subsequentes. No que concerne a saber se deveriam os SIT corrigir a favor da Requerente nos exercícios de 2015 e  2016, essa perda por imparidade não aceite no período de tributação de 2014, tal dever faria sentido, se o procedimento inspectivo abrangesse os períodos de tributação de 2015 e 2016, pois só no final deste último exercício é que o crédito estaria em mora há mais de 24 meses e a perda por imparidade poderia ser aceite para efeitos fiscais em valor correspondente a 100% do crédito;
  8. Tendo a acção inspetiva incidido apenas sobre o exercício de 2014, a AT não poderia proceder à correção oficiosa das liquidações de IRC dos exercícios de 2015 e 2016, tanto  mais  que  para proceder a essas correções a AT teria que saber da situação do crédito nesses dois exercícios, pois, na hipótese de a Requerente ter recebido o valor em dívida do seu cliente não haveria lugar ao reconhecimento de nenhuma perda por imparidade e, ao invés, havia a obrigação de repor as perdas por imparidade constituídas;
  9. Deste modo, afigura-se-nos, que não existe nenhuma ilegalidade na decisão de indeferimento do procedimento de reclamação graciosa, devendo manter-se a correção proposta pelos SIT na formação do lucro tributável de 2014.

 

 

Vejamos o que deve ser entendido.

 

 

Tendo em conta que a questão em discussão se prende com a aceitação ou não da perda por imparidade registada pela Requerente como dedutível em 100%, importa atender ao disposto nos artigos 23.º, 28.º-A e 28.º-B do Código do IRC.

Assim:

 

 

Artigo 23.º
Gastos e perdas

1 - Para a determinação do lucro tributável, são dedutíveis todos os gastos e perdas incorridos ou suportados pelo sujeito passivo para obter ou garantir os rendimentos sujeitos a IRC.
2 - Consideram-se abrangidos pelo número anterior, nomeadamente, os seguintes gastos e perdas:

(…)
h) Perdas por imparidade
; “

 

Por sua vez, o artigo 28.º-A do Código do IRC dispõe, com relevância para a solução do caso em litígio, o seguinte:

 

 

Artigo 28.º-A
Perdas por imparidade em dívidas a receber

1 - Podem ser deduzidas para efeitos fiscais as seguintes perdas por imparidade, quando contabilizadas no mesmo período de tributação ou em períodos de tributação anteriores:

a) As relacionadas com créditos resultantes da atividade normal, incluindo os juros pelo atraso no cumprimento de obrigação, que, no fim do período de tributação, possam ser considerados de cobrança duvidosa e sejam evidenciados como tal na contabilidade.

(…)

3 - As perdas por imparidade e outras correções de valor referidas nos números anteriores que não devam subsistir, por deixarem de se verificar as condições objetivas que as determinaram, consideram-se componentes positivas do lucro tributável do respetivo período de tributação.”

 

E o artigo 28.º -B estabelece o seguinte:

 

Perdas por imparidade em créditos

  1. Para efeitos da determinação das perdas por imparidade previstas na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior, consideram-se créditos de cobrança duvidosa aqueles em que o risco de incobrabilidade esteja devidamente justificado, o que se verifica nos seguintes casos:
  1. O devedor tenha pendente processo de execução, processo de insolvência, processo especial de revitalização ou procedimento de recuperação de empresas por via extrajudicial ao abrigo do Sistema de Recuperação de Empresas por Via Extrajudicial (SIREVE), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 178/2012, de 3 de agosto;
  2. Os créditos tenham sido reclamados judicialmente ou em tribunal arbitral;
  3. Os créditos estejam em mora há mais de seis meses desde a data do respetivo vencimento e existam provas objetivas de ímparidade e de terem sido efetuadas diligências para o seu recebimento.

 

  1. O montante anual acumulado da perda por ímparidade de créditos referidos na alínea c) do número anterior não pode ser superior às seguintes percentagens dos créditos em mora:

a) 25 % para créditos em mora há mais de 6 meses e até 12 meses;

b) 50 % para créditos em mora há mais de 12 meses e até 18 meses;

c) 75 % para créditos em mora há mais de 18 meses e até 24 meses;

d) 100 % para créditos em mora há mais de 24 meses.”

 

Resulta, então, do disposto no n.º 1 do artigo 28-ºA do Código do IRC que podem ser deduzidas as perdas por imparidade relativamente às quais se verifiquem as seguintes condições cumulativas:

  • As perdas por imparidade sejam relacionadas com créditos resultantes da actividade normal;
  • As perdas por imparidade possam ser consideradas de cobrança duvidosa fim do período de tributação;
  • As perdas por imparidade estejam evidenciadas como de cobrança duvidosa na contabilidade.

Tendo em conta os factos e documentos carreados para os autos, a perda por imparidade em discussão constitui um crédito de cobrança duvidosa, que reúne as condições previstas na norma supra citada.

Não obstante, no exercício de 2014, é certo, à luz do disposto no artigo 28.º-B, n.º 2 do  Código do IRC que a perda por imparidade não poderia ser aceite em valor correspondente a 100%  do crédito, mas sim em função da mora verificada no fim do período de tributação, ou seja, no máximo em 25%, resultando da própria argumentação da Requerente o acordo quanto a este enquadramento legal.

 

Considera, contudo, a Requerente que a dedução fiscal da perda por imparidade deve ser objecto de correções simétricas nos exercícios seguintes de 2015 e 2016.

Sucede que, a avaliação desse direito só poderia ter lugar caso se estivesse perante a impugnação de acto decisório ou de liquidação que abrangesse os referidos períodos de tributação, o que não sucede.

Por esse motivo, sendo o pedido em análise determinado pelo acto de indeferimento da reclamação graciosa relativa ao exercício fiscal de 2014 e à liquidação adicional de IRC de 2014, não pode este Tribunal apreciar a pretensão da Requerente.

 

Conclui-se, assim pela improcedência do pedido de anulação do acto do indeferimento da reclamação graciosa identificada nos autos.

 

IV. DECISÃO

Termos em que este Tribunal Arbitral decide julgar totalmente improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do indeferimento da reclamação graciosa identificada nos autos e actos tributários subjacentes, no valor de €1.641,49.

 

V. VALOR DO PROCESSO

De harmonia com o disposto nos artigos 315.º n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de €1.641,49.

 

VI. CUSTAS

Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em €306,00, conforme a Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

Lisboa, 6 de Março de 2020

 

(Magda Feliciano)

(O texto da presente decisão foi elaborado em computador, nos termos do artigo 131.º, n.º 5 do Código de Processo Civil, aplicável por remissão do artigo 29.º, n.º 1, da alínea e) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (RJAT) regendo-se a sua redacção pela ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.)