Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 516/2019-T
Data da decisão: 2020-03-14  IMT  
Valor do pedido: € 348.995,57
Tema: IMT – Fundos de investimento imobiliário – Isenção de IMT – Aplicação da lei no tempo.
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DECISÃO ARBITRAL

Acordam em Tribunal Arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A., contribuinte fiscal n.º..., com sede na ..., nº..., ..., ... Lisboa, que à data dos factos tinha como firma B..., S.A.,  apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º..., no valor de € 697.991,14,  e, bem assim, do acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado perante a Autoridade Tributária, requerendo a anulação desses actos e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos:

 

A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que tem por objeto social, entre outros, a promoção e atividade imobiliária, nomeadamente a compra e venda de bens imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim.

 

Em 29 de dezembro de 2014, a Requerente adquiriu o terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ... sob o artigo matricial ... ao fundo C...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto, que é gerido e representado legalmente pela D... SGFII e iniciou a sua atividade em 1 de Setembro de 2005.

 

O imóvel foi adquirido pelo preço de € 8.460.000,00 e à data da transação tinha um valor patrimonial tributário de € 10.738.325,24.

 

Na sequência da apresentação do Modelo 1 do IMT pela Requerente, a Autoridade Tributária emitiu, no dia 29 de Dezembro de 2014, a correspondente liquidação de IMT identificada com o n.º ..., no valor de € 697.991,14, resultante da aplicação da taxa de 6,5% sobre o VPT do imóvel.

 

No entanto, à data da aquisição do imóvel vigorava a norma de isenção parcial prevista no n.º 1 do artigo 49.º do EBF, com a redação dada pela Lei n.º 83.º-C/2013, de 31 de dezembro, na medida em que o imóvel adquirido estava integrado num fundo de investimento imobiliário aberto, pelo que as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas estavam reduzidas para metade.

 

Assim, era devido imposto no montante de € 348.995,57 resultante da taxa de 3,25%, e não de 6,5%, por efeito do estabelecido na referida disposição do artigo 49.º do EBF, na redação vigente à data da aquisição do imóvel.

 

Entretanto, a Requerente apresentou, em 31 de Dezembro de 2018, um pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IMT, tendo nesse âmbito defendido, essencialmente, que o mesmo padece do vício de ilegalidade por violação do artigo 49.º do EBF, na redacção em vigor à data da aquisição.

 

Não recaiu qualquer decisão sobre o referido pedido de revisão oficiosa, pelo que se deve considerar tacitamente indeferido.

A Autoridade Tributária, na sua resposta invoca a caducidade do direito à acção porquanto, nos termos do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, a revisão do acto tributário pode ser efectuada por iniciativa do sujeito passivo, com base em qualquer ilegalidade, no prazo de reclamação administrativa (120 dias) ou por iniciativa da Administração Tributária, com fundamento em erro imputável aos serviços, no prazo de 4 anos após a liquidação, ou a todo o tempo, se o tributo não tiver sido pago, considerando-se erro imputável aos serviços o erro na autoliquidação.

 Sendo que, a liquidação de IMT foi emitida com base na declaração do contribuinte, no âmbito da sua obrigação declarativa, não tendo sido imputado qualquer erro aos serviços na emissão da liquidação e, assim, à data da apresentação do pedido arbitral, em 29 de Julho de 2019, já tinha caducado o direito de acção arbitral do Requerente, uma vez que já tinha decorrido o prazo a que se refere o artigo 10.º,  n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

Em sede de impugnação, a Autoridade Tributária sustenta que a liquidação impugnada tem por base a interpretação do artigos 46º/49º do EBF desenvolvida no Parecer de 22 de Junho de 2018, sancionado pela Subdirectora-Geral para a Área do Património, pelo qual o novo regime se aplica aos fundos que se constituírem após a entrada em vigor da nova lei, pelo que o benefício da redução da taxa se aplicava aos prédios que viessem a ser integrados em fundos de investimento, no futuro.

 

Concluiu pela improcedência do pedido

 

2. Não foi requerida produção de prova testemunhal e, no seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, prosseguindo o processo para  alegações.  

Em alegações, a Requerente rebateu a excepção dilatória da caducidade do direito à acção, dizendo em resumo o seguinte.

O erro na aplicação do direito que pode justificar o pedido de revisão traduz-se na desconsideração ou não aplicação à aquisição do imóvel ao Fundo C... do benefício fiscal automático estabelecido, em sede de IMT, no artigo 49.º, n.º 1, do EBF na redação em vigor à data dos factos. Nos termos do n.º 1 do artigo 19.º do Código do IMT, a liquidação do IMT é de iniciativa dos interessados, para cujo efeito devem apresentar, em qualquer serviço de finanças ou por meios electrónicos, uma declaração de modelo oficial devidamente preenchida. No entanto, das  instruções de preenchimento da declaração Modelo 1 do IMT não consta qualquer código identificativo do benefício fiscal relativo à redução da taxa do IMT estabelecida  naquele preceito, pelo que a Requerente se encontrava impossibilitada, na prática, de declarar que era aplicável o benefício fiscal de redução da taxa do IMT e era à Autoridade Tributária que competia, com os elementos de informação disponíveis, proceder à aplicação do benefício fiscal em causa. E, nesse sentido, podia ser requerido o pedido de revisão oficiosa no prazo de quatro anos com base em erro imputável aos serviços.

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, tendo o Conselho Deontológico designado o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 14 de Outubro de 2019.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção da caducidade do direito de acção.

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

Matéria de facto

 

4. A matéria de facto relevante para a decisão da causa é a seguinte:

 

  1. A Requerente é uma sociedade anónima de direito português que tem por objeto social, entre outros, a promoção e atividade imobiliária, nomeadamente a compra e venda de bens imóveis e a revenda dos adquiridos para esse fim (doc. n.º 3 junto com o pedido arbitral que se dá por reproduzido);
  2. Em 29 de dezembro de 2014, adquiriu um terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ... e ..., sob o artigo matricial ..., ao fundo C...- Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto (doc. n.º 4 junto com o pedido arbitral que se dá por reproduzido);
  3. O Fundo C... é gerido e representado legalmente pela D... SGFII e iniciou a sua atividade em 1 de Setembro de 2005 (doc. n.º 5 junto com o pedido arbitral que se dá por reproduzido);
  4. O imóvel foi adquirido pelo preço de € 8.460.000 e tinha, à data da transação, o valor patrimonial tributário (VPT) de € 10.738.325,24 (doc. n.º 1 junto com o pedido arbitral que se dá por reproduzido).
  5.  No dia 29 de Dezembro de 2014, a Requerente apresentou a declaração Modelo 1 do IMT junto do Serviço Finanças Lisboa, na qual declarou a aquisição de 100% do direito de propriedade sobre o imóvel integrado no Fundo C... pelo preço de € 8.460.000,00 (doc. n.º 6 junto com o pedido arbitral que se dá por reproduzido);
  6. Nesse mesmo dia, a Autoridade Tributária emitiu a liquidação de IMT, com o n.º..., com um valor de imposto a pagar de € 697.991,14, sendo que o montante apurado resultou da aplicação da taxa de 6,5% sobre o VPT do Imóvel (doc. n.º 1 junto com o pedido arbitral que se dá por reproduzido);
  7. A Requerente remeteu ao Serviço de Finanças Lisboa ..., pelo correio, sob registo efectuado no dia 31 de dezembro de 2018, um pedido de revisão oficiosa contra a liquidação de IMT (doc. n.º 2 junto com o pedido arbitral que se dá por reproduzido, e doc. n.º 2 a ele anexo);
  8. O pedido de revisão oficiosa não foi decidido no prazo legalmente previsto, tendo assim sido objecto de indeferimento tácito;
  9. O pedido arbitral foi apresentado em 29 de Julho de 2019.

 

Factos não provados

 

Não existem quaisquer factos não provados relevantes para a decisão da causa.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.

 

Saneamento

 

Caducidade do direito de acção

 

 

5. A Autoridade Tributária, partindo do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, invoca a caducidade do direito à acção por considerar que a revisão do acto tributário por impulso do sujeito passivo, com base em qualquer ilegalidade, apenas poderia ter lugar no prazo de reclamação administrativa, isto é, no prazo de 120 dias contados deste o limite temporal para o pagamento voluntário do imposto, ao passo que o prazo de 4 anos após a liquidação apenas é aplicável no caso da revisão por iniciativa da Administração Tributária, com fundamento em erro imputável aos serviços. Concluindo que na situação do caso não se verifica o erro dos serviços já que a liquidação de IMT foi emitida com base na declaração do contribuinte, que não preencheu o campo atinente ao benefício fiscal que fosse aplicável no caso.

Deve começar por dizer-se - como se afirma no acórdão do STA de14 de Março de 2012 (Processo n.º 01007/11) – que a revisão oficiosa do acto tributário pode ser efectuada a pedido do contribuinte no prazo de quatro anos contados da liquidação (ou a todo o tempo se o tributo ainda não tiver sido pago) quando houver erro imputável aos serviços, devendo entender-se como tal o erro material, o erro de facto ou o erro de direito, independentemente da demonstração da culpa dos funcionários envolvidos na emissão da liquidação.

É o que resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 7, da LGT, pelo qual a revisão oficiosa, nos termos previstos no n.º 1 desse artigo, pode ser desencadeada pelo sujeito passivo mediante requerimento dirigido ao órgão competente da Administração Tributária e com base nos mesmos pressupostos legais: no prazo de quatro anos e com fundamento em erro imputável aos serviços. O que se tem entendido como uma decorrência do princípio da justiça e da verdade material (cfr., neste sentido, Joaquim Freitas da Rocha, Lições de Procedimento Tributário, 5.ª edição, Coimbra, págs. 227-228; Serena Cabrita Neto/Carla Castelo Trindade, Contencioso Tributário, vol. I, Coimbra, 2017, pág. 605).

No caso, a liquidação do imposto data de 29 de Dezembro de 2014 e o pedido de revisão oficiosa foi remetido pelo correio sob registo no dia 31 seguinte. Nos termos do artigo 279.º, alíneas b) e c), do Código Civil, na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr, e, sendo um prazo fixado em anos a contar de certa data, o prazo termina às 24 horas do dia que corresponda a essa data dentro do último ano. Por outro lado, se o prazo terminar em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil (alínea e).

Considerando que os requerimentos dirigidos a órgãos administrativos podem ser apresentados através de remessa pelo correio, sob registo, valendo como data da apresentação a da efectivação do registo (artigo 104.º, alínea b), do CPA) e o prazo se iniciava em 30 de Dezembro, e recaindo essa data, no quarto ano a contar da liquidação, em domingo, o prazo terminava em 31 de Dezembro, pelo que o pedido de revisão oficiosa é tempestivo.

O que pode discutir-se, na situação do caso, é se se verificou um erro de aplicação da lei, na liquidação efectuada pelos serviços da administração tributária, que não tenha resultado da qualquer informação ou declaração do contribuinte.

A Autoridade Tributária sustenta que o erro é imputável ao contribuinte porquanto não forneceu na declaração para efeitos de liquidação do imposto os elementos referentes à redução da taxa de IMT prevista no artigo 49.º, n.º 1, do Código do IMT. No entanto, não só as instruções de preenchimento da declaração não contêm qualquer referência ao código identificativo do benefício fiscal que está em causa, como também a aplicação do benefício não dependia de outros dados factuais que apenas pudessem ser conhecidos do declarante para além daqueles que já constavam da declaração, mormente a menção de que o titular do imóvel transmitido era, no caso, um fundo de investimento imobiliário.

O que está em causa, por conseguinte, face aos termos em que a questão vem colocada no pedido arbitral, é uma errada aplicação do regime jurídico resultante da referida disposição do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, que não pode ser atribuída a uma qualquer deficiência ou omissão imputável ao próprio declarante.

Não se verifica, nestes termos, a alegada caducidade do direito de acção, visto que, tendo o pedido de revisão oficiosa sido apresentado em 31 de dezembro de 2018 e ocorrido a presunção de indeferimento tácito quatro meses depois, à data da apresentação do pedido arbitral, em 29 de Julho de 2019, ainda não tinha decorrido o prazo de 90 dias a que se refee o artigo 10.º, n.º 1, do RJAT.

 

Questão de fundo

 

6. A Requerente pretende que a aquisição de um bem imóvel a um Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, realizada em 29 de dezembro de 2014, se encontra coberta pela disposição do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que reduziu para metade as taxas do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública.

 

A Autoridade Tributária sustenta que o regime resultante da Lei n.º 83-C/2013, por via da alteração da redacção do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, se aplica aos fundos que se constituírem após a entrada em vigor da nova lei, pelo que o benefício da redução da taxa se aplicava aos prédios que viessem a ser integrados em fundos de investimento, no futuro.

 

A questão tal como vem colocada justifica uma breve descrição da evolução legislativa que culminou na referida norma do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, que passou a contemplar a redução a metade das taxas de IMT sobre transmissões onerosas de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário.

 

O Decreto-Lei n.º 1/87 estatuía, no seu artigo 1.º, que “são isentas de sisa as aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”. A estatuição surge na sequência da regulamentação dos fundos de investimento imobiliário, operada pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, e, como ressalta do respectivo preâmbulo, teve em vista definir um quadro fiscal adequado para a criação desses fundos a que o Governo reconhece um importante contributo para a formação de poupanças e mobilização de investimentos no sector imobiliário, com efeitos positivos na construção e no mercado de arrendamento de imóveis.

 

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que procedeu à reforma da tributação do património, aprovando em anexo o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), determinou, no seu artigo 28.º, n.º 2, que as remissões constantes dos textos legais para o imposto municipal de sisa se consideram como referidas ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

 

Além disso, o mesmo diploma, no artigo 31.º - que incluiu diversas normas revogatórias - ressalvou, no seu n.º 6, a manutenção em vigor dos benefícios fiscais respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante.

 

Assim, de acordo com a interpretação conjugada das citadas disposições dos artigos 28.º e 31.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 287/2003, as isenções ao imposto de sisa constantes de quaisquer diplomas avulsos deveriam considerar-se reportadas ao IMT, e, por outro lado, as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário continuariam isentas de IMT por efeito do estabelecido no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.

 

Após a criação da isenção do imposto de sisa relativamente à aquisição de imóveis para os fundos de investimento imobiliário, em 1987, o Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, veio aprovar o Estatuto dos Benefícios Fiscais, com o claro propósito de sistematização dos princípios gerais a que deve obedecer a atribuição das situações de benefício. O EBF surgiu na sequência da reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (CIRS), do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (CIRC) e da contribuição autárquica  (CA), que já haviam introduzido alguns mecanismos estruturais de desagravamento do imposto, pelo que o Estatuto teve em vista caracterizar algumas outras situações de carácter menos estrutural mas que se revestissem de relativa estabilidade, deixando para as futuras leis de orçamento de Estado os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou que exigissem uma regulamentação mais frequente (cfr. a respectiva nota preambular).

 

Na primitiva redacção do EBF, e em relação às sociedades de gestão e de investimento imobiliário, apenas se contemplava um regime fiscal específico de tributação em matéria de IRC e, em sede de IRS, quanto aos lucros distribuídos por aquelas sociedades aos respectivos sócios (artigo 26.º). Esse regime manteve-se com diversas alterações e veio a transitar para o artigo 22.º com a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, sob a epígrafe “Fundos de investimento”, que foi igualmente objecto de diversas modificações legislativas.

 

É a nova redacção dada ao artigo 46.º do EBF pela Lei de Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro) que prevê, pela primeira vez, um regime de isenção fiscal a favor dos fundos de investimento imobiliário em matéria de contribuição autárquica, nos seguintes termos:       

 

Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

 

Após a reforma da tributação do património, aprovada pelo referido o Decreto-Lei n.º 287/2003 – que revogou o Código da Contribuição Autárquica –, esse artigo 46.º, na redacção dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 (Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro) passou a estabelecer a isenção de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) para os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, nas mesmas condições que já constavam da redacção anterior do preceito, e o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, renumerou o artigo 46.º como artigo 49.º e manteve nos mesmos termos essa mesma isenção.

 

A Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, sendo também uma lei orçamental, através de nova redacção dada ao artigo 49.º do EBF, passou a isentar de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis apenas os “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos”, e a Lei do Orçamento de Estado para 2012 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) alargou essa isenção aos “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública”.

 

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, alterando esse artigo 49.º, suprimiu a isenção, passando a prever a redução para metade das taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública.

 

O n.º 1 desse preceito passou a ostentar a seguinte redacção:

 

“São reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.

 

O artigo 49.º do EBF foi revogado pelo artigo 215.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

 

6. Da evolução legislativa acabada de descrever ressalta a ideia de que os benefícios fiscais atribuídos aos fundos de investimento imobiliário não têm um carácter sistemático, assumindo antes uma natureza marcadamente conjuntural, assim se justificando que as sucessivas alterações ao regime legal tenham sido estabelecidas, em regra, por via de leis orçamentais.

 

Basta notar que começou por prever-se a isenção da contribuição autárquica - e do IMI e do IMT - em relação a prédios integrados em qualquer tipo de fundo imobiliário, para depois se restringir essa isenção aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos. Mais tarde foi resposta a isenção quanto a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública até que o benefício fiscal foi transformado em redução da taxa de imposto aplicável e, finalmente, foi suprimido.

 

Não é possível ver, por conseguinte, na aprovação do EBF e nas múltiplas alterações desse Estatuto um critério geral que permita definir um regime fiscal estável que possa sobrepôr-se a outras disposições avulsas que subsistiam já na ordem jurídica.

 

Para além disso, importa fazer notar que o âmbito aplicativo da isenção inicialmente criada pela Lei 53-A/2006, mediante a alteração do artigo 46.º do EBF - que passou a prever a isenção de IMI e de IMT em relação a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários -, não é coincidente com o da isenção contemplada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, que se refere a aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora. Na verdade, por efeito da nova disposição do artigo 46.º do EBF, passaram a estar isentos do IMT os prédios já integrados nos fundos imobiliários, ao passo que a isenção a que se referia o diploma de 1987 abrangia as aquisições de bens imóveis efectuadas por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário para passarem a integrar o património desses fundos. O que significa que o EBF veio ampliar a isenção, cobrindo não apenas as situações em que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel, mas também aquelas em que o fundo age na posição de alienante do imóvel (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 544/2016, em que se analisou a mesma questão).

 

7. À luz da evolução legislativa anteriormente descrita, e como tem sido sublinhado pela jurisprudência arbitral, não há motivo para considerar verificada a revogação do  artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, visto que esse diploma não foi objecto de revogação expressa, nem existe qualquer incompatibilidade entre essa norma e aquela que veio a ser introduzida no EBF (artigo 46.º depois renumerado como artigo 49.º), visto que essas disposições contêm diferentes âmbitos aplicativos e esta última limitou-se a ampliar a isenção já estabelecida pelo diploma de 1987 (cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 622/2017, 316/2018, 326/2018 e 606/2018).

 

Em todo o caso, o que está em causa não é a isenção prevista naquele preceito do diploma de 1987, mas antes a redução a metade das taxas de IMT relativamente a transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário a que se refere o artigo 49.º, n.º 1, do EBF, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

De facto, como se deixou referido, enquanto o citado diploma de 1987 se reportava a aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário, a redução das taxas aplicáveis a que se refere o artigo 49.º do EBF abrange as transmissões de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, cobrindo quer as aquisições quer as alienações de imóveis.

 

No caso vertente, estamos perante a aquisição pela Requerente a um fundo de investimento imobiliário de um imóvel que se encontrava integrado no seu património. A aquisição foi realizada em 2014, ainda antes de se ter operado a revogação desse artigo 49.º, que apenas ocorreu através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

 

A citada norma do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, encontrando-se vigente à data da transacção, é também muito clara ao fixar uma redução para metade das taxas aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário.

 

A Autoridade Tributária invoca, no entanto, um problema de aplicação da lei no tempo partindo do entendimento de que a redução da taxa resultante da  nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF é apenas aplicável  aos fundos que se constituam após a entrada em vigor da lei nova, pelo que o benefício fiscal se aplica apenas aos prédios que fossem integrados em fundos de investimento no futuro.

 

A questão da aplicação da lei no tempo não pode deixar de estar relacionada com a norma do artigo 209.º da Lei nº 83-C/2013, que, sob a epígrafe “Disposição transitória no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, dispõe o seguinte:

 

O regime tributário resultante da nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, é aplicável aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, os fundos de pensões e os fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, bem como os prédios que venham a integrar estas entidades.

 

Ora, referindo-se a norma “aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário”, está a reportar-se a todos os prédios que, nessa data, se encontravam  integrados nos fundos,  inclusivamente aos que tinham sido integrados em data anterior à entrada em vigor desta Lei e que, nesse momento, ainda se mantinham neles integrados (cfr., neste sentido, acórdão proferido no Processo n.º 309/2019-T).

 

O artigo 209.º apenas esclarece que o benefício fiscal se aplica também aos prédios que, após a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, viessem a integrar os fundos, estendendo, assim, o regime legal não apenas aos prédios que, no começo da vigência da lei, já se encontravam integrados nos fundos imobiliários, mas  também aos prédios que viessem a integrar os fundos posteriormente.

 

A interpretação formulada pela Autoridade Tributária não tem, pois, na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

 

Assim sendo, ocorrendo a aquisição do imóvel ainda na vigência do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, e, por isso, antes da sua revogação pelo artigo 215.º, n.º 1, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, era-lhe aplicável a taxa reduzida aí prevista.

 

O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é ilegal por violação da referida disposição legal.

 

Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios

 

  8. A Requerente pede ainda o reembolso do imposto indevidamente pago no valor de € 348.995,57, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

No que se refere aos juros indemnizatórios, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos casos de pedido de revisão oficiosa, apenas são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., acórdão do Pleno do STA de 3 de Julho e 2019, Processo n.º 04/19).

 

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 31 de dezembro de 2018, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 1 de Janeiro de 2020, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

  1. Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;
  2. Anular parcialmente a liquidação de IMT n.º ... quanto ao valor de € 348.995,57;
  3. Condenar a Autoridade Tributária no reembolso da quantia de € 348.995,57, acrescida de juros indemnizatórios a partir de 1 de Janeiro de 2020.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 348.995,57, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

 

Notifique.

 

Lisboa, 14 de Março de 2020

  

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

 

 

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

 

 

José Calejo Guerra

 

 

O Árbitro vogal

 

 

Jesuíno Alcântara Martins