DECISÃO ARBITRAL
O árbitro Professor Doutor Jónatas Machado, designado pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para integrar o presente Tribunal Arbitral, profere a seguinte decisão:
1 RELATÓRIO
1. A..., casado, contribuinte fiscal n.º..., e B..., casada, contribuinte fiscal n.º..., residentes na Rua ..., n.º..., em Lisboa, vieram, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art. 2.º conjugado com o art. 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e do art. 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março, a 13.10.2019, requerer a constituição de tribunal arbitral singular e, ao abrigo do disposto nos arts. 99.º e 102.º do CPPT e arts. 2.º, 10.º e seguintes do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, pedir uma pronúncia arbitral relativa ao ato de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano fiscal de 2018.
2. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em 14.10.2019.
3. Em conformidade com os artigos 5.º, n.º 2, al. a), 6.º, n.º 1 e 11.º, n.º 1 do RJAT, o Conselho Deontológico deste Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) nomeou como árbitro singular o Professor Doutor Jónatas Machado, em 04.12.2019.
4. As partes foram devidamente notificadas dessa designação, à qual não opuseram recusa, nos termos conjugados dos artigos 11.º, n.º 1, alíneas b) e c) e 8.º do RJAT e 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.
5. Por força do preceituado na alínea c) do n.º 1 e do n.º 8 do artigo 11.º do RJAT, conforme comunicação do Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, o Tribunal Arbitral ficou constituído em 07.01.2020.
6. Pretendem os Requerentes a declaração da ilegalidade parcial ato de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano fiscal de 2018, a correção do rendimento tributável dos Requerentes, mediante dedução da perda apurada em 2016 e transitada em 2017 e tributada a diferença positiva à taxa de 28%, e a restituição do montante de € 6.497,45 (seis mil quatrocentos e noventa e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) de imposto liquidado em excesso, acrescido de juros indemnizatórios.
7. A AT (ou Requerida), tendo sido para tal notificada, ao abrigo do disposto no artigo 17.º do RJAT, apresentou a sua resposta, em 10.02.2020, concluindo dever ser proferida decisão que julgue improcedente o presente pedido de pronúncia arbitra, por não provado, e, consequentemente, absolvida a Requerida, tudo com as devidas e legais consequências.
8. Por não ter sido requeridas pelas partes e ser consideradas desnecessárias, o tribunal dispensou a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e a apresentação de alegações, através de despacho proferido em 11.02.2020.
1.1 Descrição dos factos
9. Na declaração anual de rendimentos do ano de 2016, os Requerentes apuraram um resultado líquido negativo na Categoria F, no valor de € 89.228,50 (oitenta e nove mil duzentos e vinte e oito euros e cinquenta cêntimos).
10. Tal valor foi expressamente reconhecido pela AT como “Perdas a Reportar”, ao abrigo do disposto na alínea b), do n.º 1 do art. 55.º do Código do IRS (“CIRS”), como consta da nota de liquidação de IRS referente àquele ano.
11. Em 2017, os Requerentes deduziram aos rendimentos da Categoria F obtidos nesse ano parte das perdas reportadas de 2016, como se pode confirmar pela consulta da declaração de rendimentos de 2017 e respetiva nota de liquidação, pelo que o saldo transitável para os anos seguintes se reduziu a € 23.205,18 (vinte e três mil duzentos e cinco euros e dezoito cêntimos).
12. Com referência ao ano de 2018, os Requerentes apresentaram a sua declaração de rendimentos Modelo 3 de IRS, incluindo rendimentos da Categoria F – tendo optado pelo não englobamento no campo 7-D do Anexo F – aos quais deveria ter sido deduzido o saldo indicado para efeitos de determinação do rendimento tributável da dita categoria.
13. A AT não efetuou qualquer dedução, tendo mantido em 2018 o saldo de “Perdas a reportar” de 2017, pelo que os rendimentos da Categoria F obtidos no ano de 2018, no total líquido de € 74.112,60 (setenta e quatro mil cento e doze euros e sessenta cêntimos), foram integralmente sujeitos a IRS, sem qualquer dedução.
14. O imposto assim originado foi no valor de € 20.751,53 (vinte mil setecentos e cinquenta e um euros e cinquenta e três cêntimos) - à taxa prevista no art. 72.º, n.º 1, alínea e), do CIRS, ao invés dos € 14.254,08 (catorze mil duzentos e cinquenta e quatro euros e oito cêntimos) de IRS que seriam efetivamente devidos caso a AT tivesse efetuado a dedução a que estava obrigada, no referido montante de € 23.205,18 (vinte e três mil duzentos e cinco euros e dezoito cêntimos), com consequente apuramento de rendimento líquido no valor de € 50.907,42 (cinquenta mil novecentos e sete euros e quarenta e dois cêntimos).
15. Na sequência da entrega da declaração anual de rendimentos do ano de 2018, foram os Requerentes notificados da nota de liquidação n.º 2019..., com valor a pagar de € 12.235,67 (doze mil duzentos e trinta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos).
1.2 Argumentos das partes
16. Os argumentos e contra-argumentos trazidos aos autos centram-se na eventual ilegalidade parcial ato de liquidação de IRS n.º 2019..., referente ao ano fiscal de 2018.
17. Os Requerentes alegam que o ato de liquidação em crise no feito em apreço é parcialmente ilegal, por violação das regras previstas no CIRS, nomeadamente o regime previsto no art. 55.º do CIRS, com argumentos que a seguir se sintetizam:
a) O imposto referente aos rendimentos prediais foi erroneamente calculado, não tendo a Requerida reconhecido o direito dos Requerentes ao reporte do saldo negativo que havia transitado do ano de 2017;
b) Nos termos do n.º 1, do art. 41.º do CIRS (na redação em vigor à data dos factos, introduzida pela Lei n.º 82-E/2014, de 31 de dezembro), aos rendimentos prediais brutos (definidos no art. 8.º do CIRS) são deduzidos “relativamente a cada prédio ou parte de prédio todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos da natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração”;
c) Sempre que tais deduções legalmente permitidas sejam superiores ao rendimento bruto daquela categoria, apura-se um resultado líquido negativo nesse ano fiscal que é considerado como “Perdas a Reportar”, podendo ser abatido aos rendimentos obtidos nos anos subsequentes com referência àquela mesma categoria;
d) Esta possibilidade de reporte das perdas registadas na Categoria F vem prevista na alínea b) do n.º 1 do art. 55.º do CIRS ao determinar que “[r]elativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, nos seguintes termos: (…) b) O resultado líquido negativo apurado em determinado ano na categoria F só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita;”
e) A possibilidade de reporte de perdas não está sujeita a qualquer condição ou requisito adicional - para além do prazo de 6 anos para reporte das perdas - ao invés do que se verifica, por exemplo, na alínea d) do n.º 1 do referido art. 55.º do CIRS, em que se refere expressamente que a possibilidade de reporte de perdas só é admitida quando “(…) o sujeito passivo opte pelo englobamento”;
f) Havendo perdas a reportar reconhecidas pela AT no âmbito da Categoria F, deverão estas ser automaticamente deduzidas aos rendimentos da mesma categoria, obtidos nos anos seguintes pelo mesmo sujeito passivo, independentemente de este optar ou não pelo englobamento desses rendimentos;
g) A AT, ao processar a declaração de IRS dos Requerentes referente ao ano de 2018 ignorando o sado negativo transportado de anos anteriores, e tributando o total líquido de rendimentos obtido na Categoria F, agiu em clara violação da lei.
18. A AT apresentou a sua resposta com os seguintes contra-argumentos:
a) O regime do artigo 55.º, n.º1, alínea b) do IRS, relativo à dedução de perdas, deve ser interpretado à luz do princípio ordenador respeitante à possibilidade de dedução das perdas calculadas no denominado “resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria”;
b) O artigo 22.º, n.º 1, do CIRS dispõe que «o rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.»
c) A alínea b) do n.º 3 do artigo 22.º do Código do IRS dispõe que «não são englobados para efeitos da sua tributação (…) os rendimentos referidos nos artigos 71.º e 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento neles previsto»;
d) A tributação dos rendimentos prediais encontra-se sujeita à taxa especial de 28% inscrita no artigo 72.º, n.º 1, alínea a), do CIRS, pelo que importa conferir qualquer tipo de correspondência que se possa descortinar com o procedimento geral de liquidação;
e) A aplicação de taxas especiais, designadamente de caráter liberatório, constitui, por razões de praticabilidade, uma situação normal relativamente aos rendimentos de não residentes, não podendo deixar de constituir, por força dos princípios constitucionais da unicidade e progressividade, uma situação excecional relativamente aos rendimentos dos residentes;
f) Os Requerentes declararam expressamente, na declaração Modelo 3 de IRS, ser residentes no continente português;
g) É o conceito de englobamento que permite a conjugação dos diversos rendimentos líquidos de cada categoria no conjunto global de rendimento líquido total ou, subtraídos os abatimentos, no rendimento coletável;
h) O rendimento líquido de cada categoria é uma expressão funcionalizada à obtenção de um rendimento líquido total, isto é, o rendimento coletável, adstrito à aplicação de uma taxa progressiva;
i) O reporte de prejuízos é uma operação a jusante que pressupõe a adoção a montante da opção do englobamento;
j) A preterição do englobamento e a sujeição de rendimentos prediais a uma taxa especial consubstancia uma renúncia à lógica da tributação baseada na qualificação do rendimento por categoria, na quantificação do rendimento coletável tendo em conta a dedução específica de custos eventualmente suportados pelo contribuinte em cada categoria e na aplicação a esse rendimento de uma taxa progressiva;
k) Os Requerentes declararam expressamente, na declaração Modelo 3 de IRS, não optar pelo englobamento dos rendimentos prediais por eles auferidos;
l) Ao não optarem pelo englobamento os aqui residentes Requerentes escolheram tributar separadamente o rendimento da Categoria F mediante a aplicação de uma taxa liberatória fixa sobre aquele rendimento bruto, ainda que se tenha mantido a obrigação de os mesmos fazerem constar tal rendimento na respetiva declaração de IRS, ficando-lhes vedada a possibilidade de dedução, ao rendimento coletável do período de tributação de 2018, das perdas da Categoria F calculadas em 2016;
m) Não tendo os Requerentes optado pelo englobamento, não podem vir agora “obter o melhor de dois mundos”, ou seja, a aplicação de uma taxa liberatória aos rendimentos da Categoria F em detrimento da opção do englobamento e, simultaneamente, o reporte de perdas subjacente a uma opção do englobamento que não foi tomada;
n) O direito a juros indemnizatórios previsto no n.º 1 do artigo 43º da LGT, derivado de anulação judicial de um ato de liquidação, depende de ter ficado demonstrado no processo que esse ato está afetado por erro imputável aos serviços de que tenha resultado pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido;
o) Uma vez que, à data dos factos, a Requerida fez a aplicação da lei nos termos em que como órgão executivo está adstrita constitucionalmente, não se pode falar em erro dos serviços nos termos do disposto no artigo 43º da LGT.
2 SANEAMENTO
19. O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, nos termos n.º 1 do artigo 10.º do RJAT.
20. O Tribunal Arbitral encontra-se regularmente constituído (artigos 5.º, n.º 2, 6.º, n.º 1, e 11.º do RJAT), e é materialmente competente (artigos 2.º, n.º 1, alínea a) do RJAT).
21. As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias e mostram-se devidamente representadas.
22. O processo não padece de nulidades nem foram invocadas exceções, podendo prosseguir-se para a decisão sobre o mérito da causa.
3 FUNDAMENTAÇÃO
3.1 Factos dados como provados
23. Com base nos documentos trazidos aos autos são dados como provados os seguintes factos relevantes para a decisão do caso sub judice:
a) Os Requerentes procederam à entrega da declaração anual de rendimentos do ano de 2018. (Doc. n.º 1)
b) Os Requerentes foram notificados da nota de liquidação n.º 2019..., com valor a pagar de € 12.235,67 (doze mil duzentos e trinta e cinco euros e sessenta e sete cêntimos), fixando uma coleta líquida de imposto em € 67.266,84 (sessenta e sete mil duzentos e sessenta e seis euros e oitenta e quatro cêntimos), integrando € 20.751,53 (vinte mil setecentos e cinquenta e um euros e cinquenta e três cêntimos) de imposto sobre rendimentos prediais (Categoria F) tributados autonomamente; (Doc. n.º 2)
c) Na declaração anual de rendimentos do ano de 2016, os Requerentes apuraram um resultado líquido negativo na Categoria F, no valor de € 89.228,50 (oitenta e nove mil duzentos e vinte e oito euros e cinquenta cêntimos); (Doc. n.º 3 e 4)
d) No ano de 2017, os Requerentes deduziram aos rendimentos da Categoria F obtidos nesse ano parte das perdas reportadas de 2016. (Docs. n.ºs 5 e 6),
3.2 Factos não provados
24. Com relevo para a decisão sobre o mérito não existem factos alegados que devam considerar-se como não provados.
3.3 Motivação
25. Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da matéria não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
26 Os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões objeto do litígio (v. 596.º, n.º 1, do CPC, ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).
27. Assim, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.
3.4 Questão decidenda
28. A questão em apreço no feito submetido a este tribunal consiste em saber se pode ou não, nas circunstâncias apuradas nos autos, admitir-se o reporte das perdas apuradas em ano(s) anterior(es), relativamente à Categoria F de IRS (rendimentos prediais), no caso em que os titulares destes rendimentos não tenham optado pelo englobamento.
29. Sobre esta questão, deve ser reconhecido, desde logo, que a posição sustentada pela AT – nos termos da qual o contribuinte deve escolher entre o regime da aplicação de uma taxa geral aos rendimentos líquidos englobados (“net basis”) ou da aplicação de uma taxa de especial aos rendimentos prediais brutos (“gross basis”) – se afigura prima facie razoável, do ponto de vista da lógica tributária considerada em abstrato, encontrando correspondência, de resto, em soluções tributárias adotadas noutros quadrantes.
30.No quadro dessa lógica, o contribuinte pode efetivamente preferir a aplicação de uma taxa nominal geral mais elevada a um rendimento líquido do que uma taxa nominal especial mais baixa aplicada a um rendimento bruto. Do mesmo modo, a possibilidade de reporte de prejuízos em rendimentos prediais para os anos subsequentes pode aparecer associada, tal como sugere a AT, à opção pelo englobamento e tributação do rendimento líquido (“net basis election”) .
31. Em alguma medida, os dois regimes acabados de referir correspondem, em vários quadrantes, aos regimes geralmente aplicáveis, por razões de eficácia e praticabilidade administrativo-tributária, a residentes (i.e. englobamento, rendimento líquido e taxa progressiva) e a não residentes (i.e. rendimento bruto, taxa especial, retenção na fonte) em território nacional.
32. Sucede, no entanto, que a distinção clara e estanque entre os dois regimes, para além de poder ser expressamente afastada no tratamento fiscal de rendimentos de residentes e não residentes, está longe de ser de aplicação necessária e óbvia no quadro da legislação fiscal nacional analisado na sua globalidade.
33.O artigo 8.º, n.º1, do CIRS, define os rendimentos prediais como “rendas dos prédios rústicos, urbanos e mistos pagas ou colocadas à disposição dos respetivos titulares, quando estes não optarem pela sua tributação no âmbito da categoria B.”, especificando o n.º 2 do mesmo artigo o que é havido por rendas.
34. O capítulo II do CIRS, sob a epígrafe “Determinação do rendimento coletável” inicia com a enunciação de algumas regras gerais, entre as quais se encontra, no artigo 22.º, as relativas ao englobamento, onde se dispõe, no n.º 1, que “[o] rendimento coletável em IRS é o que resulta do englobamento dos rendimentos das várias categorias auferidos em cada ano, depois de feitas as deduções e os abatimentos previstos nas secções seguintes.” Entre estas, está a secção V, ainda do capítulo II, onde se encontra o artigo 41.º, em cujo n.º1 está prevista a dedução aos rendimentos brutos referidos no artigo 8.º, relativamente a cada prédio ou parte de prédio, “de todos os gastos efetivamente suportados e pagos pelo sujeito passivo para obter ou garantir tais rendimentos, com exceção dos gastos de natureza financeira, dos relativos a depreciações e dos relativos a mobiliário, eletrodomésticos e artigos de conforto ou decoração, bem como do adicional ao imposto municipal sobre imóveis.”
35. No entanto, o n.º 3, alínea b), do artigo 22.º do CIRS, dispõe que não são englobados para efeitos da sua tributação, entre outros, os rendimentos referidos no artigo 72.º auferidos por residentes em território português, sem prejuízo da opção pelo englobamento nele previsto, sendo que o n.º 1, alínea e) deste artigo estabelece que os rendimentos prediais estão sujeitos a uma taxa autónoma de 28%, admitindo o então n.º 8 (atual n.º12) do artigo 72.º, na redação à data em vigor , a possibilidade de os respetivos titulares, residentes em território português, optarem pelo englobamento (“net basis election”), caso em que, nos termos do n.º 5 do artigo 22.º, estariam obrigados a englobar a totalidade dos rendimentos da mesma categoria.
36. O n.º 3, alínea b), do artigo 22.º do CIRS é especialmente importante no regime em apreço, na medida em que, no caso de rendimentos prediais mesmo de residentes em território português, estabelece que a regra é o não englobamento, sob reserva de opção dos contribuintes em sentido contrário. Quer dizer, quando estejam em causa rendimentos prediais o legislador fiscal optou por afastar a lógica do rendimento global líquido e da progressividade do imposto, privilegiando a aplicação de taxas especiais.
37. No caso, trata-se de uma taxa autónoma, que não tem necessariamente um efeito liberatório, tendo sido salientado por Rui Duarte Morais que “…estando em causa uma taxa especial (e não de uma taxa liberatória), esta se aplica a rendimentos determinados nos termos gerais, ou seja, a rendimentos líquidos, o mesmo é dizer que o sujeito passivo continua a ser admitido a fazer as deduções específicas que a lei prevê. Como manterá, também, o direito ao reporte de prejuízos que tenha tido, nesta categoria, em anos anteriores” .
38. É neste contexto, de afastamento expresso do englobamento no caso de rendimentos prediais, que deve ser interpretado o artigo 55.º, n.º1, alínea b), do CIRS , de onde resulta que, relativamente a cada titular de rendimentos, o resultado líquido negativo apurado em qualquer categoria só é dedutível aos seus resultados líquidos positivos da mesma categoria, sendo que, quando apurado em determinado ano na Categoria F, o mesmo só pode ser reportado aos seis anos seguintes àquele a que respeita, verificando-se aí – diferentemente do previsto na alínea d) do mesmo artigo 55.º, n.º1, para o reporte para os cinco anos seguintes do saldo negativo apurado em determinado ano relativamente a algumas operações geradoras de mais valias – que essa possibilidade de dedução ao rendimento predial bruto não fica dependente da opção do sujeito passivo pelo englobamento. Recorde-se, de resto, que a tributação do rendimento líquido continua a ser um princípio estruturante do sistema. É legítimo, pois, concluir que “a diferença de redação corresponde a uma também diversa opção legislativa” .
39. Havendo rendimentos prediais, mesmo de residentes em território nacional, o legislador optou por um regime de não englobamento e aplicação de uma taxa autónoma especial, embora sem afastar expressamente a possibilidade de reporte de perdas. Embora se possa razoavelmente sustentar que esta solução se afasta da lógica de tributação geralmente adotada e entender que a mesma deve ser seguida de iure condendo, a verdade é que, de iure condito, o referido regime resulta claramente da letra da lei, considerando-se ainda dentro da margem de conformação positiva do legislador fiscal.
40. Os princípios de direito constitucional fiscal não impõem ao legislador a adoção de um sistema de englobamento puro, geometricamente perfeito, rigorosamente demarcado de um sistema dual de tributação, podendo o sistema de englobamento comportar algumas características híbridas, como sejam o não englobamento de algumas categorias de rendimentos, a sua sujeição a taxas autónomas especiais e a admissibilidade, ainda assim, em nome do princípio da tributação do rendimento líquido, a dedução e reporte de perdas, como resulta do artigo 55.º, n.º1, alínea b), do CIRS.
41. Exigências constitucionais de legalidade tributária, igualdade, segurança jurídica e proteção da confiança dos contribuintes, ínsitas nos fundamentos normativos de um Estado de direito democrático, reforçam o entendimento de que deve ser admitido o reporte de perdas mesmo quando não se procede ao englobamento dos rendimentos prediais e estes são sujeitos a taxa autónoma de 28%. Essas exigências são acentuadas pelo facto de existir abundante jurisprudência arbitral no sentido dessa admissibilidade , reiterando o a impostação de que “o reporte de perdas a anos posteriores, no âmbito da Categoria F, não está dependente de opção pelo englobamento, sendo o mesmo admitido em caso de não ser manifestada tal opção por não haver disposição legal que afaste tal possibilidade, por um lado, e, por outro, em obediência ao princípio estruturante da tributação do rendimento líquido auferido pelos respetivos sujeitos passivos.”
42. Esse entendimento jurisprudencial foi recentemente ratificado pelo Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão prolatado por unanimidade, que confirmou o entendimento segundo o qual “[a] dedução de perdas aos rendimentos líquidos positivos da categoria F, prevista no art. 55º, nº 2, CIRS (na redação dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro), não depende de opção pelo englobamento a que alude o 72º, nº 8, do mesmo diploma legal” .
3.5. Pedido de restituição da quantia paga e juros indemnizatórios
43. Os Requerentes formulam pedido de restituição da quantia indevidamente arrecadada pela AT, bem como de pagamento de juros indemnizatórios. Nos termos disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a AT a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito», de acordo com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do ato ou situação objeto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».
44. Não obstante o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilizar a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, há muito que se entende que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à ação para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».
45. Apesar de ser, essencialmente, um processo de anulação de atos tributários, o processo de impugnação de admite a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4 do CPPT (na redação dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redação inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».
46. Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral. Este entendimento decorre do princípio da tutela jurisdicional efetiva e da correspondente ampliação dos poderes conformadores da jurisdição administrativa e tributária. Por isso, os Requerentes têm o direito de ser reembolsados do imposto pago e juros indemnizatórios por força dos referidos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal é essencial para «restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado».
47. No caso em apreço, o imposto foi integralmente pago pelos Requerentes, no prazo legal. Todavia, em virtude de um erro na aplicação do direito aos factos comprovados nos autos, que afetou o valor de imposto liquidado, resultou para os mesmos o pagamento de imposto em excesso no valor de € 6.497,45. Tendo a liquidação sido resultado de erro, com a consequente violação de lei, conclui-se que o mesmo é imputável à AT.
48. Os Requerentes têm, por conseguinte, o direito a ser reembolsados da quantia que pagaram indevidamente em excesso (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e n.º 1 do artigo 24.º do RJAT) e, ainda, a ser indemnizados pelo pagamento indevido através do pagamento de juros indemnizatórios, desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.º a 5º, do CPPT), tudo à taxa apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.
4 DECISÃO
Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral:
A) Julgar procedente o pedido e anular parcialmente a liquidação de IRS do ano de 2018, n.º 2019..., na parte em que desconsidera o reporte de perdas dos anos anteriores relativo aos rendimentos da Categoria F, determinando a correção do rendimento tributável dos Requerentes, mediante dedução da perda apurada em 2016 e transitada em 2017.
B) Condenar a AT à restituição do montante de € 6.497,45 (seis mil quatrocentos e noventa e sete euros e quarenta e cinco cêntimos) de imposto liquidado em excesso.
C) Julgar procedente pedido de juros indemnizatórios, os quais são devidos desde a data do pagamento do imposto indevido (anulado) até à data da emissão da respetiva nota de crédito, contando-se o prazo para esse pagamento do início do prazo para a execução espontânea da presente decisão (art.º 61.º, n.ºs 2.ºa 5, do CPPT), tudo à taxa legal apurada de harmonia com o disposto no n.º 4.º do artigo 43.º da LGT.
5 VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em €6.497,45 (seis mil quatrocentos e noventa e sete euros e quarenta e cinco cêntimos), nos termos do artigo 306.º, n.º 1 do CPC e do 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
6 CUSTAS
Fixa-se o valor da taxa de arbitragem a cargo da Requerida em €.612.00 (seiscentos e doze euros), nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 4, do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária e da Tabela I anexa ao mesmo.
Notifique-se.
Lisboa, 20 de fevereiro de 2020
O Árbitro
Jónatas E. M. Machado