Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 474/2019-T
Data da decisão: 2020-02-17  IVA  
Valor do pedido: € 82.997,16
Tema: IVA – Informação Vinculativa; princípios da segurança jurídica e da protecção da confiança.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam os Árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Árbitro Presidente), Prof. Doutor Sérgio Vasques e Dra. Rita Guerra Alves e (árbitros adjuntos) designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) para formarem este Tribunal Arbitral Colectivo, no seguinte:

 

1. RELATÓRIO

 

Em 17 de Julho de 2019, A..., S.A.., NIPC..., com sede na Rua ... ..., ...-... ..., doravante designada por “Requerente”, solicitou a constituição de tribunal arbitral e procedeu a um pedido de pronúncia arbitral, nos termos das alíneas a) do n.º 1 do artigo 2.º e alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), com vista à declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”), nº 2019..., nº 2019..., 2019..., nº 2019..., n.º 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019..., nº 2019... e  nº 2019..., e de juros moratórios, relativas a períodos de iva dos anos de 2016, 2017 e 2018 no valor de  82.997,16€ (oitenta e dois mil novecentos e noventa e sete euros e dezasseis cêntimos).

 

Verificada a regularidade formal do pedido apresentado, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT e não tendo a Requerente procedido à nomeação de árbitro, foram designados pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, os signatários que aceitaram o cargo no prazo legalmente estipulado.

 

O presente tribunal foi constituído no dia 30 de Setembro de 2019, na sede do CAAD, sita na Av. Duque de Loulé, n.º 72 A, em Lisboa, conforme comunicação do tribunal arbitral colectivo que se encontra junta aos presentes autos.

 

No dia 28 de novembro de 2019, o Tribunal, por despacho, notificou as partes da designação para o dia 6 de Janeiro de 2020, às 14h00m para a realização da reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas.

 

No dia 6 de Janeiro de 2020, teve lugar a reunião do artigo 18.º do RJAT, da qual resultou a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente. Mais, informou, o Tribunal, à Requerente e Requerida para, de modo sucessivo, apresentarem alegações escritas no prazo de 15 dias.

 

A Requerida e a Requerente apresentaram, respetivamente, as suas alegações escritas.

 

A Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:

A Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação do Imposto sobre o Valor Acrescentado (“IVA”) no montante de 82.997,16€ (oitenta e dois mil novecentos e noventa e sete euros e dezasseis cêntimos), em ERRO SOBRE OS PRESSUPOSTOS DE FACTO E DE DIREITO, por entender que a AT considerou erradamente que a atividade de fornecimento e montagem de pneus agrícolas, configura uma “transmissão de bens” tal como vem  definida no CIVA e não uma prestação de serviços.

 

Alega a Requerente que instituiu junto da AT um conjunto de  procedimentos tendo em vista uma adequada aplicação da taxa de IVA, tendo inclusivamente solicitado à AT, uma Informação Vinculativa, que nunca põe em causa a qualificação das operações como prestações de serviços, o que, aliás, bem se compreende, desde logo porque é disso mesmo que se trata e, também, porque a própria AT considera que a manutenção e reparação de equipamentos agrícolas deve ser tributada à taxa reduzida, quer, haja, quer não haja, incorporação de materiais/peças, o que pressupõe necessariamente que as operações em causa devam ser qualificadas como prestações de serviços.

 

A Requerente entende que se tratando de uma Informação Vinculativa, e tendo esta atuado em conformidade com mesma, de acordo com a interpretação que fez, de boa-fé, não poderia a AT atuar de forma diferenciada, penalizando a Requerente relativamente a operações realizadas posteriormente, ao longo de mais de dois anos. Termina sustentando que são ilegais, por violação de lei consubstanciada em erro nos pressupostos de facto e errada interpretação   aplicação do disposto nos artigos 3º, 4º, alínea a) do nº1 e nº3 do artigo 18 do CIVA. Por último, requer a restituição do imposto indevidamente pago acrescido dos juros indemnizatórios fixados nos termos do artigo 43º da LGT.

 

Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:

Rebate a Requerida os argumentos da Requerente, defendendo que a única questão a apreciar é a de saber se a venda dos pneus com montagem, tal como descrita no RIT, constitui para efeitos de IVA uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços. A Requerida entende que a transmissão dos pneus com a sua montagem, constitui uma transmissão de bens, nos termos do CIVA, concluindo no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

 

2. SANEAMENTO

 

O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2º e dos artigos 5º e 6º, todos do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades.

 

3. MATÉRIA DE FACTO

 

Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos, incluindo o processo administrativo, bem como o depoimento das testemunhas que apresentaram conhecimento direto sobre os factos em causa e mostraram-se totalmente credíveis e coerentes.

 

O Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).

 

Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Requerida), à prova documental junta aos autos e à prova testemunhal produzida na reunião havida, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:

 

Factos dados como provados

A Requerente é uma sociedade que tem por objeto social o comércio de pneus, bem como a manutenção, reparação e comércio de automóveis.

A Requerente em sede de IVA, enquadra-se no regime normal de periodicidade e, em sede de IRC, enquadrada no regime geral.

A Requerente solicitou à AT Informação Vinculativa, sobre as seguintes questões:

O pedido de informação vinculativa, ao abrigo do artigo 68.º da Lei Geral Tributaria (LGT), prende-se com a taxa do imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA), a aplicar ao fornecimento de pneus e acessórios bem como às prestações de serviços de manutenção e reparação de máquinas e alfaias agrícolas.

Atualmente, a maior parte do nosso negócio, tem a ver com a venda e montagem de pneus.

A nossa empresa tem, no seu volume de negócios, uma percentagem de venda de pneus agrícolas, à quais aplicamos a taxa normal de IVA – 23%

Contudo, nos últimos tempos, temos sido confrontados, por parte dos nossos clientes a quem vendemos pneus agrícolas e prestamos serviços de assistência técnica, com o facto de haver outras empresas que, nas mesmas circunstâncias, estão a faturar com IVA à taxa reduzida – 6%.

Assim, o que solicitamos, é o favor de nos informarem do seguinte:

1. Quando emitimos a fatura de venda com colocação do pneu agrícola no trator, aplicamos a verba 4.2., alínea f) da Lista I anexa ao CIVA à totalidade da fatura?

2. Previamente, temos de verificar o CAE do nosso cliente ou o facto de ser um trator, por si só, já permite a aplicação da taxa reduzida de IVA?

3. Quais os CAE’s que permitem a aplicação da taxa reduzida.

Antecipadamente gratos pela atenção dispensada a este pedido.

..., 12 de Setembro de 2016.

A AT em resposta proferiu a seguinte informação vinculativa:

 “Informação:

A presente informação vinculativa prende-se com a Taxa do Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) a aplicar ao fornecimento de pneus e acessórios para tratores e máquinas agrícolas bem como prestação de serviços de manutenção dos mesmos.

1.O Requerente, encontra-se registada no sistema de gestão de registo de contribuintes pelas atividades de: “manutenção, reparação e comércio de automóveis” CAE 45200: “comercio de veículos automóveis ligeiros” CAE 45110, enquadrado, em sede de IVA, no regime norma com periocidade mensal, por opção, desde 1898.10.01

2.Presta fornecimento de pneus e acessórios bem como “() prestações de serviços de manutenção e reparação de máquinas e alfaias agrícolas”.

3.Assim, pretende ser esclarecido sobre: i) Quanto emitimos a fatura de fenda com colocação do pneu agrícola no trator, aplicamos a verba 4.2., alínea f) da Lista I anexa ao CIVA à totalidade da fatura? Ii) “previamente, temos de verificar o CAE do nosso cliente ou o facto de ser um trator, por si só, já permite a aplicação da taxa reduzida de IVA? Iii) Quais os CAE’s que permitem a aplicação da taxa reduzida.

4. De harmonia com o disposto na verba 4 da lista I anexa ao Código de Imposto sobre o Valor Acrescentado (CIVA), são tributadas à taxa reduzida a que se refere a alínea a) do nº1 do artigo 18º do citado diploma legal, as prestações de serviços normalmente utilizadas no âmbito das atividades de produção agrícola e equícolas listadas na verba 5.

5. A referida verba 4. é composta pelas verbas 4.1 e 4.2, elencando esta última, de forma estruturada por alíneas, um conjunto de prestações de serviços que contribuem para a realização da produção agrícola, das quais se destaca “(a) assistência técnica” [a alínea f)].

6. Resulta das citadas normas que os serviços de “assistência técnica” que contribuam, de forma inequívoca, para a realização da produção agrícola de uma das atividades listadas na verba 5., beneficiam da aplicação da taxa reduzida, por enquadramento na citada alínea f) da verba 4.2 da lesta I anexa ao CIVA.

7. Nestes termos, se as operações efetuadas pelo requerente consubstanciam prestações de serviços de manutenção e reparação de máquinas e equipamentos de uso incontestável em atividades de produção agrícola mencionadas na verba 5., constituem operações enquadráveis na alínea f) da verba 4.2 da lista I anexa ao CIVA.

8. A ser assim, tais prestações de serviços, são tributadas à taxa reduzida prevista na alínea a) do nº1 do artigo 18º do Código (6% no território do continente):

9. Quando estas circunstâncias não se encontram verificadas, isto é, as prestações de serviços de assistência e reparação de máquinas e equipamentos que não se destinem exclusiva ou principalmente à agricultura, silvicultura ou pecuária, em suma, à realização de atividades listadas na verba 5., deve ser sujeita a aplicação da taxa normal de imposto, a que se refere a alínea c) do nº1 do artigo 18º do CIVA, por falta de enquadramento na referida verba 4.2 da lista I ou em qualquer outra das diferentes verbas das listas anexas ao citado Código.

10. No que diz respeito à ultima questão, refira-se que o enquadramento nas verbas anexas ao CIVA, tem por objetivo a natureza das prestações de serviços e/ou transmissões de bens, especificamente ali enquadráveis, e que conterem o perfil do respetivo sujeito passivo, não sendo aquele enquadramento suscetível das atribuições dos códigos de atividade económica que lhe possam estar subjacentes.”

A Requerente solicitou à APECA parecer sobre o mesmo tema, tendo aquela entidade confirmado de modo claro e inequívoco que “a colocação de pneus novos em alfaias agrícolas, constitui, em nossa opinião, um serviço de manutenção das mesmas, pelo que beneficiará da aplicação da taxa reduzida”.

A Requerente previamente certifica-se da identificação do agricultor, certifica-se do seu CAE, certifica-se que exerce a actividade, certifica-se que o trator está ao serviço da exploração agrícola .

A Requerente tem operários especializados para a montagem e desmontagem de pneus agrícolas.

A Requerente cumpre regras específicas dos fornecedores, B... e C... .

A Requerente elaborou um manual de procedimentos internos para os seus funcionários, com instruções no sentido de verificar os pressupostos de aplicação da taxa reduzida nos serviços prestados aos seus clientes, de modo a assegurar que toda a sua actividade se realizava em conformidade com a lei fiscal e posição tomada pela AT.

A Requerente foi alvo de Inspeção Tributaria, OI2018.../..., da qual resultou a emissão das seguintes notas de liquidação:

i) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 4.271,64, e liquidação o nº 2019... no montante de € 402,11, correspondente a juros compensatórios relativas ao período de 201609;

ii) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 1.422,40 e liquidação com o nº 2019... no montante de € 128,91, correspondente a juros compensatórios relativas ao período de 201610; 

iii) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 616,17, e liquidação com o nº 2019... no montante de € 53,88, correspondentes a juros compensatórios ambas relativas ao período de 201611;

iv) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 486,34, e liquidação com o nº 2019... montante de € 40,87 correspondente a juros compensatórios relativas ao período de 201612; 

v) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 502,50, e liquidação identificada com o nº 2019... no montante de € 40,69, correspondente a juros compensatórios relativas ao período de 201701; 

vi) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 3.974,41, e liquidação com o nº 2019... no montante de € 310,02, correspondente a juros compensatórios relativas ao período de 201702; 

vii) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 6.627,29, e liquidação com o nº 2019... no valor de € 493,21, e correspondente a juros compensatório relativas ao período de 201703; 

viii) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 2.690,61, e liquidação com o o nº 2019... no valor de € 192,26, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201704;

ix)  Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 4.039,07, e liquidação com o nº2019... no montante de € 273,46, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201705; 

x) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 956,01, correspondente ao IVA e nº 2019... no montante de € 61,39, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201706;

xi) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 2.213,03, correspondente ao IVA e nº 2019... no montante de € 134,40, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201707; 

xii) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 1.943,02, correspondente ao IVA e nº ... no montante de € 114,05, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201708; 

xiii) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 2.754,08, correspondente ao IVA e nº 2019... no montante de € 157,12, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201709; 

xiv) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 1.203,76, correspondente ao IVA e nº 2019... no montante de € 62,69, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201710; 

xv) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 3.159,20, correspondente ao IVA e nº 2019... no montante de € 149,14, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201711; 

xvi) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 2.930,46, correspondente ao IVA e nº 2019... no montante de € 128,45, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201712;

xvii) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 2.781,45 correspondente ao IVA e nº2019... no montante de € 129,45, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201801.

xviii) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 2.467,28 correspondente ao IVA e nº2019... no montante de € 106,35 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201802.

xix) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 3.750,47 correspondente ao IVA e nº2019... no montante de € 149,49, correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201803;

xx) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 6.097,14 correspondente ao IVA e nº2019... de € 221,16 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201804;

xxi) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 7.304,43 correspondente ao IVA e nº2019... de € 248,09 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201805,

xxii) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 4.217,32 correspondente ao IVA e nº2019... de € 125,24 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201806;

xxiii) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 2.123,57 correspondente ao IVA e nº 2019... de € 55,85 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201807;

xxiv) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 2.562,37 correspondente ao IVA e nº 2019... de € 58,96 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201808;

xxv) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 3.179,31 correspondente ao IVA e nº2019... € 61,66 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201809;

xxvi) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 1.086,87 correspondente ao IVA relativa ao período de 201810;

xxvii) Liquidação adicional de IVA nº 2019..., no montante de € 880,10 correspondente ao IVA, relativa ao período de 201811;

xxviii) Liquidação adicional de IVA nº 2019... no montante de € 2.832,05 correspondente ao IVA e nº2019... de € 26,78 correspondente a juros compensatórios, ambas relativas ao período de 201812.

No mínimo, 80% da atividade da Requerente relacionada com a montagem ou reparação de pneus agrícolas ocorre no campo, ou seja, fora das instalações, com recurso sempre a técnicos especializados e carrinha adequada ao transporte.

 

Factos dados como não provados.

Não há factos relevantes para a apreciação da causa que não se tenham provado.

 

4. QUESTÕES A DECIDIR

 

A questão essencial de Direito a decidir no presente processo está em saber se a venda de pneus com montagem constitui para efeitos de IVA uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.

A Autoridade Tributária dá resposta negativa a esta questão com base nas seguintes razões fundamentais:

– A resposta ao pedido de informação vinculativa não esclarece qual o enquadramento da transmissão dos pneus com a respectiva montagem;

– A transmissão dos pneus com a sua montagem constitui uma transmissão de bens, nos termos do Código do IVA, pelas razões que fez constar do Relatório de Inspecção Tributária;

– Sustenta essa convicção com recurso à Informação Vinculativa 9710 e ao Processo n.º 329/2017-T do CAAD, casos em que o elemento preponderante para o enquadramento da operação era a transmissão de bens.

A Requerente dá resposta positiva à questão, fundando-se nas razões seguintes:

– A resposta obtida, tanto ao pedido de informação vinculativa solicitado à Autoridade Tributária, quanto ao parecer pedido à APECA;

– Na distinção entre transmissão de bens e prestação de serviços presente no Código do IVA e na importância que a montagem tem para todo o processo de venda, bem como a logística e conhecimentos específicos necessários para efectuar a referida operação.

Em todo o processo, o esforço de argumentação das partes concentrou-se largamente na distinção entre transmissão de bens e prestação de serviços, assim como na relevância que a montagem dos pneus terá para totalidade do circuito.

 

5. DIREITO

 

Em causa no processo está, em primeira linha, a qualificação para efeitos de IVA da actividade de fornecimento de pneus, que a Requerida entende constituir uma transmissão de bens.

O presente colectivo tende a partilhar da mesma convicção. A prova produzida em tribunal, muito em particular a prova testemunhal, mostra que apesar das especificidades e cuidados que a sua montagem sempre exige, o fornecimento de pneus agrícolas, da perspectiva do consumidor médio, parece valer essencialmente pelo bem que se transmite, sendo a componente de serviços apenas acessória. No essencial, e à luz do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IVA, tudo se afigura apontar para uma transmissão de bens, i.e., para  a transferência onerosa de bens corpóreos por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade, não podendo assim haver lugar à aplicação de uma taxa reduzida que se dirige a prestações de serviços.

No entanto, como melhor será explanado a seguir, esta qualificação acaba, no caso, por se mostrar irrelevante, devendo dar-se razão à Requerente.

Em primeiro lugar ressalta a forma prudente como esta agiu, procurando junto de várias entidades esclarecer a sua situação tributária. Desconhecendo se o seu caso em concreto se enquadraria dentro das hipóteses que lhe permitiriam aplicar à sua actividade a taxa reduzida de imposto, apresentou, inicialmente, junto da Autoridade Tributária, um pedido de informação vinculativa que versava sobre as seguintes questões:

“i) quando emitimos a factura de venda com colocação do pneu agrícola no tractor, aplicamos a verba 4.2, alínea f) da lista I anexa ao CIVA à totalidade da factura?

ii) previamente, temos de verificar o CAE do nosso cliente ou o facto de ser um tractor, por si só, já permite a aplicação da taxa reduzida de IVA?

iii) Quais os CAEs que permitem a aplicação da taxa reduzida?”

 

A Autoridade Tributária, conhecedora assim de todos os elementos de facto relevantes, poderia então ter respondido ao pedido de forma negativa, qualificando a venda como transmissão de bens. Não fez, porém, e emitiu resposta francamente equívoca, referindo, no essencial, que:

“7. (…) se as operações efetuadas pelo requerente consubstanciam prestações de serviços de manutenção e reparação de máquinas e equipamentos de uso incontestável em atividades de produção agrícola mencionadas na verba 5, constituem operações enquadráveis na alínea f) da verba 4.2 da lista I anexa ao CIVA.

8. A ser assim, tais prestações de serviços, são tributadas à taxa reduzida prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 18.º do Código (6% no território do continente).

9. Quando estas circunstâncias não se encontram verificadas, isto é, as prestações de serviços de assistência e reparação de máquinas e equipamentos que não se destinem exclusiva ou principalmente à agricultura, silvicultura ou pecuária, em suma, à realização de atividades listadas na verba 5, deve ser sujeita a aplicação da taxa normal de imposto, a que se refere a alínea c) do n.º 1 do artigo 18.º do CIVA, por falta de enquadramento na referida verba 4.2 da lista I ou em qualquer outra das diferentes verbas das listas anexas ao citado Código.”

 

Tal como reconhece a própria Requerida na sua contestação, esta resposta “não esclarece […] qual o enquadramento da transmissão dos pneus com a respectiva montagem”. Mais do que isso, trata-se de resposta em que se tratam as operações de venda em causa como prestações de serviços, autorizando implicitamente a Requerente a aplicar a taxa reduzida prevista na verba 4.2. da Lista I anexa ao Código do IVA, desde que feito o controlo dos seus pressupostos.

Além do pedido de informação vinculativa, a Requerente solicitou também à APECA um parecer sobre o mesmo tema, tendo aquela confirmado de modo claro e inequívoco que “a colocação de pneus novos em alfaias agrícolas, constitui, em nossa opinião, um serviço de manutenção das mesmas, pelo que beneficiará da aplicação da taxa reduzida”.

Confortada pela resposta da Autoridade Tributária ao seu pedido de informação vinculativa e pelo parecer técnico da APECA, a Requerente elaborou um manual de procedimentos internos para os seus funcionários, com instruções no sentido de verificar os pressupostos de aplicação da taxa reduzida nos serviços prestados aos seus clientes, de modo a assegurar que toda a sua actividade se realizava em conformidade com a lei fiscal e posição tomada pela AT.

Não se pode ignorar a conduta prudente da Requerente, que agiu em todos os momentos de forma a tomar a decisão mais informada e sustentada ao seu alcance, recorrendo aos mecanismos ao seu dispor, demonstrando através do seu comportamento e abertura que actuou permanente e consistentemente de boa-fé na relação com a Autoridade Tributária.

Na resposta dada ao pedido de informação vinculativa, com efeito, a Autoridade tributária não ensaiou a qualificação da venda de pneus agrícolas como transmissão de bens e tomou a operação como prestação de serviços, equacionando nesse pressuposto a aplicação da taxa reduzida de IVA.

Assim sendo, independentemente da qualificação da venda de pneus como transmissão de bens ou prestação de serviços, a verdade é que, dispõe o n.º14 do artigo 68.º da Lei Geral Tributária, que a Administração Tributária não pode proceder em sentido diverso da informação por si previamente proferida, salvo em cumprimento de decisão judicial.

Este é ponto vincado por Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa em anotação à Lei Geral Tributária, ao sublinhar que “as informações prestadas nos termos previstos neste artigo vinculam a administração fiscal, que não poderá proceder de forma diferente do sentido da informação, a não ser em cumprimento da decisão judicial (n.ºs 2 e 7 do presente artigo, nas redacções iniciais, a que corresponde o n.º 14 na redacção Lei n.º 64-A/2008, de 31 de Dezembro, e n.º 1 do art. 57.º do CPPT, na redacção inicial)” . 

José Maria Fernandes Pires nota a propósito que “a especificidade desta informação, e que explica o procedimento particularmente exigente a que está sujeita a sua prestação, resulta de a administração tributária a quem for apresentado o requerimento ficar especialmente vinculada ao teor da informação prestada. Como resulta do n.º 14 do artigo 68.º da LGT, em relação ao objecto do pedido, não pode a administração tributária proceder posteriormente de forma diversa da informada (cfr. também o n.º 3 do artigo 75.º do CPPT), excepto por força de decisão judicial. 

Em face disto, torna-se irrelevante à presente decisão saber se a operação em causa deve ser considerada transmissão de bens à luz do Código do IVA. Através da resposta que deu ao pedido de informação vinculativa, a Autoridade Tributária autorizou implicitamente a Requerente a aplicar àquela actividade a taxa reduzida de IVA de 6%. Uma leitura em sentido contrário seria atentatória do princípio da segurança jurídica e implicaria que a Autoridade Tributária se desresponsabilizasse por inteiro pela informação que concede aos contribuintes.

Lembre-se que o mecanismo da informação vinculativa se dirige à promoção da segurança jurídica e à tutela da expectativa legítima dos contribuintes tendo como finalidade oferecer garantias aos contribuintes nas relações que estes estabeleçam com a Administração, ressalvados os casos em que o contribuinte aja de má fé, o que manifestamente não sucede.

Como é sabido, sempre que a Autoridade Tributária proceda em sentido diferente do constante da informação vinculativa, a jurisprudência tem considerado existir vício de violação da lei, gerador de anulabilidade do acto praticado.   Sobre o ponto encontram-se, entre outros, os acórdãos 00101/2002.TFPRT.21 e 00089/11.7BEBRG do TCA Norte, e 02312/08 e 07558/14 do TCA Sul, reforçando que os serviços tributários ficam vinculados a não proceder de forma diversa uma vez prestada a informação sobre a situação do contribuinte, salvo em cumprimento de decisão judicial;   que o contribuinte, ao agir de acordo com a informação vinculativa prestada pela Autoridade Tributária relativamente a uma concreta situação, não pode ser responsabilizado por essa conduta;   e que “se a Fazenda Pública proceder de forma diversa do sentido que constar de informação vinculativa prestada, o acto que praticar enfermará de vício de violação de lei, sendo gerador da sua anulabilidade”. 

Em face de tudo isto, entende o Tribunal ser de proceder a pretensão da Requerente, concluindo pela ilegalidade dos actos de liquidação adicionais de IVA e juros compensatórios, por enfermarem de vício de violação da lei por erro sobre os pressupostos de Direito.

A Requerente pede, ainda, que a Requerida seja condenada a restituir-lhe o imposto indevidamente pago acrescido de juros indemnizatórios, fixados nos termos do artigo 43.º da LGT.

 

Este preceito, aplicável subsidiariamente ao processo arbitral tributário, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT, refere “São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.”

 

Considera-se verificada a existência de erro imputável aos serviços, segundo jurisprudência uniforme do STA, sempre que se verificar a procedência da reclamação graciosa ou impugnação judicial do ato de liquidação (no mesmo sentido, a decisão no processo arbitral n.º 218/2013-T).

 

Deste modo, reconhece-se o direito da Requerente a juros indemnizatórios à taxa legal suplectiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT; artigo 61.º, n.ºs 2 a 5 do CPPT; artigo 559.º, n.º 1, do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, desde a data do pagamento indevido do imposto e juros compensatórios (20-12-2016) até à data do processamento da respectiva nota de crédito, conforme o disposto no n.º 5 do artigo 61.º do CPPT.

 

6. DECISÃO

 

Termos em que, de harmonia com o exposto, acorda-se neste Tribunal Arbitral:

a)            Julgar procedente o pedido arbitral formulado pela Requerente declarando-se ilegais e anulando-se, em consequência, os actos tributários (liquidações adicionais de IVA no período de Setembro de 2016 a Dezembro de 2018 e os respectivos juros compensatórios) objecto de impugnação na presente acção;

b)           Condenar a Requerida no pagamento de juros indemnizatórios contados, à taxa legal em vigor, sobre a quantia indevidamente paga, desde a data do pagamento até à data do processamento da respetiva nota de crédito, nos termos legais.

 

7. VALOR DO PROCESSO

 

De harmonia com o disposto no art. 306.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de 82.997,16€ (oitenta e dois mil novecentos e noventa e sete euros e dezasseis cêntimos).

 

8. CUSTAS

Nos termos do art. 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 2.754,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da requerida Autoridade Tributária e Aduaneira, conforme ao decidido anteriormente.

 

Notifique-se.

Lisboa, 17 de Fevereiro de 2020

 

O TRIBUNAL ARBITRAL COLECTIVO

 

Maria Fernanda dos Santos Maçãs (Presidente)

Sérgio Vasques (Adjunto)

Rita Guerra Alves (Adjunto)