DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)
Os árbitros Maria Fernanda dos Santos Maçãs (árbitro-presidente), José Rodrigo de Castro e Rita Guerra Alves (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o presente Tribunal Arbitral, acordam o seguinte:
I - RELATÓRIO
A... Lda., com sede sita na ..., Lisboa, portadora do número de identificação fiscal de pessoa coletiva NIPC: ..., doravante designada de Requerente ou Sujeito passivo, apresentou o pedido de constituição de Tribunal Arbitral em matéria tributária e pedido de pronúncia arbitral, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º10/2011, de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, adiante abreviadamente designado por RJAT).
A Requerente requer a declaração parcial de ilegalidade da nota de liquidação adicional de IRC nº 2018... de 2014, de que resultou um imposto a pagar de 124.888,00€ e juros compensatórios no valor de 18.872,27 €, perfazendo uma importância total a pagar de 143.752,27 € (cento e quarenta e três mil setecentos e cinquenta e dois euros e vinte e sete cêntimos).
O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66B/2012, de 31 de dezembro.
A Requerente, não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, com a redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico, designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral coletivo, cuja nomeação foi aceite nos termos legalmente previstos.
Em 2019-06-03, as partes foram devidamente notificadas da designação dos árbitros, não tendo arguido qualquer impedimento, nos termos do artigo 11.º n.º 1, alínea a) e b), do RJAT e dos Artigos 6.º e 7º do Código Deontológico.
O Tribunal Arbitral Coletivo foi regularmente constituído em 2019-06-26, em conformidade com o disposto na alínea c) do nº 11 do RJAT, para apreciar e decidir o objeto do presente litígio, e automaticamente notificada a Autoridade Tributaria e Aduaneira no dia 2019-06-26 conforme consta da respetiva ata.
Não foi requerida produção de prova testemunhal, pelo que e dando seguimento processual, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e foram notificadas as partes, para querendo apresentar alegações escritas.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão regularmente representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artº. 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O Tribunal é competente e encontra-se regularmente constituído.
O processo não enferma de vícios que o invalidem.
A Requerente, a fundamentar o seu pedido de pronúncia arbitral, alegou com vista à declaração de ilegalidade do ato de liquidação oficiosa de IRC nº 2018... e o correspondente ato de liquidação de juros compensatórios nº 2018... relativos ao ano de 2014, no montante de €143.752.27, o seguinte:
1. A Requerente tem por objeto social a atividade de café-snack-bar, pastelaria sem fabrico próprio.
2. A atividade societária é desenvolvida, desde a data da constituição da sociedade (2001), pelos dois sócios-gerentes, no estabelecimento comercial situado no ... n°..., em Lisboa.
3. O sócio-gerente B... e a sócia gerente C..., desde a data da constituição da sociedade até a presente data, nunca exerceram qualquer atividade em seu nome individual, semelhante à atividade desenvolvida pela sociedade, sendo remunerados na qualidade de gerentes da referida sociedade.
4. Em 5 de Outubro de 2003, a Requerente adquiriu à sociedade D..., Lda., titular do numero de contribuinte..., pelo preço de €146.282,00, o trespasse de um estabelecimento comercial, situado no arruamento entre o ... e a ..., n°... -..., freguesia do ..., Concelho de Lisboa, atualmente designado por Rua ... n°... .
5. Em 08 de Abril de 2004, a Requerente adquiriu à sociedade E..., Lda, por escritura de compra e venda, um imóvel pelo preço de €309.218,00, situado no arruamento entre o ... e a ..., n°..., freguesia do ..., Concelho de Lisboa, atualmente designado por Rua ... n°..., o qual corresponde ao mesmo imóvel que a Requerente havia adquirido por trespasse, em 05 de outubro de 2003.
6. Em virtude da indisponibilidade de fundos por parte da sociedade, o sócio gerente B..., em seu nome individual, efetuou o pagamento de uma parte da primeira prestação acordada pagar no contrato de trespasse, no valor de €60.000,00, e efetuou o pagamento integral do preço de compra do imóvel no valor de 330.460,17€.
7. Em 3 de setembro de 2014, foi efetuada a venda da propriedade desse imóvel pelo preço de 585.000,00€. As comissões pagas pela sociedade A... aos mediadores imobiliários, que intervieram na venda, ascenderam a €109.756,00.
8. Os dois movimentos a debito (€16.000,00 + €430.000,00), foram contabilizados como contrapartida da conta #1211 ... ... e respeitam a transferências diretas para a conta bancaria do sócio.
9. O valor de €430.000,00 destinou-se a saldar (reembolsar) os suprimentos efetuados pelo sócio a sociedade, destinados à aquisição do imóvel e do estabelecimento comercial e o valor de €16.000,00 é um adiantamento por conta de lucros, conforme quadro:
10. A Requerente informou a AT que são movimentos que se destinam a reembolsar o sócio, Sr. B..., das quantias que ele emprestou à sociedade para aquisição do imóvel sito na Rua ... e para aquisição do trespasse do estabelecimento comercial sito no referido local e mais informou a AT que, por se tratar de empréstimos efetuados pelo sócio a sociedade entre o ano de 2003 e o ano de 2007, não tinha arquivo dos documentos de suporte, porque decorrem mais de 10 anos entre a data desses factos e a presente data.
11. Sustenta a Requerente que fez prova de que o valor de €430.000,00, uma parte (€330.460,17) diz respeito ao reembolso de suprimentos efetuados pelo sócio à sociedade, destinados à aquisição pela sociedade de um imóvel sito na Rua ... (€309.018,00) e destinados ao pagamento dos impostos relacionados com a aquisição do imóvel (€20.099,17 + €1.343,00).
12. Os suprimentos foram efetuados pelo sócio, entre abril de 2004 e setembro de 2007, de acordo com plano de prestações que está previsto na escritura de compra e venda para o pagamento das quantias devidas ao vendedor do imóvel.
13. Termina a Requerente alegando que está provado que «os lançamentos a seu favor em quaisquer contas correntes dos sócios não são adiantamento dos lucros», são reembolsos ao sócio de suprimentos efetuados pelo sócio à sociedade entre os exercícios de 2004 e 2007 destinados a serem utilizados na aquisição, pela sociedade, de um imóvel sito na Rua..., em Lisboa, e que a Requerente provou documentalmente que o lançamento a credito no valor de €340 mil é um reembolso de suprimentos efetuados pelo sócio.
A Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou tempestivamente a sua resposta na qual, em síntese abreviada, alegou o seguinte:
10. A Requerente foi alvo de ação de inspeção em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012017..., datada de 04.04.2017, para o exercício de 2014, que teve como motivo o controlo do sector de promoção e mediação imobiliária, na sequência da análise ao projeto 2016/... /02 - Ação de controlo tributária resultante de Vistos Gold (2013/2014) tendo sido inicialmente aberta com âmbito parcial e tendo por objeto a análise da situação tributária em sede de IRC e de IVA, mas no decurso do procedimento inspetivo verificou-se a necessidade de proceder ao alargamento da análise inspetiva a outros impostos, nos termos do artigo 15.° do RCPITA, pelo que foi proposto o seu alargamento do âmbito da ação de parcial para geral, nos termos da alínea a) do nº 1 do artigo 14.º do RCPITA.
11. Conforme se constata do capitulo III, III.1 do relatório de inspeção, da análise efetuada durante a ação inspetiva, verificou-se que a Requerente, no ano de 2014, contabilizou a débito da conta "25321 - SUPRIMENTOS CORRENTES” (Anexo III - extrato conta 25321), o montante total de €446.000,00 e contabilizou a crédito o montante total de €495.000.00.
12. Do montante total movimentado verificou-se que foram registados dois movimentos a débito: um em 31.08.2014 e outro em 30.09.2014 com o descritivo "PAGAMENTOS”, no montante de €16.000,00 e €430.000.00, respetivamente.
13. Os dois movimentos a débito (€16.000,00 e €430.000,00), foram contabilizados como contrapartida da conta “1211 ...-... " e respeitam a transferências diretas para as contas particulares do sócio.
14. Face ao exposto, entenderam os Serviços de Inspeção tributária considerar que os valores retirados da conta da Requerente a favor do sócio B... (€430.000,00 + €16.000,00), constituem rendimentos da categoria E de IRS, qualificados como adiantamentos por conta de lucros, nos termos do n.°1 e da alínea h) do n.°2 do artigo 5.º e o nº. 4 do artigo 6.º, ambos do CIRS, sujeito a tributação desde que é colocado à disposição, conforme disposto no n.º 1 e no ponto 2) da alínea a) do n.º 3 do artigo 7.º do CIRS.
15. No tocante ao primeiro dos argumentos invocados pela Requerente, ou seja, que o valor de €330.460,17 corresponde a um reembolso de suprimentos efetuados pelo sócio, e que se destinaram à aquisição do trespasse do estabelecimento comercial e a aquisição do imóvel e pagamento dos impostos relacionados, verifica-se que a Requerente justifica os suprimentos da forma seguinte e que para facilidade de compreensão se ilustra de forma esquemática:
16. Destarte, e no que respeita à aquisição do trespasse, a Requerente junta como comprovativo do suprimento efetuado no montante de €60.000.00 um cheque e que desde já se impugna para os devidos efeitos legais, emitido à ordem da sociedade F..., Lda. quando o trespasse foi adquirido à sociedade D..., Lda.
17. A Requerente não demonstra sem margem para qualquer dúvida, como lhe compete nos termos do nº. 1 do artigo 74.º da LGT e n.º1 do artigo 342.º do Código Civil, que o cheque foi para pagar o negócio em causa e não qualquer outro.
18. No que concerne aos alegados suprimentos efetuados em numerário, desconhecendo-se a proveniência dos mesmos, e sem a apresentação de um qualquer elemento que o suporte, designadamente, documental.
19. Ou seja, a Requerente não prova nenhum dos factos por si alegados nem carreou para o processo indícios que corroborassem o por si invocado.
20. Termina a Requerida defendendo a improcedência do pedido arbitral.
II- QUESTÃO PRÉVIA:
A) DA FIXAÇÃO DO VALOR DA CAUSA
Alega a Requerida em síntese, que atenta a decisão proferida pela AT de anulação parcial da liquidação, o valor da causa devera ser ajustado, assim como, devera ser tomado em consideração a final para efeitos de condenação de custas, vejamos então se lhe assiste razão;
Em conformidade com o disposto no artigo 10.º, n.º 2, alínea e) do RJAT, do pedido de constituição do tribunal arbitral deve constar a indicação do valor da utilidade económica do pedido.
Contudo a AT pode no prazo de 30 dias a contar do conhecimento do pedido de constituição do tribunal arbitral, nos termos do nº 1 do artigo 13.º do RJAT, proceder à revogação, ratificação, reforma ou conversão do ato tributário cuja ilegalidade foi suscitada, praticando, quando necessário, ato tributário substitutivo, devendo notificar o presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) da sua decisão, iniciando-se então a contagem do prazo referido na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT.
Alem do mais a AT nos termos do n.º 2, do artigo 13.º do RJAT, deve proceder no prazo de 10 dias à notificação do sujeito passivo no seguinte caso: “quando o ato tributário objecto do pedido de pronúncia arbitral seja, nos termos do número anterior, total ou parcialmente, alterado ou substituído por outro, o dirigente máximo do serviço da administração tributária procede à notificação do sujeito passivo para, no prazo de 10 dias, se pronunciar, prosseguindo o procedimento relativamente a esse último acto se o sujeito passivo nada disser ou declarar que mantém o seu interesse”
Retomando os autos, a AT por Despacho de 15.05.2019, na pessoa da Sr.ª Subdiretora Geral da Área do Imposto do Rendimento, ao abrigo de competências delegadas, nos termos do artigo 13.º do RJAT, decidiu pela anulação parcial do ato contestado;
Por conseguinte alega a Requerida, que ao invés do valor de €143.752.27, o valor da utilidade económica do pedido é de 25.345,04€.
Contudo não lhe assiste razão, se não vejamos:
Em 2019-04-08, a Requerente submeteu o seu pedido de pronuncia arbitral.
Em 2019-04-08, a AT foi automaticamente notificada do pedido de pronuncia arbitral;
Em 2019-05-03 a AT procedeu a nomeação dos juristas.
Em 2019-06-03 foram as Partes notificadas da designação dos Árbitros.
Em 2019-06-26 foi constituído o tribunal arbitral.
Em 2019-09-09 a AT apresenta a sua Resposta ao processo, onde alega que em 2019-05-15 procedeu a anulação parcial da liquidação;
Assim sendo, resulta dos autos que a AT não notificou a sua decisão no prazo de 30 dias previsto no n.º 1 do artigo 13.º do RJAT, ao presidente do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD).
Ao não o fazer, o processo seguiu os seus tramites subsequentes, mantendo-se o valor do pedido.
Deste modo, em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, e 297.º, n.º 2 do C.P.C., do artigo 97.º-A, n.º 1, al. a) do C.P.P.T. e do artigo 3.º , n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se ao processo o valor de em € 143.752,27 (cento e quarenta e três mil setecentos e cinquenta e dois euros e vinte e sete cêntimos), correspondente ao valor das liquidações impugnadas.
III - DO MÉRITO
III.1. Matéria de facto
a) Factos provados
Consideram-se provados os seguintes factos:
21. Para a análise da questão submetida à apreciação do Tribunal, cumpre enunciar a matéria de facto relevante, baseada nos factos que não mereceram impugnação e na prova documental constante dos autos.
22. A Requerente tem por objeto social a atividade de café-snack-bar, pastelaria sem fabrico próprio.
23. Em 5 de Outubro de 2003, a Requerente adquiriu à sociedade D..., Lda., titular do numero de contribuinte ..., pelo preço de €146.282,00, o trespasse de um estabelecimento comercial, situado no arruamento entre o ... e a ..., n°..., freguesia do ..., Concelho de Lisboa, atualmente designado por Rua ... n.º... .
24. De acordo com o contrato celebrado, foi acordado o pagamento do preço em duas prestações de 80.000,00€ a pagar na data da outorga do contrato e o remanescente no valor de €66.282,00 a pagar até 30 de setembro de 2004.
25. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €60.000,00, datado de 2003.10.03, à ordem da sociedade F..., Unipessoal, Lda, para pagamento parcial de uma das prestações do contrato de trespasse.
26. A sociedade D..., Lda., NIF..., e a F..., Unipessoal, Lda, têm como gerentes a mesma pessoa, G..., com o NIF..., e ambas as sociedades se obrigam com a assinatura de um gerente.
27. Em 08 de Abril de 2004, a Requerente adquiriu à sociedade E..., Lda, por escritura de compra e venda, um imóvel pelo preço de €309.218,00, situado no arruamento entre o ... e a ..., n°..., freguesia do ..., Concelho de Lisboa, atualmente designado por Rua ... n°..., o qual corresponde ao mesmo imóvel que a Requerente havia adquirido por trespasse, em 05 de outubro de 2003.
28. Conforme escritura de compra e venda do imóvel, foi acordado o pagamento do preço do modo seguinte: €5.000,00 pagos na data da outorga da escritura; €23.718,00 a pagar até 30 de setembro de 2004 (1º Prestação); €100.000,00 a pagar ate 30 de setembro de 2005 (2º Prestação); €100.000,00 a pagar ate 30 de setembro de 2006 (3º Prestação); e €80.500,00 a pagar ate 30 de setembro de 2007 (4º Prestação).
29. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €100.000,00, datado de 2005.09.31, à ordem da sociedade E..., para pagamento total da primeira prestação da escritura de compra e venda do imóvel.
30. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €100.000,00, datado de 2006.09.31, a ordem da sociedade E..., para pagamento total da segunda prestação da escritura de compra e venda do imóvel.
31. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €40.000,00, datado de 2006.09.31, a ordem da sociedade E..., para pagamento parcial da terceira prestação da escritura de compra e venda do imóvel.
32. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €60.000,00, datado de 2006.11.07, a ordem da sociedade E..., para pagamento parcial da terceira prestação da escritura de compra e venda do imóvel.
33. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €78.500,00, datado de 2007.06.29, a ordem da sociedade E..., para pagamento parcial da quarta prestação da escritura de compra e venda do imóvel.
34. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., entregou à E..., LDA, o valor total em numerário de 30.518,00€, correspondente ao pagamento de 5.000,00€ efetuado na data da escritura, ao pagamento da primeira prestação de €23.518,00 a pagar até 30 de setembro de 2004, e parte da última prestação no valor de 2.000,00€.
35. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €20.099,17, datado de 2004.04.27, à ordem da Direção Geral do Tesouro, para pagamento do IMT n.º 2004/... pela compra do imóvel.
36. O sócio gerente da Requerente, o Sr. B..., emitiu um cheque com o número ... no valor de €11.343,00, datado de 2004.04.29, a ordem da Direção Geral do Tesouro, para pagamento do Imposto de Selo pela compra do imóvel.
37. Em 3 de Setembro de 2014, a Requerente procedeu à venda do referido imóvel pelo preço de 585.000,00€, e pagou comissões pela intermediação mobiliaria no valor de 109.756,00€.
38. A Requerente registou contabilisticamente em 2014, na conta #25321 – Suprimentos Correntes, os seguintes movimentos a crédito:
a. 309.2188,00€ - valor de aquisição do imóvel
b. 146.282,00€ - valor de aquisição do trespasse;
39. E registou na conta #1221 a débito:
a. 16.000,00€ - adiantamento por conta dos lucros;
b. 430.000,00€ - corresponde ao reembolso dos suprimentos efetuados pelo sócio.
40. Ambos os montantes a debito foram transferidos para a conta bancaria do sócio-gerente Sr. B..., no “...- conta ..."
41. A Requerente foi alvo de ação de inspeção em cumprimento da Ordem de Serviço n.º 012017..., datada de 04.04.2017, para o exercício de 2014, sobre a qual resultou o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2018... .
42. A Requerente foi notificada da nota de liquidação adicional com o número: nº 2018... de 2014, referente ao Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, de que resultou um imposto a pagar de 124.888,00€ e juros compensatórios no valor de 18.872,27 €, perfazendo uma importância total a pagar de 143.752,27 € (cento e quarenta e três mil setecentos e cinquenta e dois euros e vinte e sete cêntimos).
43. Da nota, resultam juros compensatórios no valor de 18.872,27 €, correspondentes ao período entre 2014-10-21 a 2018-07-30, aplicada a taxa de 4% sobre o valor total de imposto de 124.888,00€,
44. e 16.000,00€ a título adiantamento por conta dos lucros para o sócio-gerente Sr. B..., ao qual corresponde um imposto a pagar à taxa de 28% de 4.480,00€, e juros compensatórios de 677,03€, que a Requerente aceita;
45. Mais incide sobre 430.000,00€, correspondente ao reembolso dos suprimentos efetuados pelo sócio, ao qual corresponde um imposto a pagar à taxa de 28% de 120.400,00€, e juros compensatórios de 18.195,24€.
46. A Requerente apresentou reclamação graciosa do ato, em 04-12-2012, sobre a qual a AT não se pronunciou.
47. Por despacho de 15.05.2019, a Sr.ª Subdiretora Geral da Área do Imposto do Rendimento, procedeu à anulação parcial da liquidação ora impugnada, de €100.000,00+€40.000,00+€60.000.00+€78.500.00+€20.099.17+€1.343.00=€299.942,17 por entender estar na presença de reembolsos de suprimentos.
48. Resulta assim, face à posição das partes, e à anulação parcial por parte da AT, que €143.752,27 é o valor sobre o qual incidiu o imposto, verba onde se inclui o valor de 16.000,00€, valor que a Requerente aceita como sendo adiantamento de lucros, remanescendo assim o valor de 130.057,83€, ora em discussão, tudo melhor identificado no seguinte quadro:
Valor Aceite pela Requerente 16 000,00 €
Valor das Transferências efetuadas pela sociedade ao Sócio-gerente por conta dos suprimentos 430 000,00 €
Valor total das transferências efetuadas pela sociedade para a conta pessoal do sócio-gerente 446 000,00€
Valor Total sobre que Incidiu a Liquidação 446 000,00 €
Valor dos suprimentos descritos na contabilidade 430 460,17 €
Remanescente de Suprimentos à data das transferências para o Sócio-gerente 460,17 €
Valor Aceite pela AT: Despacho de 15.05.2019 299 942,17 €
Somatório do Valor Aceite pela AT e pelo Sujeito Passivo
(16.000€+299.942,17€) 315 942,17 €
Valor dos Adiantamentos de Lucros em discussão no processo antes do imposto
(446 000,00€ - 315 942,17€) 130 057,83 €
Quanto aos 130. 057,83€ vão a seguir melhor discriminados:
Pagamentos em numerário (23.518.00€ +5.000,00€+2.000,00) 30 518,00 €
Cheque emitido pelo sócio-gerente a sociedade F..., Lda 60 000,00 €
Suprimentos anteriores 40 000,00 €
b) Factos não provados
Dos factos com interesse para a decisão do mérito da causa, não se provaram os que não constam da factualidade supra descrita.
c) Fundamentação da matéria de facto
Ao Tribunal não compete pronunciar-se sobre tudo o que foi alegado pelas partes no âmbito da matéria de facto, devendo os factos relevantes para o julgamento da causa ser selecionados e considerados pelo Tribunal, o qual deve, também, discriminar a matéria provada da não provada (cf. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).
No que se refere aos factos provados, a convicção do Tribunal Arbitral fundou-se no conjunto dos documentos juntos aos autos, bem como, no processo administrativo instrutor que inclui o relatório final da inspeção tributária mencionado na p. i., sendo certo que os documentos apresentados não foram impugnados.
G- QUESTÕES DECIDENDAS
Atenta a posição das partes, adotadas nos argumentos por cada apresentada, constituem questões centrais a dirimir, as quais cumprem, pois, apreciar e decidir:
A) A fixação do valor da causa (atrás decidida);
B) A declaração parcial de ilegalidade do ato tributário de liquidação, em sede de Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas singulares, nº 2018... de 2014, de que resultou um imposto a pagar de 124.888,00€ e juros compensatórios no valor de 18.872,27 €, perfazendo uma importância total a pagar de 143.752,27 € (cento e quarenta e três mil setecentos e cinquenta e dois euros e vinte e sete cêntimos).
III. 2. MATERIA DE DIREITO
1. Atendendo à posição das partes assumidas nos seus articulados, a questão central a dirimir pelo presente Tribunal Arbitral, consiste em apreciar a legalidade do ato de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares.
2. A Requerente, sucintamente, alega no seu pedido de pronúncia arbitral, que por motivos de indisponibilidade de fundos, o seu sócio gerente procedeu a pagamentos no valor de 430.000,00€ para fazer face a um trespasse e a uma compra de um imóvel, valores reembolsados pela sociedade ao sócio-gerente a título de suprimentos, e não como um adiantamento de lucros.
3. Mais refere que a liquidação aqui impugnada, incide sobre 16.000,00€ que a sociedade fez a título adiantamento por conta dos lucros para o sócio-gerente Sr. B..., o qual corresponde um imposto a pagar a taxa de 28% de 4.480,00€, aceitando o pagamento desse imposto.
4. A Requerida, alega que por Despacho de 15.05.2019, proferido pela Sr.ª Subdiretora Geral da Área do Imposto do Rendimento decidiu a anulação parcial no valor de €299.942,17, e portanto o valor ainda em discussão cifra-se em €90.518,00, ao invés do valor de €143.752,27 referido na PI, e desse modo o valor do imposto contestado no processo devera ascender efetivamente a €25.345,04, correspondente à diferença entre: [(€390.460,17 - €299.942,17) X 28%].
5. Mais argumentando a Requerida que quanto ao valor do imposto de €25.345,04, a Requerente não afastada a presunção tal como lhe compete nos termos nos termos do n.º 1 do artigo 74.° da LGT e n.º 1 do artigo 342.º do Código Civil, e como tal as transferências efetuadas pela Sociedade para conta do sócio-gerente devem ser consideradas como adiantamento de lucros nos termos do artigo 6.º n.º 4 do CIRS.
6. Por conseguinte, da matéria de facto assente, concluímos que o tribunal tem, portanto, de se pronunciar sobre o valor de €130.057,83€=€143.752,27-€16.000,00.
7. Assim, o valor da liquidação ora em discussão de €130 057,83, diz respeito a:
I. Suprimentos (anteriores) conta #25321 40 000,00 €
II. Cheque emitido pelo sócio-gerente à sociedade F..., Lda 60 000,00 €
III. Pagamentos em numerário:
(23.518.00€ +5.000,00€+2.000,00) 30 518,00 €
Total 130 057,83€
8. Valor do qual resultaria, aplicando a taxa de IRS à data de 28%, num imposto a liquidar de €36.416,19.
9. Sobre este imposto, acresce ainda o valor de €4.480,00, referente ao valor de €16.000,00, que a Requerente aceita como adiantamento de lucros.
10. Chegados aqui, vamos analisar de seguida cada uma das operações supra referidas, em sede de IRS, ou no limite, se estamos perante uma mera violação de uma obrigação fiscal.
11. Sobre a moldura jurídico-fiscal relevante para o presente caso, elenca-se o artigo 6.º, n.ºs 4 e 5 do CIRS, em vigor no ano de 2014, que passamos a transcrever:
“4 - Os lançamentos em quaisquer contas correntes dos sócios, escrituradas nas sociedades comerciais ou civis sob forma comercial, quando não resultem de mútuos, da prestação de trabalho ou do exercício de cargos sociais, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros.
5 - As presunções estabelecidas no presente artigo podem ser ilididas com base em decisão judicial, ato administrativo, declaração do Banco de Portugal ou reconhecimento pela Direcção-Geral dos Impostos. ”
12. Resulta deste normativo, que os lançamentos a favor dos sócios, presumem-se feitos a título de lucros ou adiantamento dos lucros, sendo que essa presunção pode ser ilidida pela Direção Geral dos Impostos ou por decisão judicial.
13. Tendo presente o princípio da verdade material sobre a forma, que se subsume à valoração fiscal dos atos praticados pelo sócios-gerentes da Requerente, cumpre ao Tribunal determinar se os ditos atos praticados pela Requerente, constituem adiantamento de lucros ou constituem atos que os sócios e a Requerente deveriam ter passado pelas contas bancarias da Requerente, e ao não o fazerem, se esses atos constituem um rendimento.
14. Sobre a movimentação de pagamentos e recebimentos, o artigo 63º. C da LGT, estabelece o seguinte:
“1 - Os sujeitos passivos de IRC, bem como os sujeitos passivos de IRS que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, estão obrigados a possuir, pelo menos, uma conta bancária através da qual devem ser, exclusivamente, movimentados os pagamentos e recebimentos respeitantes à atividade empresarial desenvolvida.
2 - Devem, ainda, ser efetuados através da conta ou contas referidas no n.º 1 todos os movimentos relativos a suprimentos, outras formas de empréstimos e adiantamentos de sócios, bem como quaisquer outros movimentos de ou a favor dos sujeitos passivos.”
15. Efetivamente, os sócios e a sociedade devem movimentar os recebimentos e pagamentos em nome da sociedade através da conta bancaria da sociedade.
16. Contudo, ao não o fazerem, então estaríamos sim perante uma falta imputável a título de infração tributaria nos termos do artigo 129.º do RGIT: “2 - A falta de realização através de conta bancária de movimentos nos casos legalmente previstos é punível com coima de (euro) 120 a (euro) 3000.”
17. No limite, poderia a AT ter aplicado uma infração tributaria, nos termos do artigo 129.º n. 2º do RGIT, pelo não cumprimento pela Requerente da obrigação fiscal de movimentar valores através da sua conta bancária.
18. A legislação fiscal prevê normas anti-abuso, sendo certo que uma sociedade deve atuar com transparência perante os seus interessados, contudo as referidas normas constituem presunções ilidíveis.
19. Retomando o caso em apreço, nos ditos negócios jurídicos (trespasse e posterior compra) realizados pela Requerente, a verdade é que o Sócio-gerente, atuou sempre em nome e em representação da sociedade ora Requerente, e não retirou nenhum proveito ou rendimento desses negócios que se subsuma ao conceito de lucros ou adiantamento dos lucros.
20. Diga-se que, nada impede que sócios ou pessoas individuais ou coletivas atuem em nome de terceiros para a realização de negócios jurídicos, que recebam valores desses negócios nas suas contas bancárias e movimentem esses valores para celebrar negócios jurídicos em nome de terceiros, desde que devidamente legitimados para o efeito.
21. Aliás, não foi essa a intenção do legislador, ao prever a norma anti-abuso e a presunção ilidível disposta no artigo 6.º, n.ºs 4 e 5 do CIRS. Com efeito esta disposição legal visa atos ou valores colocados à disposição dos sócios que não sejam suportados por documentação ou por outro meio de prova.
22. Ficou demonstrado, que o sócio como sujeito passivo individual, não obteve qualquer ganho ou benefício com os negócios jurídicos realizados.
23. A Requerente, demonstrou por meio de prova documental, nomeadamente, através de contrato de trespasse e escritura pública de compra e venda, que os valores movimentados pelo sócio se destinaram à celebração de negócios jurídicos em representação da sociedade, e foram todos devidamente contabilizados ao cêntimo, ficando dessa forma afastada a presunção estabelecida no artigo 6.º n.º 4 e 5 do CIRS.
24. Iniciando por cada um dos valores e por ordem cronológica, temos o reembolso ao sócio do valor dos suprimentos registados na contabilidade na conta #25321, no valor de 40.000,00€;
25. Ora, nos termos do artigo 75.º n.º1 da LGT: “1 - Presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes apresentadas nos termos previstos na lei, bem como os dados e apuramentos inscritos na sua contabilidade ou escrita, quando estas estiverem organizadas de acordo com a legislação comercial e fiscal, sem prejuízo dos demais requisitos de que depende a dedutibilidade dos gastos.”
26. Presunção que é afastada se “a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não reflectem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo;” ou “b) O contribuinte não cumprir os deveres que lhe couberem de esclarecimento da sua situação tributária, salvo quando, nos termos da presente lei, for legítima a recusa da prestação de informações;”
27. Sucede que não foi impugnada a veracidade da contabilidade, nem dos suprimentos, pelo que inexiste justificação que permita descredibilizar a veracidade deste valor reembolsado ao sócio a título de suprimentos, motivo pelo qual é de aceitar.
28. Nestes termos, decide o Tribunal a ilegalidade da liquidação adicional no que diz respeito aos suprimentos registados na contabilidade na conta #25321, no valor de 40.000,00€, a que corresponde o imposto à taxa de 28%, ou seja, 11.200€ e juros indemnizatórios de 1.606,15€.
29. Passando de seguida para a questão do reembolso ao socio do suprimento efetuado para pagamento parcial da aquisição do trespasse do estabelecimento comercial, do cheque emitido pelo sócio-gerente à sociedade F..., Lda. no montante de €60.000.00;
30. Em suma, de acordo com o contrato de trespasse, a Requerente adquiriu à sociedade D..., Lda., pelo preço de €146.282,00 o trespasse de um estabelecimento comercial, cujo pagamento foi acordado em duas prestações uma de 80.000,00€ a pagar na data da outorga do contrato e o remanescente no valor de €66.282,00 a pagar até 30 de setembro de 2004.
31. Para pagamento parcial da primeira prestação do contrato de trespasse, o Sócio-gerente, efetuou o pagamento, através do cheque com o número 8123611645 no valor de €60.000,00, datado de 2003.10.03, à ordem da sociedade F..., Unipessoal, Lda, e não à ordem da sociedade D..., Lda., sociedades que possuem o mesmo gerente único.
32. Face ao exposto, resulta da leitura do contrato de trespasse no ponto 2.3 que o pagamento podia ser feito a quem a D... indicar, motivo pelo qual o pagamento podia e foi feito à sociedade F... .
33. Mais se constata que dos autos, não consta que em termos contabilísticos a Requerente tenha registado o pagamento, como sendo feito diretamente por si. Aliás, colocou esse valor como suprimentos, ou seja, a Requerente declara que esse pagamento pelo trespasse foi feito pelo seu sócio-gerente, além do mais não existe alegação de incumprimento desse contrato pela Requerente por falta de pagamento.
34. Efetivamente, o pagamento foi efetuado pelo sócio através de cheque emitido à sociedade que lhe foi indicada e a presunção do artigo 75.º n.º1 não se verifica, pois é afastada pelo n.º 2 desse mesmo artigo e alínea a), ou seja, “2 - A presunção referida no número anterior não se verifica quando: a) As declarações, contabilidade ou escrita revelarem omissões, erros, inexactidões ou indícios fundados de que não refletem ou impeçam o conhecimento da matéria tributável real do sujeito passivo”.
35. Do anteriormente exposto, está demonstrado nos autos, que o cheque no valor de 60.000€ foi passado à sociedade F..., Lda, para pagamento parcial do preço estipulado no contrato de trespasse, o que podia ser feito nos termos do estabelecido no ponto 2 do contrato.
36. Nestes termos, decide-se pela ilegalidade da liquidação adicional quanto à parte que diz respeito ao cheque no valor de 60.000,00€, a que corresponde o imposto a taxa de 28% de 16.800,00€ e juros indemnizatórios de 2.310,89€.
37. Por último, para a questão do reembolso ao sócio do suprimento 30 518,00€, (23.518.00€ +5.000,00€+2.000,00), valores respeitantes a pagamentos em numerário, no âmbito do contrato de compra e venda do imóvel, titulado por uma escritura de compra e venda, efetuados pelo Sócio-gerente, em nome da Requerente, parece não existirem duvidas que a compra e venda foi efetuada e o preço foi pago tal como consta da escritura de compra e venda, pelo que o reembolso desses valores ao sócio a título de suprimentos não merece censura.
38. Contudo, mesmo que se admitisse que deveriam ter sido processados/liquidados de outra forma, a verdade é que a forma como são processados ou liquidados, não constitui um dos requisitos necessários para a presunção de adiantamento de lucros, mas sim, no limite, uma contra-ordenação.
39. Nestes termos, decide-se pela ilegalidade da liquidação adicional quanto à parte que diz respeito a entregas em numerário no valor total de 30 518,00€, a que corresponde o imposto a taxa de 28% de 8.545,04€ e juros indemnizatórios de 1.250,64€.
40. Com efeito, recorrendo ao princípio da verdade material, princípio que se impõe como critério determinante da capacidade contributiva e não à mera realidade jurídico-formal, permite-nos concluir que o simples facto de os valores recebidos e pagos não terem sido movimentados pelas contas da Requerente sociedade, embora exista essa imposição fiscal, por si só não constitui um rendimento na esfera de quem se encontra naquele momento na posse do dinheiro.
41. Perante tudo o que já foi exposto, declara-se parcialmente ilegal a liquidação nº 2018... de 2014, quanto ao imposto no valor de 120.400,00€ (respeitante ao valor de devolução de suprimentos de 430.000,00€), e respetivos juros compensatórios no valor de 18.195,24 €.
42. E declara-se improcedente o pedido da Requerente quanto ao pedido de ilegalidade sobre o adiantamento de lucro no valor de 16.000,00€, do qual resulta um imposto de 4.480,00€ e juros compensatórios no valor de 677,03€.
III.2.2. Questões prejudicadas
43. Quanto aos restantes argumentos alegados, diga-se que o Tribunal Arbitral, nos termos dos arts. 608º n.º 2, 663º n.º 2 e 679º do Código de Processo Civil, por aplicação do artigo 29.º do RJAMT, não se encontra obrigado a apreciar todos os argumentos alegados pela Requerente nem os invocados em sede de resposta pela Requerida, quando a decisão fique prejudicada pela solução já proferida, como é o caso dos autos, motivo pelo qual ficam prejudicadas para apreciação as restantes questões submetidas ao Tribunal para essa apreciação.
IV- DECISÃO
Em face de todo o exposto, acorda o Tribunal Arbitral:
a) Julgar procedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação de IRC, nº 2018..., referente ao ano de 2014, quanto ao valor de 120.400,00€ e respetivos juros compensatórios no valor de 18.195,24 €;
b) Condenar a Requerida, a restituir à Requerente essa quantia indevidamente liquidada e paga, no valor de 138.595,24€
c) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade parcial do ato tributário de liquidação em sede de IRC, nº 2018..., quanto ao imposto de 4.480,00€ e juros compensatórios no valor de 677,03€.
V. VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em € 143.752,27 (cento e quarenta e três mil setecentos e cinquenta e dois euros e vinte e sete cêntimos), nos termos do artigo 97.ºA do CPPT, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea a), do RJAT, e artigo 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem.
VI. CUSTAS
Fixam-se as custas, no respetivo montante em 3.060,00€ (três mil e sessenta euros), a cargo da Requerida na proporção de 96% - 2.950,00€ - e a cargo da Requerente no remanescente (4%) – 110,00€ - de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do Regime de Arbitragem Tributária, do artigo 4.ºdo RCPAT e da Tabela I anexa a este último. – n.º 10 do art.º 35º, e n.º 1, 4 e 5 do art.º 43º da LGT, art.ºs 5.º, n.º1, al. a) do RCPT, 97.º-A, n.º 1, al. a) do CPPT e 559.º do CPC).
Notifique.
Lisboa, 13 de janeiro de 2020
Os Árbitros
Fernanda Maçãs (Presidente)
Rita Guerra Alves (relatora)
José Rodrigo de Castro