Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 501/2019-T
Data da decisão: 2020-01-17  IRC  
Valor do pedido: € 106.654,89
Tema: IRC - Juros indemnizatórios. Juros compensatórios. Fundamentação do acto tributário.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente), Dr. Paulo Lourenço e Dr. José Nunes Barata (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 07-10-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., S.A., sociedade com sede na ..., n.º ... piso, em Lisboa (...), com o número único de matrícula e de pessoa coletiva ..., (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente apresenta o pedido na sequência do indeferimento tácito da reclamação graciosa que apresentou contra a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2008..., na liquidação de juros compensatórios e na demonstração de acerto de contas n.º 2008..., datadas de 08-10-2008 e 18-11-2008, respetivamente, todas relativas ao exercício de 2004, e pretende a anulação destes actos.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi apresentado na sequência de, em 3 de Dezembro de 2009, a Requerente ter apresentado impugnação judicial tendo por objeto o acto tributário acima identificado, a correr os seus termos atualmente na 1.ª Unidade Orgânica do Tribunal Tributário de Lisboa sob o n.º .../09...BELRS

Em 22-07-2019, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, a Requerente apresentou naqueles autos de impugnação judicial, requerimento para extinção da instância judicial, conforme cópia da certidão judicial eletrónica que junta como documento n.º 2.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 26-07-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 16-09-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 07-10-2019.

A Administração Tributária e Aduaneira apresentou Resposta em defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 15-01-2020, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, bem como alegações.

                               O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           Em 31-05-2005, a ora Requerente procedeu à entrega da declaração periódica de rendimentos modelo 22 C 465302, referente ao exercício de 2004, na qual apurou um montante de imposto a reembolsar no valor de € 7.634.438,62 (documento n.º 1 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido e página 4 da Resposta);

B)           Com base referida declaração (corrigida no montante de € 15.089,18 quanto à coleta da Região Autónoma da Madeira e no montante de € 1.496,85 quanto à derrama) a Administração Tributária emitiu em 13-07-2005 a liquidação n.º 2005..., relativa ao exercício de 2004, em que é indicado o valor a reembolsar de € 7.723,041,56, que resulta de € 7.617.852,59 respeitantes a imposto e € 105.188,97 a juros indemnizatórios devidos pelo atraso na restituição daquele montante de imposto (documento n.º 3 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido e página 4 da Resposta);

C)           Por cheque datado de 09-02-2006, a Requerente foi reembolsada do montante de € 7.723,041,56 (documento n.º 3 e página 5 da Resposta);

D)           Em 27-06-2005, a ora Requerente procedeu à apresentação de uma declaração de substituição daquela, com o n.º..., na qual corrigiu os valores inscritos nos campos 201, 204, 208 e 211 do Quadro 07, na qual apurou o mesmo valor a reembolsar de € 7.634.438,62 (documento n.º 2 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido e página 4 da Resposta);

E)            Com base nesta declaração de substituição (corrigida no montante de € 15.089,18 quanto à coleta da Região Autónoma da Madeira e no montante de € 1.496,85 quanto à derrama) a Administração Tributária emitiu em 20-07-2005 a liquidação n.º 2005..., relativa ao exercício de 2004, em que é indicado o valor a reembolsar de € 7.617.852,59 e é eliminada a referência a juros indemnizatórios que constava da liquidação anterior (documento n.º 3 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido e página 4 da Resposta);

F)            Na sequência desta liquidação foi emitida a demonstração de acerto de contas nº ... de 03-07-2006, em que é exigida à Requerente a restituição de € 105.188,97, correspondente aos juros indemnizatórios que lhe tinham sido pagos com base na primeira liquidação (documento n.º 5 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido, página 5 da Resposta);

G)           Perante a exigência da restituição dos juros indemnizatórios, a ora Requerente apresentou em 16-10-2006 reclamação graciosa contra a LA 2005 ... e demonstração de acerto de contas nº 2006..., invocando que foi preterida uma formalidade essencial do procedimento da liquidação, a notificação ao sujeito passivo para audição prévia e a falta de fundamentação quanto à exigência de devolução dos juros indemnizatórios, requerendo a anulação do acto tributário (documento n.º6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, página 4 do pedido de pronúncia arbitral e página 5 da resposta);

H)           Por falta de pagamento do aludido acto tributário (Liquidação n.º 2005 ... e acerto contas n.º 2006...) foi instaurado, em 26-08-2006, um processo de execução fiscal nº ...2006..., para o qual a ora Requerente veio a ser citada em Setembro de 2006, e no âmbito do qual se prestou a garantia bancária n.º..., no valor de € 134.918,91, com vista à sua suspensão (documento n.º 7 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido);

I)             Por despacho de 11-04-2008, foi proposto o arquivamento da reclamação graciosa de 16-10-2006, por Inutilidade Superveniente da Lide, por ter sido anulada a certidão de dívida n.º..., subjacente à liquidação reclamada (documento n.º 8 junto pela Requerente, cujo teor se dá como reproduzido);

J)            Na sequência da "reemissão" desta liquidação foi instaurado o processo de execução fiscal n.º ...2007..., que também foi extinto por anulação em 02-01-2008 e a garantia cancelada (páginas 6 do pedido de pronúncia arbitral e 6 da resposta);

K)           Em 11-01-2007, a ora Requerente foi novamente notificada da liquidação de IRC n.º 2005..., agora sob a epígrafe de “demonstração de reacerto financeiro de liquidação de IRC” e da demonstração de acerto de contas n.º 2007..., nas quais se apuram, todavia, os mesmos valores a reembolsar (€ 7.617.852,59) e a pagar (€ 105.188,97) (documentos n.º 9 e 10 juntos pela Requerente cujos teores se dão como reproduzidos e página 6 da Resposta);

L)            Em 11-04-2007, a Requerente apresentou nova reclamação graciosa contra a n.º 2005..., pedindo a sua anulação quanto à exigência do valor de € 105.188,97 e imputando-lhe os vícios de preterição de formalidade essencial (ausência de notificação para o exercício do direito se audição) e falta de fundamentação quanto à exigência de devolução dos juros indemnizatórios (documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido e artigo 17.º do pedido de pronúncia arbitral);

M)          Na sequência da “reemissão” desta liquidação, foi instaurada a execução fiscal n.º ...2007..., para a qual a Requerente veio a ser citada em Maio de 2007 e em que prestou a garantia bancária n.º..., no valor de € 138.863,50, com vista à suspensão (documento n.º 12 junto pela Requerente e página 6 da Resposta);

N)           Por despacho de 04-07-2008, foi arquivada a reclamação graciosa deduzida em 11-04-2007, com fundamento em Inutilidade Superveniente da Lide, em virtude de já ter sido proferida decisão quanto àquela mesma questão na apreciação da reclamação anterior (páginas 6 do pedido de pronúncia arbitral e 6 da Resposta);

O)           Na sequência desta decisão do arquivado o processo de execução fiscal que havia sido instaurado e cancelada a garantia nele prestada (página 6 do pedido de pronúncia arbitral);

P)           Foi realizada no na de 2008 uma acção inspectiva à Requerente relativa ao exercício de 2004, em que foram efectuadas correcções à matéria tributável no valor de € 55.957,44 (pagamento 6 do pedido de pronúncia arbitral e página 7 da resposta);

Q)           Em resultado daquela inspeção, a Requerente foi notificada, em 25-11-2008, da liquidação adicional de IRC n.º 2008..., datada de 08-10-2008, e em 28-11-2008, da demonstração de acerto de contas n.º 2008..., datada de 18-11-2008, ambas relativas ao exercício de 2004, através das quais se veio exigir o pagamento adicional do montante de € 132.307,88, determinado com base nas seguintes correcções, que constam da demonstração de acerto de contas:

a) € 16.039,01, correspondentes a imposto;

b) € 11.079,90, correspondentes a juros compensatórios por recebimento indevido;

c) € 105.188,97, correspondentes a juros indemnizatórios pagos à Requerente pelo atraso no reembolso do imposto referente a IRC de 2004 (documentos n.ºs 14 e 15 juntos com o pedido de pronúncia arbitral, cujos teores se dão como reproduzidos e página 7 da resposta);

R)           Em 09-12-2008, a Requerente procedeu ao pagamento voluntário da totalidade do montante liquidado no valor de € 132.307,88 (documento n.º 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

S)            Em 25-03-2009 foi apresentada reclamação graciosa contra a liquidação n.º 2008 ... e a demonstração de acerto de contas n.º 2008 ... (página 7 do pedido de pronúncia arbitral e página 7 da resposta);

T)            Esta reclamação graciosa, que tem o n.º ...2009..., deduzida em 25-03-2009, não foi decidida (página 7 do pedido de pronúncia arbitral e página 8 da resposta);

U)           Na sequência da presunção de indeferimento tácito daquela reclamação, a Requerente deduziu no Tribunal Tributário de Lisboa impugnação judicial do indeferimento tácito em 03-12-2009 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

V)           Por despacho datado de 31-03-2010, foi o acto em crise revogado parcialmente ao abrigo do artigo 112.º do CPPT, na parte correspondente aos juros compensatórios liquidados sobre o montante de juros indemnizatórios, no valor de € 9.613,98, determinando-se o reembolso do referido montante acrescido de juros indemnizatórios (artigo 29.º do pedido de pronúncia arbitral);

W)          Em resultado da revogação parcial, a Requerente contesta na presente data os seguintes montantes:

 

a) € 1.465,92, correspondentes a juros compensatórios por recebimento indevido;

b) € 105.188,97, correspondentes a juros indemnizatórios pagos à Requerente pelo atraso no reembolso do imposto referente a IRC de 2004.

X)           Em 23-07-2019, a Requerente apresentou no Tribunal Tributário de Lisboa requerimento de extinção da instância ao abrigo do disposto nos artigos 9.º e 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de Outubro (documento n.º 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

Y)            Em 25-07-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

3.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base nos documentos juntos pela Requerente e pelo alegado pelas Partes.

A Autoridade Tributária e Aduaneira não apresentou processo administrativo.

Não há controvérsia sobre a matéria de facto.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Ordem de conhecimento de vícios

 

O artigo 124.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) estabelece o seguinte:

 

Artigo 124.º

 

Ordem de conhecimento dos vícios na sentença

 

                1 – Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

                2 – Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

 

a) No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b) No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

 

Este artigo 124.º do CPPT estabelece regras sobre a ordem de conhecimento de vícios em processo de impugnação judicial, que são subsidiariamente aplicáveis ao processo arbitral, por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT.

                No caso de vícios geradores de anulabilidade, a alínea b) do n.º 2 daquele artigo 124.º estabelece que se deve se deve atender prioritariamente à ordem indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade.

No caso em apreço, a Requerente imputa à liquidação e respectiva demonstração de acerto de contas vícios de falta de fundamentação quer quanto à liquidação dos juros compensatórios por recebimento indevido, quer no que respeita à liquidação dos juros indemnizatórios.

Relativamente à parte da liquidação referente aos de juros indemnizatórios, a Requerente imputa ainda vício de preterição do direito de audição prévia.

Para além disso, «admitindo que as ilegalidades supra mencionadas não se verificam, o que somente a benefício de raciocínio se pode admitir, sem conceder, a liquidação de juros indemnizatórios vem exigir um montante manifestamente superior ao que seria devido, padecendo de ilegalidade».

Desta última parte infere-se que a Requerente apenas imputa o vício de violação de lei a título subsidiário («admitindo que as ilegalidades supra mencionadas não se verificam»).

Sendo permitida a arguição subsidiária de vícios [artigo 101.º do CPPT aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT], proceder-se-á ao conhecimento de vícios pela ordem indicada pela Requerente, só tomando conhecimento do pedido subsidiário em caso de improcedência dos restantes, já que «diz-se subsidiário o pedido que é apresentado ao tribunal para ser tomado em consideração somente no caso de não proceder um pedido anterior» [artigo 554.º, n.º 1, do CPC subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT].

 

3.2. Vício de falta de fundamentação

 

A exigência de fundamentação dos actos administrativos lesivos é feita no artigo 268.º, n.º 3, da CRP, que estabelece, que «carecem de fundamentação expressa e acessível quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos».

Concretizando o conteúdo da fundamentação no procedimento tributário, o artigo 77.º da LGT que estabelece a regra geral de que «a decisão de procedimento é sempre fundamentada por meio de sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, podendo a fundamentação consistir em mera declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária».

O Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a entender uniformemente que a fundamentação do acto administrativo ou tributário é um conceito relativo que varia conforme o tipo de acto e as circunstâncias do caso concreto, mas que a fundamentação é suficiente quando permite a um destinatário normal aperceber-se do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido pelo autor do acto para proferir a decisão, isto é, quando aquele possa conhecer as razões por que o autor do acto decidiu como decidiu e não de forma diferente, de forma a poder desencadear dos mecanismos administrativos ou contenciosos de impugnação. (   )

 

3.2.1. Falta de fundamentação da liquidação de juros compensatórios

 

A Requerente defende que, quanto à liquidação de juros compensatórios, «a indicação dos elementos mínimos de fundamentação tais como a base de cálculo e o período de contagem dos juros encontra-se omissa», «motivo pelo qual, desconhecendo a sua base de cálculo, bem como o respetivo período e a taxa assumidos, não é possível à Requerente identificar como foi apurado pelos serviços da administração tributária o montante de € 11.079,90».

Na verdade, a referência à liquidação de juros compensatórios é indicada apenas na própria liquidação, em que se indica no campo 21 o valor de «11.079,90», mas nem nela nem na demonstração de acerto de contas que a acompanhou a liquidação se indicam as operações efectuados para cálculo daquele valor.

A falta de cumprimento das exigências de fundamentação indicadas no artigo 77.º, n.º 2, da LGT é manifesta, pois os juros compensatórios integram-se na dívida de impostos (artigo 35.º, n. 8, da LGT) e não se satisfazem requisitos que a fundamentação deve «sempre conter», designadamente as disposições legais aplicáveis e as operações de apuramento do tributo.

Aliás, no presente processo, fazendo as contas que devia ter comunicado à Requerente, a Autoridade Tributária e Aduaneira até chega a conclusão de que o valor indicado está errado e que, em vez de € 11.079,90, o valor será apenas de € 1.465,92 (página 13 da resposta).

De qualquer forma, o processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa eliminar os efeitos produzidos por actos ilegais, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 2.º do RJAT e 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele], pelo que os actos têm de ser apreciados tal como foram praticados, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

Por isso, a fundamentação sucessiva ou a posteriori não é relevante para aferir a sua suficiência, quando não acompanhada de revogação e prática de um novo acto. (   )

Consequentemente, a fundamentação ou a remissão para documentos que a contenham têm de integrar-se no próprio acto e serem contemporâneas dele, não relevando para apreciação da validade formal do acto fundamentos invocados posteriormente.

Pelo exposto, é de concluir que a liquidação de juros compensatórios impugnada é insuficiente, por não conter directamente ou por remissão, todos os requisitos exigidos pelo n.º 2 do artigo 77.º da LGT, o que justifica a anulação da liquidação, na parte respectiva, nos termos do artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.2.2. Falta de fundamentação da liquidação de juros indemnizatórios

 

Como se infere da sequência de liquidações relativas ao exercício de 2004 que se indicaram na matéria de facto fixada, depois de, na liquidação inicial, a Administração Tributária ter reconhecido a Requerente o direito a receber juros indemnizatórios no valor de € 105.188,97 e tendo efectuado o respectivo pagamento à Requerente, eliminou a referência a esses juros na liquidação que efectuou com base na declaração modelo 22 de substituição e nas posteriores, incluindo a que é objecto de impugnação no presente processo, e passou a exigir à Requerente o pagamento daquela quantia, inclusivamente por via coerciva.

A Requerente defende quanto àquele ao valor exigido que «a administração tributária não logrou demonstrar em momento algum que aquele montante não se afigurava devido, nem expôs sequer as razões que justificavam a exigência do mesmo».

A única referência ao fundamento da exigência desta quantia de € 105.188,97 à Requerente que é indicada na demonstração de acerto de contas datada de 18-11-2008, que acompanhou a liquidação impugnada é a de que «valores anteriormente anulados. Nota 2007 ...» (documento n.º 14).

Na anterior demonstração de acerto de contas datada de 03-01-2007, que acompanhou a liquidação é indicado como fundamento para a exigência daquela quantia a frase «Regularização do documento anterior Nota 2006...» (documento n.º 10).

Na nota n.º 2006..., que consta do documento n.º 5, apenas de indica como fundamento para a exigência daquele valor a diferença entre a liquidação n.º 2005 ... e a liquidação n.º 2005... .

Fica, assim, sem qualquer esclarecimento a razão por que é feita tal exigência, pois não é revelado porque é que entre as duas liquidações referidas há tal diferença, apenas se constatando a omissão do valor de € 105.188,97 na liquidação n.º 2005... .

No presente processo, a Administração Tributária explica que «quer os juros indemnizatórios, no caso da Administração Fiscal não reembolsar o contribuinte dentro do prazo previsto (art. 96º do IRC), quer os juros compensatórios que visam indemnizar o Estado por retardamento na liquidação (art. 35º da LGT) integram a mecânica da liquidação do imposto, com a qual são conjuntamente liquidados. Deste modo, os actos de liquidação relativos a juros indemnizatórios fazem parte integrante do valor a reembolsar e os actos de liquidação adicional relativos a juros compensatórios fazem parte integrante da própria divida do imposto, sendo, por isso, liquidados em conjunto» (artigo 57.º da resposta) e remete para os artigos 30.º a 43.º, mas, pelo que se referiu esta fundamentação a posteriori não pode ser considerada relevante para fundamentação do acto impugnado.

Assim, não constando da fundamentação da liquidação impugnada e respectiva demonstração de acerto de contas quer as disposições legais em que se baseou a exigência da quantia de € 105.188,97, quer as razões pelas quais ela é exigida, tem de se concluir que a liquidação de juros indemnizatórios enferma de vício de falta de fundamentação, a ACE do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, da LGT, que justifica a sua anulação nos termos artigo 134.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo de 1991, subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT.

 

3.3. Preterição de direito de audição

 

A Requerente imputa à liquidação impugnada vício de preterição de direito de audição.

O direito audiência dos interessados, previsto no artigo 60.º da LGT é uma concretização do direito de participação dos cidadãos na formação das decisões administrativas que lhes digam respeito, garantido pelo artigo 267.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa, visando assegurar-lhes uma tutela preventiva contra lesões dos seus direitos ou interesses.

Por isso, mesmo que não se considere o direito de audiência como um direito com natureza análoga a um direito fundamental (   ), em sintonia com o princípio da máxima efectividade das normas constitucionais, que impõe que lhes seja atribuído o sentido que lhes der maior eficácia (  . ), aquele direito não poderá deixar de ser assegurado sempre que não seja de afastar a possibilidade de a decisão do procedimento administrativo ser influenciada pela intervenção do interessado, a nível da satisfação da pretensão que quer ver satisfeita ou dos seus interesses que por ela possam ser afectados, e não haja outros valores constitucionalmente relevantes que se lhe contraponham, designadamente os que estão subjacentes às situações de dispensa previstas nos n.ºs 2 e 3 do artigo 60.º da LGT.

No caso em apreço, a liquidação impugnada é a quarta liquidação relativa ao exercício de 2004 e em todos os casos a Requerente apresentou reclamações graciosas, sendo certo que nas deduzidas quanto às segunda e terceira liquidações, em que já tinha sido suprimida a referência aos juros indemnizatórios no valor de € 105.188,97, a Requerente teve oportunidade de se pronunciar no âmbito das reclamações graciosas respectivas.

Assim, quando foi emitida a quarta liquidação, que é a impugnada, a Requerente já tinha tido oportunidades de se pronunciar sobre a supressão da referência aos juros indemnizatórios.

Verifica-se, assim, uma situação enquadrável no n.º 3 do artigo 60.º da LGT, que estabelece que «tendo o contribuinte sido anteriormente ouvido em qualquer das fases do procedimento a que se referem as alíneas b) a e) do n.º 1, é dispensada a sua audição antes da liquidação, salvo em caso de invocação de factos novos sobre os quais ainda se não tenha pronunciado».

Assim, verificando-se uma situação em que, antes de ser emitida a liquidação impugnada, a Requerente teve oportunidade de se pronunciar sobre a exigência do pagamento do valor de € 105.188,97 que recebera a título de juros indemnizatórios, está-se perante um caso de dispensa de direito de audição, pelo que a sua omissão antes da emissão não constitui vício de violação do direito de audição.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Procedendo o pedido de pronúncia arbitral por vícios de falta de fundamentação invocados a título principal, fica prejudicado o conhecimento do vício invocado a título subsidiário, em sintonia com o preceituado no artigo 554.º, n.º 1, e 102.º do CPPT, aplicável aos processos arbitrais tributários por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alíneas c) e e), do RJAT

 

4. Reembolso de quantia paga e juros indemnizatórios

 

                A Requerente pede «o reembolso à Requerente dos montantes que se mostrarem indevidamente pagos, como ainda o pagamento dos respetivos juros indemnizatórios, nos termos do disposto nos artigos 43.º da LGT e 61.º do CPPT, em virtude da constatação de erro imputável aos serviços do qual resultou o pagamento da dívida tributária em montante superior ao efetivamente devido».

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do artigo 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do artigo 61.º, n.º 4, do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

Como o pagamento de juros indemnizatórios depende de existir quantia a reembolsar, insere-se no âmbito das competências dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD apreciar se há direito a reembolso e em que medida.

Cumpre, assim, apreciar os pedidos de restituição da quantia paga acrescida de juros indemnizatórios.

 

4.1. Reembolso de quantia paga

 

Na sequência da anulação da liquidação, a Requerente tem direito a ser reembolsada da quantia indevidamente suportada.

A Requerente pagou € 132.307,88, mas houve revogação parcial que reduziu os montantes contestados no presente processo a € 1.465,92, correspondentes a juros compensatórios e € 105.188,97, correspondentes a juros indemnizatórios [alíneas R), V) e W) da matéria de facto fixada].

Assim, apenas está em causa o reembolso da quantia contestada no presente processo de € 106.654,89, a que a Requerente tem direito, como consequência da anulação da liquidação.

 

4.2. Juros indemnizatórios

 

No que concerne ao direito a juros indemnizatórios, é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

 Pagamento indevido da prestação tributária

 

1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

2 – Considera-se também haver erro imputável aos serviços nos casos em que, apesar da liquidação ser efectuada com base na declaração do contribuinte, este ter seguido, no seu preenchimento, as orientações genéricas da administração tributária, devidamente publicadas.

 

Como resulta do teor expresso do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, apenas há direito a juros indemnizatórios em caso de anulação por vício que constitua «erro», entendendo-se como tal os vícios que na dogmática administrativa tem tal designação, que são os vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito.

Neste sentido tem vindo a decidir uniformemente o Supremo Tribunal Administrativo como pode ver-se pelos seguintes acórdãos: de 05-05-1999 processo n.º 05557-A; de 17-11-2004 processo n.º 0772/04; de 01-10-2008 processo n.º 0244/08; de 29-10-2008 processo n.º 0622/08; de 25-06-2009 processo n.º 0346/09; de 09-09-2009 processo n.º 0369/09; de 04-11-2009 processo n.º 0665/09; de 08-06-2011 processo n.º 0876/09; de 07-09-2011, processo n.º 0416/11; de 30-05-2012, processo n.º o410/12; e de 22-05-2013, processo n.º 0245/13.

Na linha desta jurisprudência, sendo procedente o pedido de pronúncia arbitral apenas com fundamento em vícios de falta de fundamentação, a Requerente não tem direito a juros indemnizatórios.

 

5. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em:

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2008..., nas partes respeitantes a juros compensatórios no valor de € 1.465,92 e a juros indemnizatórios no valor de € 105.188,97, bem como a demonstração de acerto de contas n.º 2008..., na parte correspondente;

c)            Julgar procedente o pedido de reembolso de quantia paga e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagar a Requerente a quantia de € 106.654,89;

d)           Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios e absolver a Autoridade Tributária e Aduaneira deste pedido.

 

6. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 106.654,89.

 

7. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 3.060,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

               

Lisboa, 17-01-2020

 

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Paulo Lourenço)

(José Nunes Barata)