Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 425/2019-T
Data da decisão: 2020-02-27  IVA  
Valor do pedido: € 904.511,51
Tema: IVA – Sujeito passivo misto; Direito à dedução; Detenção de títulos de dívida; Leasing/ALD; Créditos titularizados; Perdas totais.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 24 de Junho de 2019, A..., S.A., NIPC ..., com sede na Rua ..., n.º..., ..., Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com as alterações subsequentes (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade parcial das liquidações adicionais de IVA n.º..., ..., n.º..., n.º ..., n.º ... e n.º..., referentes ao exercício de 2006, e respectivas liquidações de juros compensatórios, no valor global de €904.511,51.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese, o seguinte:

i.             vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, pelo facto de a AT não aplicar aos juros dos títulos de dívida as normas especiais previstas no n.º 2 do artigo 19.º e n.º 4 do artigo 24.º da Sexta Diretiva e no n.º 5 do artigo 23.º e alínea a) do n.º 41.º do Código do IVA, já que se os rendimentos provenientes de títulos de investimento são acessórios à actividade principal, pelo que, em seu entender, devem ser excluídos do numerador e do denominador do cálculo da percentagem do pro rata;

ii.            a solução propugnada pela AT colide com o disposto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, na medida em que configura a aplicação de um “novo” método de dedução que o sistema justributário não contempla;

iii.           vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, por violação dos artigos 16.º, 19.º, 20.º e 23.º do Código do IVA e dos artigos 11.º, 17.º, 18.º e 19.º da Sexta Diretiva, uma vez que a AT não considera como parte integrante do conceito de “volume de negócios” o valor da amortização do capital incluída no valor das rendas de locação financeira, nem considera no referido conceito de prestação de serviços o valor dos juros incluídos nas rendas de locação financeira, cujos créditos foram objecto de titulação;

iv.           violação dos princípios da segurança jurídica e da proteção da confiança, subjacentes ao princípio da não retroactividade das leis fiscais;

v.            relativamente ao cálculo do pro rata dos montantes de capital e juro, referente aos créditos titularizados, entende a Requerente que excluir estas operações financeiras do conceito de “volume de negócios” é não respeitar a letra do n.º 1 do artigo 19.º da sexta diretiva concretizado no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA;

vi.           quanto às perdas totais, entende a Requerente que incorre em erro a AT quando considera que nas perdas totais de veículos ocorridas quer no âmbito de contratos de locação financeira, quer no âmbito de contratos de aluguer, a Requerente deve devolver ao locatário a indemnização que lhe é devida e lhe foi paga pela seguradora, e o locatário deve pagar-lhe um valor idêntico ao somatório das rendas vincendas e o valor residual.

 

3.            No dia 25-06-2019, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do Tribunal Arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 14-08-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 03-09-2019.

 

7.            No dia 11-10-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            Ao abrigo do disposto nas als. c) e e) do art.º 16.º, e n.º 2 do art.º 29.º, ambos do RJAT, foi dispensada a realização da reunião a que alude o art.º 18.º do RJAT.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, a Requerente exerceu tal faculdade, pronunciando-se sobre a prova produzida e desenvolvendo as suas posições de Direito, enquanto a Requerida absteve-se de o fazer.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no artigo 21.º/1 do RJAT.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma instituição de crédito cujo objecto social consiste na prática de todas as operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, ao abrigo do artigo 4.º do Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 298/92, de 31 de Dezembro, e encontra-se colectada em IRC pelo exercício da actividade “Outra intermediação monetária” (CAE 64190.

2-            A Requerente dedica-se à actividade de locação financeira desde 1982, tendo o seu objecto social sido ampliado em 2003, de forma a abranger a realização de operações de crédito, aquando da escritura de fusão por incorporação de três empresas: B..., S.A., C..., S.A. e D..., Lda.

3-            A sociedade C..., S.A., tinha como actividade (no momento em que foi incorporada na ora Requerente): «a prestação de serviços relacionados com contratos de gestão de frotas, contratos de manutenção, reparação, assistência de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores e actividades afins, compra e venda de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores, novos e usados, bem como as respectivas peças e acessórios e actividades afins».

4-            A D... tinha como actividade (no momento em que foi incorporada na ora Requerente): «o comércio e aluguer de bens e serviços; a prestação de serviços de investimento, administrativos, técnicos e consultadoria e apoio empresarial em geral, bem como de serviços afins e conexos».

5-            Em Novembro de 2004, a Requerente incorporou por fusão as sociedades E..., Lda., F..., Lda. e G..., S.A. 

6-            O artigo 30.º dos estatutos da G..., S.A., vigente à data da fusão, estabelecia que «a sociedade tem por objecto a compra e venda de imóveis rústicos ou urbanos, a respectiva construção e gestão, e prestações de serviços conexos com as referidas actividades».

7-            Após a incorporação da B..., S.A., em Outubro de 2003, a Requerente configurou-se como sujeito passivo de IVA misto.

8-            A Requerente encontra-se, e encontrava-se à data dos factos, enquadrada, em sede de IVA, no regime normal de periodicidade mensal.

9-            A Requerente caracteriza-se por ser um sujeito passivo "misto", uma vez que exerce actividades que conferem direito à dedução – operações de locação financeira e locação simples - e também realiza operações no âmbito da actividade financeira, a qual é isenta do imposto – operações de crédito à aquisição de veículos automóveis.

10-         Para efeitos de dedução do IVA dos bens de utilização mista, e porque no âmbito da sua actividade a Requerente realiza operações de locação financeira, a Requerente adoptou o método do pro rata, e apurou uma percentagem de dedução definitiva de 64,34% para o ano de 2006.

11-         A Requerente considerou no numerador da fracção o montante anual (imposto excluído) das transmissões de bens e prestações de serviços que dão lugar a dedução e, no denominador, o montante anual (imposto excluído) de todas as operações efectuadas, incluindo as operações isentas ou fora do campo do imposto.

12-         O montante da renda (componente de capital e componente de juro) relativo às operações de locação financeira foi integralmente incluído no cálculo do pro rata a que se refere o ponto anterior.

13-         No que diz respeito às operações de locação financeira, a Requerente considerou o valor das rendas cobradas aos clientes no decurso dos respectivos contratos.

14-         A Requerente manteve os empréstimos obrigacionistas emitidos por entidades não residentes, denominados “Long Term Rental”, na sua propriedade, desde 2003, encontrando-se estes registados no activo, na categoria de títulos de investimento.

15-         Os referidos títulos permaneceram em balanço no período de 2003 a 2005, tendo sido efectuada neste ano uma venda de dois desses títulos e a aquisição de quatro novos títulos de investimento no ano de 2005.

16-         No âmbito de uma inspecção tributária ao exercício de 2003, a AT entendeu, para além do mais, que:

- “os proveitos provenientes de aplicações em títulos de investimento têm efectivamente um carácter acessório em relação à actividade principal da empresa (Ieasing), na medida em que apenas implica uma utilização muito limitada de bens e serviços pelos quais o IVA é devido ...”; e que

- “o facto de serem gerados por essas operações rendimentos elevados, em comparação com os rendimentos produzidos pela actividade principal, não pode, por si só, excluir a qualificação destas operações de "acessórias': pelo que não podem influenciar a fracção utilizada para o cálculo do pro rata, caso contrário teria como consequência falsear o cálculo desta, e consequentemente pôr em causa a neutralidade do IVA”

17-         No âmbito das operações de titularização de créditos, a Requerente cedeu a uma terceira entidade, os direitos de crédito que detinha sobre os locatários em determinados contratos de locação financeira.

18-         Nesses contratos, a Requerente continuou a ser a entidade locadora, isto é, continuou a ser a entidade responsável por prestar os serviços de locação e por cumprir todos os deveres associados à sua posição de locador e a ser a entidade que tem o direito de exigir ao locatário todos os deveres subjacentes à posição contratual de locatário.

19-         Nas situações de titularização de créditos, a Requerente outorgou um contrato de locação de um veículo automóvel, na qualidade de locador, no qual é acordado um determinado período de vigência, sendo acordado o pagamento pelo locatário de um determinado número de rendas, durante o período de vigência do contrato.

20-         Em data posterior à outorga do contrato de locação, mas antes de findo o seu prazo de vigência, a outorgante cedeu a terceira entidade o direito de crédito que detém sobre o locatário em virtude da outorga do contrato de locação.

21-         No âmbito do seu objecto social, a Requerente celebra com os seus clientes contratos de locação financeira e de locação simples de viaturas automóveis cujos termos e condições genéricas estão definidos nas condições gerais do contrato e as especificidades, nas condições particulares.

22-         Nos termos previstos nos referidos contratos, a Requerente obriga-se a conceder o uso do veículo ao locatário, mediante o pagamento de uma renda, e a vendê-lo, no final do período do contrato, caso o locatário venha a exercer o direito de opção de compra.

23-         Em simultâneo com o contrato de locação financeira, o locatário é obrigado a “efetuar e a suportar um seguro de que o locador será beneficiário que abranja a eventual perda ou deterioração parcial, casual ou não, do bem locado, a menos que o mesmo seja efetuado pelo locador, caso em que o seu prémio será também suportado pelo locatário”.

24-         No caso de perda total do bem locado, “o contrato considerar-se-á vencido na sua totalidade, na data em que a seguradora decretar a respetiva perda, devendo o locatário pagar ao locador o montante das rendas vincendas e o valor residual, atualizado, adicionado do montante das rendas vencidas e não pagas deduzindo-se a este valor o montante da indemnização que o locador tenha recebido ou venha a receber da seguradora”.

25-         Em todas as situações de perda total de veículos ocorridas no ano de 2006, a locadora era tomadora ou beneficiária do seguro.

26-         Nos contratos de aluguer, o locatário está obrigado a suportar um seguro de danos próprios do veículo “mas fazendo sempre figurar a A... como tomadora/beneficiária do mesmo”(artigo 9.º, alínea b) das condições gerais do contrato de locação).

27-         A Requerente apresentou em 27-02-1996, um pedido de informação vinculativa relativamente ao enquadramento fiscal, para efeitos de IVA, das seguintes operações:

a)            A indemnização paga pela seguradora à Requerente decorrente da concretização do risco coberto pelo seguro suportado pelo cliente;

b)           O pagamento pelo cliente à Requerente do valor correspondente à diferença entre a soma das rendas vencidas e não pagas, com as rendas vincendas e com o valor residual, deduzida da indemnização paga pela seguradora.

28-         A Requerente foi notificada através do ofício n.º..., datado de 21 de Novembro de 1996, do entendimento da AT, nos termos do qual:

a)            “o débito da A... à companhia de Seguros não é abrangido pelas normas de incidência do IVA e, como tal, não deve ser tributado uma vez que se trata da transferência de responsabilidade civil do segurado”.

b)           “o débito da A... ao locatário é tributado em IVA, uma vez que configura uma contraprestação a obter do adquirente de uma operação sujeita a imposto”.

29-         Na sequência disso, a Requerente adoptou o seguinte procedimento:

             Relativamente à indemnização que recebe da companhia de seguros, considera-a não sujeita a IVA, por se tratar de uma operação que se encontra fora do âmbito de incidência do imposto;

             Quanto ao valor que é cobrado ao cliente, a Requerente sujeita-o a IVA, por entender tratar-se de uma operação que visa o ressarcimento de lucros cessantes, que se enquadra no conceito residual de “prestação de serviços”, previsto no n.º 1 do artigo 4.º do Código do IVA.

30-         No âmbito do pro rata apurado pela Requerente, com referência a 2006, o total do numerador ascendeu a € 168.692.601,87, tendo o total do denominador ascendido a € 262.180.282,13, e tendo-se a percentagem de dedução obtida pelo coeficiente da referida fracção cifrado em 64,34%, valor este efectivamente utilizado pela Impugnante no apuramento do valor de imposto a deduzir,

31-         No exercício de 2006, foram os seguintes os elementos que, em 2006, compuseram a fracção que determina a percentagem do pro rata de dedução do IVA:

 

 

32-         No mesmo exercício, a Requerente deduziu ao denominador da fracção os seguintes valores:

S) € 1.809.564,93, registados na conta # 79040005 - Juros Leasing, correspondentes a juros cobrados em operações de locação financeira de contratos não titularizados;

T) € 868.821,24, registados na conta # 79040005 - Juros Locação, correspondentes a juros cobrados em operações de locação de contratos não titularizados;

U) € 7.387.325,21, registados na conta # 79063 - Juros Credito Securitizado - Leasing, correspondentes a juros cobrados em operações de locação financeira de contratos titularizados;

V) € 6.518.071,55, registados na conta # 79063 - Juros Credito Securitizado - Locação, correspondentes a juros cobrados em operações de locação de contratos titularizados;

X) € 83.075,65 registados na conta # 83100 - Rescisões - LEASING, correspondentes a ganhos obtidos em rescisões relacionadas com operações de locação financeira

Z) € 40.005,87 registados na conta # 83102 - LOCAÇÃO, correspondentes a ganhos obtidos em rescisões relacionadas com operações de locação

AA) € 654.791,12 registados na conta # 83110 - Mais-valias ... - ...- LEASING, correspondentes a ganhos obtidos em rescisões relacionadas com operações de locação financeira (contratos titularizados)

AB) € 698.812,25 registados na conta # 83112 - Mais-valias ... - ...- LOCAÇÃO, correspondentes a ganhos obtidos em rescisões relacionadas com operações de locação (contratos titularizados)

AC) € 62.113,85 registados na conta # 83120 - ...L - LEASING, correspondentes a ganhos obtidos em vendas de equipamento não locado nas operações de locação financeira

AD) € 73.977,55 registados na conta # 83122 - ...-LOCAÇÃO, obtidos em vendas de equipamento não locado nas operações de locação

AE) € 159.848,89 registados na conta # 83130 - ...- LEASING, correspondentes a ganhos obtidos em vendas de equipamento não locado nas operações (contratos titularizados)

AF) € 67.964,05 registados na conta # 83132 - ... - LOCAÇÃO, ganhos obtidos em vendas de equipamento não locado nas operações titularizados)

AG) € 10.174,56 registados na conta # 83180 - Outras valias - LEASING, correspondentes a outros ganhos obtidos nas operações de locação financeira (contratos titularizados)

AH) € 10.020,30 registados na conta # 831802 - Outras valias - LOCAÇÃO, correspondentes a outros ganhos obtidos nas operações de locação (contratos titularizados)

AI) € 217.257,04 registados na conta # 831810 - Outras valias - LEASING, correspondentes a outros ganhos obtidos nas operações de locação financeira (contratos titularizados)

AJ) € 150.865,42 registados na conta # 831812 - Outras valias - LOCAÇÃO, correspondentes a outros ganhos obtidos nas operações de locação (contratos titularizados).

33-         Em 14-01-2010, através da Ordem de Serviço n.º OI2009..., a Requerente foi objecto de uma acção inspectiva, de âmbito parcial, em sede de IVA, com referência ao exercício de 2006.

34-         No âmbito do referido procedimento inspectivo, a AT considerou que o montante de € 22.272.560,72, registado na conta # 7906, deveria ser excluído do numerador da fracção do pro rata, na medida em que respeita a juros auferidos pela Requerente, referentes à remuneração de empréstimos obrigacionistas emitidos por entidades residentes na União Europeia, tendo mantido o valor de € 22.272.560,72, registado na conta # 7906, no denominador da mesma fracção.

35-         O procedimento referido no ponto anterior determinou uma variação de 8,34 pontos percentuais, desfavorável à ora Requerente, na sua percentagem de dedução, conforme o quadro seguinte:

 

36-         Caso, no que respeito à correcção a que aludem os pontos precedentes, tivesse sido alterado o denominador da fracção, expurgando-o dos montantes correspondentes a juros auferidos pela Requerente, referentes à remuneração de empréstimos obrigacionistas emitidos por entidades residentes na União Europeia, a correcção na percentagem de cálculo do pro rata de dedução seria de 2,34%, desfavorável à ora Requerente, resultando no pagamento de menos € 32.875,71 de imposto e € 4.139,64 de juros compensatórios.

37-         No mesmo procedimento inspectivo, a AT entendeu ser ainda de expurgar do valor de € 142.300.804,47 (ínsito no numerador da fracção de cálculo do pro rata de dedução da Impugnante) correspondente à facturação de rendas de locação e à faturação de vendas de equipamentos não locados, nos seguintes montantes:

a.            € 116.074.827,62, correspondentes ao valor da amortização de capital incluída no valor das rendas de locação financeira porque, no entender da Autoridade Tributária, os valores facturados nas rendas de locação, que para efeitos de cálculo financeiro corresponderem à parcela correspondente à amortização do capital financiado, não estão incluídos no conceito de volume de negócios a que se refere o n." 4 do artigo 23.º do Código do IVA;

b.            € 13.836.589, correspondentes ao valor dos juros incluídos nas rendas de locação financeira, cujos créditos foram objecto de titularização, ao abrigo do regime previsto no Decreto-Lei n." 82/2002, de 5 de Abril, porque, no entender da AT, "o resultado contabilístico não reflecte, e correctamente, aqueles proveitos, atendendo a que o cedente (A...) é apenas o substituto da entidade a quem foram cedidos os créditos, pelo que aqueles proveitos não são sua pertença" e, em consequência deste facto, deixam de estar incluídos no conceito de volume de negócios a que se refere o n." 4 do artigo 23.º do Código do IVA. Em consequência deste entendimento, ao valor de juros (€ 16.514.975,17) deveria ser expurgada a quantia de € 13.836.589 pelo que apenas o valor de € 2.678.386,17 deveria, ainda no entender da AT, ser incluído no cálculo do pro-rata;

c.            € 9.711.001,68, correspondentes ao valor de "outros", nomeadamente capital não remunerado, caução ou valor residual, porque, no entender da Autoridade Tributária, "a parcela "capital", embora sujeita a IVA, não tem a natureza de proveito", não estando assim incluídos no conceito de volume de negócios a que se refere o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA.

38-         Em resultado das correcções atrás identificadas, o montante total considerado pela AT no numerador da fracção de cálculo da percentagem de dedução de IVA, no que a esta matéria diz respeito, seria de € 6.797.622,85 (valor correspondente à soma do montante de € 4.119.236,68, referente a diversas contas de proveitos, e do montante de € 2.678.386,17 registado na conta # 79040005 - Juros e rendimentos similares de operações de locação financeira mobiliária).

39-         Em consequências das correções efectuadas no âmbito da acção inspectiva aos três elementos que compõem o numerador da fração de cálculo do pro rata de dedução, a AT reduziu o valor total do numerador da referida fração de € 168.692.601,87 para € 6.797.622,85 (€ 2.678.386,17 + € 4.119.236,68), e fixou o denominador da mesma em fracção € 71.811.054,19, tendo o pro rata corrigido pela AT sido cifrado em 9,47%.

40-         Na sequência da referida inspeção tributária, a AT efectuou correcções meramente aritméticas, no valor de €839.189,41, relativas a:

             Apuramento do pro rata definitivo - €766.062,60;

             Falta de liquidação de IVA em rescisões de contratos por perda total - € 69.259,61;

             Regularizações indevidas a favor do sujeito passivo - €3.867,19.

41-         A AT corrigiu ainda algumas situações em que a Requerente não liquidou IVA, nas facturas emitidas ao locatário, aquando da resolução dos contratos, em virtude de perda total dos veículos locados, que determinaram um acréscimo de imposto de € 880,22, e que a Requerente aceitou e pagou, nos termos do seguinte quadro:

 

42-         Em 12-04-2010, a Requerente foi notificada do Relatório de Inspecção Tributária, no qual a AT apurou imposto a liquidar adicionalmente, no valor de €839.189,41, relativo aos meses de janeiro, fevereiro, março abril, maio, novembro e dezembro de 2006.

43-         A Requerente aceitou as correcções relativas às regularizações indevidas a favor do sujeito passivo, relativas ao período de novembro de 2006, tendo procedido ao pagamento da liquidação adicional.

44-         Porém, a Requerente não se conformou com as correcções inerentes ao apuramento do pro rata e à falta de liquidação de IVA em rescisões de contratos por perda total, tendo apresentado impugnação judicial das correspondentes liquidações em 20-10-2010 junto do Tribunal Tributário de 1ª Instância.

45-         Em 16-12-2016, a Requerente efectuou o pagamento integral das liquidações de imposto impugnadas, ao abrigo do regime especial de regularização de dívidas, previsto no Decreto-Lei n.º 67/2016, de 3 de Novembro.

46-         Em 24-04-2019, a Requerente fez uso do cometimento de processo pendente para arbitragem, nos termos do artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018.

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artigo123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o relatório de inspecção juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, tendo em conta que, como se escreveu no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07148/13 , “o valor probatório do relatório da inspecção tributária (...) poderá ter força probatória se as asserções que do mesmo constem não forem impugnadas”.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

                Nos presentes autos, a Requerente discorda de todas as correcções ao cálculo do pro rata, na medida em que entende que os mesmos padecem de ilegalidade, por vício de violação de lei, por erro nos pressupostos de direito, por violação dos artigos 16., 19. ,20.° e 23. do Código do IVA e dos artigos 11.º, 17.º,18.º e 19.º da Sexta Diretiva, diploma comunitário vigente à data dos factos.

                Vejamos, então.

 

***

 

a)            Da exclusão dos juros de títulos de dívida no cálculo do pro rata

Nesta matéria, a Requerente concorda com a exclusão dos correspondentes valores do numerador da fracção de cálculo do pro rata, mas discorda do facto de esse mesmo valor não ser, de igual modo, expurgado do denominador da referida fracção, porquanto considera, em suma, que se os rendimentos provenientes de títulos de investimento são acessórios à actividade principal (leasing), então devem ser excluídos do numerador e do denominador da fracção de cálculo da percentagem do pro rata de dedução, por força do previsto no n.º 2 do artigo 19.º e n.º 4 do artigo 24.º da Sexta Directiva e do n.º 5 do artigo 23.º, e alínea a) do artigo 41.º do Código do IVA.

                Invoca a Requerente, ainda e em abono da sua pretensão, o Acórdão do TCA Sul de 28-03-2019, proferido no processo n.º 9356/16.2BCLSB.

                Relativamente a esta matéria, a Requerida invoca o art.º 20.º do CIVA aplicável, e a alínea c) do n.º 3 do art.º 17.º da Diretiva 77/388/CEE do Conselho, de 17 de Maio de 1977, concluindo que o montante auferido pela Requerente relativo a juros de dívida titulada, emitida por entidades residentes na União Europeia, deve ser excluída do numerador da fracção aludida pelo n.º 4 do art.º 23.º do CIVA, na redação em vigor à data, mas carece de incorporação no denominador da respetiva fracção.

                Dispõe o art.º 20.º do CIVA aplicável, invocado pela Requerida, no que ao caso interessa, que:

“Só poderá deduzir-se o imposto que tenha incidido sobre bens ou serviços adquiridos, importados ou utilizados pelo sujeito passivo para a realização das operações seguintes: (...)

b)Transmissões de bens e prestações de serviços que consistam em: (...)

V) Operações isentas nos termos dos n.ºs 28 e 29 do artigo 9.º, quando o destinatário esteja estabelecido ou domiciliado fora da Comunidade Europeia ou que estejam directamente ligadas a bens, que se destinam a ser exportados para países não pertencentes à mesma Comunidade;”         

                Por seu lado, dispõe o 23.º/5 do mesmo Código, invocado pela Requerente:

“No cálculo referido no número anterior não serão, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo”

                Dispondo, ainda o art.º 41.º/a), também do mesmo Código, igualmente invocado pela Requerente:

“O volume de negócios previsto no artigo anterior é constituído pelo valor, com exclusão do imposto, das transmissões de bens e prestações de serviços efectuadas pelo sujeito passivo, com excepção:

a) Das operações referidas nos n.ºs 28 e 29 do artigo 9.º, quando constituam operações acessórias;”

                Relativamente à norma invocada pela AT, nota-se que não está, nos presentes autos, em causa a verificação dos respectivos pressupostos, já que Requerente e Requerida concordam que o IVA relativo às operações respeitantes à detenção de títulos de dívida não pode ser deduzido, e, consequentemente, deverão os correspondentes valores ser excluídos do numerador da fracção de cálculo do pro rata.

                Está antes, em conta, a inclusão do valor em questão no âmbito do denominador daquela mesma fracção, matéria essa que se relaciona com a acessoriedade ou não de tais operações com a actividade da Requerente.

                Sobre esta matéria, no Acórdão do TCA Sul de 28-03-2019, proferido no processo n.º 9356/16.2BCLSB, citado pela Requerente, começa-se por reportar-se à sentença ali recorrida, que discorreu nos seguintes termos:

“Atentas as características supra apontadas ao IVA, a exclusão da dedução daquelas operações acessórias visa ainda assegurar o respeito pelo princípio da neutralidade, na medida em que a sua inclusão reduziria, de forma não consentânea com o que são normalmente os contributos de tais operações na utilização de recursos, já que possuem um nível de inputs negligenciável ou carácter esporádico.

Impõe-se assim integrar o conceito de acessório, cujo recorte há-de encontrar-se, com base, não no seu peso nos proveitos ou resultados gerados, pois desse modo estaríamos a desvirtuar o direito à dedução de forma intolerável reduzindo o ratio da dedução do IVA dedutível, mas antes com base na existência de IVA incorrido a montante.

Donde, a consequência a retirar da aplicação do princípio da neutralidade é a de que o carácter acessório deve ser definido com base nos custos e respectivo IVA. Ou seja, tendo em conta que a lógica do IVA é a da dedução de IVA incorrido nas operações tributadas e a não dedutibilidade do IVA incorrido nas actividades isentas, a acessoriedade advém do facto da inexistência de inputs, ou seja, de o sujeito passivo não suportar IVA e de não existirem custos na actividade do sujeito passivo ou estes terem significado pouco expressivo na sua actividade global.

A acessoriedade não está tanto ligada à sua quantificação na perspectiva dos resultados gerados com essas operações (outputs), como defende a Fazenda Pública, mas sim à sua especificidade quanto aos inputs que implicam, isto é, quanto a os recursos que utiliza, ao IVA que incorpora, sendo esse o factor a ter em conta, atento o princípio da neutralidade.”.

                Seguidamente, no mesmo aresto exarou-se que:

“Esta matéria foi bem analisada na sentença em termos que sufragamos e que se torna desnecessário repetir.

Em abono da tese defendida na sentença, também Filipe Duarte Neves defende que “o caráter acessório deve ser aferido em concreto, ou seja, em função da actividade efetivamente desenvolvida pelo sujeito passivo. Tal não significa que se pode afastar, sem mais, o volume das operações. Contudo, o que é decisivo é ponderar diversos indicadores (recursos afetos, iniciativas realizadas, objecto imediato, etc) de modo a identificar as actividades efetivamente exercidas a título principal e as que são meramente acessórias”.

De resto, como também dão conta Alexandra Martins e Lídia Santos, a própria AT abandonou o critério de acessoriedade baseado num critério quantitativo, (desde que o montante que não excedesse 5% do volume de negócios do sujeito passivo) e adotou no Ofício Circulado n.º 30103 de 23/4/2008, o critério que atende à natureza da atividade exercida pelo sujeito passivo e às condições concretas da realização das operações financeiras, aproximando-se assim da jurisprudência do TJUE.

Por outro lado, como muito bem referiu a sentença, antes de saber se a atividade é acessória ou não, devemos indagar previamente se, no caso concreto e tendo em conta a atividade desenvolvida pela Impugnante, a compra e venda de participações sociais durante os anos de 1992 a 1995 constitui uma actividade económica na aceção do art.º 4º n.º 2 da Sexta Directiva.

Para isso, ter-se-á de recorrer ao objecto social da Impugnante e à prova recolhida quanto às operações financeiras, de que modo eram realizadas e quais os objectivos visados.”.

                De resto, no Ofício Circulado n.º 30103, de 23-04-2008,  a própria AT explana um entendimento em parte coincidente com o do aresto referido, no sentido de que:

“3. Assim, deve entender-se que, para efeitos do cálculo do pro rata de dedução, o montante anual a inscrever quer no numerador quer no denominador da fracção, não inclui as operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, pois estas são previamente sujeitas à afectação real, nos termos da alínea a) do nº.1 do artigo 23.º.

4. De igual modo, também não devem ser consideradas no numerador da fracção todas aquelas operações que, embora decorrentes do exercício de uma actividade económica, não conferem o direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º. Entre estas, assumem particular relevo as operações realizadas pelas pessoas colectivas públicas no âmbito dos seus poderes de autoridade, as quais, embora em grande parte subsumíveis no conceito de actividade económica para efeitos do IVA, são objecto da regra de não sujeição contida no n.º 2 do artigo 2.º do CIVA, salvo se a sua não sujeição provocar distorções de concorrência.” .

                Aqui chegados, cumpre abordar a questão do ónus da prova.

                Nos termos do art.º 74.º/1 da LGT, “O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque”.

                No caso, o que se verifica é que a AT procedeu a uma determinada correcção, consistente na exclusão de certos valores do numerador da fracção de cálculo do pro rata, aceitando a Requerente tal correcção.

                Não obstante, pretende a Requerente, nos termos das normas que invoca, que esse mesmo valor deva ser, de igual modo, expurgado do denominador da referida fracção.

                Deste modo, não deverão subsistir dúvidas de que o ónus da prova dos pressupostos da remoção do denominador do pro rata do montante correspondente ao volume de negócios relativo à actividade das operações respeitantes à detenção de títulos de dívida, incumbe à Requerente, por ser quem se quer prevalecer das normas que a pressupõem, ao contrário do que ocorreu no caso julgado pelo TCA-Sul, no processo atrás citado .

                Note-se, ainda, que a circunstância de o ónus da prova assistir à Requerente, nos termos expostos, preclude a aplicabilidade do disposto no art.º 100.º, n.º 1, do CPPT.

                Com efeito, como se explica no Ac. do TCA-Sul de 26-06-2014, proferido no processo 07141/13:

“VII. Dispõe o artigo 100º, nº1 do CPPT que sempre que da prova produzida resulte a fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário, deverá o acto impugnado ser anulado. Tal mais não é que a aplicação ao processo judicial da regra geral sobre o ónus da prova no procedimento tributário, constante do artigo 74º, nº1 da LGT (idêntica à regra prevista no nº1 do artigo 342º do CC), nos termos da qual o ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da Administração e dos contribuintes recai sobre quem os invoque.

VIII. Aplicando aquela regra respeitante ao ónus da prova, no processo judicial, dever-se-á concluir “que, nos casos em que se verificar uma destas situações em que no procedimento tributário é atribuído o ónus da prova ao contribuinte, as dúvidas que no processo judicial subsistam sobre a matéria de facto, não podem considerar-se dúvidas fundadas para efeitos de, nos termos daquele nº1, justificarem a anulação do acto”.

IX. Compete, pois, ao contribuinte o ónus da prova dos factos que alegou como fundamento do seu direito de dedução do imposto nos termos do artigo 19.º do CIVA, não lhe bastando criar dúvida sobre a sua veracidade, ainda que fundada, pois neste caso o artigo 100.º do CPPT não tem aplicação”.

                No caso, e relativamente à matéria ora em causa, o que se verifica é que a Requerente afirma, conclusivamente, que “é manifestamente desprezível estas seis operações no volume total de negócios da ora Requerente, e também é desprezível o consumo de inputs associado ao processamento e gestão desta carteira de títulos de investimento, quando conjugado com o total dos inputs.” , praticamente não alegando, nem, consequentemente, provando, factos que permitam sustentar tal conclusão

                A nível fáctico, e a este propósito a Requerente alega, somente, que entre 2003 e 2005 realizou apenas 6 operações de compra e venda de tais títulos, e que em procedimento inspectivo ao exercício de 2003, a AT havia considerado que a referida actividade se revestia de natureza acessória.

                A questão que se coloca, então, é se tais factos serão, para lá de qualquer dúvida razoável, susceptíveis de preencher o ónus probatório que incumbia à Requerente, nos termos já evidenciados, podendo tal questão ser abordada sob dois prismas, a saber:

a)            O caracter acessório, ou não, da actividade de detenção de títulos de dívida pela Requerente;

b)           O caracter económico, ou não, do exercício daquela actividade.

No primeiro caso, o montante das operações poderá ser excluído do denominador do pro rata, como pretende a Requerente, por via do disposto nos art.ºs 41.º/a) e 23.º/5 do CIVA aplicável e, no segundo, por via do disposto no art.º 4.º, n.º 2, da Directiva.

Não obstante, substancialmente, a resposta às referidas questões acaba por se reconduzir a realidades semelhantes.

                Assim, segundo o acórdão do TCA-Sul acima citado, e que se subscreve, a acessoriedade de uma actividade deverá aferir-se face à “especificidade quanto aos inputs que implicam, isto é, quanto a os recursos que utiliza, ao IVA que incorpora, sendo esse o factor a ter em conta, atento o princípio da neutralidade".

                Também segundo o mesmo acórdão, para que uma actividade se possa reputar como não económica, é sempre necessário verificar-se uma "negligenciável utilização dos inputs ou carácter esporádico, (...) uma reduzida ou nula utilização de bens ou serviços pelos quais o IVA é dedutível”.

Ou seja, e em suma, para se alcançar, cabalmente, a conclusão de que estaremos, no caso, perante uma actividade acessória, ou não económica, será necessário apurar, designadamente, quais os concretos recursos associados à actividade de gestão da carteira de títulos de investimento, ou a sua inexistência.

E, no caso, face à matéria provada, que se reconduz à alegada pela Requerente e atrás referida, ou seja, que entre 2003 e 2005 realizou apenas 6 operações de compra e venda de tais títulos, e que em procedimento inspectivo ao exercício de 2003, a AT havia considerado que a referida actividade se revestia de natureza acessória, não é possível, para lá de qualquer dúvida razoável, concluir que estamos perante uma actividade acessória, ou não económica, nos termos enunciados pelo Acórdão do TCA-Sul que se vem seguindo.

Efectivamente, resulta directamente daquele aresto  que no juízo a fazer se deverá atender ao objecto do sujeito passivo e à invocação e prova de que o mesmo efectua as operações financeiras em causa no âmbito dum objectivo empresarial ou com finalidade comercial, caracterizada nomeadamente por uma preocupação de rentabilização dos capitais investidos.

Ora, no caso, a Requerente é, em primeira linha, e sem prejuízo das outras actividades a que se dedica, uma instituição de crédito cujo objecto social consiste consiste na prática de todas as operações permitidas aos bancos, com excepção da recepção de depósitos, e encontra-se colectada em IRC pelo exercício da actividade “Outra intermediação monetária”, sendo que, de acordo com a regulação da actividade financeira vigente à data do facto tributário, conhecida por Basileia I, os títulos de dívida contribuíam significativamente para o fundos próprios de base das instituições financeiras, factor primordial do seu rácio de solvabilidade .

Daí que, à míngua de outra prova que não a produzida, designadamente prova que permita aferir quais os concretos recursos associados à actividade de gestão da carteira de títulos de investimento, ou a sua inexistência, não se poderá, para lá da dúvida razoável, concluir estarmos a actividade de detenção de títulos de dívida pela Requerente seja meramente acessória, ou não económica.

Assim, e face a todo o exposto, haverá que considerar que a Requerente não logrou demonstrar estarmos perante uma actividade acessória ou não económica, nos termos pressupostos pelas normas aplicáveis em que funda a sua pretensão ora em apreço, pelo que deverá, nesta parte, improceder o pedido arbitral.

 

***

 

b)           Da exclusão da amortização financeira das rendas de locação do denominador da fração do pro rata

                A questão que se apresenta a resolver neste âmbito prende-se com a consideração, ou não,  do total do montante da renda (componente de capital [amortizações] e componente de juro) relativo às operações de locação financeira, no cálculo do pro rata relativo aos recursos de utilização mista, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 23.º, n.º 4 do CIVA aplicável.

 

*

Com relevo na matéria ora em apreço, dispõe o artigo 23.º do CIVA aplicável:

“1 - Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução e operações que não conferem esse direito, nos termos do artigo 20.º, a dedução do imposto suportado na aquisição de bens e serviços que sejam utilizados na realização de ambos os tipos de operações é determinada do seguinte modo:

a) Tratando-se de um bem ou serviço parcialmente afecto à realização de operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, o imposto não dedutível em resultado dessa afectação parcial é determinado nos termos do n.º 2;

b) Sem prejuízo do disposto na alínea anterior, tratando-se de um bem ou serviço afecto à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, parte das quais não confira direito à dedução, o imposto é dedutível na percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução.

2 - Não obstante o disposto da alínea b) do número anterior, pode o sujeito passivo efectuar a dedução segundo a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito, sem prejuízo de a Direcção-Geral dos Impostos lhe vir a impor condições especiais ou a fazer cessar esse procedimento no caso de se verificar que provocam ou que podem provocar distorções significativas na tributação.

3 - A administração fiscal pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no número anterior:

a) Quando o sujeito passivo exerça actividades económicas distintas;

b) Quando a aplicação do processo referido no n.º 1 conduza a distorções significativas na tributação.

4 - A percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 resulta de uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento.

5 - No cálculo referido no número anterior não são, no entanto, incluídas as transmissões de bens do activo imobilizado que tenham sido utilizadas na actividade da empresa nem as operações imobiliárias ou financeiras que tenham um carácter acessório em relação à actividade exercida pelo sujeito passivo.”

                No que diz respeito à (des)consideração do valor das amortizações financeiras relativas aos contratos de locação financeira do cálculo da percentagem de dedução aplicada ao IVA incorrido pela Requerente nos recursos de utilização mista, está em causa aferir-se a legalidade, face às normas de direito comunitário ou de direito interno, da exclusão do cálculo da percentagem de dedução, da parte do valor da renda da locação que corresponde à amortização financeira, apenas considerando o montante de juros e outros encargos facturados.

                A este propósito, refere a Requerida que a componente da renda corresponde à amortização financeira, razão pela qual não constitui qualquer proveito para a entidade, na medida em que respeita apenas à amortização do capital investido pela locadora, pelo que ficam excluídas do apuramento de resultados do exercício e, como tal, não devem ser integrados no conceito de “volume de negócios”.

                Já a Requerente, começa por notar que o Código do IVA e a Sexta Directiva apontam para um critério proporcional para aferir o nível de imposto dedutível pelos sujeitos passivos que pratiquem, em simultâneo, operações que conferem direito à dedução e operações que não conferem aquele direito, tendo o legislador erigido o pro rata como regime-regra da recuperação do IVA incorrido nos “custos comuns”.

                Chama a Requerente à atenção para a circunstância de o n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, o n.º 5 do artigo 17.º  e o n.º 2 do artigo 19.º, ambos da Sexta Diretiva, definirem quais os elementos que integram o numerador e o denominador do pro rata e o n.º 4 do artigo 24.º da Sexta Directiva e o artigo 41.º do Código do IVA, esclarecer o conceito de “volume de negócios”.

                Mais sustenta a Requerente que a busca de uma definição de “volume de negócios” fora da legislação vigente em matéria de IVA, quando esta o prevê, é manifestamente ilegal, pois a norma do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA é consentânea com o artigo 41.º do mesmo código, pelo que os montantes a fazer constar da fracção são os valores das bases tributáveis das operações e não qualquer parcela dos mesmos.

                Conclui a Requerente que o critério de cálculo do pro rata utilizado pela Requerida colide com o n.º 3 do artigo 23.º do Código do IVA, que apenas admite a substituição do pro rata por um critério de afectação real, de utilização efectiva, com base em critérios de repartição específicos.

                Assim, entende a Requerente que não sendo possível adoptar o método da afectação real, o único outro método de dedução previsto no CIVA é o pro rata, apurado nos termos do artigo 23.º, n.º 4 do CIVA, pelo que aquilo que a AT vem fazer no relatório de inspecção não tem enquadramento nem no artigo 23.º do CIVA.

                Louva-se, ainda, a Requerente em jurisprudência arbitral que enumera , e em doutrina citada por aquela.

 

*

No Acórdão Volkswagen Financial Services (Processo C-153/17) do TJUE, procurou-se responder à questão de saber se o artigo 168.º e o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva IVA devem ser interpretados no sentido de que, por um lado, mesmo quando os custos gerais relativos às prestações de locação financeira de bens móveis, como as que estão em causa no processo principal, não são repercutidos no montante devido pelo cliente pela disponibilização do bem em causa, ou seja, a parte tributável da operação, mas sim no montante dos juros devidos a título da parte «financiamento» da operação, ou seja, a parte isenta da operação, esses custos gerais devem ser considerados, para efeitos do IVA, como um elemento constitutivo do preço dessa disponibilização e, por outro lado, os EstadosMembros podem aplicar um método de repartição que não tem em conta o valor inicial do bem em causa no momento da sua entrega.

Note-se desde logo, que as situações da Requerente nos presentes autos e da Volkswagen Financial Services no processo C-153/17, são muito parecidas, porquanto ambas são instituições especializadas em operações financeiras conexionadas com o ramo automóvel.

Na sua decisão, começa o TJUE por definir se, do ponto de vista do IVA, diferentes operações como a concessão de financiamento e a disponibilização de veículos, devem ser tratadas como operações distintas tributáveis separadamente ou como operações complexas únicas compostas por vários elementos, tendo concluído que a resposta a tal questão deve ser dada pelo órgão jurisdicional nacional, tendo em conta os seguintes critérios:

a)            cada operação deve normalmente ser considerada distinta e independente, e uma operação constituída por uma só prestação no plano económico não deve ser artificialmente decomposta, para não alterar a funcionalidade do sistema do IVA;

b)           há que considerar que existe uma prestação única quando dois ou vários elementos ou actos fornecidos pelo sujeito passivo estão tão estreitamente ligados que formam, objectivamente, uma única prestação económica indissociável, cuja decomposição revestiria carácter artificial;

c)            estáse em presença de uma prestação única quando um ou mais elementos devam ser considerados a prestação principal, ao passo que devem ser considerados uma prestação ou prestações acessórias que partilham do tratamento fiscal da prestação principal quando não constitua para a clientela um fim em si mesmo, mas o meio de beneficiar, nas melhores condições, do serviço principal do prestador.

Adicionalmente, esclareceu o TJUE que o pagamento diferido do preço de compra de um bem, mediante o pagamento de juros, pode ser considerado como uma concessão de crédito, que constitui uma operação isenta nos termos desta disposição, desde que o pagamento dos juros não constitua um elemento da contrapartida recebida pela entrega dos bens ou pelas prestações de serviços, mas sim a remuneração desse crédito.

Relativamente ao direito à dedução, o TJUE reafirmou que o sistema comum do IVA garante, por conseguinte, uma neutralidade perfeita quanto à carga fiscal de todas as actividades económicas, independentemente dos respectivos fins ou resultados, desde que essas actividades estejam elas próprias sujeitas a IVA, sendo admitido, no entanto, um direito à dedução a favor do sujeito passivo, mesmo na falta de uma relação directa e imediata entre uma determinada operação a montante e uma ou várias operações a jusante com direito a dedução, quando os custos dos serviços em causa sejam parte das despesas gerais deste último e sejam, enquanto tais, elementos constitutivos do preço dos bens fornecidos ou dos serviços prestados pelo mesmo, sendo que a decisão de não incluir estes custos no preço das operações tributáveis, mas unicamente no preço das operações isentas, não pode ter qualquer repercussão nesta conclusão de facto e que o resultado dessas operações económicas não é pertinente, à luz do direito à dedução, na condição de a própria actividade estar sujeita a IVA.

Ressalva, no entanto, o TJUE que o âmbito desse direito à dedução varia em função do uso a que os bens e os serviços em causa se destinam, já que, ao passo que, para os bens e serviços destinados a serem utilizados exclusivamente para realizar operações tributáveis, os sujeitos passivos estão autorizados a deduzir a totalidade do imposto que incidiu sobre bens ou serviços que lhes tenham sido fornecidos ou prestados, para os bens e serviços destinados a uso misto, resulta do artigo 173.º, n.º 1, da Diretiva IVA que o direito à dedução se limita à parte do IVA que é proporcional ao valor respeitante às operações que conferem direito à dedução realizadas através desses bens ou serviços, e que nos termos do artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da referida Directiva, os EstadosMembros podem autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços.

A este propósito, recordando o Acórdão Banco Mais, acrescenta o TJUE que qualquer EstadoMembro que decida autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços deve garantir que as modalidades de cálculo do direito à dedução permitam estabelecer com a maior precisão a parte do IVA relativa às operações que conferem direito à dedução, dado que o princípio da neutralidade fiscal, inerente ao sistema comum do IVA, exige que as modalidades do cálculo da dedução reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição de bens e serviços de utilização mista que pode ser imputada a operações que conferem direito à dedução, sendo que o método escolhido não tem necessariamente de ser o mais preciso possível, mas deve poder garantir um resultado mais preciso do que aquele que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

Ainda a propósito do Acórdão Banco Mais, refere o TJUE que o cálculo do direito à dedução em aplicação do método baseado no volume de negócios, que tem em conta os montantes relativos à parte das rendas que os clientes pagam e que servem para compensar a disponibilização dos veículos, leva a determinar um pro rata de dedução do IVA pago a montante menos preciso do que o resultante do método baseado apenas na parte das rendas correspondente aos juros que constituem a contrapartida dos custos de financiamento e de gestão dos contratos suportados pelo locador financeiro, uma vez que estas duas actividades constituem o essencial da utilização dos bens e serviços de utilização mista destinada à realização das operações de locação financeira para o sector automóvel.

Conclui o TJUE que atendendo à natureza fundamental do direito à dedução, sempre que as modalidades de cálculo da dedução não tenham em conta uma afectação real e significativa de uma parte dos custos gerais a operações que confiram direito à dedução, não se pode considerar que tais modalidades reflictam objectivamente a parte real das despesas efectuadas com a aquisição dos bens e dos serviços de utilização mista que pode ser imputada a essas operações, pelo que tais modalidades não são suscetíveis de garantir uma repartição mais precisa do que o que decorreria da aplicação do critério de repartição baseado no volume de negócios.

 

*

                Como assinala a Requerente, a matéria ora em discussão já foi apreciada em várias decisões arbitrais, podendo indicar-se, para além das atrás referidas, as proferidas nos processos arbitrais n.º 335/2018-T, 339/2018-T e 498/2018-T .

                Em todas as referidas decisões, proferidas por Tribunais Arbitrais colectivos, após análise do quadro legal nacional e comunitário aplicável, foi entendido de forma unânime que o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva (a que corresponde o artigo 173.º, n.º 2, alínea c), da Directiva 2006/112/CE) para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, não sendo determinante que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Directiva no sentido de que não se opõe a que, nas actividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros, dado que o Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Daí que da pronúncia do TJUE não decorra a validade/invalidade de uma norma de direito nacional, mas unicamente, a interpretação correcta do direito europeu a aplicar. Com efeito, “um reenvio deve ter por objeto a interpretação ou a validade do direito da UE, e não das regras de direito nacional ou questões de facto suscitadas no litígio no processo principal.” .

                Assim, no acórdão arbitral proferido no processo n.º 311/2017-T do CAAD, escreveu-se o seguinte:

“A AT, através do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, veio divulgar a sua interpretação do artigo 23º do Código do IVA no que respeita à sua aplicação pelas instituições de crédito que exercem, entre outras, a atividade de Leasing ou de ALD, para efeitos do apuramento da parcela do imposto suportado, que é passível de direito a dedução. 

Entendeu a AT  que estes sujeitos passivos devem utilizar, nos termos do nº2 do artigo 23º, do CIVA, a afetação real com base em critérios objetivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços,  por considerar que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do prorata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º, do CIVA é susceptível de provocar vantagens ou prejuízos injustificados pela falta de coerência das variáveis nele utilizadas, ou seja, pode conduzir a “distorções significativas na tributação” (Cfr nº 8 do referido Ofício Circulado).

E entendeu ainda a AT que, no âmbito da aplicação do método da afectação real, sempre que não seja possível a aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico (sublinhado nosso), tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de Leasing ou de ALD. Neste caso, a percentagem atrás referida não resulta da aplicação do nº. 4 do artigo 23º do CIVA (nº9 do referido Ofício Circulado).

Ora esta interpretação dada pela AT ao artigo 23º-4, do CIVA e que esteve na origem do citado ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009, não tem suporte mínimo na letra da lei [CIVA e Diretiva IVA] e, consequentemente, aquele entendimento (da AT) de que só o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à atividade de locação financeira da Requerente deve ser considerado no cálculo da percentagem de dedução, não pode, como tal, ser sufragado.

Na verdade, tal como dispõe e impõe o artigo 16º-2/h), do CIVA, nas operações de locação financeira, o valor tributável em sede de IVA, é o da totalidade da renda (sublinhado nosso) recebida ou a receber do locatário.

Ou seja: é  sobre a totalidade da renda, sem distinção entre juro e capital, que se deve liquidar IVA, pois o valor tributável do imposto, nas operações de locação financeira é, segundo a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º do CIVA, “o valor da renda recebida ou a receber do locatário”; e de ser claro também que o numerador da fracção que exprime a percentagem a dedução é constituído pelo “montante anual”, imposto excluído, das operações que dão lugar à dedução”, ou seja pelo valor das operações que foram tributadas, e que o respectivo denominador é o “montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo…”, o que obviamente inclui as primeiras.

A solução proposta pela Administração Fiscal de tributar toda a renda, como manda a alínea h) do n.º 2 do artigo 16.º, sobre o valor tributável, e de expurgar, para efeitos de apuramento da percentagem de dedução, do numerador e do denominador da fração a parte da renda correspondente à amortização   financeira não tem apoio direto nos textos legais.

Certo que neste tipo de contratos (também denominados de leasing), o proveito que releva para efeitos contabilísticos e, consequentemente, para efeitos de tributação do rendimento, é apenas aquele que isola a componente de juros da renda a pagar pelo locador; ou seja: a parte da renda relativa à amortização do capital não releva na, digamos, folha contabilística do locador.

Sendo a parcela dos juros a única que afeta o resultado contabilístico, também, consequentemente, o mesmo sucede para efeitos de tributação em IRC por força da relação de dependência (parcial) prevista no artigo 17º, do CIRC.

Já não assim é, porém, para efeitos de IVA, na medida em que a base tributável encara as duas componentes da renda como uma só, fundindo-as no conceito geral de contrapartida [a renda tout court] previsto no citado artigo 16º, do CIVA, cuja epígrafe é “valor tributável”.

Por seu lado, o artigo 23º, do CIVA, consagra objetivamente o pro rata como  o regime de dedução do IVA para – como é o caso dos autos – os comummente denominados  “sujeitos passivos mistos” – Cfr nºs 1 e 4 – sem prejuízo de opção do sujeito passivo pela dedução segundo a afetação real (sublinhado nosso), com base em critérios objetivos e igualmente sem prejuízo – agora sim -, de intervenção Autoridade Tributária e Aduaneira (que poderia impôr, em determinadas circunstâncias, condições especiais ou mesmo fazer cessar esse procedimento, se for entendido que aquele provoca ou pode provocar distorções significativas na tributação) (nº 2, do citado artigo 23º).

Apenas em duas situações, porém, foi feita a transposição para a legislação nacional da margem estabelecida na Diretiva IVA, relativamente à possibilidade de obrigar um sujeito passivo a não aplicar o método pro rata de dedução: (i) quando o sujeito passivo exerça atividades económicas distintas e (ii) no caso de se verificarem distorções significativas na tributação – Cfr artigo 23º-3, do CIVA.

Assim é que, in casu, ao colocar, inicialmente, no numerador e no  denominador   do pro rata o montante anual das rendas sobre o qual incidiu IVA – ou seja, o montante da contrapartida -  o Banco requerente utilizou a base de liquidação de IVA devida e legal.

Ao contrário, as liquidações ora impugnadas, na linha ou em cumprimento do determinado no ofício circulado nº 30108, de 30-1-2009 [que traduz o entendimento da AT de que para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros], enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Na verdade, e de acordo com a legislação comunitária ( artigos 173º, 174 e 175º da Diretiva nº 2006/112/CE do Conselho, de 28.11.2006) e com a legislação interna já citada (artigo 23º, nº1, nº4, nº6, nº7 e nº8, do Código do IVA),   resulta que: (a) o método da percentagem de dedução deve ser o  aplicado nas situações como a dos autos (b) o método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos,  (c)  a AT pode obrigar  à aplicação do método da afetação real, (d) a única  fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou prorata  prevista na legislação interna portuguesa  é a que consta do nº 4 do artigo 23º do CIVA , (e)  este artigo 23º  não prevê outra fórmula de determinação do  pro rata.

Daqui decorre, reafirma-se, que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» nos termos referidos no ponto 9 do Ofício Circulado nº 30.108, de 30.01.2009, da AT, não tem o necessário enquadramento legal.

Assinale-se ainda a natureza manifestamente infundada ou não fundamentada de que a aplicação do método do pro rata pretendida pela Requerente na determinação do grau de utilização de bens e serviços utilizados em operações mistas segundo os termos do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA conduza a “distorções significativas na tributação”(!)

O caso “Banco Mais”

O TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.

Ora compulsado o Acórdão do TJUE proferido no Caso Banco Mais logo se verifica que o mesmo parece assentar num equívoco, já que assume, sem efetivamente o apurar, que a lei portuguesa (mais precisamente o disposto no artigo 23.º do Código do IVA) prevê ou não mecanismos que permitam à AT impor outros métodos de dedução de IVA para bens e serviços de utilização mista.

Assim, o § 19 do Acórdão do TJUE refere: «Consequentemente, importa considerar, como confirmou o Governo português na audiência, que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva».

Como bem refere JOSÉ MARIA MONTENEGRO (in Comentário ao Acórdão “Fazenda Pública contra Banco Mais, SA” de 10 de julho de 2014 – Proc C-183/13) é «…neste ponto base, diria mesmo, nevrálgico – que nos distanciamos do Acórdão do TJUE de 10 de julho de 2014. Pois não é verdade que a disposição constante do n.º 2 do art.º 23.º do Código do IVA (conjugado com o n.º 3) reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva. E mais dificuldade teremos em acompanhar a afirmação de que o artigo 23.º, n.º 2, do CIVA constitui a transposição, para o direito interno do Estado-Membro  em causa, do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva» (Anotação à aludida jurisprudência, reproduzida como documento 8, junto com a Petição).

É manifesto, por outro lado, que o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).

Daí que, recolocada a questão, a resposta ao pedido prejudicial pretende incidir justamente sobre «…se as disposições do sistema comum do IVA em matéria do direito à dedução, em particular as constantes do terceiro parágrafo do n.º 5 do artigo 17.º da Sexta Diretiva, permitem a um Estado membro estabelecer que os bancos que também, realizam operações de locação financeira, apurem o direito à dedução relativo a bens e serviços de uso misto tomando em consideração, quanto às mencionadas operações, a parte correspondente à remuneração do capital (juros) investido na aquisição dos bens dados em locação, assim como eventuais comissões e encargos afins».

Assinale-se que, tal como resulta dos factos alegados e não contestados pela AT em sede de procedimento de Reclamação Graciosa e de Recurso Hierárquico, a locação financeira não constitui uma atividade meramente acessória de uma instituição financeira como a Requerente.”

                No acórdão arbitral n.º 312/2017T exarou-se que:

“Em suma e concluindo:

Os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do Código do IVA são a:

a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» (n.º 1 alínea b) do artigo 23.º do Código do IVA com remissão para o n.º 4;

«a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA).

 Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1) «conduza a distorções significativas na tributação», a AT pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

E compulsado este n.º 2, o mesmo apenas prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

É manifesto que a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, como faz a Requerida, no caso em apreço, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos de aplicação do n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA.

Pelo que a imposição da AT de operar com um pro rata diferente do definido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA afigura-se sem fundamento legal no direito nacional. Não é um Ofício-circulado, que não é mais que uma instrução interna que apenas obriga os serviços, mas que não tem eficácia externa, que pode substituir-se à lei, impondo aos sujeitos passivos aquilo que a lei não prevê.

Donde, conclui-se de que o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, in casu, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, do Código do IVA, e este método é o que consta do n.º 4 do mesmo artigo e mais nenhum.

Não se desconhece a possibilidade conferida pelo artigo 173.º, n.º 2, c) da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, aos seus Estados Membros de «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», mas tal possibilidade não foi transposta para o Código do IVA nacional, i.e., a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do mesmo código.

E, não tendo essa possibilidade sido acolhida por via legislativa, não a pode aplicar a AT, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT).

Decorre de tudo o supra exposto que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9. do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, procedendo, assim, o pedido de pronúncia arbitral.”.

                Posteriormente, no processo arbitral n.º 335/2018T, na sequência do que já havia sido referido no processo arbitral n.º 309/2018T veio a referir-se que:

 “Desde logo, é de explicitar que, nos termos do artigo 267.º do TFUE, a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, se limita à «interpretação dos Tratados», e à «validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União», pelo que não se estende à interpretação do artigo 23.º do CIVA, na parte em que consubstancia opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, à sua discricionariedade.

            Por outro lado, há que ter em consideração que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não é uma disposição de aplicação directa, pois é dirigida aos «Estados-Membros» «autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na utilização da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços».

            Num Estado de Direito, em matéria subordinada ao princípio da legalidade e reserva de lei [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da CRP] e 8.º da LGT, a opção pela aplicação no nosso direito interno daquela norma facultativa da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, tem de ser efectuada por via legislativa.

            Para além disso, há que esclarecer que os dois únicos métodos de dedução previstos para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos no artigo 23.º do CIVA são:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» [n.º 1 alínea b) com remissão para o n.º 4;

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º).

            Nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 (que para os afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica é a percentagem de dedução, como refere a alínea b) do n. º 1] «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2.

            Assim, a questão que se coloca reconduz-se a saber se neste n.º 2 se inclui a possibilidade determinação da afectação real através de uma percentagem de dedução.

            Neste n.º 2 apenas se prevê a «afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito».

            É manifesto que a determinação da afectação com base numa percentagem, qualquer que seja a forma de a determinar, não constitui um critério objectivo que permita determinar o grau de afectação de bens ou serviços. Na verdade, é evidente que com base no valor das rendas, total ou parcial, não se pode determinar, com objectividade, por exemplo, quais as despesas de electricidade ou água ou de manutenção dos elevadores de edifícios comuns às actividades dos dois tipos que estão afectas à actividade de locação financeira.

            Isto é, a aplicação de uma percentagem, qualquer que ela seja, não permite «determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução» e, por isso, não pode constituir um critério objectivo para efeitos do n.º 2 do artigo 23.º

             Sendo assim, tem de se concluir que o poder concedido à Administração Fiscal pelo n.º 3 do artigo 23.º, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem dedução.

            Consequentemente, o método da percentagem de dedução só pode ser utilizado nas situações em que está previsto directamente, na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

             E, nos termos deste n.º 4, esta percentagem é determinada através de «uma fracção que comporta, no numerador, o montante anual, imposto excluído, das operações que dão lugar a dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º e, no denominador, o montante anual, imposto excluído, de todas as operações efectuadas pelo sujeito passivo decorrentes do exercício de uma actividade económica prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º, bem como as subvenções não tributadas que não sejam subsídios ao equipamento».

            Por isso, embora a Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, permita ao Estado Português «obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços», não foi legislativamente prevista no CIVA a possibilidade de aplicação de uma percentagem de dedução diferente da que se indica no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA.

            E, não tendo essa possibilidade sido legislativamente prevista, não a pode aplicar a Autoridade Tributária e Aduaneira, pois está subordinada ao princípio da legalidade em toda a sua actuação (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55º da LGT) e explicitado no artigo 3.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo.

            Este último diploma, definindo tal princípio, estabelece que «os órgãos da Administração Pública devem actuar em obediência à lei e ao Os órgãos da Administração Pública devem atuar em obediência à lei e ao direito, dentro dos limites dos poderes que lhes forem conferidos e em conformidade com os respetivos fins».

            À face desta norma, o princípio da legalidade deixou de ter «uma formulação unicamente negativa (como no período do Estado Liberal), para passar a ter uma formulação positiva, constituindo o fundamento, o critério e o limite de toda a actuação administrativa».

            Por isso, não tendo suporte legal a utilização do método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108, de 30.01.2009, é ilegal a imposição da sua utilização pela Requerente.

            No que concerne à necessidade de aplicação do método referido por imposição do princípio da neutralidade, não são indicadas nem demonstradas pela Autoridade Tributária e Aduaneira as razões por que tal método é necessário para assegurar a «sã concorrência» ou a igualdade de todas as empresas, sendo certo que, na perspectiva do legislador nacional, a aplicação do pro rata previsto no n.º 4 do artigo 23.º é a forma adequada de assegurar o direito à dedução de todos os sujeitos passivos mistos, nos casos em que seja inviável a afectação real com critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito.

Pelo contrário, como se explicou no Parecer do Senhor Prof. Doutor José Xavier de Basto e do Senhor Prof. Doutor António Martins, citado no acórdão do processo n.º 309/2017-T, afigura-se que «o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada».

            Mas, mesmo que o método previsto no ponto 9 do Ofício Circulado assegurasse mais eficazmente os referidos princípios, a falta da sua previsão em diploma de natureza legislativo nacional, em matéria em que não é directamente aplicável qualquer norma de direito da União Europeia, sempre seria um obstáculo intransponível à sua aplicação, por força do princípio da legalidade, em que se insere o da hierarquia das fontes de direito, à face do qual não é constitucionalmente admissível que seja reconhecido a actos de natureza não legislativa «o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos» (artigo 112.º, n.º 5, da CRP), para mais em matéria sujeita ao princípio da legalidade fiscal, em que se está perante matéria inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República [artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n 1, alínea i), da CRP].

            Na verdade, a força vinculativa das circulares e outras resoluções da Autoridade Tributária e Aduaneira de natureza geral e abstracta, publicitadas, circunscreve-se à ordem administrativa, pois resulta somente da autoridade hierárquica dos agentes de onde provêm e dos deveres de acatamento dos subordinados aos quais se dirigem. Por isso, a orientações genéricas da Autoridade Tributária e Aduaneira, nomeadamente quanto à interpretação da lei fiscal apenas vinculam os funcionários sobre quem o emissor tem posição superior na hierarquia, mas essas orientações não vinculam os particulares, cidadãos ou contribuintes, nem aos tribunais, que devem interpretar e aplicar as leis fiscais sem qualquer dependência dos critérios adoptados pela Administração fiscal através dos referidos «despachos genéricos, das circulares e das instruções» (artigo 203.º da CRP). É com este alcance que o n.º 1 do artigo 68.º-A da LGT estabelece que «a administração tributária está vinculada às orientações genéricas constantes de circulares, regulamentos ou instrumentos de idêntica natureza, independentemente da sua forma de comunicação, visando a uniformização da interpretação e da aplicação das normas tributárias».

            A isto acresce que, como decidiu o TJUE, no citado acórdão 10-07-2014, proferido no processo n.º C-183/13 (Banco Mais), a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28-11-2006, não se opõe a que um Estado-Membro obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, «quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos», no que está ínsito que não é compaginável com a regra referida a imposição de uma percentagem de dedução especial de forma generalizada, independentemente da utilização real dos bens e serviços.

             Pelo exposto, conclui-se que a imposição de utilização do «coeficiente de imputação específico» indicado no ponto 9 do Ofício Circulado n.º 30108 enferma de vício de violação de lei, por ofensa do princípio da legalidade, pelo que procede o pedido de pronúncia arbitral.”

                No processo arbitral 339/2018T prosseguiu-se entendendo que:

“Parece não haver dúvidas que o artigo 23.º, n.º 1, alínea b), consagra o método pro rata para a dedução do IVA para sujeitos passivos mistos, estabelecendo no n.º 4 o cálculo da percentagem de dedução. Por outro lado, nos termos do n.º 2, pode o sujeito passivo efetuar a dedução segundo a afetação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, o que corresponde à aplicação de um método de dedução alternativo baseado na afectação real em função da efectiva utilização dos bens. Para esta última hipótese, esse n.º 2 prevê igualmente que a Administração possa impor condições especiais ao método de afectação real e fazer cessar o procedimento quando se verifiquem distorções significativas na tributação. E nos termos da alínea b) do n.º 3, a Administração pode também obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o método de afectação real quando a aplicação do método pro rata possa conduzir a distorções significativas na tributação.

Não pode deixar de reconhecer-se que as disposições conjugadas dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º correspondem, em substância, à regra de determinação do direito de dedução a que se refere o artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Diretiva, contemplando a possibilidade de, por iniciativa do sujeito passivo ou por impulso da Administração, vir a ser adotado o método de afectação real para a dedução do imposto relativamente a bens de utilização mista. E é também ponto assente que o n.º 2 permite que a Administração, através do controlo dos critérios utilizados pelo sujeito passivo na aplicação do método de afectação real, possa impor condições especiais, que, na prática, poderão traduzir-se na aplicação de um critério que permita precisar melhor o grau de utilização dos bens de uso misto de uma empresa.

Todavia, não pode afirmar-se, à luz de uma interpretação literal e sistemática dos n.ºs 2 e 3 do artigo 23.º, que o legislador tenha consagrado expressamente a possibilidade de a Administração, por sua iniciativa, mitigar o método pro rata de modo a instituir um terceiro método ou um método específico que altere a regra de cálculo da percentagem de dedução que consta do n.º 4 desse artigo 23.º

De facto, como se deixou esclarecido, os poderes que o Código confere à Administração, através daquelas disposições, apenas consentem que possam ser utilizados critérios mais objectivos na dedução  pelo método de afectação real ou que se obrigue o sujeito passivo a utilizar esse método em substituição da dedução por percentagem. Mas não se descortina aí uma qualquer referência à possibilidade de a Administração fixar um cálculo de dedução em aplicação do método do volume de negócios distinto do previsto no n.º 4 do artigo 23.º e que permita inserir no numerador e denominador da fracção representativa do pro rata apenas uma parte dos rendimentos que estão sujeitos a IVA.

O coeficiente específico de dedução que permite calcular a percentagem de dedução apenas com base no montante anual de juros foi somente introduzido pelo Ofício Circulado n.º 30108, de 30 da janeiro de 2009, pelo qual, a Administração Fiscal, tendo concluído, relativamente às instituições de crédito que desenvolvam simultaneamente as actividades de Leasing ou de ALD, que o apuramento do IVA dedutível segundo a aplicação do pro rata geral estabelecido no n.º 4 do artigo 23.º do CIVA pode conduzir a “distorções significativas na tributação” determinou, no uso da faculdade prevista no artigo 23.º, n.º 3, que esses sujeitos passivos passassem a utilizar a afectação real.

Segundo os pontos 8 e 9 do Ofício Circulado, a afectação real poderá fazer-se das duas seguintes formas: (a) se for possível, faz-se a afectação real com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços, de modo a determinar o montante de IVA a deduzir relativamente ao conjunto das actividades; (b) se não for possível aplicação de critérios objectivos de imputação dos custos comuns, deve ser utilizado um coeficiente de imputação específico, tendo em conta os valores envolvidos, devendo ser considerado no cálculo da percentagem de dedução apenas o montante anual correspondente aos juros e outros encargos relativos à actividade de Leasing ou de ALD.

Como é sabido, no entanto, as circulares são meras orientações genéricas que se destinam a uniformizar, no âmbito dos serviços, a interpretação e aplicação das normas tributárias, mas que, apesar de possuírem força vinculativa para a Administração Tributária (artigo 68.º-A, n.º 1, da LGT), não podem sobrepor-se aos actos normativos de valor hierárquico superior nem podem servir por isso como fundamento jurídico válido para a imposição de um critério de dedução que não tenha suficiente apoio nos textos legais.

Certo é que o acórdão do TJUE proferido no Processo n.º C-183/13 concluiu que a norma do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva deve ser interpretada no sentido de que não se opõe a que um Estadomembro obrigue uma instituição que exerce atividades de locação financeira a incluir no método de dedução pro rata para os bens e serviços de utilização mista apenas a parte das rendas pagas que correspondem aos juros.

A norma comunitária não tem, no entanto, a característica própria do efeito directo, que apenas é reconhecido às disposições que confiram ou imponham obrigações de forma, clara, precisa e incondicionada. E, pelo contrário, deixa alguma margem de liberdade de conformação ao legislador nacional quanto à definição dos critérios de afectação real (Sérgio Vasques, ob. cit., pág. 356). Basta notar que a norma, depois de enunciar o critério geral de dedução por percentagem, que consta do n.º 1, apenas se limita a conferir aos Estados-membros, no n.º 2, alínea c), a possibilidade de tomar medidas no sentido de “autorizar ou obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”.

E embora a norma comunitária admita que, na aplicação do método de afectação real, seja apenas considerada uma parte dos bens de uso misto utilizados, e não a sua totalidade, o certo é que na transposição efectuada pelo legislador nacional apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”.

Ora, é claro que que não é com base no valor parcial da renda (correspondente aos juros) que é possível determinar, com objectividade, as despesas comuns que estão afectas à actividade de locação financeira que conferem o direito à dedução (neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 309/2017).

Sendo assim, haverá de concluir-se que o poder concedido à Administração Fiscal pelo artigo 23.º, n.º 3, não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução. Tanto mais que, como determina o artigo 16.º, n.º 1, alínea h), o valor tributável nas operações resultantes de um contrato de locação financeira é o valor da renda recebida ou a receber do locatário, e na fórmula legalmente prevista para calcular a percentagem de dedução deve intervir o valor de negócios total (artigo 23.º, n.º 4).  

Em resumo, o Código do IVA efectuou a transposição do artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Directiva para o direito interno mas não permite sustentar a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira. Não é determinante, por outro lado, que o Tribunal de Justiça tenha interpretado a Diretiva no sentido de que não se opõe a que, nas atividades de locação financeira, no cálculo da percentagem a deduzir deva entrar apenas a parte das rendas correspondente aos juros. O Tribunal de Justiça limitou-se a interpretar o direito comunitário e, como se deixou exposto, a norma em causa deixa uma margem livre conformação ao legislador, cabendo às instâncias jurisdicionais nacionais verificar se subsiste norma no ordenamento jurídico interno que permita acolher o critério interpretativo adoptado pelo Tribunal de Justiça.

Não sendo esse o caso e verificando-se que o critério específico de dedução foi adoptado pela Administração na sequência de uma circular interna, as liquidações impugnadas e a decisão de indeferimento da reclamação graciosa enfermam de ilegalidade por violação do disposto no artigo 23.º, n.º 2 e 3, alínea b), do Código do IVA.”

                Por fim, no acórdão arbitral n.º 498/2018T reafirmou-se o seguinte:

“Em suma, decorre da legislação aplicável que:

(i)           O método da percentagem de dedução deve ser o aplicado nas situações como a que está subjacente aos presentes autos;

(ii)          O método da afetação real será de aplicação facultativa pelos sujeitos passivos;

(iii)         A Autoridade Tributária pode obrigar à aplicação do método da afetação real em certos casos;

(iv)         Porém, a única fórmula de cálculo da percentagem de dedução ou pro rata  prevista na legislação interna portuguesa é a que consta do n.º 4 do artigo 23.º do Código do IVA, não havendo margem para a alterar.

Assim, e subsumindo tudo o que antecede ao caso em apreço, ter-se-á de concluir que, tendo as autoliquidações ora impugnadas resultado das orientações vertidas no Ofício-Circulado n.º 30.108, de 30 de Janeiro de 2009 – e de acordo com o qual, para o cálculo do pro rata apenas pode concorrer a componente de juros – enfermam, à luz do exposto, de ilegalidade por erro nos pressupostos de facto e de direito.

Diga-se, por fim, que, ao contrário do que refere a Requerida, este entendimento não é colocado em causa pela Jurisprudência do TJUE e, em particular, pelo Acórdão daquele Tribunal datado de 10/07/2014 e proferido no âmbito do processo C-183/13 (“Banco Mais”).

Desde logo porque, como ressalta da mera leitura do mesmo e vem sendo denunciado pela Doutrina, o referido Acórdão lavra em erro de facto. Na verdade, e como decorre dos §.18 e 19 do referido aresto, assentou o TJUE a sua decisão no pressuposto de que o n.º 2 do artigo 23.º do Código do IVA “reproduz, em substância, a regra da determinação do direito à dedução enunciada no artigo 17.º, n.º 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva, que é uma disposição derrogatória da regra prevista nos artigos 17.º, n.º 5, primeiro parágrafo, e 19.º, n.º 1, dessa Diretiva constitui a transposição, para o direito interno do Estado Membro em causa, do artigo 17.°, n.° 5, terceiro parágrafo, alínea c), da Sexta Diretiva” .

Por outro, o citado Acórdão do TJUE não responde diretamente à pergunta prejudicial formulada e que assentou na questão de saber se a renda correspondente à amortização financeira deve ser considerada no denominador do pro rata, ou, ao invés, se apenas deveriam ser considerados os juros, por apenas estes constituírem a remuneração ou o proveito de uma entidade que desenvolve atividades de locação financeira (sujeitas) e outras atividades associadas à concessão de crédito (isentas).

Não se ignora que o TJUE considerou que a Sexta Directiva do IVA não se opõe a que os Estados-Membros apliquem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método.

Porém, e como bem se refere na Decisão Arbitral proferida no âmbito do processo n.º 309/2017-T (Jorge Lopes de Sousa), nos termos do artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”), a competência do TJUE em sede de reenvio prejudicial, limita-se à “interpretação dos Tratados”, e à “validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União”.

Não cabe, pois, ao TJUE aplicar o direito europeu “à situação de facto subjacente ao processo principal. Esse papel incumbe ao juiz nacional e, por isso, não compete ao Tribunal pronunciar-se sobre questões de facto suscitadas no âmbito do litígio no processo principal nem sobre eventuais divergências de opinião quanto à interpretação ou à aplicação das regras de direito nacional” .

Decorre do exposto que a referida Jurisprudência não tem qualquer influência na interpretação do artigo 23.º do Código do IVA, na parte em que este contém opções do legislador nacional em matérias explicitamente deixadas pela Directiva n.º 2006/112/CE do Conselho, de 28/11/2006, à sua discricionariedade. Recorde-se a este propósito que que a alínea c) do n.º 2 do artigo 173.º da Directiva IVA não é uma disposição de efeito directo, carecendo de transposição para o Direito interno de acordo com o procedimento legislativo vigente em cada Estado Membro.

Ora, no caso em apreço, a norma de Direito interno (artigo 23.º do Código do IVA) apenas prevê dois métodos de dedução para os bens de utilização mista afectos à realização de operações decorrentes do exercício de uma actividade económica previstos, a saber:

– a aplicação de uma «percentagem correspondente ao montante anual das operações que dêem lugar a dedução» - alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º do Código do IVA por remissão para o n.º 4 da mesma norma; e

– «a afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito» (n.º 2 do artigo 23.º do Código do CIVA).

Ademais, nos termos do n.º 3 do mesmo artigo 23.º, quando a aplicação do método previsto no n.º 1 «conduza a distorções significativas na tributação», a Autoridade Tributária e Aduaneira pode obrigar o sujeito passivo a proceder de acordo com o disposto no n.º 2. Contudo, nesta norma apenas se prevê a “afectação real de todos ou parte dos bens e serviços utilizados, com base em critérios objectivos que permitam determinar o grau de utilização desses bens e serviços em operações que conferem direito a dedução e em operações que não conferem esse direito”. (...)

Assim, ter-se-á de concluir que a faculdade concedida à Autoridade Tributária pelo n.º 3 do artigo 23.º não inclui a possibilidade de impor ao sujeito passivo a aplicação de uma percentagem de dedução que, assim, só pode ser utilizada nas situações em que está prevista directamente na alínea b) do n.º 1 do artigo 23.º, e este método é o que consta do n.º 4, do mesmo artigo.

Embora, à luz da referida Jurisprudência, se possa admitir que a Directiva IVA permitia ao legislador interno “obrigar o sujeito passivo a efectuar a dedução com base na afectação da totalidade ou de parte dos bens e dos serviços”, a verdade é que este não usou tal prerrogativa, pelo que não pode a mesma ser aplicada internamente por ausência de base legal.

Sem prejuízo do que antecede, só por si suficiente para conduzir à anulação dos actos tributários impugnados, dir-se-á ainda, no que concerne ao argumento invocado pela Requerida no §. 41 da Resposta, e segundo o qual a aplicação do método referido no Ofício-Circulado n.º 30.108 é uma imposição do “princípio da neutralidade do imposto e mais do que esse o princípio o da sã concorrência no espaço da União Europeia”, dir-se-á que também não procede.

Desde logo, não fundamenta a Requerida, como lhe competia, as suas alegações. De todo o modo, e como referem José Xavier de Basto e António Martins no Parecer junto aos autos e já citados, tal afirmação não é rigorosa. Na verdade, “o apuramento da parcela de IVA dedutível pelo método que a administração tenta impor, provoca, ela sim, distorções significativas de tributação, pois tanto na modalidade de rendas de leasing constantes como de rendas variáveis, e uma vez que os juros se apuram e pagam antes da amortização de capital, a proporção de juros contida na totalidade da renda flutua ao longo do período contratual, originando flutuações da percentagem de dedução, que nada têm que ver com diferentes intensidades de uso dos inputs comuns e que portanto têm de ser julgadas arbitrárias e sem fundamento legal e económico» e que «pelo método imposto pela administração, a parcela de IVA dedutível fica claramente desajustada do desígnio do imposto de libertar o empresário de todo o IVA suportado a montante, quando é certo que a jusante a renda foi integralmente tributada”.”.

                Como se referiu anteriormente, todas as referidas decisões foram tomadas por unanimidade, tendo apreciado extensivamente o quadro legal, nacional e comunitário aplicável, e analisado aprofundadamente os argumentos apresentados pela AT, quer no Ofício-Circulado n.º 30108 quer nos próprios processos arbitrais, em termos que se subscrevem plenamente, sendo certo que, nos presentes autos, a Requerida não formulou qualquer novo argumento ou questão que infirme o quanto a jurisprudência citada concluiu e que cumpra apreciar.

Note-se, ainda que, se julga que o entendimento, sustentado pela Requerida, segundo o qual a renda corresponde à devolução do capital (amortização da dívida), e por isso não constitui uma remuneração do sujeito passivo, que estará, nessa parte, a “receber de volta” o montante de capital que disponibilizou e com o qual adquiriu o veículo automóvel, não se afigura congruente.

                Efectivamente, caso assim fosse, ou seja, estivesse em questão a restituição do capital correspondente a uma operação de crédito, tal restituição seria sujeita a Imposto do Selo, nos termos da verba 17 da TGIS, e, como tal, isenta de IVA nos termos do art.º 9.º/27)/a) do CIVA.

                Assim, em coerência com o entendimento por si sustentado, a AT, salvo melhor opinião, deveria considerar isento de IVA o pagamento da parte que considera como correspondente à restituição de capital na renda paga pelo locatário.

A acolher-se a argumentação da AT, quem estaria a beneficiar indevidamente seria a AT, que receberia de uma viatura, adquirida através de um financiamento, não o IVA correspondente ao valor base da viatura (IVA excluído), e o correspondente aos encargos financeiras e despesas com o crédito, como acontece, nesses casos, mas o IVA correspondente ao valor total do crédito, acrescido daqueles.

Assim, por exemplo, se um determinado passivo decidir adquiri uma viatura automóvel com o valor de €10.000,00 + IVA, num total de (à taxa actual) €12.300,00, e optar por recorrer a um crédito (mútuo bancário), a AT arrecadaria o IVA, correspondente ao preço base da viatura (ou seja, calculado sobre €10.000,00), mais o IVA correspondente aos encargos financeiras e despesas com o crédito.

Já se o sujeito passivo optasse por adquirir a mesma viatura por via de leasing/ALD, e em que, portanto, aquilo que a AT reputa de capital mutuado, fosse o preço final da viatura (no exemplo, €12.300,00), a AT estaria a arrecadar IVA sobre este valor, mais o IVA correspondente aos encargos financeiras e despesas com o crédito.

Deste modo demonstra-se, julga-se, que o critério/método preconizado pela AT, ao pretender reconduzir as operações de leasing/ALD a simples operações de crédito, ignorando as especificidades próprias desses instrumentos contratuais, que justificam, precisamente, o seu reconhecimento no ordenamento jurídico, resulta, efectivamente, em distorções significativas na tributação, em prejuízo do consumidor final.

Acresce que, se a AT -  como é o caso – entende que as operações realizadas a jusante, no caso, pela Requerente, são integralmente sujeitas a IVA (ou seja, que a renda paga pelos clientes da Requerente), não poderá, fundadamente, considerar que o IVA suportado a montante, com os recursos consumidos para a realização de tais operações, não seja dedutível.

Efectivamente, como se refere no ponto (30) da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE do Conselho, de  28 de Novembro de 2006), um dos princípios fundamentais desse imposto é que  “A fim de preservar a neutralidade do IVA, as taxas aplicadas pelos Estados-Membros deverão permitir a dedução normal do imposto aplicado no estádio anterior.”.

Daí que o art.º 2.º da mesma Directiva, prescreva que “Em cada operação, o IVA, calculado sobre o preço do bem ou serviço à taxa aplicável ao referido bem ou serviço, é exigível, com prévia dedução do montante do imposto que tenha incidido directamente sobre o custo dos diversos elementos constitutivos do preço.”.

De resto, bem vistas as coisas, o direito à dedução, pelo método do pro rata, reflecte, como não poderia deixar de ser este princípio.

Assim, o art.º 168.º da Directiva IVA, prescreve que quando “os bens e os serviços sejam utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito, no Estado-Membro em que efectua essas operações, a deduzir do montante do imposto de que é devedor”  .

Deverá ser neste contexto que o regime do pro rata deverá ser entendido, ou seja, se bens ou serviços forem utilizados para os fins das suas operações tributadas, o sujeito passivo tem direito a deduzir do montante do imposto de que é devedor.

Daí também que o CIVA disponha, no seu art.º 19.º, em conformidade e para além do mais, que “Para apuramento do imposto devido, os sujeitos passivos deduzem (...) ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram: a) O imposto devido ou pago pela aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos” .

Assim, quando o art.º 173.º da Directiva diz que “No que diz respeito aos bens e aos serviços utilizados por um sujeito passivo para efectuar tanto operações com direito à dedução, referidas nos artigos 168.º, 169.º e 170.º” , e o art.º 23.º do CIVA refere, correspondentemente, que “Quando o sujeito passivo, no exercício da sua actividade, efectuar operações que conferem direito a dedução” , tal se deva entender como reportando a operações referidas, respectivamente, no art.º 168.º e 19.º.

Ora as operações realizadas a jusante pela Requerente em questão no caso, designadamente as operações subjacentes à cobrança das rendas (na parte reputada como equivalente à restituição de um capital mutuado), não são entendidas, pela AT como operações que sejam abrangidas pelas excepções ao direito à dedução, nem que não sejam tributadas. Daí que não deva ser legítimo à AT excluir – seja pelo método da imputação directa, se possível, ou pelo método do pro rata, subsidiariamente – precludir o direito à dedução do sujeito passivo que realiza tais operações.

Por outro lado, e no que respeita ao método aplicado pela AT, e concretizado no Ofício-Circulado n.º 30108, o certo é que o mesmo não se reconduz nem à aplicação, nos termos que resultam do CIVA, do método de imputação directa, nem do método, nos mesmo termos, do pro rata.

Assim, quer se se considere o mesmo como um terceiro método, como ocorre nas decisões arbitrais citadas, quer se considere o mesmo como um pro rata embora com um elemento de afectação real, sempre se deverá concluir pela sua inadmissibilidade, face ao direito positivo português, já que o n.º 2 do art.º 23.º do CIVA refere-se, exclusivamente, ao método da afectação real.

Daí que, sem prejuízo de melhor opinião, nos termos daquela norma, e é aí que nos situamos porque nenhuma das partes questiona que se está perante recursos enquadráveis na al. b) do n.º 1 do art.º 23.º do CIVA, a AT apenas poderá impôr o método da afectação real, e não o método do pro rata, nem, muito menos, este com um elemento de afectação real.

Acresce ainda, no caso concreto, que, como a Requerente aponta, esta, a partir de 2003, por meio das fusões por incorporação em que interveio, Requerente passou a ter como parte da sua actividade «a prestação de serviços relacionados contratos de manutenção, reparação, assistência de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores e actividades afins, compra e venda de veículos automóveis, motociclos, ciclomotores, novos e usados, bem como as respectivas peças e acessórios e actividades afins».

Nestas circunstâncias, e à mingua de mais dados, não é possível concluir que a utilização de recursos comuns seja essencialmente determinada pelas actividades exclusivamente financeiras.

                Assim, considerando-se, nos termos fundamentados pela jurisprudência arbitral indicada, que:

                - o artigo 23.º do Código do IVA não licencia a aplicação de um coeficiente de imputação específico que tenha por base a dedução do montante anual correspondente aos juros associados à actividade de locação financeira, excluindo dessa mesma base a dedução das amortizações de capital;

                - a tal conclusão não obsta a circunstância de o Direito Comunitário, tal como interpretado pelo TJUE, conferir aos Estados-Membros a faculdade de aplicarem, numa determinada operação, um método ou um critério diferente do método baseado no volume de negócios, desde que esse método garanta uma determinação do pro rata de dedução mais precisa do que a resultante daqueloutro método, dado que, face ao direito português, essa faculdade deve imperativamente ser exercida por via legislativa, não decorrendo deste entendimento, antes pelo contrário, a violação de qualquer norma da CRP, incluindo o artigo 8.º/4 desta, ou o princípio da igualdade;

                - ainda que assim não se entendesse, sempre se concluiria que o método que a AT pretende aplicar não preenche os pressupostos necessários à sua admissibilidade, por dele decorrerem distorções significativas na tributação.

                É certo que, no Acórdão de 09-10-2019, proferido no processo 0401/14.7BEPRT, em caso análogo, o STA decidiu que:

“I - Por Acórdão de 10.07.2014, proferido no processo C-183/13 considerou o TJUE que os Estados-Membros em circunstâncias como as do referido processo, podem obrigar um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar.

II - Em face da interpretação fornecida pelo Tribunal de Justiça sobre a questão, cuja doutrina é inteiramente aplicável ao caso em apreço, por serem idênticos os pressupostos de facto e de direito, deve ser considerada a necessidade de apurar se nas operações de locação financeira para o sector automóvel, como as que estão em causa nos presentes autos, que podem implicar a utilização de certos bens ou serviços de utilização mista, como edifícios, consumo de electricidade ou outros serviços transversais, essa utilização é sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão dos contratos de locação financeira celebrados com os seus clientes, e não pela disponibilização dos veículos.”.

                E é certo que, nos termos do art.º 25.º/2 do RJAT, sob reserva de ratificação de tal entendimento por aquele Alto Tribunal, a presente decisão poderá ser susceptível de recurso para o mesmo.

                Todavia, na medida em que se têm por bons todos os argumentos da jurisprudência arbitral em que assenta a presente decisão, e que, tanto quanto transparece da fundamentação do aresto referido, não se vislumbra que tais argumentos hajam sido ponderados na referida decisão do STA, se tem como conforme à melhor aplicação do Direito que aquele Alto Tribunal, pondere e delibere sobre tais argumentos, crê-se, ainda assim e por isso, ser dever deste Tribunal arbitral decidir no sentido exposto, deixando àquele mesmo Tribunal, caso a parte interessada assim o entenda, o encargo de definir, em termos definitivos, a questão decidenda.

                Face ao exposto, deve esta parte do pedido arbitral proceder, ficando prejudicado o conhecimento da questão da retroactividade, colocada, nesta sede, pela Requerente.

 

***

c) Da exclusão dos créditos titularizados

Relativamente a esta questão, concluiu a AT no RIT que, tendo em conta a cessão de créditos nas operações de titularização, a inclusão do correspondente capital no pro rata, não espelha o capital de que a Requerente seria efectivamente credora.

Já a Requerente alega, em suma, que nos contratos de locação financeira, cujos créditos que lhe estão subjacentes foram cedidos ao abrigo do regime da titularização, a Requerente (porque não cedeu a posição contratual de locador) continua a ser, mesmo após a cedência do crédito, a entidade locadora, ou seja, continua a ter a responsabilidade e a obrigação de conceder o uso do veículo locado e continua a ter o direito de exigir do locatário a renda acordada, pelo que, mesmo após a cedência do crédito, continua a efectuar as prestações de serviços que configuram as operações de locação financeira e, consequentemente, continua a emitir as facturas, e a liquidar e entregar o IVA nos cofres do Estado.

Nesta matéria, será de notar, desde logo, que o entendimento seguido pela AT não tem qualquer enquadramento quer no art.º 23.º/4 quer no art.º 41.º do CIVA aplicável.

De resto, na Informação Vinculativa emergente do processo no 12692, por despacho de 2018-03-07, da Diretora de Serviços do IVA , refere a própria AT que:

“16 - O direito à dedução é um direito de natureza pessoal cujos limites se reconduzem às necessidades da atividade do seu titular, sendo-lhe recusado, nos casos em que funciona como consumidor final ou, em certos casos tipificados na lei.

17 - Assim, consubstanciando-se o direito à dedução num direito de natureza pessoal e que pressupõe a verificação de determinados condicionalismos, como sejam o sujeito passivo ter na sua posse documentos passados em forma legal que titulem o imposto pago, isto tem como consequência que a regularização do imposto liquidado, tratando-se de um direito pessoal, é pois, inseparável da pessoa do cedente, não se desprende da sua titularidade, sendo igualmente intransmissível.”

Ora, no caso a AT não alega nem demonstra que as importâncias que removeu do cálculo do pro rata, ora em questão, respeitem a operações não decorrentes do exercício de uma actividade económica, ou a operações que, embora decorrentes do exercício de uma actividade económica, não conferem o direito à dedução nos termos do n.º 1 do artigo 20.º do CIVA.

Por outro lado, o art.º 5.º, n.º 1, do regime jurídico da titularização de créditos aprovado pelo Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, dispõe que:

“Quando a entidade cedente seja instituição de crédito, sociedade financeira, empresa de seguros, fundo de pensões ou sociedade gestora de fundos de pensões, deve ser sempre celebrado, simultaneamente com a cessão, contrato pelo qual a entidade cedente, ou no caso dos fundos de pensões a respectiva sociedade gestora, fique obrigada a praticar, em nome e em representação da entidade cessionária, todos os actos que se revelem adequados à boa gestão dos créditos e, se for o caso, das respectivas garantias, a assegurar os serviços de cobrança, os serviços administrativos relativos aos créditos, todas as relações com os respectivos devedores e os actos conservatórios, modificativos e extintivos relativos às garantias, caso existam.” .

                Por seu lado, o n.º 7 do art.º 6.º do mesmo diploma acrescenta que:

“A cessão de créditos para titularização respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objeto de cessão (...)”.

                E o art.º 5.º, n.º 2, do regime fiscal das operações de titularização de créditos efectuados nos termos do Decreto-Lei n.º 453/99, de 5 de Novembro, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 219/2001 de 4 de Agosto, dispõe que:

“Não obstante a modificação subjectiva do credor, o cessionário de créditos para efeitos de titularização pode regularizar o IVA respeitante aos créditos, cujo risco assumiu, que sejam considerados incobráveis em processo de execução, processo ou medida especial de recuperação de empresas ou a créditos de falidos, quando for decretada a falência.”

Assim, não dispondo as normas transcritas directamente sobre o assunto ora em discussão, verifica-se que das mesmas emerge que nos casos de titularização de créditos, é o cedente quem, por norma, pratica em nome próprio as operações de cobrança.

Mais resulta que a cessão de créditos para titularização, respeita sempre as situações jurídicas de que emergem os créditos objecto de cessão.

Resulta ainda que o cessionário pode regularizar IVA respeitante aos créditos considerados incobráveis, apenas nos casos em que assumiu o respectivo risco.

Deste quadro normativo resulta que, como a Requerente aponta, a Requerida não contesta, e está dado como provado, a Requerente mantém todas as obrigações para com os locatários, nos contratos objecto de titularização.

Quer isso dizer, que a Requerente se mantém obrigada às entregas de bens e prestações dos serviços contratados com os locadores, realizando, por isso, operações sujeitas a imposto, nos termos dos art.ºs 1.º/1/a), 3.º e 4.º do CIVA aplicável, sendo, por isso, sujeito passivo do imposto devido por aquelas operações.

Decorrência do que vem de se dizer, é a Requerente mantém as obrigações com a Administração Fiscal, nos mesmos termos que lhe assistiam, anteriormente à titularização dos créditos, assim se respeitando as situações jurídicas de que emergem os créditos objecto de cessão, conforme o regime jurídico citado impõe.

Como corolário de tudo isto, o supra-citado art.º 5.º, n.º 2, Decreto-Lei n.º 219/2001 de 4 de Agosto, indica que o cessionário pode regularizar o IVA relativo a créditos incobráveis, desde que tenha assumido o risco do crédito titularizado.

Esta situação justificar-se-á, porquanto quando o crédito titularizado se torna incobrável, e o cessionário haja assumido o risco pelo mesmo, terá de ressarcir o cedente no montante do crédito não cobrável, IVA incluído. Daí a previsão da lei, garantindo ao cessionário a possibilidade de regularizar o IVA relativo ao crédito incobrável que garantiu.

Da referida disposição deverá retirar-se, assim, que fora a concreta situação prevista e expressamente referida na lei, os direitos (e deveres, naturalmente) relativos ao IVA, enquanto sujeito passivo, cabem ao cedente, e não ao cessionário, já que, caso a regra fosse a oposta, não haveria necessidade daquele art.º 5.º, n.º 2.

Assim, sendo, deverá concluir-se que o direito à dedução relativo às operações em causa, assiste ao cedente de crédito, o que, de resto, é conforme à realidade económica, já que quem consome os recursos necessários à realização das operações (de locação) sujeitas, e portante suporta o IVA a montante necessário à execução daquelas, é o cedente, e não o cessionário.

Por outro lado, também de um ponto de vista jurídico, a solução adiantada é a única verdadeiramente conforme ao regime da cessão de créditos, que foi o fundamento da correcção em causa ora em apreciação.

Efectivamente, como se escreveu, por exemplo, no Ac. do Tribunal da Relação de Lisboa de 15-09-2016, proferido no processo Nº4193/14.1T8LRS.L1-2:

“Celebrado que seja um contrato de cessão de créditos que tenha por objecto créditos futuros, a perfeição do contrato não se atinge no momento da sua outorga, mas apenas aquando do nascimento do crédito cedido, sendo que este não nasce directamente na titularidade do cessionário, passando antes, obrigatoriamente, por aplicação da teoria da transmissão, pela esfera jurídica do cedente, e só depois se transfere para a titularidade do primeiro.”.

                Ou seja, e como se explica no aresto transcrito, o crédito cedido não nasce, ao contrário do que parece assumir a AT, na esfera jurídica do cessionário. Tal crédito forma-se na esfera jurídica do cedente e, depois, é transferido para o cessionário.

                Daí que, no momento em que se consuma a operação sujeita a imposto, mediante a sua facturação, nasça na esfera jurídica do cedente o direito de crédito, e todos os restantes direitos que daí advenham, nomeadamente o direito à dedução do IVA suportado a montante, necessário para a realização da operação sujeita e geradora do crédito.

                Não se poderá, assim, validar a fundamentação utilizada pela AT, subjacente às correcções que ora se sindicam, na medida em que, para além de tudo o mais, se reconduz, essencialmente, ao entendimento de que a inclusão dos créditos titularizados no cálculo do pro rata não espelha o capital de que a Requerente seria efectivamente credora, já que tal entendimento ignora que antes de se transferir para a esfera do cessionário, o crédito forma-se, efectivamente, na esfera do cedente.

Daí que não restem dúvidas, que é o cedente quem pratica as operações sujeitas a imposto e dele não isentas, pressupostas pelo art.º 20.º/1/a) do CIVA aplicável como condição da titularidade do direito à dedução.

Deste modo, e pelo exposto, deve considerar-se que, também a correcção ora em apreço enferma de erro nos pressupostos de facto e de direito, devendo por isso ser anulada, e, consequentemente, proceder nesta parte o pedido arbitral.

 

***

d)           Das “perdas totais”

Relativamente a esta matéria entende a AT, em suma, que nas perdas totais de veículos ocorridas quer no âmbito de contratos de locação financeira quer no âmbito de contratos de aluguer, a Requerente deve devolver ao locatário a indemnização que lhe é devida e lhe foi paga pela seguradora e que o cliente (o locatário) deve pagar-lhe um valor idêntico ao somatório das rendas vincendas e o valor residual, em lugar de o cliente pagar à Requerente apenas o valor resultante da diferença entre o somatório das rendas vincendas com o valor residual deduzido do valor da indemnização.

Já a Requerente entende que a AT não poderia alterar o entendimento que veiculou em informação vinculativa que lhe prestou, para além de que a Requerente é a única beneficiária dos seguros, conforme previsto na alínea e) da cláusula 7.º das condições gerais do contrato de locação financeira e conforme previsto na alínea j) do n.º 1 do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 149/1995, de 24 de Junho, pelo que, em caso de sinistro, a Requerente é a  única entidade que detém o direito de crédito sobre a seguradora, e que o valor que é devido e pago à Requerente, quer seja pela seguradora quer seja pelo cliente, que vise exclusivamente a reparação do dano emergente da destruição do veículo, do qual a Requerente é proprietária, não está sujeito a IVA, por não ter subjacente nenhuma contraprestação.

Também aqui haverá que julgar assistir razão à Requerente.

Efectivamente, como se escreveu no Ac. do STA de 27-01-2016, proferido no processo 0331/2014, num caso em tudo idêntico:

“Antes de mais há que precisar o que está verdadeiramente em causa neste segmento do recurso é a questão da incidência do IVA sobre a indemnização paga pela seguradoras à locadora e destinada à compensação do dano causado pela perda do bem.

Para uma correcta abordagem da questão decidenda importa apurar a natureza de tal indemnização: ou seja saber se é ressarcitória ou se é se remuneratória de transmissão de bens ou de prestação de serviços.

No que concerne à incidência do IVA sobre indemnizações a regra geral, nos termos do artº 16º, nº 6 do CIVA, é a de que são excluídas do valor tributável das operações aquelas que forem declaradas judicialmente por incumprimento total ou parcial de obrigações, dado não terem uma relação directa com a prestação.

A doutrina vem, contudo, afirmando que esta norma deverá ser interpretada de forma cautelosa, especialmente no domínio da responsabilidade contratual, na medida em que não se pode considerar que apenas as indemnizações em que houve um reconhecimento judicial expresso não são sujeitas a IVA.

Como referem Afonso Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva (“O IVA e as indemnizações”, Fisco, nº 107/108, p. 88.).), o conceito de indemnização encontra aí uma referência expressa, mas tal indicação não deverá constituir um qualquer sinal de exclusividade, o que teria por consequência a sujeição a IVA das restantes indemnizações. Tal constituiria uma interpretação incorrecta, de um ponto de vista sistemático (atenta a contrariedade aos preceitos iniciais do Código), e frontalmente ofensiva das regras e princípios consagrados na Sexta Directiva (Neste sentido também Clotilde Celorico Palma, Introdução ao IVA, Cadernos IDEFF, nº 1, 5ª edição, Almedina, pag. 196 e Ana Rita Costa Machado, IVA nas Indemnizações, edição da Faculdade de Direito da Universidade do Porto, Publicações on line, 2011, p. XV. ).

Assim é também pacífico o entendimento de que, atentas as especificidades do sistema de IVA vigente na União Europeia, o desiderato tributário reside apenas em abranger as operações que são remuneradas através de uma contrapartida e não as meras compensações ressarcitórias.( A. Arnaldo e Pedro Vasconcellos Silva, ob. citada, pág. 88.).

Podendo considerar-se consolidado o entendimento de que as indemnizações, no caso de sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório, porque não remuneram qualquer operação, antes se destinam a reparar um dano, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços( Clotilde Celorico Palma, ob. citada, pag. 197, Patrícia Noiret da Cunha, CIVA, anotado, ISG, pag. 269, ).

Sendo este o entendimento da doutrina, que subscrevemos, no mesmo sentido se tem pronunciado a jurisprudência desta Secção de Contencioso Tributário, nomeadamente nos Acórdãos de 18.06.2008, recurso 1144/06, e de 31.10.2012, recurso 1158/11, em que igualmente se sumariou que, se as indemnizações sancionarem a lesão de qualquer interesse sem carácter remuneratório, não são tributáveis em IVA, na medida em que não têm subjacente uma transmissão de bens ou uma prestação de serviços.

Vejamos agora o caso que nos ocupa que é o das indemnizações pagas, no âmbito do contrato de locação financeira pela companhia seguradora à locadora beneficiária.

De harmonia com o disposto no artº 1º do DL 149/95 de 24 de Junho (Regime Jurídico da Locação Financeira( Alterado pelos Decreto-Lei n.° 265/97, 2 de Outubro, Decreto-Lei n.° 285/2001, de 3 de Novembro e Decreto-Lei n.° 30/2008, de 25 de Fevereiro.)) a locação financeira é o contrato pelo qual uma das partes se obriga, mediante retribuição, a ceder à outra o gozo temporário de uma coisa, móvel ou imóvel, adquirida ou construída por indicação desta, e que o locatário poderá comprar, decorrido o período acordado, por um preço nele determinado ou determinável mediante simples aplicação dos critérios nele fixados.

De acordo com o artº 10º, nº1, al. j) do DL 149/95 é obrigação do locatário efectuar o seguro do bem locado, contra o risco da sua perda ou deterioração e dos danos por ela provocados.

O contrato de seguro é celebrado com o locatário (tomador do seguro), o qual paga os prémios respectivos, sendo beneficiária a locadora.

Em caso de perda total do veículo, configurando condição resolutiva do contrato, a companhia seguradora paga à locadora beneficiária as quantias correspondentes às indemnizações, de acordo com o capital constante das apólices.

Ora, como se sublinhou no já citado Acórdão 1158/11, de 31.10.2012, «(….) em ambas as situações a responsabilidade pelo seguro pertence ao cliente, mas contratualmente a indemnização é paga directamente pelas seguradoras à locadora que, posteriormente, procede ao encontro de contas com o locatário, restituindo ou exigindo a diferença, caso o valor da indemnização recebida seja respectivamente superior ou inferior ao capital afecto.

Do quadro jurídico exposto, verifica-se que a locadora obriga-se a prestar um serviço traduzido na disponibilidade do veículo ao locatário recebendo como contrapartida uma prestação. Em caso de acidente com perda do veículo, este evento implica a resolução automática do contrato de locação e, por conseguinte, a interrupção da relação sinalagmática existente entre locadora e locatário.

Neste caso, há que distinguir entre a prestação que o locatário paga à locadora e que respeita ao montante de eventuais rendas vencidas e não pagas e respectivos juros de mora e aquela que vai ser paga pela seguradora.

Na primeira situação, a prestação em causa ainda tem a sua fonte no contrato (rendas já vencidas e respectivos juros) e, por conseguinte, na relação sinalagmática que existia entre locador e locatário, que está normalmente sujeita a IVA, porquanto a locação financeira configura a cedência, mediante retribuição, do gozo temporário de uma coisa móvel ou imóvel, pelo que constitui uma prestação de serviços sujeita a imposto, nos termos do nº 1 do art. 4º do CIVA.

Na verdade, aplicando ao caso o que ficou dito sobre o critério identificador do conceito de indemnização remuneratória, vemos que nas relações entre locador e locatário havia uma relação sinalagmática e onerosa enquanto a locadora propiciava ao locador, no âmbito do contrato de locação, o uso do veículo. (….).

Pelo contrário, o valor pago pela seguradora visa apenas indemnizar a recorrida do capital afecto às operações, compensando-se da saída do seu activo dos bens que se perderam.

Dito por outras palavras, o que está coberto pelo seguro não são os contratos de leasing ou de aluguer de longa duração, mas os veículos, que constituem o objecto da actividade da recorrida, tendo a indemnização em causa o propósito de reparar o prejuízo sofrido pela locadora na sequência da perda dos veículos, substituindo os bens perdidos em espécie pelo valor equivalente em termos monetários( Sublinhado nosso.)». (fim de citação)

Do que vem exposto é forçoso concluir que a perda do veículo não pode deixar de ser considerada um prejuízo sofrido pela locadora e que terá impacto na sua actividade como um todo, visando a indemnização reparar esse dano.

E, nessa medida, a indemnização a pagar pela seguradora ao locador tem apenas carácter ressarcitório e não é sujeita a IVA, uma vez que visa reparar um dano causado pelo tomador de seguro, que não tem associado qualquer transmissão de bens ou prestação de serviços.”.

Subscrevendo-se integralmente a fundamentação transcrita, haverá que, também nesta parte, concluir pela procedência do pedido arbitral.

 

***

Quanto ao pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente, o artigo 43.º, n.º 1, da LGT estabelece que são devidos juros indemnizatórios quando se determine, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, o erro que afecta as liquidações adicionais parcialmente anuladas é de considerar imputável à Autoridade Tributária e Aduaneira, que as praticou sem o necessário suporte factual e legal.

Tem, pois, direito a Requerente a ser reembolsada da quantia que pagou indevidamente (nos termos do disposto nos artigos 100.º da LGT e 24.º, n.º 1, do RJAT) por força do acto parcialmente anulado e, ainda, a ser indemnizada do pagamento indevido através de juros indemnizatórios, desde a data daquele pagamento (16-12-2016), até ao seu reembolso, à taxa legal supletiva, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, artigo 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril.

 

*

C. DECISÃO

 

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar parcialmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular parcialmente as liquidações adicionais de IVA n.º..., ..., n.º..., n.º..., n.º ... e n.º..., referentes ao exercício de 2006, e respectivas liquidações de juros compensatórios, na parte referente às correcções descritas e apreciadas nos pontos b), c) e d) da parte B. (“DO DIREITO”) desta decisão;

b)           Condenar a AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos acima fixados;

c)            Condenar as partes nas custas do processo na proporção do respectivo decaimento, fixando-se o montante de € 515,00, a cargo da Requerente, e de € 12.337,00, a cargo da Requerida.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 904.511,51, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 12.852.00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pelas partes na proporção do respectivo decaimento, nos termos acima fixados, uma vez que o pedido foi parcialmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Emanuel Augusto Vidal Lima)

 

O Árbitro Vogal                                                         

(Marcolino Pisão Pedreiro)

 

 

 

 

 

DECLARAÇÃO DE VOTO

DO ÁRBITRO MARCOLINO PISÃO PEDREIRO

 

Voto a decisão, com exceção da parte relativa à não exclusão do volume de negócios referente aos juros respeitantes à remuneração de empréstimos obrigacionistas, emitidos por entidades residentes na União Europeia, do denominador do “pro rata” (questão a)), decisão relativamente à qual voto vencido, pese embora a excelência da fundamentação da posição que fez vencimento.

 

Com especial incidência sobre esta questão, provaram-se os seguintes factos:

“-A Requerente manteve os empréstimos obrigacionistas emitidos por entidades não residentes, denominados “Long Term Rental”, na sua propriedade, desde 2003, encontrando-se estes registados no activo, na categoria de títulos de investimento” (nº 15 do probatório).

“-Os referidos títulos permaneceram em balanço no período de 2003 a 2005, tendo sido efectuada neste ano uma venda de dois desses títulos e a aquisição de quatro novos títulos de investimento no ano de 2005” (nº 16 do probatório).

 

Daqui emerge que, de 2003 até 2006, os empréstimos obrigacionistas não foram comercializados, com exceção da venda de dois destes títulos e a aquisição de quatro novos títulos em 2005.

O retrato global que daqui emerge, não é a de uma promoção ativa de compra e venda de títulos com objetivo lucrativo, como o demonstra o exíguo número de operações.

Nos anos considerados apenas num deles houve operações e, ainda assim, apenas venda de dois dos títulos e a compra de quatro novos títulos.

Esta realidade, de acordo com as regras da experiência, é congruente com a mera aplicação de disponibilidades financeiras em busca de rendimentos passivos e não com a  procura de ganhos  financeiros com comercialização de forma ativa, sistemática e profissional, o que implicaria a afetação de recursos logísticos e humanos necessários a tal atividade. Como é bom de ver, se existisse tal afetação, não se compreenderia o reduzido número de operações efetuadas durante três anos.

Admite-se que a Requerente pudesse ter feito, por cautela, um esforço probatório superior no sentido de proceder a uma prova mais sólida da inexistência de afetação de recursos empresariais relevantes à gestão de tais títulos. Ainda assim, tal inexistência infere-se, com segurança, da inexistência  de operações que indiciassem tal afetação.

Entendo, por isso, que da matéria de facto provada, por via do exíguo numero de operações num ano e  da inexistência de operações nos demais  resulta a prova, por presunção natural, da inexistência de atividade empresarial  da Requerente na negociação dos títulos em causa e da inerente  ausência de afetação de recursos sujeitos a imposto. A Requerente não provou o facto diretamente presumido (inexistência de estrutura empresarial afeta a esta atividade), mas foram demonstrados, na minha opinião,  factos idóneos a extrair tal conclusão (ausência de operações coerentes com tal afetação).

 

Como referem Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora:

A prova por presunção, exceptuado  o caso das presunções iuris e de iure, admite contraprova e, por maioria de razão, prova do contrário. Esta prova do contrário, bem como a contraprova, dirige-se contra o facto presumido, visando convencer o juiz de que, não obstante a realidade do facto que serve de base à presunção, o facto presumido não se verificou ou o direito presumido não existe” (Manual de Processo Civil, 2ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pag. 504).

Ora, a Requerida, além de não questionar que as operações relacionadas com os títulos foram, em vários anos, apenas as indicadas, não efetuou qualquer atividade probatória no sentido de demonstrar afetação de recursos empresariais a operações relacionadas com os títulos em causa, nem existe nos autos qualquer elemento probatório que aponte em tal sentido. Em face do exposto, entendo que dos autos emerge o cumprimento do ónus da prova (objetivo) por parte da Requerente, com a consequente procedência da sua pretensão anulatória.

 

Ao invés, o esforço probatório da Requerida no sentido de demonstrar a natureza económica e não acessória da atividade em causa da Requerente foi inexistente. Precisamente, no meu entendimento, no sentido oposto ao que impunha o seu comportamento   pretérito tendo em que ficou provado que:

“No âmbito de uma inspecção tributária ao exercício de 2003, a AT entendeu, para além do mais, que:

- “os proveitos provenientes de aplicações em títulos de investimento têm efectivamente um carácter acessório em relação à actividade principal da empresa (Ieasing), na medida em que apenas implica uma utilização muito limitada de bens e serviços pelos quais o IVA é devido ...”; e que

- “o facto de serem gerados por essas operações rendimentos elevados, em comparação com os rendimentos produzidos pela actividade principal, não pode, por si só, excluir a qualificação destas operações de "acessórias': pelo que não podem influenciar a fracção utilizada para o cálculo do pro rata, caso contrário teria como consequência falsear o cálculo desta, e consequentemente pôr em causa a neutralidade do IVA” ( nº 17 do probatório).

 

Na verdade,   embora    não    seja     vedada    à     Requerida      uma    alteração  de  posição,

impunha-se-lhe, a meu ver, o dever de explicar as razões da mudança, com invocação de razões de facto e/ou de direito para o efeito. Não tendo a Requerida provado, (nem sequer alegado) matéria factual nova relativamente  uma eventual afetação de recursos empresariais  a uma hipotética atividade económica de negociação de títulos, tal  inculca a ideia de que a Requerida, não diverge da Requerente, no que respeita aos factos relevantes, conclusão que é reforçada  pela seguinte afirmação constante do relatório de inspeção tributária:

 

Quanto ao direito aplicável e à sua interpretação inexistem divergências com o entendimento sufragado na posição que fez vencimento, acompanhando-se, designadamente, o entendimento de a questão poder ser “abordada sob dois prismas, a saber:

a)            O caracter acessório, ou não, da actividade de detenção de títulos de dívida pela Requerente;

b)           O caracter económico, ou não, do exercício daquela actividade.

No primeiro caso, o montante das operações poderá ser excluído do denominador do pro rata, como pretende a Requerente, por via do disposto nos art.ºs 41.º/a) e 23.º/5 do CIVA aplicável e, no segundo, por via do disposto no art.º 4.º, n.º 2, da Directiva.

Não obstante, substancialmente, a resposta às referidas questões acaba por se reconduzir a realidades semelhantes.”

 

Em suma, entendendo que a Requerente cumpriu o seu ónus probatório, considero demonstrado o carácter não económico da atividade em causa, à luz da jurisprudência do TJUE sobre esta matéria. Caso assim não entendesse, consideraria a atividade em causa como acessória, com idêntica consequência.

Em conclusão, no meu entendimento, a pretensão da Requerente, relativamente a esta questão, também deveria proceder.

Lisboa, 27 de Fevereiro de 2020.

 

O Árbitro

           
Marcolino Pisão Pedreiro