Decisão Arbitral
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A..., Lda. contribuinte n.º..., com sede na Rua ... n.º..., ... ...-..., ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação em IRC referente ao ano de 2016, que implicou uma diminuição no prejuízo fiscal apurado no valor de € 2.216.205,33.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica à produção e comercialização de mobiliário para espaços públicos e equipamentos hoteleiros.
No decurso de 2016, procedeu à liquidação da sua participada B..., Lda. (B...), cuja participação fora adquirida em 14 de maio de 2001 pelo montante de € 2.992.787,38, sendo que anteriormente, por existirem valores a liquidar no seu passivo, tinha efetuado prestações suplementares no montante de € 324.284,77.
Nessa operação, a Requerente apurou uma menos-valia fiscal que determinou um prejuízo fiscal em 2016 de € 2.863.488,62.
No âmbito de um procedimento de inspecção tributária, foram efetuadas correcções à matéria tributável em sede de IRC no valor de € 2.216.205,33, com a consequente redução do prejuízo fiscal desse ano para € 647.283,29, que resultou, em parte, de se ter considerado indevidamente deduzido, a título de menos-valia, o resultado da liquidação da participada B... .
A Requerente tinha adquirido, em 2001, através de uma sua participada, pelo indicado valor de € 2.992.787,38, a totalidade do capital social da sociedade C..., Lda, que depois adoptou a denominação social de C..., S.A, tendo sido distribuídos lucros pela B..., nesse ano, no montante de € 1.446.513,90, e realizadas prestações suplementares, em 7 de dezembro de 2016, no valor de € 324.284,77. Em 15 de dezembro desse ano, em assembleia geral extraordinária, foi deliberada a dissolução e liquidação da B..., tendo-se registado uma menos-valia contabilística no valor de € 3.705.945,96 com base no resultado da partilha, acrescido da correcção monetária nos termos do artigo 47.º do Código do IRC, e das prestações suplementares no montante de € 324.284,77, apurando-se uma menos-valia fiscal de € 3.705.945,96.
Os serviços inspectivos reduziram a menos-valia dedutível a € 1.499.213,65 por terem atendido aos lucros distribuídos, no montante de € 1.446.513,90, e desconsiderado a correcção monetária e o valor das prestações suplementares.
Entende a Requerente que, em caso de liquidação de sociedades, nos termos do n.º 1 do artigo 81.º do Código de IRC, é englobado para efeitos de tributação dos sócios o valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do valor de aquisição das correspondentes partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio. Se a diferença for positiva, é considerada mais-valia, sendo-lhe aplicável o regime de participation exemption a que alude o artigo 51.º-C do Código do IRC, e sendo essa diferença negativa, é considerada como menos-valia dedutível pelo montante que exceder a soma dos prejuízos fiscais deduzidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e dos lucros e reservas distribuídos pela sociedade liquidada que tenham beneficiado do disposto no artigo 51.º (artigo 81.º, n.º 2, alínea b)).
No caso em apreço, o valor recebido pela liquidação da B... foi de zero euros e o valor de aquisição da quota da B... foi de € 2.992.787,38, pelo que subtraindo a esse montante a distribuição de dividendos, no valor de € 1.446.513,90, a menos-valia a considerar é de € 1.546.273,48, sem ter em consideração a aplicação ao valor de aquisição do coeficiente de desvalorização da moeda.
A Administração defende que no cálculo das mais-valias e menos-valias resultantes da operação de partilha não há lugar à correcção monetária do custo de aquisição das partes sociais. Resulta, no entanto, das alíneas d) a f) do n.º 5 do artigo 46.º do Código do IRC, que se consideram transmissões onerosas as situações de extinção de partes sociais, sendo-lhes aplicável a correcção monetária, sendo que, em aplicação do disposto na Portaria n.º 316/2016, de 14 de dezembro, e considerando como data de aquisição o ano de 2001, o coeficiente a aplicar será de 1,29, o que significa que a menos-valia por efeito da correcção monetária ascende a € 1.994.692,79 [€ 1.546.273,48 x 1,29].
Quanto às prestações suplementares, no valor de € 324.284,77, elas configuram “outros instrumentos de capital próprio”, como se refere na parte final do artigo 81.º do Código do IRC, interferindo no resultado da partilha, pelo que o montante global das menos-valia atinge € 2.318.977,56. Verificando-se assim um diferencial de € 819.763,91 relativamente à correcção efetuada pelos serviços inspectivos, que resulta de não ter sido atendida a regra de correcção monetária (artigo 47.º do CIRC) e as prestações suplementares, para efeito do cálculo da menos-valia (artigo 81.º, n.º 1, do CIRC).
A Requerente invoca ainda o vício de falta de fundamentação por considerar que o Relatório de Inspecção Tributária em que se baseou o acto de liquidação não justifica minimamente a inaplicabilidade da correcção monetária para o cálculo da menos-valia dedutível, tal como não fundamenta devidamente para esse mesmo efeito do valor das prestações suplementares, incorrendo assim em violação do disposto no artigo 77.º da LGT.
A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que o valor indicado pela Requerente como correspondente à aquisição da participação social, ocorrida em 2001 (€2.992.787,38) não teve em consideração a cisão do património conexo com a actividade comercial da B..., objeto de fusão na esfera da A..., ao qual foi atribuído o valor de € 371.344,60, pelo que após a operação de cisão/fusão esse valor passou a ser de € 2.612.442,78.
Por outro lado, no cálculo da menos-valia havia ainda de atender aos dividendos distribuídos, no montante de € 1.446.513,90, ficando a menos-valia reduzida a € 1.174.928,88, resultante da diferença entre o valor da aquisição da participação e a importância auferida a título de dividendos (€ 2.621.787, 38 - € 1.446.513,90).
Acresce que os serviços inspectivos, ao contrário do que vem alegado pela Requerente, não desconsideraram as prestações suplementares, tendo antes atendido a um valor de aquisição agregado de € 2.945.727,55, que resulta do englobamento do valor de aquisição da participação (€ 2.621.442,78) e das prestações suplementares (€324.284,77).
A Administração considera ainda que as situações tipificadas como transmissões onerosas relativas a partes sociais, no n.º 5 do artigo 46.º do CIRC, ainda que aí se preveja a extinção de participações por fusão, cisão ou permuta, não respeitam à partilha por efeito da liquidação da participada, havendo de atender-se que, no cálculo das mais-valias e menos- valias em resultado da operação de partilha não há lugar à correcção monetária do custo de aquisição das partes sociais.
Quanto ao vício de falta de fundamentação, a Autoridade Tributária alega que a determinação do resultado da partilha se encontra descrita e fundamentada no ponto II.3.6.4 do relatório inspectivo e devidamente quantificada no ponto III.1.1.1, retirando-se daí que o resultado da partilha está sujeito a um regime especial fixado no artigo 81.º do CIRC, ao qual não é aplicável o regime previsto dos artigos 46.º a 48.º do CIRC - o que desde logo afasta a correcção monetária a que se refere o artigo 47.º ao resultado da partilha -, encontrando-se nestes termos suficientemente fundamentada a posição dos serviços inspectivos. Em relação às prestações suplementares, o que resulta do relatório inspectivo é que não deixaram de ser contabilizados para efeito do resultado da partilha.
Conclui no sentido da improcedência do pedido arbitral.
2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenado o prosseguimento do processo para alegações escritas facultativas por prazo sucessivo.
Em alegações, a Autoridade Tributária reiterou a sua anterior posição. A Requerente não contra-alegou.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 22 de Agosto de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram suscitadas excepções..
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é uma sociedade por quotas que se dedica à produção e comercialização de mobiliário para espaços públicos e equipamentos hoteleiros, com actividade desde 1981;
B) Em 12 de novembro de 2018, a Requerente foi objecto de um procedimento de inspecção externo, de âmbito parcial, e incidente sobre o exercício de 2016, titulado pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., que determinou uma correcção à matéria tributável em sede de IRC no valor de € 2.206.632,31;
C) Em 2001, foi constituída a sociedade A..., SGPS, com actividade de gestão de participações sociais, que era detida na totalidade pela Requerente;
D) Nesse mesmo ano, a A..., SGPS adquiriu, pelo valor de € 2.992.787,38, a totalidade do capital social da sociedade C..., Lda, que veio depois a adotar a denominação social de C..., S.A. (B...);
E) Ainda nesse ano, foram distribuídos lucros pela B... no montante de € 1.446.513,90;
F) Em 2005 ocorre a fusão da A... SGPS com a Requerente mediante a transferência global do património da sociedade incorporada, que determinou que a Requerente passasse a deter a totalidade do capital da B...;
G) Em 2007 ocorre um processo de cisão/fusão através do destaque do património conexo com a actividade comercial da B...;
I) Na sequência dessa operação, a B... alterou a sua natureza jurídica para sociedade por quotas, passando a adotar a denominação B... Unipessoal, Lda., cingindo-se à actividade imobiliária que consistia na gestão e arrendamento de um imóvel;
J) O imóvel foi alienado em 2013, deixando a B... de exercer qualquer actividade;
L) Em 7 de dezembro de 2016, foi deliberada em assembleia geral extraordinária da B... a realização de prestações suplementares no valor de € 324.284,77;
M) Em 15 de dezembro de 2016, foi deliberada em assembleia geral extraordinária a dissolução, liquidação e encerramento da B..., registada em 28 de dezembro de 2016;
N) A Requerente registou na sua contabilidade uma menos-valia fiscal de € 3.705.945,96, resultante do valor da aquisição da participação social da B... (€ 2.992.787,35) diminuído das reservas decorrentes do processo de cisão/fusão (€ 371.344,60), acrescido da correcção monetária nos termos do artigo 47.º do Código do IRC e das prestações suplementares, no montante de € 324.284,77, de acordo com o quadro que segue:
Descrição Valor
Valor atribuído A 0
Valor de aquisição (*) B 2 621 442,78
Aplicação do coeficiente de actualização monetária (**) C=Bx1,29 3 381 661,19
Prestações suplementares D 324 284,77
Valor da menos-valia fiscal E=A-C-D -3 705 945,96
(*) valor utilizado pelo Impugnante, por lapso
(**) coeficiente de desvalorização da moeda, Portaria 316/2016, de 14 de dezembro
O) No relatório de inspecção tributária, elaborado no âmbito do procedimento inspectivo, a correcção aritmética do cálculo da menos-valia é justificada nos seguintes termos:
III. Descrição dos factos e fundamentos das correcções meramente aritméticas
III.1 Em sede de IRC
III.1.1 Valores indevidamente deduzidos na determinação do lucro tributável
III.1.1.1 Menos-valia do resultado da liquidação da participada – B...
Como já descrito em II.3.6.3. e II.3.6.4., a MS não determina a menos-valia decorrente do resultado da partilha da B... segundo o regime especial estabelecido no artigo 81.º do CIRC, importando por isso proceder à correcção dos valores declarados para efeitos fiscais.
Como referido na parte final de II.3.6.1.2., concluiu-se que nunca ocorre uma realização de prestações suplementares, mas somente um encontro de contas de terceiros, porém o sujeito passivo nos seus cálculos e para efeitos declaractivos assume a existência das prestações suplementares. Acresce que o efeito da desconsideração das prestações suplementares no resultado tributável seria sempre compensado, obtendo-se o mesmo resultado no final.
Assim, por uma questão de simplificação e para melhor compreensão, será utilizado o mesmo critério do sujeito passivo.
III.1.1.1. Determinação da menos-valia
Em conformidade com o n.º 1 do artigo 81.º do CIRC, considerando os valores contabilizados como valor de aquisição e de prestações suplementares, a diferença entre o valor atribuído na partilha e o valor de aquisição das partes sociais e de outros instrumentos de capital próprio será de -€2.945.727,55 (0 - €2.621.442,78 - €324.284.77).
Como decorre da alínea b) do n.º 2 do artigo 81.º do CIRC, e considerada menos-valia dedutível, o montante que exceder a soma dos prejuízos fiscais deduzidos no âmbito da aplicação do regime especial de tributação dos grupos de sociedades e os lucros e reservas distribuídos pela sociedade liquidada que tenham beneficiado do disposto no artigo 51.º do CIRC.
Como já foi indicado, a informação que compunha o processo de documentação fiscal é muito escassa, sendo inexistente quanto à determinação da menos-valia, não havendo qualquer referência a lucros e reservas distribuídos.
Analisado o histórico das declarações Mod. 22 apresentadas pela ... e pela A... SGPS, veio-se a constatar que logo no exercício de 2001 ocorre a dedução de rendimentos nos termos do artigo 46.º do CIRC, que à data dispunha sobre a eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, matéria actualmente regulada no artigo 51.º do CIRC.
Dos dados constantes no quadro 07 da declaração Mod. 22 do exercício de 2001 da A... SGPS (em Anexo 9 - 2 folhas), verifica-se que a A... SGPS declara um resultado líquido do período de €1.446.371,47, tendo deduzido no campo 232 do quadro, 07 da Mod. 22 (respeitante aos rendimentos nos termos do artigo 46.º o valor de €1.446.513,90, sendo apurado um prejuízo fiscal de €142,43.
Esta informação é coincidente com a do balancete a 31/12/2001 da A... SGPS (ver folha 5 do anexo 4), onde se retira que o único investimento financeiro e na B... (conta 4111 – rendimentos de participações de capital) e estão reconhecidos rendimentos de participações de capital no valor de 290.000.000$00 (conta 784), que corresponde a €1.446.513,90 (290.000.000$00 / 200,482).
Dos documentos que compõem a prestação anual de contas da A... SGPS do exercício de 2001 (em Anexo 10 - 9 folhas) confirma-se o reconhecimento dos ganhos associados a dividendos antecipados e a resultados acumulados, no valor de €1.446.513,90 (ver folha 3 do anexo 10), bem como que a única participação detida pela A... SGPS corresponde à participação de 100% do capital na B... (folha 4 do anexo 10), tendo a A... SGPS recebido da B... dividendos antecipados e resultados acumulados naquele valor, referindo o relatório de gestão expressamente (folhas 8 do anexo 10).
Fica deste modo confirmada a existência de rendimentos de participações de capital da A... SGPS, atribuídos pela B..., que beneficiaram de eliminação da dupla tributação económica de lucros e reservas distribuídos, no montante de €1.446.513,90.
Importa então determinar a menos-valia dedutível nos termos da alínea b) do n.º 2 do artigo 81.º do CIRC.
Descrição Valor
Valor atribuído A 0,00
Valor aquisição B 2.945.727,55
Diferença C=A-B -2.945.727,55
Lucros distribuídos que beneficiaram do artigo 51.º do CIRC (anterior 46.º) D 1.446.513.90
Excesso (menos-valia dedutível) E=C+D -1.499.213,65
O valor deduzido a título de menos-valia no campo 769 do quadro da Mod. 22 foi de €3.705.945, 96, apurando-se a seguinte diferença, face à menos-valia dedutível.
Descrição Valor
Valor deduzido A 3.705.845.96
Menos-valia dedutível B 1.499.213,65
Diferença C=A-B 2.206.632,31
Deste modo, face ao estipulado no artigo 81.º do CIRC, na determinação do lucro tributável do exercício de 2016 da MS será de acrescer o valor de €2.206.632,31.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
Matéria de direito
Ordem de conhecimento dos vícios
5. A Requerente fundamenta o pedido de anulação contenciosa num vício de falta de fundamentação e num vício de violação de lei relacionado com a não aplicação da regra da correcção monetária prevista no artigo 47.º do CIRC e na desconsideração do valor das prestações suplementares no cálculo da menos-valia em resultado da partilha nos termos do artigo 81.º desse diploma.
Conforme dispõe o artigo 124.º do Código de Procedimento e Processo Tributário, na sentença a proferir no processo de impugnação, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação (n.º 1), havendo lugar, no primeiro grupo, à apreciação prioritária dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, e, no segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior (n.º 2).
No presente caso, não são arguidos vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado ou outros que resultem do exercício da acção pública, estando apenas em causa vícios que conduzem à anulação do acto administrativo. Por outro lado, a Requerente não indica uma relação de subsidiariedade entre os vícios, pelo que se afigura haver lugar ao conhecimento prioritário do vício de violação de lei por ser este que confere mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos, visto que o vício de falta de fundamentação – a proceder – não impediria que a Administração produzisse, em execução de julgado, um acto de idêntico sentido ainda que devidamente fundamentado.
Apuramento de menos-valias
6. Discute-se no presente processo o apuramento de menos-valias em resultado da partilha, por liquidação, da sociedade B..., S.A. (B...) de que a Requerente detinha a totalidade do capital social.
A Requerente havia registado uma menos-valia contabilística de € 2.945.727,55 resultante do valor da aquisição da B..., no montante de € 2.992.787,38, diminuída das reservas do processo da fusão/cisão (€ 371.344,60) e acrescida das prestações suplementares que tinham sido realizadas (€ 324.284,77), tendo apurado uma menos-valia fiscal de
€ 3.705.945,96 por efeito da correcção monetária em 1,29 por aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda a que se refere o artigo 47.º do CIRC.
No pedido arbitral, e na sequência do procedimento inspectivo desencadeado pela Autoridade Tributária, a Requerente admite que havia a considerar a distribuição de dividendos efectuada pela B..., no montante de € 1.446.513,90, e, por outro lado, fixa como valor da aquisição da participação social o montante de € 2.992.787,38, alegando ter sido um lapso a inscrição no registo contabilístico, a esse título, do valor de € 2.621.442,78, correspondente ao valor da participação social em resultado do processo da fusão/cisão (€ 2.992.787,38 -
€ 371.344,60).
A Requerente entende assim que a menos-valia fiscal se cifra em € 2.318.977,56, tomando em consideração o valor da aquisição da participação social (€ 2.992.787,38), o montante de dividendos distribuídos (€ 1.446.513,90), e o coeficiente de actualização monetária (€ 2.992.787,38 - € 1.446.513,90 x 1,29), a que acresce o valor das prestações suplementares (€ 324.284,77).
Por sua vez, a correcção aritmética que originou o acto de liquidação impugnado, conforme ressalta do relatório de inspecção tributária, parte de um valor de aquisição de
€ 2.945.727,55, correspondente à soma do valor da aquisição apurado após o processo da fusão/cisão (€ 2.621.442,78) acrescido das prestações suplementares (€ 324.284,77), o que conduz ao apuramento de uma menos-valia dedutível de € 1.499.213,65.
Daí que a Autoridade Tributária tenha determinado um acréscimo no apuramento do lucro tributável de € 2.206.632,31, que corresponde à diferença entre a menos-valia registada pela Requerente (€ 3.705.945,96) e o valor apurado pelos serviços inspectivos no relatório de inspecção tributária (€ 1.499.213,65).
A Requerente insurge-se contra o acto tributário com dois fundamentos: por um lado, por não se ter atendido à regra de correcção monetária prevista no artigo 47.º do CIRC; por outro lado, por não ter sido considerado o valor das prestações suplementares que, nos termos do artigo 81.º, n.º 1, do CIRC, deve ser abatido ao resultado da partilha.
A referência à desconsideração do valor das prestações suplementares parece ficar a dever-se a um equívoco.
Com efeito, resulta do relatório de inspecção tributária e do quadro onde se descrevem as diversas componentes do apuramento de menos-valia (ponto III.1.1.1.1.), tal como consta da alínea O) da matéria de facto, que a Administração teve em atenção, para efeito do disposto no artigo 81.º, n.º 1, do CIRC, o valor contabilizado a título de aquisição de partes sociais (€ 2.621.442,78), como também o valor proveniente de outros instrumentos de capital próprio, como é o caso das prestações suplementares (€ 324.284,77), tendo procedido ao englobamento desses montantes para abatimento ao resultado da partilha. Assim se compreendendo que o valor de aquisição inscrito no quadro de fls. 15 do relatório (€ 2.945.727,55) corresponda à soma dessas duas parcelas.
Certo é que a Requerente, no pedido arbitral, para efeito do cálculo da menos-valia, parte do valor originário da aquisição da participação social (€ 2.992.787,38), ao passo que a Administração se refere ao valor da participação social resultante do processo da fusão/cisão (€ 2.621.442,78). No entanto, a Requerente nada alega quanto a esse ponto e parece partir do pressuposto que a diferença de verbas detetada se fica a dever à não inclusão das prestações suplementares, quando a verdade é que a parcela que lhes corresponde (€ 324.284,77) foi englobada com o valor da aquisição da participação social para efeitos de tributação.
A arguição da Requerente é, por isso, nessa parte, inteiramente improcedente.
7. A segunda questão em debate prende-se com a aplicação da correcção monetária, nos termos do artigo 47.º do CIRC, ao valor da aquisição da participação social deduzido do valor dos dividendos distribuídos.
A Autoridade Tributária segue o entendimento expresso no Parecer do Centro de Estudos Fiscais n.º 103/86, de 20 de Dezembro (publicado na Ciência e Técnica Fiscal n.º 387, págs. 375 e segs.). Nesse parecer entende-se, em resumo, que o artigo 67.º n.º 2, alíneas a) e b) (actual artigo 81.º), não se limita a qualificar como mais-valia a diferença positiva entre o valor das entradas efetivamente verificadas para a realização do capital e o custo de aquisição das partes sociais e como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais, como também define o respetivo regime de tributação, não lhe sendo aplicável, dada a sua distinta natureza, o disposto nos artigos 42.º a 44.º do CIRC (atuais artigos 46.º, 47.º e 48.º). Além de que o conceito de mais-valias e de menos-valias definido no artigo 42.º (actual artigo 46.º) atende primordialmente às operações que lhe dão origem - qualquer forma de transmissão onerosa, sinistro, afetação permanente dos elementos do activo imobilizado a fins alheios à empresa - não integrando como facto relevante a extinção de partes sociais. Para assim se concluir que no cálculo das mais e menos-valias resultantes da operação de partilha não há lugar à correcção monetária do custo de aquisição das partes sociais, nem é aplicável o regime do reinvestimento previsto no artigo 44.º do CIRC (actual artigo 48.º).
A Requerente contrapõe que, tendo sido qualificada como menos-valia a perda apurada em resultado de partilha, torna-se aplicável o correspondente regime legal, não se tornando necessária uma expressa remissão para o disposto nos artigos 46.º e 47.º do CIRC. E, por outro lado, por efeito da nova redação introduzida pela Reforma do IRC, as alíneas d) a f) do n.º 5 do artigo 46.º do Código do IRC passaram a incluir no conceito de “transmissões onerosas” as seguintes ocorrências: (a) extinção ou entrega pelos sócios das partes representativas do capital social das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais; (b) anulação das partes de capital detidas pela sociedade beneficiária nas sociedades fundidas ou cindidas em consequência de operações de fusão ou cisão; (c) remição e amortização de participações sociais com redução de capital; (d) anulação das partes de capital por redução de capital social destinada à cobertura de prejuízos de uma sociedade quando o respetivo sócio, em consequência da anulação, deixe de nela deter qualquer participação. Havendo de entender-se que essas situações se enquadram na extinção de partes sociais por efeito do resultado da partilha, sendo-lhes aplicável a correcção monetária.
Para dilucidar a questão importa ter presente as disposições que relevam para a apreciação do caso.
O artigo 81.º do CIRC determina o englobamento para efeitos de tributação dos sócios, no exercício em que for posto à sua disposição, do valor que for atribuído a cada um deles em resultado da partilha, abatido do preço de aquisição das correspondentes partes sociais (n.º 1) e qualifica essa diferença, quando positiva, como mais-valia, e, quando negativa, como menos-valia, que será dedutível dentro do condicionalismo definido na alínea b) do n.º 2, e nos n.ºs 3 e 4 desse mesmo artigo.
Segundo o disposto no artigo 46º, consideram-se mais-valias ou menos-valias realizadas os ganhos obtidos ou as perdas sofridas mediante transmissão onerosa, qualquer que seja o título por que se opere e, bem assim, os decorrentes de sinistros ou os resultantes da afetação permanente a fins alheios à actividade exercida, respeitantes a (a) activos fixos tangíveis, activos intangíveis, activos biológicos não consumíveis e propriedades de investimento, ainda que qualquer destes activos tenha sido reclassificado como activo não corrente detido para venda; e (b) instrumentos financeiros, com exceção dos reconhecidos pelo justo valor nos termos das alíneas a) e b) do nº 9 do artigo 18º (n.º 1). As mais-valias e as menos-valias são dadas pela diferença entre o valor de realização, líquido dos encargos que lhe sejam inerentes e o valor de aquisição, deduzido das depreciações e amortizações aceites fiscalmente, das perdas por imparidade e outras correcções de valor previstas nos artigos 28.º-A, 31.º-B e ainda dos valores reconhecidos como gasto fiscal nos termos do artigo 45.º-A, sem prejuízo do disposto na parte final do n.º 3 do artigo 31.º-A (n.º 2).
Quanto ao que se entende por “transmissões onerosas”, o n.º 5 desse preceito esclarece:
Consideram-se transmissões onerosas, designadamente:
a) A promessa de compra e venda ou de troca, logo que verificada a tradição dos bens;
b) As mudanças no modelo de valorização relevantes para efeitos fiscais, nos termos do nº 9 do artigo 18º, que decorram, designadamente, de reclassificação contabilística ou de alterações nos pressupostos referidos na alínea a) do nº 9 deste mesmo artigo;
c) A transferência de elementos patrimoniais no âmbito de operações de fusão, cisão ou entrada de activos, realizadas pelas sociedades fundidas, cindidas ou contribuidoras;
d) A extinção ou entrega pelos sócios das partes representativas do capital social das sociedades fundidas, cindidas ou adquiridas no âmbito de operações de fusão, cisão ou permuta de partes sociais;
e) A anulação das partes de capital detidas pela sociedade beneficiária nas sociedades fundidas ou cindidas em consequência de operações de fusão ou cisão;
f) A remição e amortização de participações sociais com redução de capital;
g) A anulação das partes de capital por redução de capital social destinada à cobertura de prejuízos de uma sociedade quando o respetivo sócio, em consequência da anulação, deixe de nela deter qualquer participação.
h) A afetação dos elementos patrimoniais previstos no n.º 1 de uma entidade residente a um seu estabelecimento estável situado fora do território português relativamente ao qual tenha sido exercida a opção pelo regime previsto no n.º 1 do artigo 54.º-A.
Por seu turno, o artigo 47º, sob a epígrafe “Correcção monetária das mais-valias e das menos-valias”, determina, na parte que mais interessa considerar, que “o valor de aquisição corrigido nos termos do nº 2 do artigo anterior é actualizado mediante aplicação dos coeficientes de desvalorização da moeda para o efeito publicados em portaria do Ministro das Finanças, sempre que, à data da realização, tenham decorrido pelo menos dois anos desde a data da aquisição, sendo o valor dessa actualização deduzido para efeitos da determinação do lucro tributável” (n.º 1), e exclui a correcção monetária em relação aos instrumentos financeiros, salvo quanto às partes de capital (n.º 2).
No caso em análise, a Autoridade Tributária não questiona a existência de uma menos-valia em consequência da liquidação da sociedade B..., mas sustenta que o valor da aquisição da participação social não pode ser objeto de correcção monetária nos termos do artigo 47.º do CIRC.
No acórdão do STA de 17 de fevereiro de 2016 (Processo n.º 01401/96) entendeu-se que o artigo 81.º, n.º 2, alínea b), do CIRC, não só qualificava como menos-valia a diferença negativa entre o resultado da partilha e o custo de aquisição das partes sociais no caso da dissolução e partilha da sociedade, como também fixava o respetivo regime especial para a tributação do resultado da partilha, com uma forma própria de cálculo e com deduções específicas. Vindo a concluir que em função desse regime especial e na ausência de remissão para o regime de limitação da dedutibilidade então fixado pelo n.º 3 do artigo 45.º do CIRC, este não é aplicável àquela situação.
O aresto referia-se à redação do n.º 3 do artigo 45.º do CIRC anterior à Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, que revogou essa disposição e passou a regular o regime de participation exemption no artigo 51.º-C, aditado por essa Lei. No entanto, a doutrina do acórdão poderá entender-se como transponível para o actual artigo 46.º, n.º 2, que estabelece outras limitações à dedutibilidade das menos-valias.
A questão que, todavia, está em discussão, não se refere à aplicabilidade desse artigo 46.º, n.º 2, mas à do artigo 47.º, que prevê a correcção monetária das mais-valias e menos-valias no quadro das transmissões onerosas. A este respeito, já anteriormente à Reforma do IRC se propugnava que “(…) o facto de o artigo 67.º [actual artigo 81.º] do Código do IRC definir um regime de tributação autónomo ao disposto nos artigos 42.º a 44.º [atuais artigos 46.º a 48.º] daquele Código do IRC, o que se compreende pelo facto da extinção de partes sociais não ser incluída nas operações previstas do [sic] artigo 42.º [actual artigo 46.º] (…). Deste modo, nos cálculos das mais ou menos-valias não há lugar à correcção monetária do custo de aquisição nas partes sociais, nem é aplicável o regime do reinvestimento previsto no artigo 44.º [actual artigo 48.º] do Código do IRC. Chama-se ainda a atenção para o facto de não fazer qualquer sentido a aplicação de coeficientes de desvalorização da moeda ao valor de aquisição, pois estaríamos a colocar o valor de aquisição e o valor das entradas efectivamente realizadas em períodos temporais distintos”.
Se esta solução já era defendida por alguma doutrina e jurisprudência anteriormente à Reforma do Código do IRC, a verdade é que as alterações introduzidas pela Lei n.º 2/2014, de 16 de Janeiro, vieram reforçar tal entendimento, acentuando a dicotomia dos regimes em questão.
Relativamente ao regime das mais e menos-valias resultantes de transmissão onerosa, constante dos artigos 46.º e 47.º do Código do IRC, passou a verificar-se uma simetria no que concerne à aplicação do regime de participation exemption, determinando o legislador que, independentemente de o resultado apurado ser positivo ou negativo, o mesmo nunca concorre para a determinação do lucro tributável, conforme dispõe o artigo 51.º-C, n.º 1, do Código do IRC.
Por seu turno, o mesmo não sucede com o regime das mais e menos-valias resultantes da partilha, constante do artigo 81.º do Código do IRC, no qual o legislador manteve uma assimetria de tratamento, cominando soluções diversas em função do apuramento do resultado da partilha ser positivo ou negativo. Assim, enquanto que o n.º 3 deste mesmo artigo estende às mais-valias apuradas o tratamento conferido pelo regime de participation exemption, segundo o qual o resultado positivo não concorre para a determinação do lucro tributável, o mesmo não sucede com as menos-valias a ele sujeitas. De facto, não se verificando qualquer remissão, quanto a estas últimas, para o artigo 51.º-C do Código do IRC, não ficarão as mesmas sujeitas às desvantagens dele advenientes, isto é, não ficará precludida a possibilidade de dedução, enquanto prejuízo, dos resultados negativos apurados a título de menos-valias.
Nestes termos, sempre seria mais gravosa a aplicação às menos-valias resultantes da partilha, do regime previsto para as menos-valias resultantes de transmissão onerosa dado que, ainda que este último permitisse a majoração da menos-valia em virtude da aplicação de um coeficiente de correcção monetária nos termos do artigo 47.º do Código do IRC, a sua dedutibilidade sempre estaria vedada em virtude da aplicação do regime constante do artigo 51.º-C do Código do IRC. Por outras palavras, caso a menos-valia subjacente ao litígio ora em questão resultasse da transmissão onerosa de partes sociais, pese embora se aplicasse ao seu apuramento o coeficiente de correcção monetária, a mesmo não concorreria para a formação do lucro tributável, ao invés do que sucederia com a aplicação do regime das menos-valias decorrentes da partilha.
Conforme se depreende, a questão da qualificação das mais ou menos-valias, enquanto decorrentes da partilha ou de transmissão onerosa, não se revela despicienda. Pelo contrário, esta terá como consequência a aplicação do respetivo regime jurídico, incluindo no tocante à correcção monetária, revelando-se essencial apelar aos elementos teleológico e sistemático da interpretação a que se refere o artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil, de modo a perceber de que modo estes regimes se compatibilizam ou conexionam.
Atendendo aos ensinamentos de Baptista Machado, é possível avançar que o elemento teleológico consiste “na razão de ser da lei (ratio legis), no fim visado pelo legislador ao elaborar a norma. (…) Basta lembrar que o esclarecimento da ratio legis nos revela a valoração ou ponderação dos diversos interesses que a norma regula e, portanto, o peso relativo desses interesses, a opção entre eles traduzida pela solução que a norma exprime” . Por seu turno, denota o referido autor, quanto ao elemento sistemático que o mesmo “compreende a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei), assim como a consideração de disposições legais que regulam problemas normativos paralelos ou institutos afins (lugares paralelos)”. Neste sentido, ao ser referida no artigo 9.º, n.º 1, do Código Civil a unidade do sistema jurídico, seria necessário atender à “coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica”, tomada aqui por base na regulação de duas realidades diversas, relativamente às quais o legislador pretendeu conferir regimes jurídicos distintos.
Por último, conforme dispõe o artigo 9.º, n.º 3, do Código Civil, se “na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”, será forçoso considerar que a dicotomia estabelecida pelo legislador visou delimitar na ordem jurídica os regimes subjacentes a cada um dos tipos de mais e menos-valias em questão.
Deste modo, ao serem determinadas e tributadas em função das regras gerais e especiais estabelecidas nos termos do artigo 81.º do Código do IRC, o legislador terá visado a definição e conformação das mais e menos-valias resultantes da partilha em função de um regime jurídico específico, regime esse que deverá ser aplicado em bloco, não podendo ser subvertido pela sua interligação com um outro regime específico, constante dos artigos 46.º e 47.º do Código do IRC.
Em face do exposto, o pedido arbitral mostra-se ser improcedente quanto à suscitada questão da não aplicação ao cálculo da menos-valia da regra da correcção monetária prevista no artigo 47.º do CIRC.
Falta de fundamentação
8. A Requerente invoca ainda o vício de falta de fundamentação por considerar que o relatório de inspecção tributária apurou a menos-valia dedutível através do cálculo descrito no quadro constante do ponto III.1.1.1.1 (fls. 15), sem tomar em conta o coeficiente de actualização monetária, a que se refere o artigo 47.º do CIRC, nem o valor das prestações suplementares, apesar de não fazer a mínima referência contextual a qualquer desses aspectos, não permitindo a um destinatário normal aperceber-se das razões pelas quais esses factores não intervieram no apuramento da menos-valia.
No que se refere à alegada desconsideração do valor das prestações suplementares, como se deixou exposto (cfr. supra 6.), o que resulta do relatório de inspecção tributária e do quadro onde se descrevem as diversas componentes do apuramento de menos-valia, tal como consta da alínea O) da matéria de facto, é que a Administração teve em atenção, para efeito do disposto no artigo 81.º, n.º 1, do CIRC, o valor contabilizado a título de aquisição de partes sociais (€ 2.621.442,78), como também o valor proveniente de outros instrumentos de capital próprio, como é o caso das prestações suplementares (€ 324.284,77), tendo procedido ao englobamento desses montantes para abatimento ao resultado da partilha. Assim se compreendendo que o valor de aquisição inscrito no quadro de fls. 15 do relatório (€ 2.945.727,55) corresponda à soma dessas duas parcelas.
Não se verificando, assim, qualquer deficiência na fundamentação relativamente a esse segmento do apuramento da menos-valia pela linear razão de que não ocorreu, de facto, a alegada desconsideração do valor das prestações suplementares.
No tocante à correcção monetária, o relatório refere que o sujeito passivo apurou o resultado da partilha por aplicação do artigo 81.º do CIRC, mas aproveitou o regime das mais e menos-valias das transmissões onerosas previsto nos artigos 46.º a 48.º, aplicando a correcção monetária do artigo 47.º, tendo optado, desse modo, por um tratamento fiscal do resultado da partilha que engloba os critérios mais favoráveis de dois diferentes regimes (ponto II.3.6.4.). Vindo a concluir nos seguintes termos: “Como já descrito em II.3.6.3 e II.3.6.4., a A..., Lda. não determina a menos-valia decorrente do resultado da partilha da B... segundo o regime especial estabelecido no artigo 81.º do CIRC, importando por isso proceder à correcção dos valores declarados para efeitos fiscais (III.1.1.1.)”.
Depreende-se de todo este contexto que a desconsideração da correcção monetária para efeito do apuramento da menos-valia resulta do entendimento expresso pelos serviços inspectivos no sentido de que não é aplicável ao resultado da partilha o regime de mais e menos-valias das transmissões onerosas e, por isso, também o previsto no artigo 47.º do CIRC, pelo que se tornam perceptíveis as razões pelas quais a Administração afastou a correcção monetária, ao podendo dizer-se, por conseguinte, que a Requerente ficou impedida de discutir e rebater a solução proposta.
Mesmo que se entendesse que o acto tributário se encontra, nesse aspecto, deficientemente motivado, obsta ao efeito anulatório, com esse fundamento, o princípio do aproveitamento do acto administrativo, que o n.º 5 do artigo 163.º do CPA veio consagrar em termos legais, dando expressão normativa a diversos critérios jurisprudenciais que vinham já sendo aplicados pelos tribunais.
A alínea a) desse preceito consigna que não se produz o efeito anulatório quando “o conteúdo do acto anulável não possa ser outro, por o acto ser de conteúdo vinculado ou a apreciação do caso concreto permita identificar apenas uma solução como legalmente possível”, abrangendo quer as situações de estrita vinculação legal quanto ao conteúdo do acto a praticar, quer as situações redução da discricionariedade a zero.
O aproveitamento do acto resulta, nestes casos, da inoperância do vício e é aplicável quando se possa afirmar que a ilegalidade não poderá influir no sentido da decisão e que o novo acto a praticar em execução do julgado anulatório teria necessariamente o mesmo conteúdo.
É esta a situação do caso.
Tendo-se decidido que não é aplicável a correcção monetária ao resultado da partilha, a anulação com fundamento em falta de fundamentação não teria um qualquer efeito útil, visto que a Administração em execução do julgado não poderia emitir um novo acto favorável à Requerente.
Improcede, nestes termos, o invocado vício de falta de fundamentação.
III - Decisão
Termos em que se decide julgar improcedente o pedido arbitral e manter na ordem jurídica o acto tributário impugnado.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 819.763,91, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 11.628,00, que fica a cargo da Requerente.
Notifique.
Lisboa, 12 de Fevereiro de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
A Árbitro Vogal
Marisa Almeida Araújo
A Árbitro Vogal
Carla Castelo Trindade