DECISÃO ARBITRAL
Acordam em Tribunal Arbitral
I - Relatório
1. A..., contribuinte n.º..., residente na Rua ..., nº ... ..., ..., Lisboa, vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2º, n.º 1, alínea a), e 10º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, tendo em vista a (i) declaração de ilegalidade do acto de deferimento parcial da reclamação graciosa por si deduzida e (ii) declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS nº 2018..., relativo ao ano de 2014, no montante de €7.250,25 (sete mil duzentos e cinquenta euros e vinte cinco cêntimos), sendo esta a pretensão objecto do pedido de pronúncia arbitral. Requer-se ainda o pagamento de juros indemnizatórios pela Autoridade Tributária (AT) desde o momento do pagamento do montante de IRS resultante da liquidação adicional sub judice até ao reembolso integral do imposto indevidamente pago pelo contribuinte.
2. O pedido de constituição do Tribunal Arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitro do tribunal arbitral singular o signatário, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6º e 7º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228°da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral foi constituído em 20 de agosto de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2º, n.º 1, alínea a), e 30º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4º e 10º, n.º 2, do mesmo diploma e 1º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.
3. A fundamentar o pedido de pronúncia arbitral a Requerente, alega, em síntese, o seguinte:
Em 29/05/2015, a Requerente entregou a sua declaração Modelo 3 relativa aos rendimentos por si obtidos em 2014, tendo no Campo 422 do Anexo J declarado rendimentos por si obtidos no estrangeiro, no valor total de €4.397,11 (quatro mil trezentos e noventa e sete euros e onze cêntimos), correspondentes a juros provenientes das Ilhas Caimão e de Espanha, conforme declaração que juntou como anexo 1 à sua petição. Tais juros foram depositados numa conta bancária sua junto do B... (Suisse), S.A.
Entendeu, contudo, a Autoridade Tributária (AT) que a Requerente omitiu rendimentos na declaração apresentada, pelo que oficiosamente acresceu ao referido campo 422 do Anexo J da Modelo 3 a quantia de €27.205,00 (vinte sete mil duzentos e cinco euros), referentes a juros provenientes da Suiça. Tal informação terá sido obtida através do sistema de troca de informações instituído entre a União Europeia e a Suiça.
Na sequência dessa correcção, a AT efectuou uma liquidação adicional de IRS com o valor a pagar de €9.531,52 (nove mil quinhentos e trinta e um euros e cinquenta e dois cêntimos).
Ora, por não se conformar com esta liquidação adicional de imposto, a Requerente deduziu reclamação graciosa e, após audição prévia exercida pela Requerente, a AT veio dar provimento parcial ao seu pedido, considerando que o valor a acrescer deveria ser apenas de €22.808,22 (vinte e dois mil oitocentos e oito euros e vinte e dois cêntimos), dado que o restante valor já teria sido inicialmente declarado pela Requerente.
Na sequência desta decisão foi emitida nova nota de liquidação, com valor de IRS a pagar no montante de €7.250,25 (sete mil duzentos e cinquenta euros e vinte cinco cêntimos).
Continua, no entanto, a Requerente a discordar da posição da AT, considerando que continua a existir uma duplicação de colecta.
Ora, durante o ano de 2014 a Requerente obteve os seguintes rendimentos referentes a juros:
(i) €993,00 juros de depósito a prazo provenientes das Ilhas Caimão;
(ii) €3.404,11 juros de obrigações emitidas pelo Banco C... em Espanha;
(iii) €22.808,22 juros de obrigações emitidas pelo Banco D... em Portugal;
Estes rendimentos foram obtidos através de uma conta bancária titulada pela Requerente junto do B... (Suisse) S.A., tendo sido com base na declaração de rendimentos anual emitida por esta entidade que a Requerente preencheu a sua Modelo 3.
Ora, de acordo com a referida declaração, os juros obtidos das obrigações emitidas pelo Banco D... em Portugal, num total de €22.808,22 (vinte e dois mil oitocentos e oito euros e vinte e dois cêntimos) foram objecto de retenção na fonte em Portugal, a título definitivo, no montante de €7.982,88 (sete mil novecentos e oitenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos), razão pela qual a Requerente não incluiu esse montante na sua declaração modelo 3.
Essa retenção na fonte terá sido efectuada à taxa de 35%, nos termos e para o disposto no artigo 87º nº 4, alínea h) do CIRC e artigo 71º nº 12 alínea a) do CIRS, por se tratar de valores mobiliários depositados em conta “Jumbo” da instituição financeira não residente em entidade custodiante residente. Tal retenção tem carácter definitivo nos termos do artigo 94º, nº 3 alínea c) do CIRC e do referido artigo 71º do CIRS.
Ora, entende assim a Requerente que estava dispensada de incluir tais rendimentos na sua declaração de rendimentos.
Por seu lado, a AT entende que tendo os rendimentos em questão sido comunicados ao abrigo da Directiva da Poupança, que são os mesmos de declaração obrigatória e tributados à taxa especial prevista no artigo 72º do CIRS, podendo ser englobados ou não, por opção do sujeito passivo.
Considera assim a AT que, não obstante se verifique que não havia obrigação de englobamento de tais rendimentos, a verdade é que não fica comprovado que tais rendimentos foram objecto de retenção na fonte a título definitivo, tendo sido apresentado como único elemento probatório uma declaração da entidade bancária Suiça, da qual consta que “os rendimentos referentes ao título “D...9,25% 13.10.2014 com o ISIN:... que foram pagos e sujeitos a retenção na fonte pelo agente pagador no país de origem, i.e, Portugal”.
Entende a AT que não fica perceptível se o agente pagador foi o B... Suisse ou outra instituição bancária (sedeada em Portugal).
Acrescenta ainda a AT que, à data, já era obrigatória a entrega da declaração modelo 39 relativa a rendimentos e retenções a taxas liberatórias e que se destina a dar cumprimento à obrigação declarativa a que se refere a alínea b) do nº 12 do artigo 119º do CIRS. Essa declaração era, à data, de entrega obrigatória pelas entidades devedoras e pelas entidades que paguem ou coloquem à disposição os rendimentos de capitais sujeitos a retenção na fonte a título definitivo, cujos titulares sejam residentes em território português e que não beneficiem de isenção, dispensa de retenção ou redução de taxa. A AT refere que a entrega da mesma não consta da sua base de dados.
E que, com base nestes factos, não se lhe afigura legitima a pretendida dispensa declarativa na modelo 3 da Requerente.
Entende que a liquidação adicional de IRS objecto dos presentes autos foi legitimada não apenas pela informação transmitida pelas autoridades fiscais da Suíça, mas também pela falta de elementos capazes de afastar a presunção de que as informações obtidas não eram verdadeiras.
II - Saneamento
O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções nem se verificam quaisquer outras circunstâncias que obstem ao conhecimento do mérito da causa.
Cabe apreciar e decidir.
III - Mérito
III. I - Matéria de facto
Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes e provados são os seguintes:
A) Durante o ano de 2014 a Requerente obteve os seguintes rendimentos:
(i) €993,00 juros de depósito a prazo provenientes das Ilhas Caimão;
(ii) €3.404,11 juros de obrigações emitidas pelo Banco C... em Espanha;
(iii) €22.808,22 juros de obrigações emitidas pelo Banco D... em Portugal;
B) Na sua declaração Modelo 3 relativa a 2014, entregue em 29/05/2015, a Requerente declarou no Campo 422 do Anexo J rendimentos por si obtidos no estrangeiro, no valor total de €4.397,11 (quatro mil trezentos e noventa e sete euros e onze cêntimos), correspondentes a juros provenientes das Ilhas Caimão e de Espanha. Tais juros foram depositados numa conta bancária sua junto do B... (Suisse), S.A.
C) Através do sistema de troca de informações, ao abrigo da Directiva da Poupança, mais concretamente do acordo específico entre a Comunidade Europeia e a Confederação Suíça, a Autoridade Tributária (AT) recebeu a informação de que a Requerente teria recebido o montante de €27.205,00 (vinte sete mil duzentos e cinco euros), referentes a juros provenientes da Suíça.
D) Com base nessa informação, a AT efectuou uma liquidação adicional de IRS com o valor a pagar de €9.531,52 (nove mil quinhentos e trinta e um euros e cinquenta e dois cêntimos).
E) A Requerente deduziu reclamação graciosa contra a referida liquidação adicional e, após audição prévia exercida pela Requerente, a AT veio dar provimento parcial ao seu pedido, considerando que o valor a acrescer deveria ser apenas de €22.808,22 (vinte e dois mil oitocentos e oito euros e vinte e dois cêntimos), dado que o restante valor de juros já teria sido inicialmente declarado pela Requerente.
F) Na sequência desta decisão foi emitida nova nota de liquidação, com valor de IRS a pagar no montante de €7.250,25 (sete mil duzentos e cinquenta euros e vinte cinco cêntimos).
G) Os juros em questão, e que deram origem à liquidação adicional de IRS sub judice, decorreram de títulos de dívida do banco D... (ISIN: P...), entidade residente em Portugal.
H) Terá sido efectuada pelo agente pagador do país de origem dos rendimentos, i.e., Portugal, retenção na fonte sobre tais juros, a título definitivo, considerando a natureza dos rendimentos em questão, à taxa de 35%, no montante de €7.982,88 (sete mil novecentos e oitenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos).
Dado que a AT não coloca em causa a autenticidade (autoria e teor) do documento apresentado pela Requerente (Relatório anual de Rendimentos do B... (Suisse), é nele que se baseia a convicção do tribunal quanto a este ponto H), dado que não vê motivo para questionar a informação nele contida.
Em termos gerais, o Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta.
III. II - Matéria de direito
Ora, a Requerente, pessoa singular residente em Portugal, recebeu numa conta sua junto de um banco na Suíça, juros de títulos de dívida de um banco residente em Portugal.
A Requerente, suportada pelo Relatório Anual de Rendimentos emitido pelo B... (Suisse), entendeu terem esses juros sido já objecto de retenção na fonte em Portugal, quando do seu pagamento, a uma taxa liberatória de 35%, pelo que considerou que não os teria que englobar para efeitos de tributação na sua declaração modelo 3.
Vejamos. De acordo com o artigo 13º e com o artigo 15º do CIRS, são sujeitos passivos de IRS todos aqueles que forem residentes em território português e relativamente à totalidade dos seus rendimentos, incluindo aqueles que forem obtidos fora de Portugal.
O IRS incide sobre o valor anual de rendimentos de determinadas categorias previstas no código, nas quais se incluem os rendimentos de capitais e, designadamente, os juros.
No capítulo relativo às taxas, concentramo-nos no artigo 71º que estabelece que um conjunto de rendimentos estão sujeitos a taxas liberatórias, ou seja, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo. É o caso dos rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada.
Ora, para os rendimentos sujeitos a taxa liberatória, o englobamento na declaração Modelo 3, para efeitos de tributação em sede de IRS, é opcional, não tendo por isso que ser declarados caso essa opção não seja feita.
Ainda no artigo 71º se estabelece que, sempre que sejam pagos ou colocados à disposição em contas abertas em nome de um ou mais titulares mas por conta de terceiros não identificados, exceto quando seja identificado o beneficiário efetivo, tais rendimentos estão sujeitos a retenção definitiva à taxa de 35%.
Cumpre agora perceber quem está obrigado a efectuar a retenção na fonte, a qual é, por natureza, um mecanismo de substituição tributária. O nº 2 do artigo 101º do CIRS estabelece o seguinte:
“2 - Tratando-se de rendimentos referidos no artigo 71.º, a retenção na fonte nele prevista cabe:(Redacção dada pela Lei n.º 3-B/2010-28/04)
a) Às entidades devedoras dos rendimentos referidos nos n.os 1, 4 e 14 do artigo 71.º; (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
b) Às entidades que paguem ou coloquem à disposição os rendimentos referidos nos nºs 2 e 13 do artigo 71.º (Redacção dada pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro)
3 - Tratando-se de rendimentos de valores mobiliários sujeitos a registo ou depósito, emitidos por entidades residentes em território português, o disposto na alínea a) do n.º 1 e na alínea a) do n.º 2 é da responsabilidade das entidades registadoras ou depositárias. (Redacção dada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro)
Está, assim, claramente previsto na lei um mecanismo de substituição tributária. De acordo com o artigo 21º do CIRS “Quando, através de substituição tributária, este Código exigir o pagamento total ou parcial do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respectivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no artigo 103.º”.
Por seu lado, o artigo 103º estabelece as regras da responsabilidade em caso de substituição tributária (sublinhado nosso):
“1 - Em caso de substituição tributária, a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desobrigado de qualquer responsabilidade no seu pagamento, sem prejuízo do disposto nos números seguintes.
2 - Quando a retenção for efectuada meramente a título de pagamento por conta de imposto devido a final, cabe ao substituído a responsabilidade originária pelo imposto não retido e ao substituto a responsabilidade subsidiária, ficando este ainda sujeito aos juros compensatórios devidos desde o termo do prazo de entrega até ao termo do prazo da apresentação da declaração pelo responsável originário ou até à data da entrega do imposto retido, se anterior.
3 - Nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram.
4 - Tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido.(Aditado pelo artigo 46º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)
5 - Em caso de não cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 101.º e no artigo 120.º, as entidades emitentes de valores mobiliários são solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto em falta. (Aditado pelo artigo 46º da Lei n.º 53-A/2006 de 29/12)
Então vejamos. A Requerente é residente em Portugal e deve, por isso, declarar cá, através da sua declaração Modelo 3, todos os rendimentos por si obtidos ainda que fora de Portugal, com as excepções previstas na lei.
Obteve em 2014 juros, que recebeu numa conta sua num banco Suíço, relativos a títulos de dívida emitidos pelo D... em Portugal (D... 9,25% 13.10.2014 com o ISIN: ...). Ora, de acordo com o artigo 71º do CIRS, os rendimentos de capitais obtidos em território português, por residentes ou não residentes, pagos por ou através de entidades que aqui tenham sede, direção efetiva ou estabelecimento estável a que deva imputar-se o pagamento e que disponham ou devam dispor de contabilidade organizada, são tributados a uma taxa liberatória, ou seja, mediante retenção na fonte a título definitivo.
No Relatório Anual de Rendimentos que lhe foi emitido pelo referido banco na Suíça, a Requerente tem a informação de que os referidos juros foram objecto de retenção na fonte.
Esta informação é, posteriormente, reconfirmada pelo mesmo banco em carta datada de 17 de dezembro de 2018, referindo que o custodiante em Portugal terá realizado a referida retenção e à taxa de 35%. Isto, aliás, como está obrigado a fazer pelo próprio código do IRS. Veja-se acima o artigo 71º nº 12 (redacção vigente à data dos factos) e artigo 101º nºs 2 e 3 (também redacção vigente à data dos factos).
Ora, tratando-se de rendimentos tributados a uma taxa liberatória, e que, de acordo com a informação recebida tinham já sido objecto de retenção na fonte, entendeu a Requerente que não teria que englobar tais rendimentos na sua declaração de rendimentos.
Ora, a AT está de acordo com a verificação de que não havia obrigação de englobamento de tais rendimentos dada a sua natureza. No entanto, entende que não fica comprovado que os rendimentos foram efectivamente objecto de retenção na fonte a título definitivo, já que a Requerente terá apresentado como único elemento probatório o referido Relatório Anual de rendimentos do seu banco na Suíça, da qual a própria AT refere constar que “os rendimentos referentes ao título “D... 9,25% 13.10.2014 com o ISIN: ... que foram pagos e sujeitos a retenção na fonte pelo agente pagador no país de origem, i.e, Portugal”.
Voltemos, então, ao mecanismo da substituição tributária e à responsabilidade do substituído (neste caso, a Requerente) em caso de substituição tributária.
Ora, no caso concreto, o artigo 101º do CIRS (ver acima) estabelece um mecanismo de substituição tributária, pelo que sendo a Requerente o sujeito passivo de imposto relativamente aos juros objecto destes autos, não é sobre a Requerente que impende a obrigação de retenção e pagamento desse imposto ao Estado. A Requerente é substituída e, de acordo com o artigo 21º do CIRS, nas situações em que, através de substituição tributária, este Código exige o pagamento do IRS a pessoa diversa daquela em relação à qual se verificam os respectivos pressupostos, considera-se a substituta, para todos os efeitos legais, como devedor principal do imposto, ressalvado o disposto no artigo 103.º (sublinhado nosso).
Conforme estabelece o artigo 103º do CIRS (acima replicado), a entidade obrigada à retenção é responsável pelas importâncias retidas e não entregues nos cofres do Estado, ficando o substituído desobrigado de qualquer responsabilidade no seu pagamento.
A norma excepciona as situações em que: (i) a retenção for efectuada a título de pagamento por conta, (ii) nos restantes casos, o substituído é apenas subsidiariamente responsável pelo pagamento da diferença entre as importâncias que deveriam ter sido deduzidas e as que efectivamente o foram, (iii) tratando-se de rendimentos sujeitos a retenção que não tenham sido contabilizados nem comunicados como tal aos respectivos beneficiários, o substituto assume responsabilidade solidária pelo imposto não retido (iv) e, em caso de não cumprimento do disposto no n.º 3 do artigo 101.º e no artigo 120.º, as entidades emitentes de valores mobiliários são solidariamente responsáveis pelo pagamento do imposto em falta.
Ora, no caso em concreto, trata-se de uma retenção a título definitivo, como vimos, que foi comunicada e confirmada à Requerente como tendo sido realizada pelo substituto tributário, pela taxa máxima de retenção que pode ser aplicada ao rendimento em questão, pelo que, não se vê como pode a AT vir reverter o regime de substituição tributária, colocando na Requerente uma responsabilidade que não lhe é imputada pelos artigos 21º e 103º do CIRS.
A AT refere ainda que não entende se o agente pagador foi o banco na Suíça ou outra instituição sedeada em Portugal mas, no entanto, na própria citação que faz do referido Relatório Anual de Rendimentos se refere que a retenção na fonte foi efectuada pelo “agente pagador no país de origem, i.e., Portugal” e , aliás, conforme o estabelecido para o caso em concreto no artigo 101º do CIRS. Não se compreende, por isso, a dúvida da AT.
Refere também a AT que, à data, já estava em vigor a obrigação de entrega da Modelo 39 para dar cumprimento à obrigação estabelecida no nº 12 do artigo 119º do CIRS, obrigação essa que impende sobre as entidades devedoras ou as entidades que paguem ou coloquem à disposição dos respetivos titulares residentes os rendimentos a que se refere o artigo 71.º. E que, no caso concreto, não consta “da base de dados da Requerida a entrega da mesma”.
Ora, esta obrigação não é da Requerente mas sim da entidade que pagou ou colocou à sua disposição os juros. Se a obrigação não foi cumprida, é a essa entidade que a AT deve recorrer para obter o cumprimento da obrigação. Não era a Requerente que tinha a obrigação de reter na fonte e entregar o imposto ao Estado e não era a ela que incumbia cumprir as obrigações acessórias decorrentes dessa obrigação. Por outro lado, a Requerida está numa posição privilegiada no que concerne à obtenção de informação sobre as retenções efectuadas e sobre as respectivas obrigações acessórias.
A AT refere ainda que se baseou para a sua liquidação adicional na informação que recebeu da Suíça no âmbito da Directiva da Poupança. Ora, ao abrigo da referida Directiva são comunicados os montantes de juros à Autoridade Tributária do país em questão mas não eventuais montantes retidos. No entanto, no que ao montante de juros concerne, os valores comunicados pela AT Suíça correspondem, na íntegra, aos valores do Relatório Anual de Rendimentos do B... (Suisse).
Ainda assim, a AT vem alegar que não fica comprovado que tenha efectivamente ocorrido a aplicável retenção na fonte a título definitivo, dado que a Requerente terá apresentado como único elemento probatório o referido Relatório Anual de rendimentos do seu banco na Suíça, da qual consta que “os rendimentos referentes ao título “D... 9,25% 13.10.2014 com o ISIN: ... que foram pagos e sujeitos a retenção na fonte pelo agente pagador no país de origem, i.e, Portugal”.
A Requerente, por seu lado, baseou-se precisamente no Relatório Anual de Rendimentos que lhe foi enviado pelo B... (Suisse), onde consta a realização de uma retenção na fonte à taxa de 35% sobre os juros sub judice, efectuada pelo agente pagador em Portugal, para considerar já tributados a título definitivo tais juros e não os englobar, conforme opção permitida pelo artigo 22º do CIRS, na sua declaração modelo 3 relativa a 2014. Posteriormente, em 17 de dezembro de 2018, obtém carta de confirmação da mesma entidade bancária em que se reafirma a retenção na fonte pelo agente pagador em Portugal.
A AT não colocou em causa a autenticidade (autoria e teor) destes documentos e, logo, não se vê que obrigação adicional de prova penderia sobre a Requerente. Sendo a sua posição de substituída tributária, não é sua a obrigação de pagamento/retenção e entrega do imposto ao Estado e dificilmente se vê como pode comprovar, de outra forma, que não os documentos apresentados, que a retenção na fonte foi efectuada e o imposto entregue ao Estado por quem de direito.
De acordo com o artigo 75º da LGT, as declarações do sujeito passivo presumem-se verdadeiras e de boa fé. E estabelece o artigo 74º da LGT que:
1- O ónus da prova dos factos constitutivos dos direitos da administração tributária ou dos contribuintes recai sobre quem os invoque (redacção dada pela Lei n.º 50/05, de 30 de Agosto).
2- Quando os elementos de prova dos factos estiverem em poder da administração tributária, o ónus previsto no número anterior considera-se satisfeito caso o interessado tenha procedido à sua correcta identificação junto da administração tributária.
Recai assim sobre a AT o ónus de provar a verificação dos requisitos que lhe permitam alterar o rendimento coletável declarado pelo sujeito passivo nas suas Declarações modelo 3, apontando os elementos factuais demonstrativos de que o sujeito passivo declarou erroneamente os seus rendimentos.
Ora, não havendo uma norma que impusesse à Requerente um concreto meio de prova e não se vislumbrando que outros meios de prova faria sentido a Requerente apresentar; não tendo a autenticidade dos documentos apresentados sido posta em causa pela AT e estando, inclusivamente, esses documentos em consonância com a informação recebida pela AT ao abrigo da Directiva da Poupança no que concerne ao montante de juros recebidos;
Conclui-se que a AT não cumpriu satisfatoriamente o seu dever probatório, pelo que não ilidiu a presunção de veracidade que acompanha as declarações do Requerente. E, assim, não subsistem quaisquer razões legais para remeter ao contribuinte o encargo de provar o que presumidamente a lei considera provado e que é pela Requerente sustentado.
Termos em que procede o pedido da Requerente.
Juros indemnizatórios
Estamos, neste caso, perante uma decisão por parte da AT, decisão essa que se traduz num “erro imputável aos serviços”, conforme consta do art. 43º da LGT.
Tendo em conta o estabelecido no artigo 61º do CPPT e tendo sido verificada a existência de erro imputável aos serviços da Administração Tributária, do qual resultou pagamento da dívida tributária em dobro, podemos entender que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios à taxa legal, calculados sobre o valor em questão, desde o momento do seu pagamento até ao integral reembolso dessa mesma quantia.
IV – Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade do acto de deferimento parcial da reclamação graciosa deduzida pela Requerente, assim como da declaração de ilegalidade do acto de liquidação adicional de IRS nº 2018..., relativo ao ano de 2014, no montante de €7.250,25 (sete mil duzentos e cinquenta euros e vinte cinco cêntimos);
b) Julgar procedente o pedido de condenação da Autoridade Tributária no pagamento de juros indemnizatórios pela Autoridade Tributária (AT) desde o momento do pagamento do montante de IRS resultante da liquidação adicional sub judice até ao reembolso integral do imposto indevidamente pago pelo contribuinte.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de €7.250,25 (sete mil duzentos e cinquenta euros e vinte cinco cêntimos) que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendeu obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em €612,00 (seiscentos e doze euros), que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Porto, 17 de fevereiro de 2020
O Árbitro
Maria Antónia Torres