Decisão Arbitral
Acordam em tribunal arbitral
I – Relatório
1. A...– Sucursal em Portugal, contribuinte fiscal n.º ..., com local de representação no ..., Edifício ..., ...-... ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação em IRC referente ao ano de 2014, no montante de € 240.156,28, acrescido de juros compensatórios de € 22.397,04, e ao ano 2015, no montante de € 737.330,67, acrescido de juros compensatórios de € 39.189,63, e bem assim do despacho do Diretor de Finanças Adjunto de Lisboa que indeferiu a reclamação graciosa deduzida contra esses atos de liquidação, requerendo ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e em juros indemnizatórios.
Fundamenta o pedido nos seguintes termos.
A Requerente é a sucursal em Portugal da B..., sociedade de direito britânico com sede no Reino Unido (B...), e encontra-se registada sob o CAE principal 62090 – Outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática.
A presença da B... para efeitos fiscais em Portugal não se restringe à atividade desenvolvida por intermédio da sucursal e inclui um registo de IVA através do qual cumpre, em território nacional, as obrigações fiscais inerentes a operações específicas que não se integram no âmbito da atividade levada a cabo pela sucursal.
O Grupo B... atua de forma global, operando em cada mercado por meio de uma rede de revendedores/parceiros ou, em casos excecionais, através do fornecimento direto de bens e serviços a clientes finais, sendo que em Portugal opera, na generalidade dos casos, por meio do referido modelo indireto de vendas.
Todas as vendas de bens e serviços efetuadas pela B... ocorrem fora de Portugal, e são, por isso, tributadas no País onde se encontra domiciliada fiscalmente, o Reino Unido.
O negócio da Requerente em Portugal é desenvolvido sob a forma de fornecimento de produtos e prestação de serviços de instalação, os denominados contratos de “supply and install”, que compreende apenas o fornecimento e a instalação de equipamentos, sendo que o único cliente é a C... S.A.R.L., sociedade de direito luxemburguês.
Para além da área “supply and install”, existe uma outra área de negócio do Grupo B... que tem consequências declarativas para efeitos de IVA, a denominada “Technical Support”, no âmbito da qual são celebrados contratos (TSS), que preveem a prestação de serviços de assistência técnica para assegurar que os produtos da marca B... operem eficientemente.
Ao contrário das garantias genéricas standard, os serviços TSS não respeitam ao cumprimento de obrigações contratuais num período pós-venda, antes correspondem a um serviço autónomo que pode ser vendido em conjunto com os equipamentos e posteriormente renovado quando o período de subscrição atinge o seu termo.
Para poder fornecer os serviços de TSS, a B... armazena em Portugal uma quantidade suficiente de peças para fazer face às necessidades contratuais de substituição urgente, sendo que essas peças são propriedade da B..., e não da Requerente ou dos parceiros locais.
A substituição das peças não é faturada ao cliente, uma vez que o preço está incluído no valor fixo do contrato TSS.
A B... registou-se em Portugal para efeitos de IVA para poder reportar o fluxo de entradas e saídas das peças de substituição em Portugal, atividade esta que não é controlada ou gerida pela Requerente, dando origem à emissão de faturas meramente internas, denominadas pro forma. As faturas revestem essa natureza porque não se procede à transmissão efetiva das peças, mas sim ao registo da sua entrada e saída do território nacional.
Por outro lado, a Requerente não emite qualquer fatura a título de prestação de serviços de TSS porque os mesmos não são por si realizados. Efetivamente, o registo de IVA da B... em Portugal destina-se ao cumprimento do formalismo inerente à receção e posterior instalação de peças para a substituição de componentes ou equipamentos B... no âmbito de contratos TSS, contratos estes celebrados pela B... ou pelos seus revendedores/parceiros locais, e não pela Requerente, que não tem qualquer intervenção na prestação de serviços TSS.
Foi neste contexto que os serviços da Autoridade Tributária detetaram, numa ação de inspeção, supostos rendimentos provenientes de transmissões intracomunitárias de bens na esfera da Requerente, reportadas nas declarações periódicas de IVA pelo respetivo registo no campo 07 – Transmissões Intracomunitárias Isentas, e não contabilizadas pela sucursal para efeitos de determinação do lucro tributável em sede de IRC.
A Autoridade Tributária sustenta a obrigatoriedade de declarar em sede de IRC as transmissões intracomunitárias de bens realizadas pela A... Sucursal em Portugal por considerar que o objeto das operações contabilizadas e das que não são registadas na contabilidade corresponde à transmissão de bens de material informático da B..., sendo ambas as atividades idênticas ou similares.
Ora, os serviços de TSS a que se referem as faturas pro forma comunicadas pelo registo de IVA não integram a atividade da sucursal e não são idênticos ou similares aos contratos de supply and install. Esses serviços de TSS, prestados pela B..., são diversos e muito mais amplos do que o fornecimento e instalação de equipamentos B... pela sucursal à D... e estão muito para além do simples fornecimento de peças e material informático. E, por outro lado, a Requerente não dispõe, em Portugal, de meios humanos, materiais ou técnicos para prestar esses serviços, não é remunerada pela B... para o efeito, nem suporta qualquer risco inerente ao exercício da atividade.
Por outro lado, mesmo que o artigo 3.º, n.º 3, do CIRC permitisse atrair rendimentos adicionais para a sucursal, o artigo 7.º, n.º 2 da convenção celebrada entre Portugal e o Reino Unido para evitar a dupla tributação deixa claro que não basta a similitude das atividades, tornando-se exigível que sejam imputados a um estabelecimento estável os lucros que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.
A presunção de que o estabelecimento estável intervém numa operação tributável em IVA, que se extrai da emissão de uma fatura com o número de identificação IVA atribuído pelo Estado-Membro onde o mesmo se localiza, não pode ser extrapolada para presumir a existência de rendimentos tributáveis em IRC à margem das regras e diretrizes específicas de atribuição do lucro ao estabelecimento estável.
O cumprimento de uma obrigação formal instituída para efeito do controlo da arrecadação de um imposto sobre o consumo no quadro de um mercado comum (IVA) não pode servir de pretexto para um Estado-Membro se arrogar o direito de tributar rendimento aí obtido por um não residente por intermédio de um estabelecimento estável.
Acresce que mesmo que se admita que os lucros provenientes das transmissões de bens no âmbito das operações de TSS deveriam ser sujeitos a IRC, a Autoridade Tributária não poderia ter-se limitado, para efeito do cálculo do rendimento, a considerar os valores brutos reportados nas declarações periódicas de IVA, sem ter em conta as despesas em que o estabelecimento incorre para a formação do lucro tributável.
Existe, por conseguinte, um erro na qualificação e quantificação do lucro imputável ao estabelecimento estável, para além de que a desconsideração dos gastos implica a violação do princípio da não discriminação, consagrado no artigo 23.º, n.º 1, da CDT entre Portugal e o Reino Unido, pelo qual “os nacionais de um Estado Contratante não ficarão sujeitos no outro Estado Contratante a nenhuma tributação ou obrigação com ela conexa diferentes ou mais gravosas do que aquelas a que estejam ou possam estar sujeitos os nacionais desse outro Estado que se encontrem na mesma situação”.
Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a Requerente, para além de venda de mercadorias e produtos à C... e serviços prestados a esta entidade e à E... BV, que se encontram contabilizados para efeitos de apuramento do lucro tributável, procede ainda à apresentação de declarações periódicas de IVA, por referência a transmissões intracomunitárias isentas que não são registadas como rendimentos. Sendo que se constatou, no âmbito do procedimento inspetivo, que as faturas em causa correspondem a transmissões onerosas de material informático e de comunicações, que consubstanciam atividades idênticas ou similares às atividades desenvolvidas pela Requerente.
Com efeito, as atividades a que se referem os contratos suplly and instal ou os contratos TSS inserem-se no objeto social da Requerente em território nacional e no código de atividade económica em que se encontra registada (CAE 620090 - Outras atividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática). E se a Requerente tivesse realizado operações tributáveis apenas em sede de IVA, isto é, operações que não se subsumissem à atividade respeitante ao CAE 620090, mas a outro ramo de atividade em sede de IRC, sempre teria obter um número de identificação de pessoa coletiva enquanto entidade residente sem estabelecimento estável, e registar essas operações, com esse número de identificação, nas declarações periódicas de IVA.
Por conseguinte, a Requerente não pode declarar transmissões intracomunitárias de bens associadas à atividade da sucursal em Portugal, alegando que só produzem efeitos em sede de IVA, sem proceder ao registo contabilístico do rendimento gerado por essas transmissões como componente positiva do lucro tributável.
Em conclusão, uma vez que a Requerente detém em território nacional um estabelecimento estável para o exercício da atividade associada ao CAE 620090, qualquer operação referente à mesma tem que ser imputada ao estabelecimento estável e não diretamente à casa mãe como pretende a Requerente.
É de rejeitar o entendimento de que o sujeito passivo é a entidade não residente e não o seu estabelecimento estável, uma vez que, nos termos do n.º 3 do artigo 18.º da LGT, "o sujeito passivo é a pessoa singular ou coletiva, o património ou a organização de facto ou de direito que, nos termos da lei, está vinculado ao cumprimento da prestação tributária, seja como contribuinte direto, substituto ou responsável”. E no caso concreto a B... sempre foi o sujeito passivo de IRC, segundo o artigo 2.º, n.º 1, alínea e), do CIRC, e o número de identificação de pessoa coletiva (NIF) é o atribuído em Portugal à B... para efeitos de tributação dos rendimentos imputáveis ao estabelecimento estável aqui sediado.
Ou seja, embora os estabelecimentos estáveis de sociedades não residentes possuam personalidade tributária e autonomia patrimonial em território nacional, o contribuinte (sujeito passivo) mantém-se como não residente sendo tributado no nosso país pelos rendimentos aqui obtidos através do estabelecimento estável, com base nos mesmos critérios conferidos às pessoas coletivas residentes.
Por outro lado, pela descrição das faturas é possível concluir pela semelhança e similaridade das operações em causa, revelando-se tratar de transações associadas ao desenvolvimento da atividade da sucursal.
Não se verifica ainda a invocada violação do princípio da não discriminação, porquanto todos os gastos suportados com a venda de mercadorias constam na contabilidade da sucursal, que foram aceites fiscalmente, como resulta do relatório de inspeção tributária, competindo à Requerente alegar e provar que havia outros custos a considerar.
Conclui no sentido de que as transmissões intracomunitárias em causa integram o âmbito da atividade levada a cabo pela sucursal, sendo tributáveis em IRC, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 20.º do CIRC.
2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e ordenado o prosseguimento do processo para alegações escritas facultativas por prazo sucessivo.
Em alegações, as partes reiteraram as suas anteriores petições.
3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.
Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral coletivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.
As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.
Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 8 de Agosto de 2019.
O tribunal arbitral foi regularmente constituído.
As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).
O processo não enferma de nulidades e nem foram invocadas excepções.
Cabe apreciar e decidir.
II - Fundamentação
Matéria de facto
4. Os factos relevantes para a decisão da causa tidos como assentes são os seguintes.
A) A Requerente é a sucursal em Portugal da B..., sociedade de direito britânico com sede em ..., ... Reino Unido, é residente fiscal no Reino Unido e aí opera, para efeitos de Imposto sobre o Valor Acrescentado, sob o n.º GB ... .
B) Encontra-se registada sob o CAE principal 62090 – Outras atividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática.
C) O objeto social da Requerente consiste, entre outras atividades, em “importar produtos de hardware e software e fornecer e vender produtos de hardware e software para infraestruturas em rede e serviços relacionados que permitam a prestação de serviços de banda larga móvel; prestar e vender produtos de rede, software e serviços em nome de, ou associados a terceiros; executar e/ou desenvolver ações de apoio a atividades tanto de pré-vendas como de pós-vendas, incluindo serviços de implementação e operação em rede; prestar serviços de consultoria e aconselhamento incluindo a formulação, conceptualização, conceção, planeamento, desenho, montagem, promoção e embalagem, relacionados com sistemas de rede, sistemas de informação e produtos relacionados; prestar apoio na gestão de programas e projetos, instalação, assistência técnica, formação e serviços de reparação e manutenção relacionados com sistemas de rede, sistemas de informação e produtos relacionados; além disso, desenvolver todas as atividades direta ou indiretamente relacionadas com a prossecução dos objetivos de negócio supra”.
D) O Grupo B... está encarregue da venda e distribuição dos produtos e serviços B... num conjunto de países, incluindo Portugal, operando em cada mercado de modo indireto através de uma rede de revendedores/parceiros, e, em casos excecionais, através do fornecimento direto de bens e serviços a clientes finais.
E) A Requerente foi constituída em julho de 2011 com vista a otimizar a flexibilidade e capacidade do negócio da B... em Portugal e em face da crescente complexidade das necessidades dos clientes do grupo.
F) Em território nacional, a Requerente está enquadrada no regime normal mensal de IVA.
G) A Requerente desenvolve em Portugal o fornecimento e a instalação de equipamentos através de contratos de “supply and install”, tendo como único cliente a C... S.A.R.L., sociedade de direito luxemburguês.
H) A B... presta serviços de assistência técnica através de parceiros locais a clientes finais numa área de “Technical Support”, através de contratos denominados TSS, destinados a assegurar uma proteção adicional e uma extensão da garantia aos produtos B... .
I) Esses serviços não integram uma garantia genérica de venda de equipamentos, mas correspondem a um serviço autónomo que pode ser vendido em conjunto com os equipamentos durante um certo período de subscrição e depois renovado.
J) A Requerente não dispõe, em Portugal, de meios humanos, materiais ou técnicos para prestar os serviços TSS, não é remunerada pela B... para esse efeito e não suporta qualquer risco inerente ao exercício dessa atividade.
K) A Requerente foi objeto de uma ação inspetiva, ao abrigo das Ordens de Serviço n.ºs OI2016... e OI2016..., referente aos exercícios de 2014 e 2015.
L) O Relatório de Inspeção Tributária justificou as correções aritméticas em sede de IRC nos seguintes termos:
III – DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS À MATÉRIA TRIBUTÁVEL
(…)
Faturas emitidas, pelo sujeito passivo. A... SUCURSAL EM PORTUGAL, com o NIPC: ..., no valor total de €980.229,73 no exercício fiscal de 2014. Vide Anexo 5.
Faturas emitidas, pelo sujeito passivo, A... SUCURSAL EM PORTUGAL, com o NIPC: ..., no valor total de € 3.055.072,78 no exercício fiscal de 2015. Vide Anexo 6.
As faturas acima quantificadas, dizem respeito a transmissões intracomunitárias, declaradas, em sede de IVA, nas declarações periódicas de IVA, no campo 07 - Transmissões Intracomunitárias Isentas. Constata-se que tais faturas, não foram, no entanto, contabilizadas na conta 71 - Venda de mercadorias e Produtos, nem em qualquer outra conta de rendimentos, pelo que, tais rendimentos não foram declarados pelo sujeito passivo, em sede de IRC, sendo ainda certo que, as referidas mercadorias foram transportadas do território português para países comunitários, para clientes registados como sujeitos passivos nesses países.
(…)
Face aos factos descritos, importa enquadrá-los à luz da legislação fiscal em vigor à data dos mesmos.
A A... Sucursal em Portugal da entidade B... do Reino Unido, apresenta como domicílio fiscal constante da base de dados da AT, a morada que coincide com o local de representação constante na Certidão Permanente, onde é possível contactar os responsáveis/recursos humanos da empresa em território nacional.
A A... Sucursal, como representação permanente / sucursal em Portugal de uma entidade não residente, apresenta uma instalação fixa através da qual é exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola enquadrando-se no conceito de estabelecimento estável em Território Nacional, nos termos da alínea b) do n.º 2 e n.º 1 do art.º 5.º do Código do IRC.
Por seu lado, uma sucursal de uma empresa estrangeira, não tem personalidade jurídica própria, sendo juridicamente uma extensão da entidade que representa, apresentando, porém, personalidade tributária.
Assim, em sede de IVA, note-se que de acordo com os n.ºs 1 e 2 do art.º 53.º do Regulamento de Execução (EU), n.º 282/2011, de 15 março de 2011, “... só é tido em conta um estabelecimento estável de que o sujeito passivo disponha se o mesmo for caracterizado por um grau suficiente de permanência e uma estrutura adequada, em termos de recursos humanos e técnicos, que lhe permita a entrega de bens ou a prestações de serviços na qual intervém ... todavia, se for emitida uma fatura com o número de identificação IVA atribuído peto Estado-Membro do estabelecimento estável, esse estabelecimento é considerado como interveniente na entrega de bens ou prestação de serviços efetuada naquele estado Membro, salvo prova em contrário...”
Daqui decorre, que as faturas, relativas à transmissões intracomunitárias emitidas com o número de identificação fiscal da A... Sucursal, já de si, implicam, necessariamente, que esta entidade seja interveniente nestas transmissões de bens.
Para além do enquadramento legal acima referido, importa efetuar, uma análise mais profunda, em sede de IRC, senão vejamos.
As entidades desprovidas de personalidade jurídica, que não tenham sede nem direção efetiva em território português, são sujeitos passivos de IRC, de acordo com a alínea c) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IRC, sendo que neste caso, o IRC incide sobre o lucro imputável ao estabelecimento estável situado nesse mesmo território, conforme o disposto na alínea c) do n.º 1 do art.º 3.º do referido diploma legal.
Dos normativos legais atrás mencionados resulta inequívoca e objetivamente, que a A... Sucursal em Portugal, como estabelecimento estável que é tem as mesmas obrigações tributárias, que qualquer outro sujeito passivo com sede ou direção efetiva em território nacional, sendo, no entanto, apenas tributado pelos rendimentos obtidos neste território, como dispõe o n.º 2 do art.º 4.º do Código do IRC.
Efetivamente, de acordo com a Doutrina existente no Sistema Fiscal Português, em sede de Imposto sobre o Rendimento, note-se que o conceito de estabelecimento estável, vem desde logo plasmado no preâmbulo anexo ao Código do IRC, designadamente no seu ponto 6, que refere:
" ... a extensão da obrigação de imposto depende da localização da sede ou direção efetiva do sujeito passivo, o que obrigou a precisar, no caso destas se situarem no estrangeiro, quando é que os rendimentos se consideram obtidos em território português. Na escolha dos elementos de conexão relevantes para o efeito tiveram-se em conta não só a natureza dos rendimentos, como também a situação e interesses do País enquanto território predominantemente fonte de rendimentos ... por isso se adotou um conceito amplo de estabelecimento estável e ainda, embora de forma limitada, o denominado princípio da atração do estabelecimento estável... “
Ora, este princípio da atração do estabelecimento estável encontra-se concretizado e consagrado no n.º 3 do artigo 3º do Código do IRC, quando este refere que, são componentes do lucro imputável de um estabelecimento estável situado em território português, os rendimentos de qualquer natureza obtidos por seu intermédio, bem como os demais rendimentos obtidos nesse mesmo território, que provêm de atividades idênticas ou similares às realizadas através desse estabelecimento estável, de que sejam titulares as entidades aí referidas.
Ou seja definem-se neste preceito legal, os rendimentos imputáveis ao estabelecimento estável, por apelo ao “principio de absorção ou força atrativa do estabelecimento estável”, pois imputam-se a este, não os rendimentos obtidos por seu intermédio, mas também os demais rendimentos obtidos pela entidade não residente, em território português, provenientes de atividades idênticas ou similares às realizadas pelo respetivo estabelecimento estável, de que sejam titulares as entidades aí referidas.
Ora, o efeito útil desta disposição é por demais notório. Através desta, obsta-se a que entidades não residentes que detenham estabelecimento estável em território português façam passar o produto da sua atividade a margem deste imputando-o diretamente à empresa sediada no estrangeiro.
Esta situação implicaria, nuns casos, a tributação dos rendimentos a taxas mais reduzidas e, na maior parte dos casos, a ausência total de tributação.
Acresce que de acordo com a Convenção, para prevenir a dupla tributação e a evasão fiscal, entre Portugal e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte em matéria de Impostos sobre o Rendimento, que se encontra em vigor, e no Estado da fonte que devem ser tributados os rendimentos do Estabelecimento Estável, conforme o disposto no seu artigo 7.º n.º 1 e n.º 2, que expressamente refere:
“... quando uma empresa de um Estado, exercer a sua atividade no outro Estado por meio de um estabelecimento estável aí situado, serão imputados, a esse estabelecimento estável os lucros que este obteria como se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares, nas mesmas condições ou em condições similares, e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável … na medida em que esses lucros sejam imputados ao estabelecimento estável …”
Face ao exposto, e no caso em apreço, a A... Sucursal em Portugal da entidade sediada no Reino Unido, B... Limited, devem ser imputados todos os rendimentos obtidos em território nacional, inclusive, as transmissões intracomunitárias, não contabilizadas nem declaradas, em seda de IRC, efetuadas com o seu número de identificação fiscal, porque provenientes de atividades idênticas ou similares às por si declaradas e contabilizadas. Vide Anexo 5 e Anexo 6.
Efetivamente, como a própria expressão refere, as atividades não têm que ser necessariamente idênticas, basta que sejam similares, entendendo-se como similares, as atividades que se assemelham de um modo geral, ou têm características comuns, a mesma natureza.
Ora, também relativamente a esta última condição/requisito, não restam, pois, quaisquer dúvidas, isto e, se compararmos as faturas de transmissões de bens, contabilizadas/declaradas pelo sujeito passivo em rendimentos (vide anexos 3 e 4) com as faturas emitidas relativas às transmissões intracomunitárias não contabilizadas/não declaradas nos rendimentos (vide anexos 5 e 6), podemos concluir que o objeto destas é o mesmo ou similar, ou seja, transmissão de bens de material informático e comunicações da B..., sendo, por conseguinte ambas as atividades (refletidas no descritivo das faturas) idênticas ou similares, senão vejamos:
• no exercício fiscal de 2014, ao analisarmos o documento, com o número interno n.º ... que corresponde à fatura n.º 915000007 de 2014-08-18, emitida à C... S.A.R.L., VAT:..., que foi contabilizado pelo sujeito passivo na conta 71 - Venda de Mercadorias (Vide Anexo 3), podemos verificar que na sua descrição constam os seguintes itens, “N7K-USB-BGBINEXUS 7K USB FLASH MEMORY-BGB (log flash)", “N7K-AC-6.0KW/NEXUS 7000 - 6.0KW AC POWER SUPPLY MODULE”, “N7K-C7010-FAB-2/NFEXUS 7000 - 10 SLOT CHASSIS - 110Gbpslslot FABRIC MODULE”, etc., (o sublinhado e nosso).
Ora, efetuando a mesma análise, para uma das faturas que o sujeito passive não considerou/declarou para efeitos de IRC, por exemplo a fatura n.º PT1000153 OE 2014-08-23 emitida à B..., VAT: NL... (Anexo 5). podemos observar que na sua descrição constam os itens, na linha 26 – “11AC POWER SUPPLY SPARE", na linha 75, “... 32 MB 3700 COMPACT FLASH ME.MORY”: na linha 25 – “...7300, 4-SLOT CHASSIS”, etc., (o sublinhado é nosso).
• no exercício fiscal de 2015, se analisarmos o documento com o número interno ... referente a “remittanse invoice”... de 05-02-2016, que corresponde á fatura n.º 15000081 da mesma data, à C... S.A.R.L, que foi contabilizado pelo sujeito passivo na conta 71 - Venda de Mercadorias (Vide Anexo 4), podemos verificar que constam na sua descrição os seguintes itens, “ASR55-DPC2-K9/ASR5500 DATA PROCESSING CARD (DPC2), “ASR55-SSC/SR5500 SYSTEMS STATUS CARD (SSC)", “ASR55-FSC/ASR5500 FABRIC AND STORAGE CARD (FSC), etc., (o sublinhado e nosso).
Comparando esse documento com a fatura n.º 1000183 de 19-09-2015, emitida à B..., VAT: NL... (Anexo 6), que o sujeito passivo não considerou/declarou, para efeitos de IRC, podemos observar que na sua descrição constam os itens na linha 2, “ASR5500 UNIVERSAL PROCESSING CARD”, na linha 127, “ASR550 SYSTEMS STATUS CARD”, na linha 128, “ASR5500 FABRIC STORAGE CARD (FSC)”, etc., (o sublinhado é nosso).
Conforme se pode concluir, todas estas faturas, correspondem a transmissões onerosas de material informático e de comunicações, ou seja, as atividades desenvolvidas em ambos os casos, são idênticas ou similares.
Importa referir que estas comparações que foram efetuadas entre documentos, com tratamentos contabilísticos e fiscais diferentes, em sede de IRC, são meros exemplos. Tais análises e exemplos, repetem-se igualmente, quando confrontadas as faturas constantes nos anexos 3 e 4 (contabilizadas/declaradas em sede de IRC) com as faturas constantes nos anexos 5 e 6 (não contabilizadas/declaradas em sede de IRC) do presente relatório.
Face ao descrito, só pode a Administração Fiscal considerar que os rendimentos, ora em análise, devem ser atraídos/imputados à A... Sucursal, estabelecimento estável no território nacional.
Em suma, as transmissões intracomunitárias efetuadas não contabilizadas/não declaradas, no ano fiscal de 2014, no montante de €980.229,73 e no ano fiscal de 2015 no valor de €3.055.072,78, devem ser consideradas como rendimentos da A... Sucursal em Portugal, nos termos dos normativos legais já anteriormente invocados, conjugados com o n.º 1 do art.º 20º do Código de IRC.
(…).
M) A Autoridade Tributária emitiu os atos de liquidação em IRC n.º 2018..., de 23 de maio de 2018, relativa ao período de tributação de 2014, da qual resultou um montante de imposto a pagar de € 240.156,28, acrescido de juros compensatórios, e n.º 2018..., de 24 de maio de 2018, relativa ao período de tributação de 2015, da qual resultou um montante de imposto a pagar de € 737.330,67, acrescido de juros compensatórios, que constituem os documentos n.ºs 1 e 2 anexos à petição inicial.
N) A Requerente deduziu reclamação graciosa contra os atos de liquidação, que foi indeferida por despacho de 27 de Fevereiro de 2019 do diretor adjunto da Direção de Finanças, praticado com delegação de poderes.
O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados.
Matéria de direito
Enquadramento jurídico
5. Como tema central no presente Processo está a eventual imputabilidade e consequente quantificação na esfera jurídica da Requerente, de rendimentos provenientes de transmissões intracomunitárias de bens que esta não havia registado na contabilidade para efeitos de determinação do seu lucro tributável.
Começar-se-á a análise do thema decidendum pelo enquadramento jurídico-tributário da situação da Requerente, prosseguindo-se com a aferição do quadro normativo aplicável à determinação do seu lucro tributável para que, por fim, seja possível aferir da imputabilidade dos referidos rendimentos à mesma.
Como ponto de partida, caberá relembrar que a Requerente constitui a sucursal em Portugal da B..., sociedade com sede e residência fiscal no Reino Unido, através da qual esta última desenvolvia atividades relacionadas com as tecnologias da informação e informática.
Sem colocar em causa a prossecução de tais atividades em Portugal, a verdade é que, conforme denota PAULO OLAVO CUNHA, “[a] sucursal não reveste personalidade jurídica, não constituindo por isso um sujeito autónomo de Direito, (…) [n]ão se distinguindo verdadeiramente da sociedade estrangeira, a que pertence e da qual constitui um prolongamento (…)” . Assim, ainda que a sucursal detenha personalidade tributária, é a B... que se configura como sujeito passivo de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas, tal como disposto no artigo 2.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC.
Não tendo a B... sede ou direção efetiva em Portugal, esta é considerada não residente nos termos do artigo 2.º, n.º 3, do Código do IRC, pelo que será tributada com base nos rendimentos percebidos de fonte portuguesa (Source Principle), tal como estabelece o artigo 4.º, n.º 2, do Código do IRC. Para esse efeito, consideraram-se obtidos em território português os rendimentos imputáveis a estabelecimento estável aí situado, tal como resulta dos artigos 3.º, n.º 1, alínea c), e 4.º, n.º 3, 1ª parte, ambos do Código do IRC. Por seu turno, na falta de tal estabelecimento ou da imputabilidade de tais rendimentos, seriam considerados de fonte portuguesa os rendimentos percebidos que se encontrassem expressamente tipificados no artigo 4.º, n.º 3, 2ª parte, do Código do IRC.
Atentando ao disposto nos autos, vislumbra-se que não se afigura controvertida a configuração da Requerente, sucursal da B... em Portugal, enquanto estabelecimento estável, isto é, enquanto “instalação fixa através da qual seja exercida uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola”, tal como previsto no artigo 5.º, n.º 1 e n.º 2, alínea b), do Código do IRC. Ademais, constata-se que idêntica consideração vale quanto à Convenção celebrada entre Portugal e o Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte para Evitar a Dupla Tributação e prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento (“ADT”). Nos termos do seu artigo 5.º, n.º 1, estabelece-se “Para efeitos desta convenção, a expressão «estabelecimento estável» significa uma instalação fixa onde a empresa exerça toda ou parte da sua atividade” compreendendo tal expressão, designadamente, uma sucursal, conforme o n.º 2 do presente artigo.
Aqui valerá olhar singelamente ao Acórdão do CAAD, proferido no âmbito do processo n.º 1/2013-T, onde se asseverou que “Será, portanto, o não residente que detém o estabelecimento estável e não o próprio estabelecimento estável a ser tributado, pois (…) o estabelecimento estável, apesar de ser tratado como uma massa patrimonial autónoma para efeitos de determinação do montante dos lucros tributáveis em Portugal, não tem personalidade tributária autónoma, sendo unicamente uma presença especialmente relevante do não residente: são «as pessoas coletivas e outras entidades que não tenham sede nem direção efetiva em território português (que) ficam sujeitas a IRC apenas quanto aos rendimentos nele obtidos»”. Tudo para concluir, em suma, que é sobre a B... que recai a obrigação de pagamento de imposto, descortinando-se a possibilidade de esta exercer toda ou parte das suas atividades através da sua sucursal em Portugal. Significa isto que, enquanto não residente, esta manterá a faculdade de exercer as suas atividades em Portugal quer de modo direto, quer por intermédio do seu estabelecimento estável.
Da determinação dos lucros imputáveis ao estabelecimento estável
6. De seguida, e enquanto ponto prévio, valerá recordar que a tributação de entidades não residentes por lucros imputáveis a estabelecimento estável em Portugal, nos termos do artigo 3.º, n.º 1, alínea c), do Código do IRC, é norteada por um princípio de tributação independente, segundo o qual a tributação dos lucros deve ser efetuada tal como se de uma empresa independente se tratasse.
Para esse efeito, exige o artigo 123.º do Código do IRC que “as entidades que, embora não tendo sede nem direção efetiva naquele território [em Portugal], aí possuam estabelecimento estável, são obrigadas a dispor de contabilidade organizada nos termos da lei que, além dos requisitos indicados no nº 3 do artigo 17.º, permita o controlo do lucro tributável”. Ora, esta obrigação contabilística visa assegurar a eficácia da remissão da determinação do lucro imputável a estabelecimento estável, efetuada pelo artigo 55.º, n.º 1, do Código do IRC, para as normas de determinação do lucro aplicáveis a pessoas coletivas residentes em Portugal que exerçam, a título principal, atividade comercial, industrial ou agrícola e que são tributadas com base na sua contabilidade organizada, nos termos do artigo 17.º, n.º 1, do Código do IRC.
Dito isto, e na senda de ALBERTO XAVIER , é possível afirmar que a configuração da tributação dos lucros imputáveis a estabelecimento estável, com base no princípio da tributação independente, tem subjacente o princípio instrumental do método direto ou da contabilidade separada. Por seu turno, considera o referido autor que deste princípio instrumental decorre um corolário de assimilação do estabelecimento estável a uma empresa independente. Para o efeito, traduz-se tal assimilação na imposição ao estabelecimento estável de, nas relações que estabeleça com a casa-mãe ou outra entidade com a qual esteja especialmente relacionada, praticar condições substancialmente idênticas àquelas que seriam normalmente praticadas entre pessoas independentes, prosseguindo-se assim uma máxima de plena concorrência.
Em síntese, conclui-se que o estabelecimento estável deva ser encarado como se de uma empresa distinta e separada se tratasse, devendo a determinação do lucro que lhe seja imputável ter subjacente a sua contabilidade organizada.
Tecidas que estão as considerações prévias, cumpre agora apreciar que rendimentos se devem considerar compreendidos na noção de “lucro imputável”, de modo a que seja possível, posteriormente, analisar a imputabilidade à Requerente dos rendimentos alegados pela Autoridade Tributária.
De um ponto de vista teórico, vislumbra-se a possibilidade de os Estados conformarem a imputação de rendimentos a um estabelecimento estável com recurso a dois grandes princípios: o princípio do nexo direto e/ou o princípio da atração. A solução conferida por cada um deles, responderá à questão de saber se aos estabelecimentos estáveis de entidades não residentes podem, ou não, ser imputados rendimentos resultantes de operações levadas a cabo diretamente pela casa-mãe, isto é, de operações nas quais não tiveram qualquer interferência ou participação.
A este respeito, cumpre reproduzir o artigo 3.º, n.ºs 1 e 3, do Código do IRC, para que melhor se percecione os moldes da consagração de cada um dos princípios enunciados:
“Artigo 3.º - Base do imposto
1 – O IRC incide sobre:
(…)
c) o lucro imputável a estabelecimento estável situado em território português de entidades referidas na alínea c) do n.º 1 do artigo anterior;
(…)
3 – São componentes do lucro imputável ao estabelecimento estável, para efeitos da alínea c) do n.º 1, os rendimentos de qualquer natureza obtidos por seu intermédio, assim como os demais rendimentos obtidos em território português, provenientes de atividades idênticas ou similares às realizadas através desse estabelecimento estável, de que sejam titulares as entidades aí referidas.” (destacado nosso)
Tomando em consideração aquilo que foi sendo exposto, torna-se possível inferir a conexão entre o artigo 3.º, n.º 3, primeira parte, do Código do IRC e o princípio da tributação segundo uma lógica de assimilação do estabelecimento estável a uma empresa independente e separada. De facto, a primeira parte deste preceito consagra o princípio do nexo direto ou conexão efetiva, segundo o qual apenas serão imputáveis ao estabelecimento estável os lucros que tenham sido percebidos por seu intermédio. Assim, apenas conformarão a noção de “lucro tributável” os rendimentos obtidos em virtude de operações levadas a cabo pelo estabelecimento estável e já não todo e qualquer lucro que seja obtido pelo sujeito passivo no Estado onde tal estabelecimento se situa.
Não obstante, a par do princípio do nexo direto, vigora o princípio da atração do estabelecimento estável, consagrado na segunda parte do referido preceito. Em todo o caso, esta força atrativa é limitada, dado que não serão imputáveis ao estabelecimento estável todos os rendimentos que sejam obtidos em Portugal. De facto, verifica-se uma restrição do escopo de atração aos rendimentos obtidos diretamente pela casa-mãe em Portugal, fruto de atividades idênticas ou similares às realizadas por intermédio do seu estabelecimento estável aqui situado. Por outras palavras, não só serão imputáveis ao estabelecimento estável os rendimentos que sejam auferidos por seu intermédio (nexo direto), como também os rendimentos que, pese embora sejam obtidos em Portugal diretamente pela casa-mãe, derivem de atividades idênticas ou similares àquelas que são efetuadas por via do estabelecimento estável.
Conforme se depreende, a imputação de lucros ao estabelecimento estável operada por via do princípio da força atrativa limitada, implica o afastamento da tributação com base no lucro contabilisticamente apurado. Assim sendo, ao consistir este princípio numa derrogação da assimilação do estabelecimento estável a uma empresa independente e separada, caberá aferir em que medida a solução propugnada pela legislação interna portuguesa se coaduna com o normativo consagrado no ADT celebrado entre Portugal e o Reino Unido.
A este respeito, revela-se essencial a reprodução parcial do artigo 7.º do referido ADT, para que dele se possam extrair as devidas ilações, subsumidas ao caso concreto:
“ARTIGO 7.º
Lucros Industriais ou comerciais
1) Os lucros industriais ou comerciais de uma empresa de um Estado Contratante só podem ser tributados nesse Estado, a não ser que a empresa exerça a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de um estabelecimento estável aí situado. Se a empresa exercer a sua atividade deste modo, os seus lucros industriais ou comerciais podem ser tributados no outro Estado, mas unicamente na medida em que forem imputáveis a esse estabelecimento estável.
2) Quando uma empresa de um Estado Contratante exercer a sua atividade no outro Estado Contratante por meio de estabelecimento estável aí situado, serão imputados, em cada Estado Contratante, a esse estabelecimento estável os lucros industriais ou comerciais que este obteria se fosse uma empresa distinta e separada que exercesse as mesmas atividades ou atividades similares nas mesmas condições ou em condições similares e tratasse com absoluta independência com a empresa de que é estabelecimento estável.” (destacado nosso)
Nos termos do artigo 7.º, n.º 1, o direito a tributar os lucros da B... compete exclusivamente ao Estado da Residência, isto é, ao Reino Unido. Em todo o caso, o exercício pela B..., da sua atividade em Portugal, por via de um estabelecimento estável, determina que Portugal também detenha competência para tributar tais lucros, naquela que já será uma competência cumulativa ilimitada, isto é, quer o Reino Unido quer Portugal podem tributar esses lucros, não existindo quaisquer limites quantitativos a essa tributação.
Atendendo à parte final do preceito em questão, bem como às considerações já tecidas a respeito da ordem jurídica interna, descortina-se que a pretensão tributária conferida a Portugal se cinge aos rendimentos obtidos por intermédio do estabelecimento estável, isto é, por intermédio da sucursal da B... em Portugal, naquela que é uma consagração do princípio do nexo direto.
Em idêntico sentido, aponta o artigo 7.º, n.º 2, ao consagrar o princípio da assimilação a uma empresa independente, em virtude do qual a tributação do lucro imputável ao estabelecimento estável deverá operar como se de uma empresa distinta e separada se tratasse, o que implica que a tributação de tais lucros tenha por base a contabilidade organizada da sucursal da B... . A este respeito, salienta ALBERTO XAVIER que «Consequência direta da assimilação a uma empresa independente é a rejeição expressa do princípio da força atrativa do estabelecimento estável, restringindo-se a tributação “unicamente aos (lucros) que forem imputáveis ao estabelecimento estável» .
Constatando-se a rejeição ao nível convencional do princípio da força atrativa, ainda que parcial, cumpre aferir de que modo se compatibilizará essa rejeição com a consagração deste princípio nas normas de incidência internas constantes do Código do IRC.
A questão que ora se levanta respeita a um problema de hierarquia de fontes de direito. Como é sabido, o artigo 8.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa consagra uma cláusula de receção automática plena do direito internacional convencional pelo que, as convenções internacionais, regularmente ratificadas e aprovadas, vigoram na ordem jurídica portuguesa assim que ocorrer a respetiva publicação. Deste modo, estas constituem fonte imediata de direitos e obrigações para com os seus destinatários, sendo passíveis de ser diretamente invocadas perante os tribunais.
Por seu turno, da conjugação do artigo 8.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa com os artigos 26.º e 27.º da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, é possível afirmar que as convenções internacionais vigentes na ordem jurídica interna prevalecem sobre as demais normas jurídicas que, hierarquicamente, se situem em grau inferior ao das normas constitucionais. Por conseguinte, em caso de conflito, o direito convencional prevalecerá sobre a lei ordinária interna.
Posto isto, concluir-se-á pela derrogação do artigo 3.º, n.º 3, segunda parte, do Código do IRC em virtude do artigo 7.º, n.º 1, da CDT celebrada entre Portugal e o Reino Unido, de modo que apenas serão imputáveis à Requerente os lucros que forem efetivamente percebidos por seu intermédio.
Da imputabilidade dos lucros à Requerente
7. Como já foi oportunamente evidenciado, a eventual similitude ou identidade das atividades desenvolvidas em Portugal, diretamente pela B..., com as atividades desenvolvidas por intermédio da Requerente, nunca poderá servir de fundamento à imputação, a esta última, de rendimentos que não sejam percebidos por seu intermédio.
Neste sentido, revela-se irrelevante que para o exercício da sua atividade em Portugal, a Requerente tenha associado o CAE 620090 que respeita a “outras atividades relacionadas com as tecnologias de informação e informática”. Significa isto que, para efeitos de determinação do lucro imputável, não basta que as atividades desenvolvidas em Portugal se encontrem no âmbito de atividade do estabelecimento estável, maxime no seu objeto social, não detendo este escopo de atividade a virtualidade de atrair todos os rendimentos que nele se possam considerar inseridos.
Por conseguinte, cumpre atentar a cada uma dessas atividades, bem como ao modo como são exercidas, indagando a esfera em virtude da qual se devam considerar imputáveis. Tomando em consideração que parte deste exercício, engloba matéria dada como provada nos presentes autos, procuraremos sintetizar a nossa análise de modo a evitar repetições desnecessárias.
Em primeiro lugar, referimos as atividades de Suplly and Install, que respeitavam a serviços de fornecimento e instalação de produtos da marca B... . Tais serviços visavam a transferência da propriedade dos produtos neles incluídos, após a respetiva instalação e aceitação, para os clientes. A sua realização era efetuada por intermédio da Requerente, suportando esta os riscos e custos inerentes à prossecução da respetiva atividade. Deste modo, sendo tais serviços imputáveis à Requerente, eram os mesmos declarados e sujeitos a tributação em Portugal.
Por seu turno, as atividades de Technical Support Services consistiam em serviços que se traduziam numa garantia acessória e autónoma, que poderia ser adquirida com o intuito de aumentar o nível de proteção sobre os produtos da marca B..., bem como para aumentar o nível de suporte prestacional conferido pela marca. Estes serviços poderiam ser contratados quer por parceiros locais quer por clientes finais, em todo o caso, estes teriam de os adquirir diretamente à B..., suportando esta os custos e riscos inerentes à atividade.
Em suma, os serviços de Suplly and Install prestados por intermédio da Requerente não abrangiam os serviços de Technical Support Services, detendo estes últimos uma amplitude e complexidade mais elevada do que o fornecimento e instalação de equipamento da marca B..., subjacente aos primeiros. De facto, vislumbra-se que os serviços de Technical Support Services eram prestados de modo independente, estando antes conexionados com um conjunto de serviços tecnológicos do Grupo B..., prestados diretamente pela B..., sendo os equipamentos da marca B... utilizados em tais atividades armazenados em local externo e autónomo face ao estabelecimento estável, ou seja, a Requerente não tinha qualquer intervenção material ou humana nas referidas atividades
Em todo o caso, a Autoridade Tributária acabou por imputar à Requerente, rendimentos que teriam provindo de transmissões intracomunitárias de bens, fruto de atividades de Technical Support Services nas quais esta não participou. Alegou para o efeito a Autoridade Tributária que estas transmissões intracomunitárias de bens teriam subjacente as faturas emitidas para efeitos de IVA pela própria Requerente, sendo que os bens a que elas respeitavam se enquadravam, de modo idêntico ou similar, ao âmbito de atividades desenvolvidas por esta em Portugal.
A este respeito, e pese embora o registo da B... e da Requerente em Portugal, para efeitos de IVA, seja coincidente e pudesse ser um indício, a verdade é que as faturas emitidas não permitem, pela simples semelhança da atividade a que se destinam os bens em questão, fundamentar a sua imputação à Requerente. Desde logo, cumpre ter em consideração que a emissão das faturas em questão visa garantir o mero controlo da entrada e saída de bens no território nacional, não pode ser confundida com a alienação dos produtos em si. Ademais, tais bens estavam relacionados com a execução de atividades de Technical Support Services, efetuadas pela B... e não pela Requerente, daí que um mero registo de IVA para efeitos de controlo da circulação dos bens no território nacional não possa servir de fundamento, sem mais, à imputação dos rendimentos à Requerente.
Por seu turno, e ainda que tais faturas pudessem constituir, como se disse, um indício da imputabilidade de tais rendimentos, a quantificação do lucro tributável sempre teria de tomar por base a sua contabilidade, isto é, teria de ser efetuada como se de uma empresa distinta e separada se tratasse, o que não equivale a encarar o estabelecimento estável como uma entidade absolutamente independente. De facto, esta seria a solução propugnada pela nova redação do artigo 7.º do Modelo de Convenção Fiscal sobre o Rendimento e o Património da OCDE, que implicaria que a assunção de tal independência se fizesse incidir mesmo nas relações estabelecidas com a casa-mãe. Em todo o caso, a par do que sucede com muitos outros países, este novo método de “abordagem autorizada” (ainda) não foi adotado, tendo Portugal manifestado no próprio modelo de convenção a sua rejeição face a tal método de imputação por via da reserva n.º 97 ao artigo em questão. Desta feita, Portugal mantém a conformação da imputabilidade e consequente quantificação de lucros a estabelecimentos estáveis, nos termos da versão do modelo de convenção anterior à alteração de 22 de Julho de 2010, cuja solução é coincidente com a que se encontra consagrada no ADT celebrado entre Portugal e o Reino Unido.
Por conseguinte, será necessário ter em consideração que o estabelecimento estável, ainda que encarado como uma entidade autónoma, mantém ligação funcional à sua casa-mãe. Não significa isto que a determinação do seu quantum tributável se deva afastar do critério do nexo direto mas, pelo contrário, que devam ser atendidas quer as operações desenvolvidas pelo estabelecimento estável com os seus clientes e fornecedores, como se de uma empresa distinta e separada se tratasse, quer os custos que esta partilhasse com a casa-mãe que, nos termos do artigo 7.º, n.º 3 do ADT aqui aplicável, corresponderiam “(…) [às] despesas gerais de administração igualmente comprovadas e efetuadas (...)” para a prossecução dos fins do estabelecimento estável. Ora, mesmo que se admitisse que as faturas de IVA pudessem indiciar ou até mesmo fundamentar a imputabilidade de tais rendimentos, hipótese que se rejeita, sempre seria de negar que a sua quantificação não atendesse às realidades acima consideradas.
Em virtude do que foi exposto supra, conclui-se que não poderiam ser imputáveis à Requerente, sucursal da B... em Portugal, rendimentos provenientes de atividades em que esta não detém controlo nem intervenção. De igual modo, constata-se que a eventual identidade ou similitude das atividades desenvolvidas por seu intermédio, face àquelas que seriam desenvolvidas diretamente pela casa-mãe, nunca poderiam servir de critério de imputabilidade, em função da necessária prevalência do critério do nexo direto. Por conseguinte, rejeitando-se a imputabilidade de tais rendimentos, também se rejeitará a consequente quantificação que a estes subjazia na esfera jurídica da Requerente.
Nestes termos, em face da situação fáctica objeto dos autos, mostra-se ilegal o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., relativo ao período de tributação de 2014, bem como o ato de liquidação adicional de IRC n.º 2018..., relativo ao período de tributação de 2015, devendo ambos ser anulados.
Juros compensatórios
8. A Requerente impugna igualmente a liquidação de juros compensatórios em relação ao ato tributário de liquidação de IRC.
Nos termos do artigo 35.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, “são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária”.
Como tem sido entendimento corrente, os juros compensatórios devidos nos termos da referida disposição constituem uma reparação de natureza civil que se destina a indemnizar a Administração Tributária pela perda de disponibilidade de uma quantia que não foi liquidada atempadamente. Tratando-se de uma indemnização de natureza civil, ela só exigível se se verificar um nexo de causalidade entre a atuação do sujeito passivo e o atraso na liquidação e essa atuação possa ser censurável a título de dolo ou negligência.
A procedência do pedido arbitral torna necessariamente inexigível o pagamento de juros compensatórios, pelo que também nesse ponto o pedido é procedente.
Reembolso do imposto indevidamente pago e juros indemnizatórios
9. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago, acrescido de juros indemnizatórios.
De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.
Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do ato tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.
Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, e 61.º, n.º 5, de um e outro desses diplomas, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
A primeira dessas disposições consigna que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”.
Há assim lugar, na sequência de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação em IRC, ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos das citadas disposições, calculados sobre a quantia que a Requerente pagou indevidamente, à taxa dos juros legais (artigos 35.º, n.º 10, e 43.º, n.º 4, da LGT).
III - Decisão
Termos em que se decide:
a) Julgar procedente o pedido arbitral e anular os atos de liquidação em IRC n.º 2018..., referente ao ano de 2014, e n.º 2018..., referente ao ano de 2015, incluindo no tocante à liquidação de juros compensatórios, e bem assim a decisão de indeferimento da reclamação graciosa;
b) Condenar a Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago e no pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito.
Valor da causa
A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 1.039.073,62, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.
Custas
Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 14.382,00, que fica a cargo da Requerida.
Notifique.
Lisboa, 8 de Fevereiro de 2020,
O Presidente do Tribunal Arbitral
Carlos Fernandes Cadilha
O Árbitro Vogal
Vasco Valdez
A Árbitro Vogal
Carla Castelo Trindade