Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 321/2019-T
Data da decisão: 2020-02-05  IRC  
Valor do pedido: € 665.174,47
Tema: IRC - Benefícios fiscais – RFAI - Imputação ao período de tributação.
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DECISÃO ARBITRAL

Acordam em tribunal arbitral

 

I – Relatório

 

1. A... LDA., sociedade com sede na ..., ...-... ..., com o número de identificação fiscal ..., vem requerer a constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade da liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas relativa ao exercício de 2014.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.

 

A Requerente é uma sociedade cuja principal actividade consiste na importação, exportação, fabrico, comercialização e distribuição de soluções, produtos farmacêuticos e hospitalares e é tributada ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, apresentando-se como a sociedade dominante do Grupo A... do qual faz parte a sociedade B... S.A.

 

Em 28 de Maio de 2015, a Requerente submeteu a declaração Modelo 22, referente ao exercício de 2014, na qual declarou matéria colectável no valor de € 8.653.697,30, deduziu benefícios fiscais no valor de € 826.668,27 e apurou um total de imposto a recuperar no valor de € 1.664.645,24.

 

No dia 27 de Maio de 2016, a Requerente apresentou uma declaração substitutiva em que deduziu benefícios fiscais no valor de € 1.772.399,49, por força do acréscimo das deduções à colecta, ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), de € 329.170,93 para € 1.640.037,92, pela sociedade participada, e de que resultou um valor de IRC a recuperar adicionalmente de € 945.731,22, ou seja a diferença entre o valor anteriormente apurado de € 1.664.645,24 e o novo valor apurado de € 2.610.376,46.

 

Em virtude das correções apresentadas ao exercício de 2014, foi aberta uma acção inspectiva, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., que determinou um acréscimo da matéria colectável de € 8.653.697,31 para € 8.713.697,31, e um decréscimo das deduções à colecta, a título de benefício fiscal de RFAI, de € 951.327,62.

 

A diferença do montante de imposto a recuperar por via da apresentação declaração de substituição, ficou a dever-se ao recálculo do RFAI dos exercícios de 2011, 2012 e 2013, em virtude da resolução do Contrato Fiscal de Investimento, celebrado com C..., E.P.E. (C...), num total de € 951.327,62, e que foram declarados como dotação do período de 2014.

 

No exercício da sua actividade, a B... celebrou com o Estado Português, representado pela C..., ao abrigo do disposto artigo 9.º do Código Fiscal de Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, um contrato fiscal de investimento, ao abrigo do qual lhe foi concedido beneficio fiscal contratual, temporário e condicionado ao projecto a implementar pelo promotor, e que tinha como data de início 5 de Março de 2013 e termo de vigência 31 de Dezembro de 2020

 

Em 8 de Janeiro de 2016, a B... apresentou junto da C... pedido formal de desistência do contrato, alegando, em síntese, que: (a) à data da entrega da candidatura o período de vigência do RFAI (2009) ainda não havia sido prorrogado, pelo que não procurou obter cofinanciamento público no âmbito deste último regime; (b) a vigência do RFAI (2009), com extensão aos exercícios compreendidos entre 2013 e 2017, só foi prorrogada com a publicação da Lei do Orçamento de Estado para 2013; (c) a execução do contrato levou a B... a optar pelo regime fiscal mais vantajoso; (d) nunca usufruiu de qualquer incentivo fiscal relativo ao contrato em causa.

 

Em 3 de Janeiro de 2017, por Resolução do Conselho de Ministros n.º .../2017, foi declarada a resolução do contrato fiscal de investimento celebrado entre o Estado Português, representado pela AICEP, E. P. E., e a B..., S. A., por desistência da empresa cocontratante.

 

Na sequência da resolução do contrato, a B... procedeu ao recálculo dos investimentos elegíveis que havia concretizado em exercícios anteriores para apuramento do benefício fiscal associado ao RFAI, e, nesse sentido, na declaração substitutiva apresentada em 13 de Maio de 2016, declarou como dotação do período de 2014, um valor de incentivo fiscal resultante da adição de bens de investimentos cuja aquisição ocorreu nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, nos seguintes termos: 

 

Período de tributação    Valor declarado (1ª declaração) Valor corrigido pelo sujeito passivo (2ª declaração)                Acréscimo ao período de 2014

2011      539.315,35 €      596.745,99€        57.430,64€

2012      511.210,27€        805.716,44€        294.506,17€

2013      70.933,01€          670.323,82€        599.390,81€

2014      329.170,93€        688.710,30€        359.539,37€

                Total                      1.310.866,99€

 

 

Em virtude da apresentação da declaração de substituição, foi aberto um procedimento inspectivo relativo ao período de 2014, titulado pela Ordem de Serviço OI2018..., que determinou a correcção da matéria coletável por dedução de gastos não fiscalmente aceites, no valor de € 15.149.078,51 e por dedução indevida de benefícios fiscais, no valor de € 951.327,62.

 

A liquidação é ilegal por violação do princípio da justiça e da verdade material, em contraposição ao princípio da especialização, porquanto, conforme é entendimento jurisprudencial, a rigidez do princípio da especialização tem de ser temperada pelo princípio da justiça, em particular quando se encontrem ultrapassados os prazos de revisão do acto tributário e não haja prejuízo para o Estado, tendo em conta que não houve qualquer intenção deliberada por parte da Requerente de proceder à transferência de resultados de exercício ou de fuga à tributação.

 

É ainda ilegal por violação do princípio da imparcialidade, do princípio da colaboração, do princípio da boa-fé e do princípio da confiança, na medida em que a Autoridade Tributária, no seu relatório de inspecção, ao admitir que a colecta de 2013 era suficiente para a Requerente ter promovido a dedução dos benefícios decorrentes do RFAI transitados de 2011 e 2012, por insuficiência de colecta, e do próprio exercício de 2013, podia e devia abrir a possibilidade de apresentação de uma declaração substitutiva relativa ao exercício de 2013, permitindo assim uma correção simétrica e aceitando o beneficio no ano fiscal em que efectivamente deveria ter sido deduzido.

 

Requereu a final a anulação parcial da nota de liquidação n.º 2018..., relativa a IRC do ano de 2014 e da demonstração de acerto de contas n.º 2018..., correspondente às correcções meramente aritméticas ao imposto em falta, no montante de € 586.191,85 e respetivos juros, e subsidiariamente, que a Autoridade Tributária seja condenada à revisão de acto tributário de 2013 (assim reflectindo o valor dos benefícios fiscais do RFAI do exercício de 2013 e transitados de 2011 e 2012), e, em alternativa, a  ser reconhecido o direito à entrega de nova declaração substitutiva Modelo 22 para o exercício de 2013.

 

Pediu ainda que a Autoridade Tributária fosse condenada ao pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida, em montante a liquidar em fase de execução de sentença.

 

 Autoridade Tributária, na sua resposta, suscitou a excepção dilatória da incompetência do Tribunal Arbitral relativamente aos pedidos subsidiários de condenação da Autoridade Tributária a proceder à revisão do acto tributário de 2013 e de reconhecimento do direito à entrega de nova declaração substitutiva para o exercício de 2013, por considerar que a Requerente pretende obter, desse modo, uma decisão de  reconhecimento de direito ou de condenação à prática de um acto devido que não se enquadram na mera declaração de ilegalidade de actos tributários.

 

Por impugnação, sustenta que, através da declaração de substituição, a Requerente operou uma dedução indevida, na dotação do período de 2014, de valores de incentivo fiscal resultante de adição de bens de investimento cuja aquisição ocorrera em períodos anteriores, em violação do disposto no artigo 22.º, n.º 5, do CFI, visto que a dedução do benefício fiscal apenas pode ser efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação em que sejam realizadas as aplicações relevantes (artigo 23.º, n. º 2, do CFI), e apenas poderia ser reportada  à colecta de períodos posteriores em caso de insuficiência da colecta.

 

Por outro lado, nos termos do artigo 122.º do CIRC, a Requerente deveria, no prazo de um ano a contar do termo do prazo legal de entrega, ter efectuado a declaração de substituição de 2013, declarando os novos valores do RFAI do período de 2013 e o reporte do beneficio de 2011 e 2012, bem como  reclamar  graciosamente  da   autoliquidação de 2013, segundo o disposto no artigo 131.º do CPPT.

 

Sendo que os serviços inspectivos não poderiam lançar mão da convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa  da  autoliquidação  de 2013, nem dos mecanismos previstos no artigos 122.º do CIRC e 131.º do CPPT, pois desse modo estaria, no âmbito do procedimento inspectivo, a facultar novos prazos que não estão previstos na lei e se encontravam já precludidos, estando a sua actuação balizada, nessa medida, pelo princípio da legalidade.

 

Por outro lado, quanto a um pretenso dever de a Administração Tributária proceder à revisão do acto tributário de liquidação por existir erro imputável aos serviços, com base no disposto no artigo 78.º da LGT, cumpre recordar que, no que respeita ao IRC, a competência (e dever) de liquidação cabe ao próprio sujeito passivo na declaração periódica de imposto (autoliquidação), conforme imposto  pelo  artigo  89.º, alínea  a),  do  CIRC, apenas se  admitindo que a Administração Tributária possa suprir a falta de autoliquidação (por uma liquidação oficiosa) ou efectuar correções ao declarado pelo sujeito passivo (liquidação adicional).

 

Ou seja, em sede de IRC, a Administração apenas instaura o procedimento de liquidação, ancorada no disposto no artigo 59.º, n.º 1, do CPPT, em caso de omissão ou falta do contribuinte.

 

Conclui no sentido da procedência da excepção dilatória e da improcedência do pedido.

 

2. No seguimento do processo foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT e a Requerente veio responder à matéria de excepção, dizendo, em resumo, o seguinte.

 

No que toca ao primeiro pedido subsidiário, traduzido na condenação da Autoridade Tributária a efectuar a revisão da liquidação de 2013, concede-se que o mesmo possa extravasar o âmbito de competência do tribunal arbitral, mas não já no que se refere ao segundo pedido subsidiário, consistente no reconhecimento do direito à entrega de declaração substitutiva referente ao exercício de 2013, para o qual o tribunal dispõe de competência.

 

O segundo pedido subsidiário formulado é um pedido de reconhecimento de um direito, tendo em vista a reposição da legalidade e o cumprimento de princípios basilares do sistema jurídico fiscal, designadamente, o princípio da justiça, verdade material e tributação pelo lucro real, e a jurisprudência arbitral tem admitido a competência do tribunal em relação ao reconhecimento de direitos que estejam implícitos na declaração de ilegalidade dos actos tributários, como é o caso do direito a juros indemnizatórios e a condenação em indemnização por garantia indevida, sendo que tal pedido subsidiário está intrinsecamente relacionado e em estreita conexão com a apreciação da legalidade da liquidação adicional.

 

Conclui, nestes termos, que o tribunal é competente para conhecer o pedido subsidiário que visa permitir a apresentação de nova declaração substitutiva relativa ao exercício de 2013.

 

Em alegações, a Requerente e a Requerida procuraram fixar os factos que consideram como assentes e mantiveram quanto à matéria de direito as suas anteriores posições. 

 

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

 

Nos termos do disposto na alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os árbitros foram designados pelas partes, que indicaram o árbitro presidente, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 18 de Julho de 2019.

 

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades e foi invocada a excepção da incompetência do tribunal arbitral.

 

Cabe apreciar e decidir.

 

II - Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. Os factos relevantes para a decisão da causa que poderão ser tidos como assentes são os seguintes.

 

A)           A Requerente é uma sociedade cuja principal actividade consiste na importação, exportação, fabrico, comercialização e distribuição de soluções, produtos farmacêuticos e hospitalares e é tributada ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades, apresentando-se como a sociedade dominante do Grupo A... do qual faz parte a sociedade B... S.A.;

 

B)           Em 28 de Maio de 2015, a Requerente submeteu a declaração Modelo 22, referente ao exercício de 2014, na qual declarou matéria colectável no valor de € 8.653.697,30, deduziu benefícios fiscais no valor de € 826.668,27 e apurou um total de imposto a recuperar no valor de € 1.664.645,24;

 

C)           Em 27 de Maio de 2016, a Requerente apresentou uma declaração substitutiva em que deduziu benefícios fiscais no valor de € 1.772.399,49, por força do acréscimo das deduções à colecta, ao abrigo do Regime Fiscal de Apoio ao Investimento (RFAI), de € 329.170,93 para € 1.640.037,92, pela sociedade participada, e de que resultou um valor de IRC a recuperar adicionalmente de € 945.731,22;

 

D)           Em 5 de Março de 2013, a B..., S. A. celebrou com o Estado Português, representado pela C..., ao abrigo do disposto artigo 9.º do Código Fiscal de Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, um contrato fiscal de investimento - que constitui o documento n.º 8 junto com a petição e aqui se dá como reproduzido -, que produzia efeitos a partir de 17 de Maio de 2012 e vigorava entre 5 de Março de 2013 e 31 de Dezembro de 2020, ao abrigo do qual lhe foi concedido beneficio fiscal contratual, temporário e condicionado ao projecto de investimento aí considerado;

 

E)            Em 8 de Janeiro de 2016, a B... apresentou junto da C... pedido formal de desistência do contrato fiscal de investimento - que constitui o documento n.º 9 junto com a petição e aqui se dá como reproduzido -, alegando, em síntese, que: (a) à data da entrega da candidatura o período de vigência do RFAI (2009) ainda não havia sido prorrogado, pelo não procurou obter cofinanciamento público no âmbito deste último regime; (b) a vigência do RFAI (2009), com extensão aos exercícios compreendidos entre 2013 e 2017, só foi prorrogada com a publicação da Lei do Orçamento de Estado para 2013; (c) a execução do contrato levou a B... a optar pelo regime fiscal mais vantajoso; (d) nunca usufruiu de qualquer incentivo fiscal relativo ao contrato em causa.

 

F)            Em 3 de Janeiro de 2017, por Resolução do Conselho de Ministros n.º .../2017, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 2, foi declarada “a resolução do contrato fiscal de investimento celebrado entre o Estado Português, representado pela AICEP, E. P. E., e a B..., S. A., por desistência da empresa cocontratante;

 

G)           Em 13 de Maio de 2016, a B... apresentou uma declaração substitutiva em que incluiu na dotação do período de 2014 o valor de incentivo fiscal em RFAI resultante da adição de bens de investimentos nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, e que determinou um acréscimo total de € 1.310.866,99;

 

H)           Na sequência da declaração de substituição a que se refere a antecedente alínea B), a Autoridade Tributária desencadeou uma acção inspectiva, titulada pela Ordem de Serviço n.º OI2018..., que determinou um acréscimo da matéria colectável de € 8.653.697,31 para € 8.713.697,31, e um decréscimo das deduções à colecta, a título de benefício fiscal de RFAI, de € 951.327,62;

 

I)             As correcções aritméticas encontram-se fundamentadas nos seguintes termos:

 

III.1.2 Análise dos valores da DR M22 vigente (Grupo)

(…)

Os elementos apresentados pelo SP permitiram concluir que no valor dotação (RFAI) do período da declaração do Grupo do exercício de 2014 o SP inclui indevidamente valores de benefício (RFAI) relativos aos exercícios de 2011, 2012 e 2013 da sociedade dominada B... SA, ascendendo o valor da dotação de 2014 apenas a 688.710,30€.

Da análise dos valores das declarações do grupo nos exercícios de 2011 e 2012 verificou-se que, nestes exercícios, por insuficiência de coleta, o SP não podia ter deduzido os benefícios fiscais relativos aos investimentos realizados abrangidos pelo RFAI, sendo aqueles necessariamente reportados para os exercícios seguintes, nos termos da legislação em vigor.

De acordo com a regra definida no art.º 23.º, n.º 2 do RFAI, o benefício opera por dedução à coleta no exercício em que ocorre o investimento, podendo aquele, por insuficiência da coleta, ser deduzido   nos exercícios posteriores, nos termos do art.º 3, n.º 3 daquele regime.

No exercício de 2013, a coleta apurada pelo Grupo permitia a dedução dos benefícios fiscais reportados de 2011 e 2012 bem como a dedução dos benefícios do próprio exercício de 2013.

De facto, como demonstra no quadro seguinte, a coleta de IRC da sociedade dominada no exercício de 2013 (A) era suficiente para acomodar quer o valor dos benefícios do RFAI transitados de 2011 e 2012 (por insuficiência de coleta, nos termos do art.º3º, n.º 3 do RFAI) [∑ B] quer o valor do benefício do RFAI do próprio exercício de 2013 [B+C de 2013], em cumprimento do limite previsto no art.º 8º, n.º 1 (50% da coleta, em 2013) [D] e das regras previstas no art.º 3º, n.º 3 do RFAI 2011/2012, art.º 23º, n.º 3 do CFI (RFAI 2013: “Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos cinco exercícios seguintes.” (ou seja, [D] > [E]; 50% x 4.084.207,42€ = 2.042.103,71€ > 1.022.260,63€).

J)            A...  (Liquidação IRC Grupo – RETGS)

K)           Cálculo do Imposto – Q10 DR M22

                               2011       2012      2013

A             Coleta Total        3.348.187,70      4.093.728,29      4.084.207,42

                Benefícios fiscais

Pgto. Especial por Conta               1.079.197,69

                1.170.916,60

0,00       786.416.71

51.418,00

                Total das deduções        1.079.197,69      1.170.916,60       839.834,71

                IRC liquidado     2.268.990,01      2.922.811,69      3.244.372.71

                Resultado da liquidação (art.º 92º)          294.601,36          195.168,00          0,00

                                                              

B             Recálculo do RFAI (declarado na DR M22 2014)  57.430,64€          294.506,17€        599.391,81€

∑ B         RFAI recalculado (valor acumulado)        57.430,64€          351.936,81€        951.327,62€

                                                              

C             Valor deduzido do RFAI (declarado pelo em cada ano     539.315,35€        511.210,27€        70.933,01€

D             Limite RFAI art.º 23º, 2, b, CFI (50% coleta em 2013)                                       2.042.103,71€

E = C + ∑ B           Dedução RFAI (excesso 2011 + excesso 2012 + RFAI 2013)                                            1.022.260,63€

F             Art.º 92º IRC                                      N/A

(RFAI excluído)

 

Sendo a coleta do Grupo do exercício de 2013 suficiente, deveria o SP, enquanto sociedade dominante, relativamente àquele exercício, ter promovido a dedução à coleta de IRC dos benefícios decorrentes do RFAI a que tinha direito – quer os transitados, por falta de coleta, de 2011 e 2012, quer os do próprio exercício de 2013 – o que não fez, mantendo inalterados os valores declarados na DR M22 desse exercício e tendo substituído apenas DR M22 dos exercícios de 2011, 2012 e 2013.

Verificou-se, assim, que os valores indicados na declaração de substituição DR M22 do Grupo relativos a benefícios fiscais (RFAI) – quer os relativos à dotação quer os relativos à dedução do período – não se mostram corretos, sendo apurados no ponto seguinte a correção devida no cálculo do imposto.

 

III.2 RETGS - Correção ao Resultado Fiscal e ao valor dos Benefícios Fiscais

No seguimento do procedimento de inspeção externo ao exercício de 2014 à sociedade “B... SA”, realizado ao abrigo da Ordem de Serviço OI2018... (no anexo III.2-1 apresenta-se cópia do respetivo relatório de inspeção tributária), procedeu.se à correção do Resultado Fiscal declarado por aquela sociedade bem como à correção do valor dos Benefícios Fiscais dedutíveis à coleta de IRC, conforme se descrimina nos quadros seguintes:

 

B... SA . OI2018...

Correções à Matéria Coletável

Modelo 22          Correções           Valor     Capítulo

Lucro Tributável declarado pelo SP                         15.089.078,51   

Gastos não dedutíveis fiscalmente          60.000,00            60.000,00             III.2

Matéria Tributável Corrigida                       15.149.078,51   

L)           

M)          Correções às Deduções á Coleta (Benefícios Fiscais)

Modelo 22 – Anexo D    Correções           Valor     Capítulo

Benefícios Fiscais – Deduções à Coleta – declarado pelo SP                         2.137.535,26     

a Correções ao valor dos Benefícios Fiscais – RFAI            - 951.327,62        - 951.327,62       III.1

Benefícios Fiscais Corrigidos – Deduções à Coleta                             1.186.207,64     

No âmbito do procedimento inspetivo à sociedade B..., no qual foram efetuadas correções na declaração individual, foi a mesma notificada para exercer o direito de audição sobre as referidas correções, nos termos do artigo 60.º da LGT e do artigo 60.º do RCPITA, o que fez a 23 de novembro de 2018.

Após o decurso do prazo para o exercício do direito de audição e a sua análise, foi redigido e notificado à sociedade B... SA, o relatório final de inspeção tributária, nos termos do art.º 62º do RCPITA, tendo sido então promovido o respetivo documento de correção único (DCU) à DR M22 daquela sociedade, refletindo as correções efetuadas.

Pelo facto da B... SA se encontrar incluída no perímetro do grupo de sociedades “A...” e este estar sujeito ao RETGS, definido no artigo 69.º do CIRC, as correções ao resultado individual da “B...SA”, anteriormente descritos, têm influência no cálculo da “Soma Algébrica dos Resultados Fiscais” do Grupo, base inicial para o apuramento do imposto a pagar pelo Grupo, de acordo com o definido no artigo 70.º do CIRC, pelo que há que acrescer ao resultado fiscal do grupo o montante de 60.000,00€, apurando-se os seguintes valores:

 

Apuramento da Matéria Coletável – Q09 – RETGS

                               Declarado pelo

SP           Valores Corrigidos AT     Correções

Q09        Campo Valor     Valor     Valor

Soma Algébrica dos Resultados Fiscais   380         8.635.697,31       8.713.697,31      60.000,00

Resultado Fiscal do Grupo           380         8.635.697,31      8.713.697,31       60.000,00

Nota: O valor constante do quadro corresponde ao somatório dos resultados ficais individuais (8.653.697,31€) tendo, contudo, o SP inscrito no C380 do Q09 da ... o valor de 8.653.697,30€ (menos 0,01€), o que aqui se corrige.

 

As correções efetuadas ao valor dos Benefícios Fiscais relativo ao RFAI – Regime Fiscal de Apoio ao investimento, dedutíveis á coleta de IRC, os quais de reduziram, na B... SA, de 1.640.037,92€ para 688.710,30€, ascendem a 951.327,62€, tendo reflexo no valor dedutível deste benefício na esfera do Grupo.

O valor da “Dotação do Período” do RFAI [DR M22– Anexo D – ...] vê-se assim alterado de 1.840.037,92€ para 688.710,30€ e o valor da “Dedução do Período” [DR M22– Anexo D –...] de 1.274.902,15€ para 688.710,30€ (atento o limite previsto no art.º 23º, n.º 2 al. B) do CF1).

Em resultado das correções anteriormente descritas são propostas as seguintes correções aritméticas aos benefícios fiscais declarados (Anexo D) e ao cálculo do imposto para o exercício de 2014 na declaração DR M22 do Grupo, conforme se descrimina nos quadros seguintes:

 

Benefícios Fiscais – Q07 – Anexo D

                                               Declarado pelo

SP           Valores Corrigidos AT     Correções

                Q07        Campo  Valor     Valor     Valor

RFAI      Dotação do Período       714         1.640.037,92      688.710,30          -951.327,62

RFAI      Dedução do Período      715         1.274.902,15      688.710,30          -586.191,85

RFAI      Saldo que transita para o(s) período(s) seguinte(s)          716         365.135,77          0,00       -365.135,77

a) Saldo que transitou para o exercício seguinte, 2015.

 

Q07X – Outros Benefícios                                          

Outros  Outros benefícios fiscais por dedução à coleta   7XX        497.497,34          497.497,34

                                                              

                Total das Deduções Q07 – Anexo D [→...]            721         1.772.399,49      1.186.207,64

 

J)  Na sequência da declaração de substituição a que se refere a antecedente alínea G), a Autoridade Tributária iniciou uma acção inspectiva relativa ao período de 2014, titulado pela Ordem de Serviço OI2018..., que determinou a correcção da matéria colectável por dedução de gastos não fiscalmente aceites no valor de € 15.149.078,51 e por dedução indevida de benefícios fiscais, no valor de € 951.327,62;

L)            As correcções aritméticas encontram-se fundamentadas nos seguintes termos:

III.1.4 Enquadramento Legal dos benefícios fiscais considerados pelo SP

III.1.4.1 - lnvestimento realizado no exercício em análise (2014)

Os benefícios fiscais são medidas de caracter excecional, instituídas para tutela de interesses públicos extra fiscais relevantes que sejam superiores aos da tributação e que impedem e que consubstanciam, antes de mais, factos que estando sujeitos a tributação, são impeditivos do nascimento da obrigação tributária ou, pelo menos, de que a mesma surja em plenitude (n.º 1 do artigo 2, do EBF).

A extinção ou falta de pressupostos de aplicação dos Incentivos fiscais tem por efeito imediato a sua reposição (n.º 1 do artº. 14 do EBF).

O RFAI relevante para o exercício de 2014 consta do capítulo III - artigos 22º a 26° do CFI, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 162/2014 de 31 de outubro.

Para efeitos deste incentivo fiscal, consideram-se aplicações relevantes os investimentos nos seguintes ativos, desde que afetos a exploração da empresa (n.º 2 do artigo 22° do CFI)

a)            Ativos fixos tangíveis, adquiridos em estado de novo, com exceção de:

i)             Terrenos, salvo no caso de se destinarem à exploração de concessões mineiras, águas minerais naturais e de nascente, pedreiras, barreiros e areeiros em investimentos na indústria extrativa;

ii)            Construção, aquisição, reparação e ampliação de quaisquer edifícios, salvo se forem instalações fabris ou afetos a atividades turísticas, de produção de audiovisual ou administrativas;

iii)           Viaturas ligeiras de passageiros ou mistas;

iv)           Mobiliário e artigos de conforto ou decoração, salvo equipamento hoteleiro afeto a exploração turística;

v)            Equipamentos sociais:

vi)           Outros bens de investimento que não estejam afetos à exploração da empresa.

Nos termos dos  n.ºs 5 e 6 do  art.º 22° do CFI, "Considera-se investimento  realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação,  de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de ativo fixo tangível e não dizendo respeito a  adiantamentos,  se traduza  em adições aos investimentos  em curso.”, não se considerando "as adições de ativas que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, exceto se forem adiantamentos”.

Ou seja, para um determinado período, não pode ser considerado como dotação do período a adição de ativos resultantes de investimentos efetuados em períodos anteriores (exceto nas condições do n.º 6 do referido art.º 22).

Pelo que, no caso em apreço, para efeitos do cálculo da dotação do período de 2014, apenas pode ser considerado o valor de benefício fiscal resultante do “investimento realizado" nos termos do n.º 5 do artigo 22° do CFI, ou seja, o correspondente às adições realizadas nesse período de tributação.

Em função do montante das aplicações consideradas relevantes, o CFI estabelece que os sujeitos passivos possam deduzir à coleta de IRC uma percentagem do valor das “aplicações relevantes”, de acordo com as regras previstas no art.º 23 do CFI, dedução essa "( .. .) efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação em que sejam realizadas as aplicações relevantes (...)" (art.º 23°, n.º 2 do CFI).

E apenas por insuficiência da coleta do exercício em questão é que a referida dedução pode ser deduzida a coleta de IRC de exercícios posteriores (n.º 3 do artigo 23° do CFI).

III1.5 Correção Fiscal Proposta

Dos factos descritos nos pontos anteriores, concluiu-se que a B... declarou como dotação do período - RFAI 2014, um valor de incentivo fiscal resultante da adição de bens de investimentos cuja aquisição ocorreu em exercícios anteriores: 2011, 2012 e 2013.

Esta situação decorreu em virtude do SP, em 2016, após o encerramento contabilístico e fiscal dos exercícios de 2011, 2012 e 2013, ter alterado de forma retroativa a opção que havia efetuado relativamente ao enquadramento de tais bens em sede de benefícios fiscais.

As condições e prazos em que os contribuintes podem proceder à substituição das declarações fiscais enviadas à AT e dos valores nelas declarados, para um determinado período de tributação, estão legalmente estabelecidas, devendo estas ser cumpridas quando seja necessário corrigir os elementos previamente declarados.  Não podem os SPs, - como efetuou a B... - proceder a tais correções numa DR de exercício posterior coma sendo referentes a esse mesmo exercício.

O procedimento adotado pela B... contraria o normativo contabilístico e fiscal em vigor, nomeadamente com o regime de acréscimo - periodização económica, constante do §22 da Estrutura Conceptual do SNC, com o artigo 8° - "Período de tributação” e 18° "Periodização do lucro tributável", ambos do CIRC.

Ainda que este procedimento decorresse das normas legais (o  que não se verifica), não pode ser considerado como "dotação do período” de 2014 o benefício fiscal decorrente da aquisição de bens efetuadas em exercícios anteriores (ainda que para o seu cálculo se considerasse a legislação à data).

O n.º 5 do artigo 22° do CFI estabelece que, para efeitos de dotação do período de 2014, apenas pode ser considerado o valor de benefício fiscal resultante do "investimento realizado” nesse exercício. O benefício fiscal RFAI decorrente da aquisição de ativos de exercícios anteriores, não pode ser considerado para efeitos de dotação do período de RFAI de 2014.

A determinação/cálculo do beneficio fiscal - RFAI, o limite de dedução à coleta de IRC e o prazo de reporte para períodos subsequentes estabelecidos para 2014 são diferente das normas previstas para o exercício de 2013 (CFI aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009) e estas, por sue vez, são diferentes das normas instituídas  para os exercícios de 2011  e 2012 (art.º 13.º  da Lei  n.º 10/2009,  de 10  de março, 55-A/2010, de 31  de dezembro, 64-B/2011, de 30 de dezembro).

Nos exercícios de 2011 e 2012, os sujeitos passivos podiam considerar um benefício fiscal – RFAI correspondente a 20% do valor das aplicações consideradas relevantes para efeitos de RFAI (para investimentos até 5ME). Este valor podia ser deduzido até à concorrência de 25% da coleta de IRC e, quando por insuficiência de coleta esta dedução não pudesse ser efetuada integralmente, poderia ser ainda deduzida nas liquidações dos 4 períodos de tributação seguintes (sem prejuízo, nos exercícios de 2011 e 2012, das limitações constantes do artigo 92° do CIRC).  No exercício de 2013, o limite da dedução foi aumentado para 50% da coleta e o reporte do eventual excesso da dedução a coleta alargado para os 5 exercícios seguintes. Para 2014, o valor do benefício fiscal - RFAI corresponde a 25% do valor das aplicações relevantes (e não 20%, como até 2013) e pode ser deduzido até à concorrência de 50% da coleta de IRC (e já não 25%, como em 2011 e 2012).  O incentivo fiscal que não fosse assim deduzido, por insuficiência da coleta de IRC, pode deduzir-se nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes (e não apenas 4, como em 2011 e 2012, ou 5, como em 2013).  Por seu lado, nos exercícios de 2013 e 2014, o RFAI não estava sujeito aos limites constantes do artigo 92° do CIRC.

Pelo que as alterações ao regime legal do RFAI ocorridas ao longo dos exercícios de 2011 a 2013, não podem ser desconsideradas na análise da opção tomada pela B... SA.

Assim, e para efeitos de determinação do benefício fiscal - RFAI de 2014, conclui-se que apenas pode ser considerado  o benefício fiscal correspondente às adições de ativos fixos tangíveis e ativos intangíveis (n.º 5 e 6 do artigo 22° do CFI) verificadas neste período de tributação, 2014,  por se encontrarem cumpridas as condições previstas no art.º 22° do CFI.

M)          A Autoridade Tributária emitiu a Nota de Liquidação de IRC n.º 2018..., relativa ao exercício de 2014 e a Demonstração de Acerto de Contas n.º 2018...), que constituem o documento n.º 1 junto com a petição;

 

N)           A Requerente prestou garantia bancária para obter a suspensão do processo de execução fiscal instaurado pelo não pagamento no prazo legal da nota de liquidação.

 

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e no processo administrativo junto pela Autoridade Tributária com a resposta, e em factos não questionados.

 

                Matéria de direito

 

                Incompetência do tribunal quanto aos pedidos subsidiários

 

5. A Requerente formulou um pedido principal de anulação do acto tributário de liquidação em IRC, com fundamento em ilegalidade, e, subsidiariamente, para o caso de esse pedido improceder, deduziu um pedido de condenação da Autoridade Tributária para proceder à revisão de acto tributário de liquidação em IRC relativo a 2013, de modo a reflectir o valor dos benefícios do RFAI referentes a esse ano e os transitados de 2011 e 2012, nos termos do artigo 78.º da LGT, e, em alternativa, um pedido de reconhecimento do direito à entrega de nova declaração substitutiva Modelo 22, para o exercício de 2013, ao abrigo do disposto no artigo 122.º, n.º 3 do CIRC.

                Como resulta do disposto no artigo 2.º do RJAT, a competência dos tribunais arbitrais compreende a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta, bem como a declaração de ilegalidade de  actos de fixação da matéria tributável, quando não dê origem à liquidação de qualquer tributo, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais. Trata-se, por conseguinte, de pretensões de natureza impugnatória que, na prática, poderiam ser objecto de impugnação judicial perante os tribunais tributários, nos termos do artigo 97.º, n.º 1, alíneas a) e b), do CPPT.

 

                Por sua vez, a revisão dos actos tributários corresponde a um procedimento administrativo destinado a permitir a correcção de cobrança ilegal de impostos, que pode ser adoptado por iniciativa ofíciosa da Administração, no prazo de quatro anos a contar da data da exigibilidade do imposto, ou a pedido do sujeito passivo, no prazo de reclamação graciosa, ao passo que a apresentação de declaração de substituição, a que se refere o artigo 122.º do CIRC, constitui uma faculdade concedida ao contribuinte para corrigir a liquidação em imposto inferior ao devido ou com prejuízo fiscal superior ao efectivo, e que, em caso de autoliquidação, está sujeito a prazos limitados.

 

                Como é patente, os pedidos subsidiários formulados não se enquadram em qualquer das pretensões impugnatórias a que se refere o artigo 2.º do RJAT.

 

A Requerente admite que o pedido de condenação na revisão oficiosa do acto tributário relativo ao exercício de 2013 extravasa a competência dos tribunais arbitrais, mas entende que o pedido de reconhecimento do direito à apresentação de uma declaração substitutiva está  correlacionado com a apreciação da legalidade da liquidação adicional, pelo que essa pretensão se enquadra na arbitragem tributária, como tem sido entendimento jurisprudencial relativamente que constituem consequência lógica do pedido de declaração de ilegalidade.

 

De facto, os tribunais arbitrais têm vindo a emitir decisões condenatórias no reembolso do imposto indevidamente liquidado ou em juros indemnizatórios ou em indemnização por garantia indevida, na sequência da declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação de imposto. Mas essa é uma necessária decorrência do dever que incumbe à Administração, em caso de procedência do pedido arbitral, de restabelecer a situação que existiria se o acto tributário impugnado não tivesse sido praticado, e que resulta directamente do disposto no artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT.

 

Ora, os pedidos subsidiários são pedidos autónomos, que se destinam a ser considerados - como a Requerente não deixa de assinalar - em caso de improcedência do pedido principal, o que significa que se o pedido principal for julgado procedente esses outros pedidos ficam necessariamente prejudicados. E, sendo assim, os efeitos de direito que se pretendem obter subsidiariamente não constituem uma directa consequência da procedência do pedido arbitral (entenda-se, o pedido principal), mas, pelo contrário, são efeitos jurídicos inovatórios, que não se encontram associados à declaração de ilegalidade do acto tributário, mas cuja invocação apenas se justifica em virtude da própria improcedência do pedido principal.

 

Estando em causa, por outro lado, um pedido de condenação da Autoridade Tributária na revisão de ato tributário de liquidação em IRC relativo a 2013 e um pedido de reconhecimento do direito à entrega de nova declaração substitutiva, é claro que qualquer desses pedidos não se enquadra na competência contenciosa dos tribunais arbitrais definida no artigo 2.º, n.º 1, do RJAT que, como se viu, apenas engloba pedidos impugnatórios, pelo que o tribunal é incompetente para a sua apreciação.

 

Questão de fundo

 

6.  Na sequência de um pedido de desistência do contrato fiscal de investimento celebrado entre o Estado e a B..., S.A, sociedade participada da Requerente, formulado em 8 de Janeiro de 2016, a Requerente apresentou uma declaração de substituição de rendimentos em IRC referente ao ano de 2014, procedendo ao recálculo dos investimentos efectuados nos anos de 2011, 2012, 2013 e 2014, tidos como relevantes no âmbito do regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI).

 

A Autoridade Tributária, no âmbito de acções inspectivas, determinou a correcção do benefício fiscal declarado, mediante a subtracção dos valores relativos a acréscimos imputáveis aos exercícios de 2011, 2012 e 2013, por considerar, em síntese, que na dotação do período de 2014 não podem ser considerados os benefícios fiscais decorrentes de investimentos realizados em exercícios anteriores, invocando, a propósito, o princípio da especialização dos exercícios que se encontra reflectido nos artigos 22.º e 23.º do Código Fiscal de Investimento (CFI).

 

A Requerente começa por referir que o princípio da especialização dos exercícios carece de ser articulado com o princípio da justiça e da verdade material e que a alteração da declaração de rendimentos foi determinada unicamente pela desistência do contrato fiscal de investimento, não havendo qualquer intenção deliberada de transferência de resultados ou fuga à tributação.

 

Para dilucidar a questão em análise, interessa aludir, preliminarmente, à evolução legislativa ocorrida relativamente ao benefício fiscal que está em causa.

 

                O regime fiscal de apoio ao investimento começou por ser instituído pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, visando criar um sistema específico de incentivos fiscais ao investimento a realizar em 2009 em certos sectores de actividade, que se processava por dedução à colecta de IRC, até à concorrência de 25% da mesma, de importâncias correspondentes a  20% ou 10%  do investimento relevante, consoante o montante de investimento envolvido. A dedução era efectuada integralmente na liquidação respeitante ao período de tributação que se iniciasse em 2009 e, se não pudesse ser efectuada integralmente por insuficiência de colecta, o remanescente poderia ser deduzido nas liquidações dos quatro exercícios seguintes  (artigo 3.º, n.º 1, alínea a), n.º 2 e n.º 3).

 

                Esse regime foi sucessivamente mantido em vigor até 31 de Dezembro de 2010 (artigo 116.º da Lei n.º 3-B/2019, de 28 de Abril), 31 de Dezembro de 2011 (artigo 134.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro) e 31 de Dezembro de 2012 (artigo 232.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

 

                Entretanto, o Decreto-Lei n.º 249/2009, de 23 de Setembro, criou o Código Fiscal de Investimento, visando fundamentalmente unificar o procedimento aplicável à contratualização dos benefícios fiscais previstos no artigo 41.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, prevendo a concessão de benefícios fiscais através de contrato aprovado por resolução do Conselho de Ministros, bem como a resolução do contrato em caso de incumprimento dos objectivos e obrigações estabelecidos ou das obrigações fiscais por parte da empresa promotora.

 

                O Decreto-Lei n.º 83/2013, de 17 de Junho, transferiu o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI), aprovado pela Lei n.º 10/2009, para o Código Fiscal de Investimento mediante o aditamento a esse diploma dos artigos 26.º e seguintes, tendo vindo a prorrogar a vigência do RFAI entre 2013 e 2107, nos termos do artigo 28.º, que, sob a epígrafe “Incentivos fiscais”, passou a dispor, na parte que mais interessa considerar, o seguinte:

 

1 - Aos sujeitos passivos de IRC residentes em território português ou que aí possuam estabelecimento estável, que exerçam a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola abrangida pelo n.º 1 do artigo anterior que efetuem, nos exercícios de 2013 a 2017, investimentos considerados relevantes, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

  a) Dedução à coleta de IRC, e até à concorrência de 50% da mesma, das seguintes importâncias, para investimentos realizados em regiões elegíveis para apoio no âmbito dos incentivos com finalidade regional:

   i) 20 % do investimento relevante, relativamente ao investimento até ao montante de 5 000 000,00 EUR;

   ii) 10 % do investimento relevante, relativamente ao investimento de valor superior a 5 000 000,00 EUR;

(…)

2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação respeitante ao período de tributação em que se efetuar o investimento, desde que seja efetuado nos períodos de tributação de 2013 a 2017.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo, nas mesmas condições, nas liquidações dos cinco exercícios seguintes.

   (…)

 

Por fim, o Decreto-Lei n.º 162/2014, de 31 de Outubro, aprovou o novo Código Fiscal de Investimento, revogando o Decreto-Lei n.º 249/2009, passando a regular, nos artigos 22.º e seguintes, o regime fiscal de apoio ao investimento (RFAI).

Segundo o artigo 22.º, “considera-se investimento realizado o correspondente às adições, verificadas em cada período de tributação, de activos fixos tangíveis e activos intangíveis e bem assim o que, tendo a natureza de activo fixo tangível e não dizendo respeito a adiantamentos, se traduza em adições aos investimentos em curso” (n.º 5), excluindo-se para esse efeito “as adições de activos que resultem de transferências de investimentos em curso transitado de períodos anteriores, excepto se forem adiantamentos” (n.º 6).

Por sua vez, o artigo 23.º, sob a epígrafe “Benefícios fiscais”, prescreve nos seguintes termos:

1 - Aos sujeitos passivos de IRC previstos no n.º 1 do artigo anterior, são concedidos os seguintes benefícios fiscais:

a) Dedução à colecta do IRC apurada nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 90.º do Código do IRC, das seguintes importâncias das aplicações relevantes:

 1) No caso de investimentos realizados em regiões elegíveis nos termos da alínea a) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia constantes da tabela prevista no n.º 1 do artigo 43.º:

  i) 25 % das aplicações relevantes, relativamente ao investimento realizado até ao montante de 15 000 000 (euro);

                ii) 10 % das aplicações relevantes, relativamente à parte do investimento     realizado que exceda o montante de 15 000 000 (euro);

                2) No caso de investimentos em regiões elegíveis nos termos da alínea c) do n.º 3 do artigo 107.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia constantes da tabela prevista no n.º 1 do artigo 43.º, 10 % das aplicações relevantes;

  b) Isenção ou redução de IMI, por um período até 10 anos a contar do ano de aquisição ou construção do imóvel, relativamente aos prédios utilizados pelo promotor no âmbito dos investimentos que constituam aplicações relevantes, nos termos do artigo 22.º;

 2 - A dedução a que se refere a alínea a) do número anterior é efetuada na liquidação de IRC respeitante ao período de tributação em que sejam realizadas as aplicações relevantes, com os seguintes limites:

   a) No caso de investimentos realizados no período de tributação do início de atividade e nos dois períodos de tributação seguintes, exceto quando a empresa resultar de cisão, até à concorrência do total da coleta do IRC apurada em cada um desses períodos de tributação;

   b) Nos restantes casos, até à concorrência de 50 % da coleta do IRC apurada em cada período de tributação.

3 - Quando a dedução referida no número anterior não possa ser efetuada integralmente por insuficiência de coleta, a importância ainda não deduzida pode sê-lo nas liquidações dos 10 períodos de tributação seguintes, até à concorrência da coleta de IRC apurada em cada um dos períodos de tributação, no caso de investimentos abrangidos pela alínea a) do número anterior ou com o limite previsto na alínea b) do mesmo número, nos casos aí previstos.

 

 Importa ainda ter presente que, por força da norma transitória do artigo 6.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 162/2014, os regimes fiscais previstos no novo Código Fiscal do Investimento (à excepção dos benefícios fiscais contratuais ao investimento público que constam do Capítulo II), são aplicáveis aos períodos de tributação iniciados em ou após 1 de janeiro de 2014.

 

7. A B... celebrou com o Estado Português, em 5 de Março de 2013, um contrato fiscal de investimento, ao abrigo do artigo 9.º do Código Fiscal de Investimento, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 249/2009, pelo qual lhe era concedido um benefício fiscal condicionado à implementação do projecto de investimento aí identificado e que se destinava a produzir efeitos a partir do início do período de investimento (em 7 de Maio de 2012) e a vigorar desde a data de assinatura do contrato até 31 de Dezembro de 2020 (cláusulas 2.ª e 20.ª).

 

Em 8 de Janeiro de 2016, a B... apresentou um pedido de desistência da candidatura coberta pelo contrato de investimento fiscal, justificando o pedido com o facto de à data da entrega da candidatura, em 7 de Maio de 2012, o período de vigência do RFAI não ter sido ainda prorrogado, o que só veio a acontecer com a publicação da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, e entretanto ter ocorrido a prorrogação da vigência do RFAI entre 2013 e 2017 por efeito do disposto no Decreto-Lei n.º 83/2013, de 17 de Junho.

 

Com fundamento em desistência da empresa promotora, o contrato fiscal de investimento foi resolvido pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 11/2017, publicada em 3 de Janeiro de 2017. 

 

  Subsequentemente, a Requerente e a sociedade participada apresentaram declarações de substituição referentes ao ano de 2014, em que procederam ao recálculo do RFAI nos exercícios de 2011, 2012 e 2013, num total de € 951.327,62, e que foram declarados no anexo D (Benefícios Fiscais) como dotação do período de tributação de 2014.

 

No âmbito dos procedimentos de inspecção tributária, a Autoridade Tributária determinou correcções aritméticas por considerar, no essencial, em ordem ao disposto nos artigos 22.º, n.º 5, e 23.º, n.º 2, do CFI e ao princípio da periodização económica, que na dotação de 2014 não poderiam ser incluídos benefícios fiscais imputáveis a exercícios anteriores e, especificamente, os decorrentes de investimentos realizados em 2011, 2012 e 2013.

 

A Requerente começa por fundamentar a ilegalidade da liquidação na violação do princípio da justiça e da verdade material, entendendo que o princípio da especialização dos exercícios deve ser articulado com o princípio da justiça quando não haja prejuízo para a Fazenda Pública e se encontrem esgotados os meios de revisão oficiosa, constituindo a declaração substitutiva o mecanismo próprio para alcançar uma tributação que corresponda à situação real do contribuinte.

 

Não pode ignorar-se que a jurisprudência tributária, sem pôr em causa a relevância fiscal do princípio da especialização dos exercícios, tem vindo a admitir a imputação a um exercício de custos referentes a exercícios anteriores, quando ela não tenha resultado de omissões voluntárias e intencionais, com vista a operar transferência de resultados entre exercícios, como é o caso em que está prestes a acabar ou iniciar um período de isenção, quando há interesse em reduzir prejuízos de determinado exercício ou retirar benefícios do seu reporte e quando se pretende reduzir o montante dos lucros tributários (acórdão do STA de 13 de outubro de 1996 (Processo n.º 20404).

 

E esse sentido interpretativo pode ser adoptado – como se ponderou também no acórdão do STA de 5 de fevereiro de 2003 (Processo n.º 01648/02) - mediante a articulação do princípio da especialização de exercícios com o princípio da justiça a que a Administração Tributária se encontra igualmente vinculada (artigo 55.º da LGT).

 

Nas circunstâncias do caso, porém, não está em causa o mero princípio contabilístico da especialização económica dos exercícios. Este princípio decorre do artigo 18.º, n.º 1, do Código do IRC e consiste em incluir nos resultados fiscais os proveitos e custos correspondentes a cada ano económico, independentemente do seu efectivo recebimento ou pagamento, constituindo uma decorrência da periodização anual do imposto, que implica que tanto os rendimentos como os gastos sejam imputados a cada período de tributação. Embora o benefício fiscal possa ser considerado como uma despesa fiscal, na medida em que incide sobre uma situação sujeita a tributação e equivale, em termos quantitativos, a uma receita fiscal não arrecadada, o certo é que para efeitos de imputação dos benefícios fiscais o que é relevante é a verificação das condições da sua atribuição em relação a cada período de tributação, e não propriamente a sua contabilização como despesa segundo o princípio da especialização dos exercícios.

 

Nada parece obstar, em todo o caso, que o princípio da justiça, como princípio básico da actividade de administração tributária, com consagração constitucional (artigo 266.º, n.º 2, da Lei Fundamental), se torne aplicável a outras situações em que a actuação do contribuinte não assuma uma natureza evasiva ou fraudulenta e dela não decorra prejuízo para a Fazenda Pública.

 

No caso, a Requerente apresentou um pedido formal de desistência do contrato fiscal de investimento em 8 de Janeiro de 2016 e, por via disso, poderia ter promovido a dedução à colecta dos benefícios fiscais resultantes dos investimentos realizados no âmbito do regime fiscal do apoio ao investimento (RFAI) no ano de 2013 e que tivessem transitado dos anos precedentes. E mesmo a Autoridade Tributária, no relatório de inspecção tributária, admite que a colecta do grupo de sociedades relativa ao período de tributação de 2013 era suficiente para permitir deduzir, nesse exercício, os créditos fiscais por investimentos efectuados nesse ano, bem como aqueles que, por insuficiência de colecta, não puderam ser considerados nos anos de 2011 e 2012.

 

No entanto, como vimos, o regime fiscal de apoio ao investimento criado pelo artigo 13.º da Lei n.º 10/2009, de 10 de Março, ainda em vigor nos anos de 2011 e 2012, impunha que a dedução à colecta de IRC dos investimentos relevantes fosse efectuada na liquidação respeitante ao correspondente período de tributação, e o remanescente, em caso insuficiência de colecta, fosse deduzido nas liquidações dos quatro exercícios seguintes  (artigo 3.º, n.º 1, alínea a), n.º 2 e n.º 3). E o Código Fiscal de Investimento, que integrou o RFAI por efeito da alteração resultante do Decreto-Lei n.º 83/2013, de 17 de Junho, e prorrogou a sua vigência entre 2013 e 2017, igualmente estipulava que a dedução do benefício fiscal à colecta de IRC era efectuada na liquidação respeitante ao período de tributação em que se realizar o investimento, e a importância que não fosse passível de ser deduzida, por falta de colecta, poderia sê-lo nas liquidações dos cinco exercícios seguintes (artigo 28.º, n.ºs 2 e 3).

 

Relativamente aos períodos de tributação que estão em causa, no caso em análise (2011 a 2014), subsiste, por conseguinte, uma regra de imputação do benefício fiscal ao exercício em que ocorreu o investimento e que surge apenas mitigada pela possível repercussão das importâncias a deduzir nos exercícios seguintes, quando não seja possível deduzir integralmente o benefício no ano em que tenha sido realizado o investimento.

 

Ora, a Administração, encontrando-se igualmente vinculada ao princípio da legalidade (artigo 55.º da LGT), não pode desrespeitar a previsão legal e, mormente, as normas de incidência dos benefícios fiscais, apenas podendo fazer intervir o princípio da justiça em situações e que possa dispor de alguma margem de livre apreciação. E, nesse condicionalismo, cabia ao sujeito passivo accionar os mecanismos procedimentais que permitissem uma reavaliação da situação fiscal por parte da Administração Tributária. 

 

Em Janeiro de 2016, quando formulou o pedido de desistência do contrato fiscal de investimento, a Requerente estava ainda em tempo, por efeito do disposto no artigo 131.º, n.º 1, do CPPT, de deduzir reclamação graciosa contra o acto de autoliquidação referente a 2013, para o que dispunha, nos termos dessa disposição, do prazo de dois anos após a apresentação da declaração de rendimentos.  

 

E era por essa via que a Requerente poderia ter obtido a correcção da liquidação de modo a ser tomada em linha de conta a dedução dos benefícios fiscais, justificando-se, nessa circunstância, que a Administração fizesse apelo, na apreciação do caso, ao princípio da justiça.

 

Ao contrário, a Requerente, com invocação de um princípio da economia processual, optou por apresentar uma declaração de substituição relativa ao ano de 2014 para nela efectuar conjuntamente as deduções de benefícios fiscais dos exercícios precedentes.

 

Mas, como se fez notar, a lei é clara quanto à relação temporal entre o investimento e a atribuição do benefício e a Administração não poderia deixar de observar o legalmente estipulado quanto às regras de imputação do benefício.

 

Entende-se, por conseguinte, que se não verifica a alegada violação do princípio da justiça.

 

Por identidade de razão, não há lugar à violação do princípio da verdade material, que também vem invocado.

 

O princípio da verdade material encontra-se associado ao princípio do inquisitório, consagrado no artigo 58.º da LGT, que confere à Administração o dever de, no procedimento, realizar todas as diligências necessárias à satisfação do interesse público e à descoberta da verdade, não estando subordinada, para esse efeito, à iniciativa do autor do pedido. Tratando-se de um princípio do procedimento tributário, a finalidade última é alcançar uma tributação que, no caso concreto, corresponda à situação real do contribuinte.

 

A averiguação da realidade dos factos destina-se, em todo o caso, a efectuar a adequada qualificação jurídica, e, nesse domínio, a Administração não pode deixar de se encontrar subordinada ao princípio da legalidade. Ou seja, apenas porque o sujeito passivo terá realizado investimentos, em anos anteriores, que justificavam a atribuição de benefícios fiscais, não tem a Administração, em ordem ao princípio da verdade material, de tomar em consideração essa realidade para efeito de admitir as correspondentes deduções, quando entretanto não se encontram cumpridas as regras legalmente previstas de imputação.

 

Como é bem de ver, o princípio da verdade material não pode ter o sentido de prevalência absoluta sobre a legalidade e constitui antes um meio instrumental de averiguação da realidade de modo a atingir a solução justa dentro do quadro legal aplicável.

 

8. A Requerente alega ainda que o acto tributário se encontra ferido de violação dos princípios da imparcialidade, colaboração, boa-fé e confiança, porquanto no relatório de inspecção os serviços poderiam ter aberto a possibilidade de o sujeito passivo apresentar declaração substitutiva relativa ao exercício de 2013, uma vez que nesse documento se admite que a colecta de 2013 era suficiente para a Requerente ter promovido a dedução dos benefícios fiscais no âmbito do RFAI que tinham transitado de 2011 e 2012, por insuficiência de colecta, bem como os benefícios referentes ao exercício de 2013.

 

Na verdade, o relatório de inspecção tributária, em resposta à exposição apresentada pela Requerente no exercício do direito de audição, considera que, em vez de apresentar uma declaração de substituição referente ao ano de 2014, poderia ter optado por uma declaração substitutiva relativa ao ano de 2013, que permitiria deduzir os benefícios fiscais imputáveis a esse ano e aqueles que não pudessem ter sido deduzidos nos anos anteriores.

 

Trata-se, no entanto, de um mero obiter dictum que não qualquer conteúdo determinante quanto ao sentido da proposta de correcção fiscal em IRC, que, como se viu, assenta essencialmente no argumento de que, na dotação de 2014, por efeito do disposto nos artigos 22.º, n.º 5, e 23.º, n.º 2, do CFI, não poderiam ser incluídos os benefícios fiscais referentes a 2011, 2012 e 2013.

 

Por outro lado, o acto impugnado é a liquidação em IRC referente ao ano de 2014 em resultado das declarações de substituição apresentadas em 27 de Maio de 2016 e 13 de Maio de 2016, pelo que não é possível discutir no âmbito do presente processo as incidências relativas a um outro período de tributação que não está aqui directamente em causa.

 

Certo é que o artigo 59.º, n.º 5, do CPPT prevê a convolação da declaração de substituição em reclamação graciosa da liquidação “nos casos em que os erros ou omissões a corrigir decorram da divergência entre o contribuinte e o serviço na qualificação de actos, factos ou documentos invocados (…) ou fundada dúvida sobre a existência dos referidos actos, factos ou documentos”. O subsequente n.º 6 acrescenta que “da apresentação das declarações de substituição não pode resultar a ampliação dos prazos de reclamação graciosa, impugnação judicial ou revisão do acto tributário que seriam aplicáveis caso não tivessem sido apresentadas”.

 

No entanto, independentemente da questão de se saber se a declaração de substituição foi  apresentada no prazo legalmente previsto para deduzir a reclamação graciosa, prazo esse que é de 120 dias a contar da notificação do acto tributário, não se vê em que termos é que uma reclamação graciosa – que constitui uma forma de impugnação administrativa do acto tributário – poderia permitir suprir a obrigação declarativa do contribuinte quanto à inscrição, nos períodos de tributação de 2011, 2012 e 2013, dos benefícios fiscais no âmbito do RFAI a que se julga com direito.

 

A Requerente também acrescenta que, à data da realização do procedimento inspectivo, em 2018, estava na disponibilidade da Autoridade Tributária proceder à revisão oficiosa do acto de autoliquidação. Mas, como resulta do disposto no artigo 78.º, n.º 1, da LGT, a revisão oficiosa apenas pode ter lugar quando se detecte uma liquidação indevida de imposto por erro imputável aos serviços, não podendo servir para suprir as obrigações declarativas do contribuinte. Tendo sido incluídos indevidamente na dotação de 2014 benefícios fiscais que eram imputáveis a exercícios anteriores, a correcção à liquidação que daí resulta não é imputável a um erro dos serviços que possa ser revisto oficiosamente e é, antes, a necessária consequência de o sujeito passivo não ter cumprido as regras da dedução segundo o período de tributação em que foram realizados os investimento que originam o benefício fiscal.

 

Não há, por isso – como é óbvio -, uma qualquer violação do princípio da colaboração ou da boa fé.

 

  O pedido arbitral mostra-se ser também neste ponto improcedente.

 

Indemnização por prestação de garantia indevida

 

8. Sendo de julgar improcedente o pedido principal de declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional, fica necessariamente prejudicado o conhecimento do pedido de indemnização por prestação de garantia indevida.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide declarar incompetente o tribunal arbitral para apreciar os pedidos subsidiários, julgar improcedente o pedido arbitral e manter a liquidação adicional que vem impugnada.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 665.174,47, que não foi contestado pela Requerida e corresponde ao valor da liquidação a que se pretendia obstar, pelo que se fixa nesse montante o valor da causa.

 

Notifique.

 

Lisboa, 5 de Fevereiro de 2020

 

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

João Espanha

 

O Árbitro vogal

Jesuíno Alcântara Martins