Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 204/2019-T
Data da decisão: 2020-01-31  IRC  
Valor do pedido: € 109.384,29
Tema: IRC – Dupla Tributação Jurídica Internacional.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

I – RELATÓRIO

 

1.            No dia 21 de Março de 2019, A..., S.A., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ... ..., ..., em Lisboa, apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º e 10.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, com a redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), visando a declaração de ilegalidade do acto de liquidação de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2016..., por referência ao exercício de 2015, no valor de € 109.384,29 e nos termos do qual resultou um valor total a pagar de € 19.777,14, e da decisão de indeferimento do procedimento de Reclamação Graciosa, que teve aquele acto de liquidação como objecto, na parte referente ao reembolso das retenções na fonte efectuadas em Angola, e bem assim visando em consequência o reconhecimento e a restituição do crédito de imposto que invoca, no montante de € 109.384,29.

 

2.            Para fundamentar o seu pedido alega a Requerente, em síntese:

i.             A posição assumida pela Autoridade Tributária - de não permitir o reembolso do montante de Retenções na Fonte efetuadas em Angola -, traduz-se numa manifesta arrecadação indevida de imposto, o que configura uma situação de enriquecimento sem causa do Estado, o que não deverá admitir-se;

ii.            A Requerente logrou demonstrar os factos que se subsumem ao artigo 91.º do Código do IRC;

iii.           Não obstante a CDT celebrada entre Portugal e Angola não estar ainda em vigor - à data da Reclamação Graciosa -, a Autoridade Tributária tem o dever de, oficiosamente, repor a legalidade da situação ao abrigo do princípio do inquisitório a que alude o artigo 58.º da LGT;

iv.           A Requerente tem direito a recuperar a importância de € 199.859,05 (correspondente à soma do valor anteriormente inscrito no Campo 353 da Modelo 22 de 2015, de € 90.474,74, com o valor do crédito de imposto agora peticionado no valor de € 109.384,29), por ser um montante inferior a € 348.325,02, que se refere a um montante de imposto já entregue ao Estado.

 

3.            No dia 22-03-2019, o pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT.

 

4.            A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou os signatários como árbitros do tribunal arbitral colectivo, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

5.            Em 14-05-2019, as partes foram notificadas dessas designações, não tendo manifestado vontade de recusar qualquer delas.

 

6.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral colectivo foi constituído em 03-06-2019.

 

7.            No dia 03-06-2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua resposta defendendo-se por impugnação.

 

8.            No dia 25-10-2019, realizou-se a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, onde foi inquirida a testemunha, no acto, apresentada pela Requerente e prorrogado o prazo a que alude o art.º 21.º/1 do RJAT, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo.

 

9.            Tendo sido concedido prazo para a apresentação de alegações escritas, foram as mesmas apresentadas pela Requerente, pronunciando-se sobre a prova produzida e reiterando e desenvolvendo as respectivas posições jurídicas.

 

10.          Foi indicado que a decisão final seria notificada até ao termo do prazo previsto no art.º 21.º/1 do RJAT, devidamente prorrogado.

 

11.          O Tribunal Arbitral é materialmente competente e encontra-se regularmente constituído, nos termos dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), 5.º e 6.º, n.º 2, alínea a), do RJAT.

As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão legalmente representadas, nos termos dos artigos 4.º e 10.º do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março.

O processo não enferma de nulidades.

Assim, não há qualquer obstáculo à apreciação da causa.

 

Tudo visto, cumpre proferir:

 

II. DECISÃO

A. MATÉRIA DE FACTO

A.1. Factos dados como provados

 

1-            A Requerente é uma sociedade anónima que tem por objecto a consultoria na área da organização informática e administrativa de empresas, desenvolvimento de sistemas de informação e de gestão, informação, comercialização e venda de equipamentos, fornecimentos de serviços informáticos, estudos de racionalização e consultoria em actividades de gestão no âmbito empresarial, financeiro, contabilístico e administrativa, política de empresa, planificação e estratégia, marketing e assistência na criação de empresas, bem como de todas as actividades, directa ou indirectamente, relacionadas com estes fins.

2-            A Requerente encontra-se colectada junto da Autoridade Tributária e Aduaneira no Regime Geral de Determinação do Lucro Tributável, em sede IRC.

3-            Em 31 de Maio de 2016, a Requerente procedeu à entrega da correspondente Modelo 22 referente ao período de tributação de 2015, à qual foi atribuído o número de identificação …-C…- …, e relativamente à qual foi posteriormente emitida demonstração de liquidação n.º 2016..., de 24 de Junho de 2016.

4-            Da referida declaração de rendimentos, resultou o apuramento de um lucro tributável de € 1.193.325,48, bem como uma colecta total correspondente a € 250.598,35

5-            Aquando da submissão da referida Modelo 22, a Requerente inscreveu no campo 357, referente ao total de deduções à colecta, o montante de € 147.391,00, o qual incluía € 90.474,76 referente a Dupla Tributação Jurídica Internacional (“DTJI”) - sendo que € 76.690,28 diziam respeito a rendimentos provenientes de Angola - e € 56.917,20 referentes a pagamentos especiais por conta.

6-            À data da submissão da Modelo 22 relativa ao período de tributação de 2015, a Requerente não tinha em seu poder uma parte significativa dos documentos comprovativos das retenções na fonte suportadas no estrangeiro, as quais, à luz do artigo 91.º do Código do IRC, podem ser deduzidas ao valor do imposto a pagar em Portugal.

7-            Por esse motivo, a Requerente inscreveu no campo 353 referente à DTJI o montante de € 90.474,76 (noventa mil, quatrocentos e setenta e quatro euros e setenta e seis cêntimos) a título de imposto pago/suportado no estrangeiro, sendo que € 76.690,28 respeitam a retenções na fonte efetuadas em Angola.

8-            Posteriormente à submissão da declaração Modelo 22 referente ao período de tributação de 2015, a Requerente obteve documentação de suporte adicional relativamente a montantes retidos na fonte em Angola com referência a faturas emitidas no decurso de 2015, no valor total de € 109.384,29.

9-            Na posse desses documentos, a Requerente apresentou Reclamação Graciosa em 1 de Junho de 2018, com vista à anulação do acto de liquidação acima identificado, invocando, em suma, que, tendo os pagamentos efectuados por certas entidades angolanas à ora Requerente sido tributados em Portugal e Angola, a retenção na fonte efectuada em Angola deve ser passível de ser recuperada, no montante de € 109.384,29, para além de formular pedido de dedução do pagamento especial por conta referente ao período de tributação de 2011.

10-         No âmbito da Reclamação Graciosa, a Requerente apresentou à AT os seguintes documentos, relativos às retenções na fonte ocorridas em Angola que pretendia fossem reconhecidas:

 

11-         A Administração Tributária notificou a Requerente da proposta de indeferimento da sua pretensão.

12-         A Requerente exerceu o respectivo direito de audição em 12 de Dezembro de 2018, apenas quanto ao projeto de indeferimento do pedido de dedução do pagamento especial por conta referente ao período de tributação de 2011, não se tendo pronunciado sobre o projecto de indeferimento referente à Retenção na Fonte efetuada em Angola.

13-         A Requerente optou por não se pronunciar em sede de audição prévia quanto à proposta de indeferimento do crédito de imposto por DTJI, na medida em que não tinha na sua disponibilidade a maioria da documentação de suporte solicitada pela Administração Tributária, designadamente os originais ou fotocópias devidamente certificadas e legíveis dos DAR (Documento de Arrecadação de Receita) e DLI (Documento de Liquidação de Imposto).

14-         Em 21 de Dezembro de 2018, a Requerente foi notificada da decisão final de indeferimento da Reclamação Graciosa, nos termos da qual, na parte referente à dedução da DTJI, se mantiveram os fundamentos de indeferimento invocados aquando da elaboração do projecto de indeferimento.

15-         Da decisão de indeferimento da Reclamação Graciosa, consta, para além do mais, o seguinte:

  

16-         No ano de 2015 a Requerente emitiu as seguintes 16 facturas às entidades B..., Ld.ª, C... e D..., Ld.ª, todas residentes na República de Angola, relativas a prestações de serviços cujo pagamento se venceu naquele ano:

 

17-         As referidas facturas totalizam um valor bruto de 321.123.455,57 Akz (Kwanzas angolanos), o que equivalia a €1.682.835,19.

18-         As referidas facturas não foram pagas no ano de 2015, mas apenas nos anos seguintes.

19-         Os rendimentos provenientes dos serviços prestados pela Requerente às entidades angolanas em causa foram incluídos na matéria coletável do ano de 2015.

20-         As referidas entidades retiveram na fonte um montante total de 20.873.023,96 Akz, que equivalia a € 109.384,29, correspondente à aplicação da taxa de 6,5% relativa ao imposto industrial angolano, sobre o montante facturado e pago, atrás referido.

21-         O referido valor de € 109.384,29, não foi incluído no valor que a Requerente inscreveu no campo 353, da Modelo 22 a que se reportam os pontos 3 e seguintes dos factos provados, referente à DTJI, a título de imposto pago/suportado no estrangeiro.

22-         Aquele valor reporta-se às seguintes facturas:

 

23-         Com, e na pendência da presente acção arbitral a Requerente juntou aos autos

i.             o balancete analítico a 31 de Dezembro de 2015, antes do apuramento de resultados;

ii.            os extractos contabilísticos de todas as contas movimentadas onde se registaram as respetivas retenções na fonte efetuadas em Angola durante o exercício de 2015;

iii.           detalhe da conta #7213, com a menção ao ano a que respeita;

iv.           cópias certificadas dos DAR e DLI relativos ao imposto retido, supra referido no ponto 20.

 

A.2. Factos dados como não provados

Com relevo para a decisão, não existem factos que devam considerar-se como não provados.

 

A.3. Fundamentação da matéria de facto provada e não provada

Relativamente à matéria de facto o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT).

Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao actual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT).

Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o PA juntos aos autos, consideraram-se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados.

A prova testemunhal relevou acessoriamente, no sentido de confirmar e reiterar a genuinidade e o conteúdo da prova documental apresentada pela Requerente.

Não se deram como provadas nem não provadas alegações feitas pelas partes, e apresentadas como factos, consistentes em afirmações estritamente conclusivas, insusceptíveis de prova e cuja veracidade se terá de aferir em relação à concreta matéria de facto acima consolidada.

 

B. DO DIREITO

 

Em causa nos presente autos, como é consensual, está a aplicação dos art.ºs 90.º e 91.º do CIRC aplicável (versão 2015), cujo teor, no que para o caso interessa, é o seguinte:

                                                                             Artigo 90.º

Procedimento e forma de liquidação

1 - A liquidação do IRC processa-se nos termos seguintes:

a)            Quando a liquidação deva ser feita pelo sujeito passivo nas declarações a que se referem os artigos 120.º e 122.º, tem por base a matéria coletável que delas conste;

b)           Na falta de apresentação da declaração a que se refere o artigo 120.º, a liquidação é efetuada até 30 de novembro do ano seguinte àquele a que respeita ou, no caso previsto no n.º 2 do referido artigo, até ao fim do 6.º mês seguinte ao do termo do prazo para apresentação da declaração aí mencionada e tem por base o valor anual da retribuição mínima mensal ou, quando superior, a totalidade da matéria coletável do exercício mais próximo que se encontre determinada;

c)            Na falta de liquidação nos termos das alíneas anteriores, a mesma tem por base os elementos de que a administração fiscal disponha.

2             - Ao montante apurado nos termos do número anterior são efetuadas as seguintes deduções, pela ordem indicada:

a) A correspondente à dupla tributação jurídica internacional;”

 

“Artigo 91.º

Crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional

1 - A dedução a que se refere a alínea a) do n.º 2 do artigo 90.º é apenas aplicável quando na matéria coletável tenham sido incluídos rendimentos obtidos no estrangeiro e corresponde à menor das seguintes importâncias:

a) Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro;

b) Fração do IRC, calculado antes da dedução, correspondente aos rendimentos que no país em causa possam ser tributados, acrescidos da correção prevista no n.º 1 do artigo 68.º, líquidos dos gastos direta ou indiretamente suportados para a sua obtenção.”

 

                Como é sabido, o exercício do direito ao crédito de imposto por dupla tributação jurídica internacional, nos termos previstos no n.º 1 do art.º 91.º do Código do IRC, depende de: (i) os rendimentos (ilíquidos, ou seja, acrescidos do montante correspondente ao imposto pago no estrangeiro) se encontrarem incluídos na matéria colectável; e (ii) da existência de imposto pago no estrangeiro sobre os rendimentos em causa.

                É isto que cumpre, portanto, no caso apurar.

 

*

                Relativamente ao primeiro dos requisitos que se vem de apontar, atentos os elementos constantes do processo, devidamente reflectidos na matéria de facto dada como provada, crê-se não haver matéria susceptível de fundar qualquer dúvida razoável a seu respeito.

                Efectivamente, no caso, e no que ao pressuposto relativo à exigência de os rendimentos (ilíquidos, ou seja, acrescidos do montante correspondente ao imposto pago no estrangeiro) se encontrarem incluídos na matéria colectável, não se têm dúvidas de que o mesmo ora se encontra demonstrado. Como dúvidas não tem a própria AT   em sede arbitral. Com efeito, se em sede de procedimento de Reclamação Graciosa a Requerida levantava essa questão (v., entre o mais, v.7. da decisão de indeferimento – ponto 15, factos provados supra) fundamentando, também na mesma, o indeferimento, já na presente sede, arbitral, e tendo sido aqui junta documentação contabilística adicional (cfr. ponto 23, factos provados supra) que por si havia sido considerada necessária para prova do requisito em causa, vem reconhecer ter ficado demonstrado o preenchimento desse requisito (v. art.º 6.º da Resposta).

                Assente, então, que os rendimentos (cfr. supra) se encontram incluídos na matéria colectável, cumpre aferir da comprovação da existência de imposto pago no estrangeiro sobre os rendimentos em causa.

Essencialmente, e neste ponto, o indeferimento da reclamação graciosa sub iudice radica na doutrina veiculada pelo Ofício-Circulado n.º 20124, de 09-05-2007 da Direcção de Serviços de Relações Internacionais da AT, segundo o qual os sujeitos passivos titulares de rendimentos obtidos no estrangeiro devem juntar documentos originais (ou fotocópias autenticadas) emitidos pela autoridade fiscal do país de origem desses rendimentos que comprovem o montante de rendimento, a sua natureza e o pagamento do imposto.

Relativamente ao entendimento daquela circular, diga-se, desde logo, que a AT é livre de consagrar, de forma genérica, a aceitação de determinado tipo de documentação como idónea a demonstrar certos pressupostos de normas tributárias constitutivas de direitos dos contribuintes, devendo mesmo, até, proceder dessa forma, em homenagem aos princípios da certeza e segurança jurídica, da igualdade e da eficácia e simplicidade de procedimentos.

Não haverá, assim, qualquer óbice de natureza legal – antes pelo contrário – a que a AT, como acontece no referido Ofício-Circulado, se auto-vincule a aceitar determinado tipo de documentação para determinados efeitos.

Pelo contrário, todavia, não se deverá aceitar que a AT, de forma genérica ou na aplicação de instruções internas da índole da referida, vede aos contribuintes a utilização de meios de prova que a lei admite e não defere à AT a faculdade de restringir, com o argumento de haver formas mais seguras, ou inequívocas de demonstrar os factos em crise.

De resto, a própria Requerida parece entender o mesmo, ao referir, em sede de resposta, que “A presente prova carreada para os autos deve, por isso, ser livremente apreciada pelo Tribunal.” .

Ou seja, e em suma, se à AT é lícito definir que determinados meios de prova serão, por si, considerados aptos à demonstração de determinados factos, assim transmitindo aos contribuintes a segurança de que, munidos dos mesmos, a AT não levantará quaisquer objecções ao respectivo teor, já não será legítimo àquela Autoridade, de forma abstracta e a priori, crismar – directamente ou por exclusão – outros meios de prova como inidóneos, nos casos em que tal não resulte da lei, nem esta lhe confira a faculdade de o fazer.

Deste modo, confrontada, como acontece no caso, com documentação ou outros meios de prova, legalmente admissíveis mas que não correspondem ao que se encontra previamente por si definido como apto às finalidades de prova pretendidas, não poderá a AT demitir-se de analisar criticamente tal prova, e fundar devidamente as dúvidas que, em concreto, a mesma lhe suscita, e limitar-se, simplesmente, a recusá-la por não corresponder àquela que genericamente foi reputada como idónea para os fins em causa.

De resto, no caso o requisito formal criado pela AT não consta de previsão expressa do Código do IRC, mormente das normas dos artigos 91.º e 123.º daquele Código.

                Relativamente à documentação apresentada pela Requerente, argumenta a Requerida que a certeza de que o “rendimento foi previamente sujeito a imposto no Estado da Fonte”, apenas a pode ter “na hipótese de serem apresentados os documentos originais ou fotocópias certificadas dos DAR e dos DLI referentes aos impostos pagos em Angola”, argumento que  pode ser ele próprio susceptível de crítica, porquanto os referidos documentos não asseguram in totum a entrega do imposto ao Estado Angolano, por um lado, mas a mera declaração (v. o caso do DLI), e, por outro, o art.º 91.º/1/a), quando se reporta ao “Imposto sobre o rendimento pago no estrangeiro”, não exige, nem daí decorre, a necessidade de que o imposto tenha sido efectivamente entregue ao Estado estrangeiro, mas, unicamente, que nos termos da legislação do Estado estrangeiro, o imposto haja sido entregue à pessoa legalmente encarregue de o receber.

                Quer isto dizer, por exemplo, que no caso análogo à retenção na fonte de rendimentos pagos a não residentes, nos termos do art.º 94.º do CIRC português, em que o imposto é entregue, ou retido, a, ou por, um outro sujeito passivo, que fica, ele próprio, onerado com a responsabilidade de, de acordo com a legislação que lhe for aplicável, o entregar ele ao Estado estrangeiro, apenas é necessário que seja demonstrada a entrega a, ou a retenção por, aquele sujeito passivo, bem como de que, nos termos da legislação aplicável àquele, o mesmo ficou com o encargo de o entregar ao Estado.

                Efectivamente, nesses casos, julga-se, e sempre sem prejuízo de melhor opinião, que estará feita a prova de que o imposto foi pago no estrangeiro, de que esse requisito se encontra cumprido, independentemente de o terceiro que recebeu ou reteve o imposto do/ao residente em Portugal o declarar e entregar, efectivamente, ao Estado que o tutela e que a tal o obriga.

                Acresce que o entendimento da AT tem subjacente uma mundividência que pressupõe que todos os estados estrangeiros são organizados em quadros burocráticos e legais análogos ao nacional/europeu ocidental, o que, notoriamente, e sobretudo, mas não só, em países menos desenvolvidos, não é o caso. Por outro lado, assume também que as administrações tributárias estrangeiras, a nível global, estão ao dispor de todos quantos aí auferem rendimentos, para emitir as declarações e certidões que a AT portuguesa entenda necessárias, assumindo um quadro legal – não demonstrado, todavia – análogo ao nacional.

Acresce ainda que, como se referiu já, a circunstância de haver meios probatórios susceptíveis de, no entender da AT, demonstrar de forma “inequívoca” determinados factos, não poderá fundamentar a preclusão de outros, e que, como é consabido, os juízos de prova assentam num juízo de razoabilidade (a prova para lá de qualquer dúvida razoável), e não de inequivocidade, formulado em concreto, ou seja, face às circunstâncias específicas de caso, e não a priori ou de forma abstracta.

Assim, e no caso, não se poderia descurar que está em causa um Estado estrangeiro, que à data, tinha terminado uma guerra civil que durou 27 anos, há cerca de 15 anos, com as consabidas e notórias dificuldades de organização da máquina estadual e fiscal daí decorrentes.

Em todo o caso, o que resulta provado da matéria de facto, é que em sede arbitral a Requerente apresentou toda a documentação exigida pela AT em sede de Reclamação Graciosa. E que a Requerida, em sede de Resposta nos presentes autos, se absteve de apresentar qualquer argumento colocando em causa essa circunstância – na condição de os documentos originais ou fotocópias certificadas (ref. DAR e DLI) protestados juntar pela Requerente no seu PPA viessem a ser efectivamente juntos. Que foi o que sucedeu, como se viu.

                Desta forma, deve concluir-se que a liquidação de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas n.º 2016..., por referência ao exercício de 2015, e a decisão de indeferimento do procedimento de Reclamação Graciosa que teve aquele acto de liquidação como objecto, enfermam de erro nos pressupostos de facto, e correspondente erro de direito, por desconsideração, para efeitos do disposto no art.º 91.º/1/a) do CIRC aplicável, do montante de 20.873.023,96 Akz, que equivalia a € 109.384,29, pagos pela Requerente, ao Estado Angolano, a título de imposto sobre o rendimento naquele país, no ano de 2015.

                Assim, devem a decisão da referida Reclamação Graciosa, bem como a liquidação de imposto que a mesma teve por objecto, ser, nessa parte, anuladas, o que se determina.

 

*

                Cumula a Requerente com o pedido anulatório, como se viu já, os pedidos acessórios de que seja reconhecido o crédito de imposto no montante de € 109.384,29, acrescido dos juros indemnizatórios, vencidos e vincendos.

                Quanto ao pedido de reconhecimento do crédito de imposto, o mesmo deve ser indeferido, na medida em que não se contém dentro do que é o objecto do processo de impugnação judicial, que é a matriz do procedimento tributário, mas no processo de acção para reconhecimento de um direito em matéria tributária, não cabendo decisão do mesmo no presente processo arbitral, mas, meramente, em sede da sua execução, ou das consequências do caso ora julgado.

                Sem prejuízo, tem, obviamente, em consequência da decisão ora proferida, a Requerente direito à restituição do montante de € 19.777,14, indevidamente pago em função da liquidação ora anulada.

Quanto a juros indemnizatórios estabelece o artigo 43.º, n.º 1, da LGT que são devidos quando se determine que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

No caso, quando indeferiu a RG a AT fundamentou-se para o efeito não só na alegada insuficiência de prova quanto ao requisito do pagamento do imposto em Angola (falta de originais ou cópias certificadas), mas também na insuficiência de prova quanto ao requisito de os rendimentos terem sido incluídos na matéria colectável do exercício de 2015, porquanto entendeu que a documentação junta então pela Requerente não era de molde a fazer tal prova com a necessária certeza, e só no processo arbitral é que a Requerente veio juntar a documentação contabilística (balancete analítico incluído, extractos das contas) que permite, em conjugação com a demais, comprovar o requisito referido.

Conclui-se assim que não houve erro imputável à AT quando, com os elementos de que dispunha, decidiu como decidiu.

Deste modo, não havendo erro imputável à AT, não deverá ser reconhecido o direito da Requerente aos peticionados juros indemnizatórios.

 

*

C. DECISÃO

Termos em que se decide neste Tribunal Arbitral julgar integralmente procedente o pedido arbitral formulado e, em consequência:

a)            Anular o acto de liquidação de Imposto sobre Rendimento das Pessoas Colectivas (“IRC”) n.º 2016..., por referência ao exercício de 2015, do qual resultou um valor total a pagar de € 19.777,14, na medida em que desconsiderou o montante de € 109.384,29 na dedução por DTJI, e, nessa mesma medida, da decisão de indeferimento do procedimento de Reclamação Graciosa que teve aquele acto de liquidação como objecto;

b)           Condenar a Requerida na devolução da quantia de € 19.777,14;

c)            Indeferir o pedido de reconhecimento do montante de retenções na fonte, de € 109.384,29;

d)           Absolver a Requerida dos pedidos de juros indemnizatórios;

e)           Condenar a Requerida nas custas do processo, no montante abaixo fixado.

 

D. Valor do processo

Fixa-se o valor do processo em € 109.384,29, nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 3 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.

 

E. Custas

Fixa-se o valor da taxa de arbitragem em € 3.060,00, nos termos da Tabela I do Regulamento das Custas dos Processos de Arbitragem Tributária, a pagar pela AT, uma vez que o pedido foi totalmente procedente, nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, ambos do RJAT, e artigo 4.º, n.º 5, do citado Regulamento.

 

Notifique-se.

 

Lisboa, 31 de Janeiro de 2020

 

O Árbitro Presidente

(José Pedro Carvalho)

 

O Árbitro Vogal

(Sofia Ricardo Borges)

 

O Árbitro Vogal

(José Ramos Alexandre)