DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
1. Em 19 de junho de 2019, A..., NIPC..., com sede na Av. ..., n.º..., ..., doravante designado por “Requerente”, tendo sido notificado, através dos Ofícios com a referência OF/.../2014/DG/DGAE e OF/.../2014/DG/DGAE, ambos, de 15.09.2014, da Direção-Geral das Atividades Económicas, do Ministério da Economia, da decisão de indeferimento/rejeição dos pedidos de revisão oficiosa apresentados contra os atos de liquidação de taxas, no montante de € 16.210,74, formalizado através da fatura n.º ../2011, de 3 de agosto de 2011 e no montante de € 1.716,86, formalizado através da fatura n.º ../2011, de 7 de outubro de 2011, e tendo apresentado, em 07.10.2014, impugnação judicial contra cada um daqueles atos de indeferimento/rejeição e contra os referidos atos tributários, as quais se encontravam pendentes de decisão no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto sob os n.ºs .../14...BELRS e .../14...BELRS, veio, ao abrigo do disposto no artigo 11.º do Decreto-Lei n.º 81/2018, de 15 de outubro, nos termos e para os efeitos do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e no artigo 10.º, ambos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, doravante apenas designado por RJAT), requerer a constituição de tribunal arbitral e proceder a um pedido de pronúncia arbitral, com vista:
i) à declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de taxas, no montante de € 16.210,74, formalizado através da fatura n.º ../2011, de 3 de agosto de 2011 e no montante de € 1.716,86, formalizado através da fatura n.º ../2011, de 7 de outubro de 2011, tudo num total de € 17.927,60 (dezassete mil, novecentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos), com a consequente anulação das referidas liquidações, pedido de reembolso dos montantes pagos acrescido dos juros indemnizatórios e
ii) à anulação das decisões de indeferimento dos pedidos de revisão oficiosa dos referidos atos tributários.
2. A Requerente é representada, no âmbito dos presentes autos, pela sua mandatária Dr.ª B..., e a Requerida, a Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante designada por AT) é representada pelos juristas, Dr. C... e Dr. D... .
3. Verificada a regularidade formal do pedido, nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º do RJAT, foi designado pelo Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD, como árbitro, o signatário.
4. O Árbitro aceitou a designação efetuada, tendo o Tribunal arbitral sido constituído no dia 30 de agosto de 2019, na sede do CAAD, sita na Avenida Duque de Loulé, n.º 72-A, em Lisboa, conforme comunicação da constituição do tribunal arbitral que se encontra junta aos presentes autos.
5. Depois de notificada para o efeito, a Requerida apresentou, a 3 de outubro de 2019, a sua resposta, tendo apresentado a sua defesa por exceção, que o Tribunal entendeu conhecer apenas aquando da decisão final, e por impugnação.
6. No dia 8 de outubro de 2019, o presente Tribunal notificou o Requerente, para, em 10 dias, em cumprimento do princípio do contraditório, se pronunciar sobre a exceção invocada pela Requerida, o que fez, através do requerimento que apresentou no dia 11 de outubro de 2019.
7. Por despacho de 18 de outubro de 2019, o presente Tribunal notificou, por um lado, a Requerente, atendendo à matéria em causa nos autos, para indicar (i) se mantém a sua intenção de produzir prova testemunhal, e, em caso afirmativo, (ii) quais os factos que, em concreto, pretende que tal prova seja produzida, e por outro, a Requerida para juntar o processo administrativo.
8. No dia 29 de outubro de 2019, em resposta ao despacho identificado em 7 supra, veio, por um lado, a Requerente, através de requerimento, prescindir da produção de prova testemunhal, e por outro, pela mesma via, vem a Requerida opor-se à inquirição das testemunhas e mencionar que «[q]uanto o processo administrativo instrutor, considerando o facto dos actos impugnados serem totalmente estranhos à actividade da Requerida e sendo este um processo migrado, o mesmo, a existir, deverá constar nos autos originais, os quais deveriam instruir - na sua totalidade – a migração do processo.».
9. No dia 4 de novembro de 2019, a Requerida vem reiterar a posição já assumida nos autos quanto à produção da prova testemunhal e quanto à exceção invocada em sede de resposta, através de requerimento, o qual mereceu resposta da Requerente, através de requerimento apresentado a 15 de novembro de 2019.
10. Não existindo a necessidade de produção de prova adicional, para além daquela que documentalmente já se encontra incorporada nos autos, não se vislumbrando necessidade de as partes corrigirem as respetivas peças processuais, reunindo o processo todos os elementos necessários à prolação da decisão, por razões de economia e celeridade processual, da proibição da prática de atos inúteis, o Tribunal entendeu dispensar a realização da reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, no despacho que proferiu a 29 de novembro de 2019, concedendo, no mesmo, um prazo sucessivo de 15 dias para a Requerente e a Requerida, por esta ordem, apresentarem as correspondentes alegações por escrito.
11. Nesse mesmo despacho, o Tribunal, em cumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 18.º do RJAT designou o dia 29 de fevereiro de 2020 para efeito de prolação da decisão arbitral, tendo advertido a Requerente de que deveria proceder ao pagamento da taxa arbitral subsequente, nos termos do n.º 3 do artigo 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, e comunicar o mesmo pagamento ao CAAD.
12. No dia 12 de dezembro de 2019, a Requerente apresentou um requerimento, por via do qual junta aos autos comprovativo da taxa arbitral subsequente aos autos, tendo apresentado, no dia seguinte, as suas alegações.
13. No dia 14 de janeiro de 2010, a Requerida apresentou as suas alegações escritas.
II. O Requerente sustenta o seu pedido, em síntese, da seguinte forma:
1. O Requerente sustenta o pedido de declaração de ilegalidade dos atos de liquidação de taxas, no montante de € 16.210,74, formalizado através da fatura n.º ../2011, de 3 de agosto de 2011 e no montante de € 1.716,86, formalizado através da fatura n.º ../2011, de 7 de outubro de 2011, tudo num total de € 17.927,60 (dezassete mil, novecentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos), e a sua consequente anulação, no seguinte:
a) VÍCIO DE PRETERIÇÃO DE FORMALIDADE ESSENCIAL, por violação do disposto no artigo 77.º, n.º 6 da Lei Geral Tributária (LGT) e do artigo 36.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), por entender que «(…) as notificações em causa, em total inobservância do regime estabelecido no supra citado art. 36.º do CPPT, não referem os meios de defesa, nem o prazo para reagir, indicando apenas o montante das taxas a liquidar.» Mais, sustentando o Requerente, quanto a este aspeto que «(…) nos termos estabelecidos no n.º 6 do art. 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), as notificações para pagamento da taxa, postas em crise, são ineficazes, pois nos termos desta norma “a eficácia da decisão depende da notificação”. Concluindo, assim, que «(…) a falta de indicação da norma que estabelece os meios e prazos de reação nas notificações, conduz à ineficácia do ato de liquidação de taxa, bem como à invalidade das mesmas por violação direta de lei, designadamente do disposto no art. 77.º, n.º 6 da LGT, o que acarreta, ainda, a preterição de formalidades legais essenciais.»
b) VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 77.º da LGT por considerar que «a CPC limitou-se a emitir e notificar o Requerente das faturas que liquidam as taxas em causa, sem fazer quaisquer referências suficientes ao enquadramento de facto, que lhes está subjacente.» Com efeito, segundo a Requerente «(…) as faturas fazem referência às comissões de pedido de creditação da E..., mas não indicam a base sobre a qual incidem as taxas e que dá origem ao total do tributo aí aposto», situação que «(…)não permite ao Requerente inteirar-se das razões que motivaram tais atos de liquidação (…) [os quais] não revelam, do ponto de vista da fundamentação legal e de facto, os elementos que lhe serviram de base ou de justificação».
c) Concluindo a Requerente no sentido de que « (…) resulta, assim, que o ato tributário de liquidação do tributo em causa, referente ao ano de 2011, ora em crise, está inquinado de vício de forma, por falta de fundamentação, devendo ser anulado em conformidade, ao abrigo do disposto no art. 77.º da LGT.»
d) Peticionando, a final, o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do disposto no artigo 43.º da LGT.
III. Na sua Resposta a Requerida, invocou, em síntese, o seguinte:
a) Inicia a Requerida a sua resposta, invocando uma exceção: a de incompetência material do CAAD, «porquanto se está perante uma taxa e não um imposto. (…) In casu – e porque se está perante uma verdadeira taxa e não um imposto – está vedado ao CAAD a apreciação do presente pedido arbitral, tal como resulta, desde logo do teor literal da lei, mas também de forma consensual na doutrina.». Concluindo no sentido de que «[a] incompetência do tribunal consubstancia uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento de mérito da causa [artigo 576.º/1 e 2 e artigo 577.º/1-a) do CPC, ex vi artigo 2.º e) do RJAT], a qual dá lugar à absolvição da Requerida da instância [artigo 278.º/1 do CPC, ex vi artigo 2.º e) do RJAT.»
b) Por impugnação, rebate a Requerida os argumentos da Requerente, nomeadamente quanto aos vícios invocados, pugnando pela improcedência dos mesmos, concluindo no sentido de que «(…) uma vez que a impugnante não traz de novo em sede de impugnação e os fundamentos ora apresentados já foram analisados e decididos pela DGAE, entende a Fazenda Pública que não assiste razão à Impugnante. Quanto aos peticionados juros indemnizatórios entende a Fazenda Pública que não são devidos uma vez que não se verificam os requisitos legais para a atribuição dos mesmos.»
c) Concluindo, a final, a Requerida, no sentido da improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
IV. SANEAMENTO
O Tribunal encontra-se regularmente constituído, nos termos da alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º e dos artigos 5.º e 6.º, todos do RJAT.
As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, mostram-se legítimas, encontram-se regularmente representadas e o processo não enferma de nulidades, nos termos do disposto nos artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março.
A apreciação da incompetência material do Tribunal suscitada pela Requerida, a título de exceção inculcada na Resposta que apresentou, será efetuada na sequência da fixação da matéria de facto.
V. MATÉRIA DE FACTO
Para a convicção do Tribunal Arbitral, relativamente aos factos provados, relevaram os documentos juntos aos autos e o processo administrativo.
Ademais, é de salientar que o Tribunal não tem que se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e distinguir a matéria provada da não provada, tudo conforme o artigo 123.º, n.º 2, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e o artigo 607.º, n.ºs 3 e 4 do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.
Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 511.º, n.º 1, do anterior CPC, correspondente ao artigo 596.º do atual CPC).
Assim, atendendo às posições assumidas pelas partes nos respetivos articulados (pedido de constituição arbitral e alegações da Requerente e Resposta da Requerida), à prova documental junta aos autos, consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
a. Factos dados como provados
Com interesse para a decisão, dão-se por provados os seguintes factos:
A. O Requerente é uma associação privada sem fins lucrativos – acordo das partes - ;
B. A atividade do Requerente consiste no desenvolvimento de tecnologia na área dos transportes, promovendo a inovação na área da mobilidade. Esta atividade é desenvolvida através de um centro de engenharia que estabelece a ponte entre as Instituições de Ensino Superior e a Indústria, permitindo o desenvolvimento de projetos aptos a integrar o mercado, respondendo às suas necessidades. – acordo das partes - ;
C. No âmbito da sua atividade, o Requerente celebrou, a 19 de dezembro de 2008, um contrato de prestação de serviços de engenharia com a sociedade F..., sociedade constituída ao abrigo das leis de Inglaterra, com sede em Inglaterra – cfr. Doc. n.º 8 junto com o pedido de pronuncia arbitral - na expectativa de ser considerado para o desenvolvimento de projetos na área da indústria da defesa – acordo das partes - ;
D. Na decorrência do contrato mencionado em C. supra o Requerente paga comissões de contrapartida à Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) – acordo das partes - ;
E. A Comissão Permanente de Contrapartidas constitui um órgão colegial de natureza executiva integrado no Ministério da Economia e da Inovação, conforme disposto no artigo 1.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto e nos artigos 7.º e 23.º da Lei Orgânica do Ministério da Economia e Inovação, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 208/2006, de 27 de outubro;
F. A CPC tem como missão, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto «definir e implementar a política nacional em matéria de contrapartidas e programas de cooperação industrial, bem como estudar, promover, avaliar e acompanhar a execução e fiscalização dos processos de contrapartidas ou de cooperação industrial, a desenvolver no âmbito de programas de aquisição de equipamentos e sistemas de defesa. ».
G. A CPC tem como fins, nos termos do disposto no artigo 2.º do referido Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto: a) Promover o reforço da capacidade competitiva das empresas portuguesas através, nomeadamente, da sua participação em projectos de carácter estruturante que promovam a inovação nas diferentes vertentes da tecnologia, de processos ou de produtos, possibilitando a progressão das empresas nacionais nas cadeias de valor em que se integrem; b) Captar investimento estrangeiro associado a projectos de desenvolvimento e inovação, que estimulem a economia nacional; c) Apoiar a concretização de projectos na área das indústrias de defesa, visando uma presença competitiva nos mercados internacionais e a criação de capacidades sustentáveis de apoio ao ciclo de vida dos equipamentos e sistemas objectos da aquisição; d) Desenvolver e gerir programas de cooperação e desenvolvimento industrial e outras tarefas que lhe sejam especialmente cometidos pelo Governo.»
H. O Requerente fez parte do programa de Aquisição de helicópteros ... -Projeto ...-..., tendo nele aplicado a sua tecnologia e know-how – acordo das partes - ;
I. A intermediação prestada pela CPC na promoção e acompanhamento dos referidos projetos, e em especial do projeto que foi desenvolvido pelo Requerente, é remunerada, em conformidade com o previsto no Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto (entretanto, revogado) e regulamentada pelo Despacho n.º .../2008 – acordo das partes - ;
J. A Requerente pagou à CPC, o valor de € 1.000,00 (mil euros), a título de direito de entrada quando celebrou o contrato referido em C supra, para a execução do projeto identificado em H supra.
K. No dia 3 de agosto de 2011, o Requerente recebeu a fatura n.º ../2011, no valor de € 16.210,74 (dezasseis mil, duzentos e dez euros e setenta e quatro cêntimos), emitida pelo Ministério da Economia e do Emprego – Comissão Permanente de Contrapartidas, com a designação «Contrapartidas Programa de Aquisição de Helicópteros ... -Projecto ...-... » e «Comissões de pedidos de creditação n.º 001, 003, 005 e 006- E... » – Doc. n.º 5 junto com o pedido de pronuncia arbitral –
L. No dia 7 de outubro de 2011, o Requerente recebeu a fatura n.º ../2011, no valor de € 1.716,86 (mil, setecentos e dezasseis euros e oitenta e seis cêntimos), emitida pelo Ministério da Economia e do Emprego – Comissão Permanente de Contrapartidas - , com a designação «Contrapartidas Programa de Aquisição de Helicópteros ...Projecto ...-... » e «Comissões de pedidos de creditação n.º ...-E... » – Doc. n.º 7 junto com o pedido de pronuncia arbitral –
M. No dia 13 de janeiro de 2012, o Requerente dirigiu um e-mail à CPC a solicitar a indicação dos elementos que serviram de base aos valores apurados para as faturas identificadas em K. e L. supra. – acordo das partes -;
N. No dia 23 de janeiro de 2012, o Presidente em substituição da CPC, Major General G... respondeu ao e-mail referido em M. supra, informando que: «(…) as claims em causa foram apresentadas nos seguintes relatórios de progressos da E... (F…): - n.º 12-claim 001; n.º 13 – claim 003; n.º 14 – claim 005; n.º 15-claim 006, n.º 16 – claim 008
Aproveita-se a oportunidade para enviar (quadro seguinte), os valores NPV (net presente value) sobre os quais incidiram as taxas de 0,5% sobre o aumento da faturação e de 0,1% que decorre da valorização directa da transferência de tecnologia e/ou fornecimento de bens e serviços, nos termos do Despacho n.º .../2008 de 7 de Maio, publicado no “Diário da República, 2.ª série n.º 137 de 17 de Julho de 2008.
Quadro de valores a creditar-por claim
Claims Claim 001 Claim 003 Claim 005 Claim 006 Claim 008
Engineering Services 1.180.382,31 1.133.845,47 2.560.994,54 3.875.360,54 397.515,38
Training 3.636.494,27 3.569.528,79 357.359,89 700.971,75 1.443.414,0
Techonology transfer 3.649.081,78 3.581.884,55 358.596,87 - 2.151.809,20
Technical Support 1.534.176,24 1.433.656,04 1.181.364,06 1.086.911,50 1.284.642,62
TOTAL 10.000.134,60 9.718.914,85 4.458.315,37 5.663.243,79 5.277.382,00
Continuamos ao vosso inteiro dispor para a prestação de eventuais esclarecimentos adicionais.» – Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
O. No dia 6 de fevereiro de 2012, o Requerente, por e-mail, dirigiu-se à CPC, nele referindo que: «(…) informamos que face aos valores apresentados (que não reconhecemos), não é possível validar os montantes constantes nas v/ facturas n.º .. e ../2011. Por outro lado, se considerarmos os montantes que foram por nós certificados nos diversos “claims” que nos foram submetidos pela E..., e aplicando a metodologia expressa no Despacho n.º .../2008 de 17 de julho também não se entende, de novo, os montantes que nos foram facturados. Nestes termos, solicitamos informação precisa e discriminada dos cálculos que permitiram a emissão das facturas referidas, a fim de podermos concluir a sua conferência.» – Doc. n.º 10 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
P. No dia 9 de fevereiro de 2012, em resposta ao e-mail identificado em O. supra, a CPC, pela mesma via, solicitou ao Requerente, o envio de «(…) uma lista precisa e descriminada dos “claims” por vós certificados, informando as diferenças encontradas» - Doc. n.º 11 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
Q. Em resposta à comunicação referida em P supra, o Requerente, no dia 13 de fevereiro de 2012, refere à CPC que «(…) a nossa dificuldade reside no facto de as nossas validações à E... serem, no que se refere a transferência de tecnologia, meramente qualitativa (número de subidas de nível de qualificação dos nossos engenheiros), e como desconhecemos qual a formula de cálculo negociada entre o Estado e a E... para transformar esta informação em euros, não nos é possível conferir as vossas facturas nestas circunstâncias. Sugerimos assim, de novo, que nos indiquem quais os pressupostos que essa CPC utilizou na emissão das duas facturas em causa.» - Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
R. No dia 14 de fevereiro, o Requerente recebe novo e-mail da CPC, do qual consta que «[c]omo solicitado, junto envio folha de Excel com a valorização do projecto do A... e a respetiva prova de cumprimentos.», e ao qual é anexa a seguinte informação: Doc. n.º 9 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
...
Sales 24 995 000
National subcontracting 7 498 500
Valuation
NAV-National Added Value (total) 24 326 414
Technology transfer 9 783 749
Supply of goods and services Training 9 750 000
Technical support 5 550 000
Equipment 5 300 000
Other services:
- Travel & Subsistance
- Academic Sponsorship
I For each MSc: € 27,000
II For each PHD: € 54,000
III For other courses: € 150 per Bologna Point.
- Training Universities.
12 training actions per year: Minimum 2 hours per training action € 30,000 per training action
3 900 000
540 000
2 160 000
Direct Valuation 61 310 163
Multilying effect 4,0
Total 245 240 652
»
S. Por carta registada de 19 de março de 2012, o Requerente devolveu à CPC as faturas identificadas em K e L. supra. - Doc. n.º 12 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
T. No dia 13 de novembro de 2012, foi o Requerente citado de que o Serviço de Finanças da ...- a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) – havia instaurado o processo de execução fiscal com o n.º ...2013..., contra si, para cobrança da dívida no montante de € 20.272,77 (vinte mil duzentos e setenta e seis euros e setenta e sete cêntimos), correspondente a taxas, no montante de € 16.210,74 e € 1.716,86 com referência às faturas identificadas em K. e L. supra, respetivamente e a juros no montante de € 1.972,62 e a custas na quantia de € 136,31 – Doc. n.º 13 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;.
U. Quantia que o Requerente pagou em novembro de 2013, em conformidade com o documento n.º ... – Doc. n.º 14 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;.
V. No dia 16 de maio de 2014, o Requerente apresentou um Pedido de Revisão Oficiosa junto da Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE), com referência ao ato de liquidação de taxas no montante de € 16.210,74, no quadro da aplicação pela Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) do disposto no Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto e no Despacho n.º .../2008..., e que foi formalizado através da fatura n.º ../2011, de 03.08.2011 – Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
W. O Pedido de Revisão Oficiosa identificado imediatamente supra foi rejeitado, através do Ofício n.º OF/..../2014/DG/DGAE, de 15.09.2014, pela Direção-Geral das Atividades Económicas – Doc. n.º 4 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
X. No dia 16 de maio de 2014, o Requerente apresentou um Pedido de Revisão Oficiosa junto da Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE), com referência ao ato de liquidação de taxas no montante de € 1.716,86, no quadro da aplicação pela Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) do disposto no Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto e no Despacho n.º .../2008..., e que foi formalizado através da fatura n.º ../2011, de 07.10.2011 – Doc. n.º 6 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
Y. O Pedido de Revisão Oficiosa identificado imediatamente supra foi rejeitado, através do Ofício n.º OF/.../2014/DG/DGAE, de 15.09.2014, pela Direção-Geral das Atividades Económicas – Doc. n.º 6 junto com o pedido de pronuncia arbitral -;
Z. No dia 7 de outubro de 2014, o Requerente apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, impugnação judicial contra o ato de liquidação de taxas no montante de € 16.210,74, no quadro da aplicação pela Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) do disposto no Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto e no Despacho n.º .../2008..., e que foi formalizado através da fatura n.º ../2011, de 03.08.2011, o qual foi distribuído à 5.ª Unidade Orgânica sob o processo n.º .../14...BELRS, bem como contra a decisão de rejeição do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado para esse mesmo ato – Doc. n.º 1 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
AA. No dia 7 de outubro de 2014, o Requerente apresentou, junto do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, impugnação judicial contra o ato de liquidação de taxas no montante de € 1.716,86, no quadro da aplicação pela Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) do disposto no Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto e no Despacho n.º .../2008..., e que foi formalizado através da fatura n.º ../2011, de 07.10.2011, o qual foi distribuído à 4.ª Unidade Orgânica sob o processo n.º .../14...BELRS, bem como contra a decisão de rejeição do Pedido de Revisão Oficiosa apresentado para esse mesmo ato – Doc. n.º 2 junto com o pedido de pronuncia arbitral - ;
BB. No dia 19 de junho de 2019, o Requerente, ao abrigo do disposto no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/2018, de 15 de outubro, e atendendo a que reunia os pressupostos necessários para o efeito, procedeu à migração dos processos judiciais referidos e identificados em Z. e AA. supra para o Centro de Arbitragem Tributária (CAAD), dando origem ao presente processo arbitral.
b. Factos dados como não provados.
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.
VI- DO DIREITO
Questão prévia:
1. A Requerida na Resposta que apresentou, suscitou, uma exceção a «incompetência material do CAAD» para apreciar a matéria em causa nos presentes autos, por entender que «se está perante uma taxa e não um imposto», a qual não se encontra incluída nos atos previstos na Portaria de Vinculação, «por via da qual a Requerida ficou vinculada à jurisdição do CAAD.»
2. Concretizando, refere a Requerida que «os alegados actos tributários são meros documentos de facturas, que pela simples leitura do seu descritivo, deixam antever que em causa não está um imposto, isto é, um tributo que prossiga os interesses financeiros do Estado, que vise a diminuição das desigualdades, que incida fundamentalmente sobre o rendimento real das empresas ou que tribute o consumo, [e]stando antes em causa remunerações por contrapartida de “programa de aquisição de Helicópteros ...-Projecto ... –...”, os quais não podem de todo ser categorizados como imposto, mesmo no sentido mais lato do termo.»
3. Continua a Requerida mencionando que «[p]or seu turno, os “pedidos de revisão oficiosa” – melhor, os actos tributários imediatos – foram dirigidos e decididos pela DGAE, organismo sob a alçada do Ministério da Economia. Em suma, tudo se passa numa tela ministerial que não a do Ministério das Finanças, sob a égide uma Direção-Geral (a DGAE), que não a Autoridade Tributária e Aduaneira.»
4. Aduz, ainda, a Requerida quanto a esta matéria que «[a] competência dos tribunais arbitrais está circunscrita às matéria elencadas no artigo 2.º/1.º do RJAT» «(…) norma [que] é necessariamente articulada com o artigo 2.º da Portaria 112-A/2011, de 22 de março (vulgo “Portaria de Vinculação”), por via da qual a Requerida ficou vinculada à jurisdição do CAAD. Pois bem, o artigo 2.º da Portaria de Vinculação é bem claro ao estabelecer que a Requerida apenas se vincula à jurisdição dos tribunais arbitrais constituídos no CAAD quando os pedido de pronúncia arbitral «(…) tenham por objecto a apreciação de pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (…)»
5. «Portanto, daqui resultam claramente dois requisitos cumulativos. O primeiro requisito é o de que os tribunais arbitrais apenas podem apreciar a legalidade de liquidações referentes a impostos. O segundo é o de que tais liquidações têm de ser necessariamente referentes a impostos administrados pela Requerente. Ora, nenhum destes requisitos se encontra preenchido.», prossegue a Requerida.
6. Concluindo, no sentido de que «[é] pois evidente, o consenso existente quanto à incompetência material do CAAD no que à apreciação de taxas por contrapartidas prestadas se refere. Face ao que se consubstancia, de forma manifesta, a incompetência material da presente instância arbitral tribunal para conhecer dos presentes autos.»
7. Por seu turno, em pleno exercício do contraditório, defende a Requerente que a natureza das comissões das contrapartidas foi dirimida no Supremo Tribunal Administrativo (cf. Acórdão de 17 de outubro de 2012, Proc. n.º 651/11), tendo nele sido confirmado que se tratava de uma taxa, o que, segundo entende «não afasta a competência deste Tribunal » – CAAD -.
8. Mais refere que, a questão de (in)competência do tribunal arbitral para apreciar a legalidade das taxas tem sido controversa no seio arbitral, sustentando e concluindo «(…) pela competência do Tribunal Arbitral e, consequentemente, pela apreciação do mérito da causa.»
Pois vejamos,
9. A dissonância e discórdia da Requerente e Requerida quanto à competência, ou não, do Tribunal Arbitral para apreciar ilegalidade de tributos como a taxa, é patente na doutrina e na jurisprudência arbitral –
10. Contudo, tanto a Requerida, como a Requerente concordam com a classificação das comissões de contrapartidas pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas – tributo em causa nos presentes autos - como taxas. – vide teor do requerimento apresentado pela Requerente a 11.10.2019 e artigo 3.º da Resposta apresentada pela Requerida - .
11. Com efeito, a classificação das comissões de contrapartidas pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) como taxa foi confirmada pelo Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA) proferido no âmbito do processo n.º 0651/11, de 17.10.2012, do qual consta, no respetivo sumário, que:
«(…)
IV – Os tributos assumem a natureza de imposto ou de taxa ante, respectivamente, o seu carácter unilateral ou bilateral ou sinalagmático, irrelevando, para o efeito, o facto de, por ventura, o montante da taxa ser superior ao custo do serviço prestado.
V – Sendo a Impugnante uma empresa que prossegue um fim lucrativo, em vista do qual participa, como beneficiária, em programas de contrapartidas relativos à aquisição de equipamentos e sistemas de defesa pelo Estado Português, usufruindo, para tanto, e de forma individualizada, dos serviços públicos que, neste enquadramento, lhe presta a Comissão Permanente de Contrapartidas, as comissões que, em decorrência da entrada e participação nesses programas, lhe são cobradas por tal entidade pública têm carácter bilateral. Assumindo, por conseguinte, a natureza de taxas.
VI – Tratando-se de uma taxa específica, a mesma não está contida na reserva legislativa prevista no art. 165.º da CRP.
(…)»
12. Mais, aduz e esclarece o supracitado aresto do STA, com manifesto interesse, no que respeita à classificação das comissões pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas no âmbito de programas de contrapartidas relativos à aquisição de equipamentos e sistemas de defesa, com completa adequação e aplicação ao caso em concreto nos presentes autos, que:
«A problemática atinente à natureza dos tributos como taxas ou impostos encontra-se exaustivamente tratada, tanto a nível jurisprudencial como doutrinal, tendo-se firmado o entendimento, reiterado em inúmeros arestos deste Supremo Tribunal, de que os tributos assumem a natureza de imposto ou de taxa ante, respectivamente, o seu carácter unilateral ou bilateral e sinalagmático.
É, assim, incontroverso que, enquanto a taxa radica numa contraprestação específica, destinando-se o seu montante a pagar um benefício individualizado, o imposto tem como objectivo o financiamento dos serviços públicos de que os cidadãos indiferenciadamente podem beneficiar.
Por outro lado, como se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 365/03, de 14/7/2003, a propósito da caracterização jurídica das taxas, a relação sinalagmática «há-de ter um carácter substancial ou material, e não meramente formal; isso não implica, porém, que se exija uma equivalência económica rigorosa entre ambos, não sendo incompatível com a natureza sinalagmática da taxa o facto de o seu montante ser superior (e porventura até consideravelmente superior) ao custo do serviço prestado».
Ora, como estabelece no n.º 2 do art. 4.º da LGT, as taxas podem ter por fundamento a prestação concreta de um serviço público, a utilização de um bem do domínio público ou a remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares.
É, pois, pela natureza da contraprestação da entidade pública que se há-de aferir a correspectividade característica da taxa.
No caso vertente, o que está em causa, desde logo, para determinar se o tributo tem natureza de taxa é se, atendendo ao regime dos programas de contrapartidas, previsto no Dec.Lei nº 154/2006, de 7 de Agosto, a Comissão Permanente de Contrapartidas, no âmbito das atribuições que lhe são cometidas pelo Dec.Lei nº 153/2006, de 7 de Agosto, presta um serviço no interesse próprio da ora Recorrente, satisfazendo uma sua necessidade individual enquanto entidade organizada com vista à exploração de um negócio.
Ora, conforme como se refere no preâmbulo do Dec.Lei nº 154/2006, «O regime agora aprovado assume que as contrapartidas, enquanto compensações acordadas entre o Estado e um fornecedor de material de defesa, devem ser susceptíveis de contribuir para o desenvolvimento industrial da economia portuguesa e para o consequente aumento do valor económico associado à aquisição, através de efeitos directos e indirectos, reconhecidamente estruturantes e inovadores, bem como de contribuir para o desenvolvimento de capacidades industriais na área das indústrias da defesa (…)».
Deste trecho do diploma ressalta evidente que os programas de contrapartidas se dirigem, desde logo, à realização de um interesse público, na medida em que visam, prima facie, contribuir para o desenvolvimento industrial da economia portuguesa. Porém, o modus operandi para atingir esse objectivo, passa, inquestionavelmente, por operadores económicos individualizados que, possuindo as características tidas por convenientes em face de cada projecto, designadamente em termos de credibilidade e capacidade de realização, beneficiam das contrapartidas que os fornecedores do Estado se obrigam a prestar na sequência de cada aquisição que lhes seja feita, de harmonia com o que vem disciplinado no Dec.Lei nº 154/2006.
Com efeito, o art. 6º, nº 1, do Dec.Lei nº 154/2006 estipula que «O valor global das contrapartidas não pode ser inferior a 100% do valor da aquisição, incluindo eventuais revisões de preço.». E, por sua vez, o art. 21º do mesmo diploma estabelece as categorias de projectos de contrapartidas nos seguintes termos:
Artigo 21º
Categorias de projectos de contrapartidas
1- Sem prejuízo do disposto no número seguinte, para efeitos de avaliação os projectos de contrapartidas são agrupados nas seguintes categorias:
a) Investimento directo estrangeiro;
b) Transferência de tecnologia visando aumentar a capacidade competitiva das empresas portuguesas;
c) Parcerias visando inserir as empresas portuguesas, de modo sustentável, no mercado global;
d) Parcerias, com continuidade, utilizando capacidades das empresas e outras entidades nacionais, nomeadamente em I&D;
e) Exportações e outras aquisições de bens e serviços a empresas nacionais;
f) Fornecimento de bens e prestações de serviços a empresas nacionais.
2- Os termos de referência podem pormenorizar as categorias previstas no número anterior, podendo ainda prever outras categorias de acções ou projectos de relevante interesse económico-social a que, para o efeito, devem ser associados, nos termos do nº 2 do artigo 26º, factores multiplicadores, quer para a sua avaliação quer para a sua valorização.».
Ora, como facilmente se constata pela análise do teor deste art. 21º, as acções que se podem conter num programa de contrapartidas traduzem-se, inegavelmente, em vantagens de variada natureza, designadamente económicas, para as empresas que neles são admitidas a participar na qualidade de beneficiárias.
De resto, se assim não fosse, mal se compreenderia que, para tanto, se candidatassem.» (sublinhado nosso).
13. Prossegue, o referido Acórdão superior, especificamente quanto ao modo como se processa a candidatura das sociedades a este tipo de programas, no sentido de que:
«Na verdade, para aceder a tais benefícios, a empresa ou entidade interessada carece de se candidatar e da aprovação da Comissão Permanente de Contrapartidas, como decorre do disposto nos arts. 25º, nº 1 e 24º, nº 3, al. a), do Dec.Lei nº 154/2006, e, admitida que seja a participar, beneficia ainda de vários serviços prestados por aquela entidade que, além de outras, tem como atribuições acompanhar e promover a efectiva execução dos programas de contrapartidas e acordos de cooperação industrial durante a vigência do contrato, adoptando medidas que tenham em vista a sua concretização, designadamente visitas aos locais onde os projectos se desenvolvem e promover a renegociação de contratos que se revelem desajustados (art. 3º, nº 1, alíneas j) e m), do Dec.Lei nº 153/2006, de 7/8), pois que, como se diz no art. 3º, nº 1, do Dec.Lei nº 154/2006, «A obrigação de prestação de contrapartidas é uma obrigação de resultado», esclarecendo-se, no nº 2 da mesma norma, que «O resultado corresponde à execução de projectos contratualmente determinados, pelos modos previstos no contrato de contrapartidas, susceptíveis de perfazer um valor contabilizado de contrapartidas pelo menos igual ao valor contratado.».
Do exposto resulta claro e evidente, por um lado, que a participação nos programas de contrapartidas se traduz num proveito para a empresa beneficiária, individualizada, já que para cada programa são seleccionadas empresas concretas e determinadas – cfr. art. 22º, nº 1, al. e), do Dec.Lei nº 154/2006 -, e, por outro, que todos os actos, anteriores e posteriores à admissão da empresa, configuram serviços prestados pela Comissão Permanente de Contrapartidas – entidade pública - à concreta empresa que pretende participar nesses programas – cfr. arts. 24º e 25º, nº 1, do Dec.Lei nº 154/2006, e art. 3º, nº 1, alíneas r) e j), do Dec.Lei nº 153/2006.
Ora, no caso vertente, a Impugnante é uma empresa que prossegue um fim lucrativo, em vista do qual participa, como beneficiária, em programas de contrapartida, usufruindo, para tanto, e de forma individualizada, dos serviços públicos que neste enquadramento lhe presta a Comissão Permanente de Contrapartidas; e, nestas circunstâncias, as comissões que em decorrência de tal participação lhe são cobradas pela referida entidade pública têm carácter bilateral, assumindo, por conseguinte, a natureza de taxas. »
Na verdade, a Lei Fundamental diz, no seu art. 103º, nº 2, que «Os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes.» e determina, na alínea i) do n.º 1 do art. 165º, que é da exclusiva competência da Assembleia da República, salvo autorização ao Governo, legislar sobre «Criação de impostos e sistema fiscal e regime geral das taxas e demais contribuições financeira a favor das entidades públicas». Ora, sendo incontroverso que o art. 103º se refere apenas a impostos, e não a taxas ou outras contribuições financeiras, e que, em matéria de reserva legislativa parlamentar, aquela alínea i) apenas contempla a criação de impostos, fica excluída dessa reserva legislativa a criação de taxas.
A este propósito, refere CARDOSO DA COSTA ( In “Ainda sobre a distinção entre ‘taxa’ e ‘imposto’ na jurisprudência constitucional”, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra, 2006, 547 s., 570-571,): «Por seu turno, o ponto de vista do direito constitucional, ao distinguir entre dois tipos fundamentais de receitas públicas, é naturalmente outro: é antes o da diferente onerosidade de umas e outras para os obrigados ao respectivo pagamento – a implicar um tratamento mais estrito e exigente (em particular no que concerne ao princípio da legalidade) para aquelas receitas que correspondem a uma pura “exacção”, sem que o seu sujeito passivo obtenha qualquer utilidade específica (uti singuli) com o respectivo pagamento: aí, há que acautelar mais intensamente (para nos restringirmos à consideração do mencionado princípio e das suas funções), seja o direito de propriedade daquele contra exacções desnecessárias ou exorbitantes, seja a legitimidade e a transparência democrática da decisão que estabelece e fica a fundamentar tal exacção.».
Tratando-se, como se viu, de uma taxa que tributa a participação de empresas e outras entidades, na qualidade de beneficiárias, em programas de contrapartidas, a mesma não está contida na reserva legislativa prevista no art. 165º, da CRP; e, por conseguinte, tendo sido criada por Decreto-Lei emanado do Governo e promulgado pelo Presidente da República, mostra-se também cumprido o disposto no art. 8º, nº 1, da LGT.» (Sublinhado nosso).
14. Resulta, assim, do acima transposto para o presente processo arbitral, e com o qual, aliás as partes concordam, que as comissões pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas no âmbito de programas de contrapartidas relativos à aquisição de equipamentos e sistemas de defesa, são taxas.
15. A questão que se coloca agora, é a de saber se cabe na jurisdição e competência dos tribunais arbitrais que funcionam e se encontram constituídos no CAAD, a apreciação de litígios que tenham por objeto liquidações de comissões pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas no âmbito de programas de contrapartidas relativos à aquisição de equipamentos e sistemas de defesa, por, eventualmente, se poder entender que a vinculação prevista no artigo 4.º do RJAT, que foi operada pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março, ao fazer referência a «impostos» não abrange tributos com a natureza de «taxas« ou «contribuições».
16. Com efeito, trata-se de matéria não pacífica na jurisprudência arbitral, como já referido.
17. Ora, tentaremos dar um contributo para a inclinação que entendemos ser a mais correta na apreciação desta matéria. Vejamos,
18. A arbitragem tributária foi criada pelo Governo através do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro – o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tribuária (RJAT) – emitido ao abrigo da autorização legislativa que lhe foi concedida pelo artigo 124.º da Lei 3-B/2010, de 28 de abril.
19. Ora, como refere doutamente o Acórdão arbitral proferido no âmbito do processo n.º 146/2019-T «a autorização legislativa era indispensável para o Governo legislar validamente sobre esta matéria, uma vez que se está perante matéria atinente às garantias dos contribuintes e à competência dos tribunais, inserida na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República, nos termos dos artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alíneas i) e p), e 209.º, n.º 2, da CRP, e, por isso, o Governo não tem competência legislativa própria, como decorre dos artigos 198.º, n.º 1, alíneas a) e b), da CRP. (…)»
20. O n.º 1 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, 28 de abril (Lei de Orçamento de Estado para 2010) previa, quanto a isto que: «[f]ica o Governo autorizado a legislar no sentido de instituir a arbitragem como forma alternativa de resolução jurisdicional de conflitos em matéria tributária.»
21. Dispondo o n.º 4 desta norma da Lei de Orçamento de Estado para 2010, o seguinte:
«4 - O âmbito da autorização prevista no presente artigo compreende, nomeadamente, as seguintes matérias:
a) A delimitação do objecto do processo arbitral tributário, nele podendo incluir-se os actos de liquidação de tributos, incluindo os de autoliquidação, de retenção na fonte e os pagamentos por conta, de fixação da matéria tributável, quando não dêem lugar a liquidação, de indeferimento total ou parcial de reclamações graciosas ou de pedidos de revisão de actos tributários, os actos administrativos que comportem a apreciação da legalidade de actos de liquidação, os actos de fixação de valores patrimoniais e os direitos ou interesses legítimos em matéria tributária;
b) A definição, como fundamento do processo arbitral tributário, da ilegalidade ou da lesão ou o risco de lesão de direitos ou interesses legítimos, e como efeitos da sentença proferida a final pelo tribunal arbitral, da anulação, da declaração de nulidade ou de inexistência do acto recorrido ou do reconhecimento do direito ou do interesse legalmente protegido dos contribuintes;
c) A determinação de que o julgamento do tribunal arbitral é feito segundo o direito constituído, ficando vedado o recurso à equidade;
d) A definição dos efeitos da instauração do processo arbitral tributário, harmonizando-os com os previstos para a dedução de impugnação judicial, designadamente em termos de suspensão do processo de execução fiscal e de interrupção da prescrição das dívidas tributárias;
e) A definição do modo de constituição do tribunal arbitral, subordinando-o aos princípios da independência e da imparcialidade e prevendo, como regra, a existência de três árbitros, cabendo a cada parte a designação de um deles e aos árbitros assim escolhidos a designação do árbitro-presidente e a definição do regime de impedimento, afastamento e substituição dos árbitros;
f) A fixação dos princípios e das regras do processo arbitral tributário, em obediência ao princípio do inquisitório, do contraditório e da igualdade das partes e com dispensa de formalidades essenciais, de acordo com o princípio da autonomia dos árbitros na condução do processo;
g) A fixação, como limite temporal para a prolação da sentença arbitral e subsequente notificação às partes, do prazo de seis meses a contar do início do processo arbitral tributário, com possibilidade de prorrogação, devidamente fundamentada, por idêntico período;
h) A consagração, como regra, da irrecorribilidade da sentença proferida pelo tribunal arbitral, prevendo a possibilidade de recurso, para o Tribunal Constitucional, apenas nos casos e na parte em que a sentença arbitral recuse a aplicação de qualquer norma com fundamento na sua inconstitucionalidade ou aplique norma cuja inconstitucionalidade tenha sido suscitada;
i) A definição dos efeitos da apresentação do recurso da sentença do tribunal arbitral, em particular quanto à manutenção da garantia prestada e ao regime da suspensão do processo de execução fiscal;
j) A definição do regime de anulação da sentença arbitral com fundamento, designadamente, na não especificação dos fundamentos de facto e de direito da decisão, na oposição dos fundamentos com a decisão e na falta de pronúncia sobre questões que devessem ser apreciadas ou na pronúncia de questões que não devessem ser apreciadas pelo tribunal arbitral;
l) A atribuição à sentença arbitral, que não tenha sido objecto de recurso ou de anulação, da mesma força executiva que é atribuída às sentenças judiciais transitadas em julgado;
m) A definição dos montantes e do modo de pagamento dos honorários e das despesas dos árbitros, fixando os critérios de determinação dos honorários em função do valor atribuído ao processo e da efectiva complexidade do mesmo e estabelecendo valores mínimos que ofereçam garantias qualitativas na composição do tribunal arbitral, podendo ainda prever-se a possibilidade de redução de honorários, fixando os respectivos pressupostos e montantes, nas situações de incumprimento dos deveres dos árbitros;
n) A consagração da responsabilidade da parte vencida pela totalidade dos honorários e despesas dos árbitros, podendo ser estabelecidos critérios de limitação da responsabilidade da administração tributária, designadamente o do montante das custas judiciais e dos encargos que seriam devidos se o contribuinte tivesse optado pelo processo de impugnação judicial ou pela acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária;
o) A aplicação adaptada, para efeitos da nomeação dos árbitros, mediadores ou conciliadores do regime dos centros de arbitragem previsto no Código de Processo nos Tribunais Administrativos;
p) A revisão da legislação tributária cuja necessidade de modificação decorra da presente autorização legislativa;
q) A consagração de um regime transitório que preveja a possibilidade de os contribuintes submeterem ao tribunal arbitral a apreciação dos actos objecto dos processos de impugnação judicial que se encontrem pendentes de decisão, em primeira instância, nos tribunais judiciais tributários, com dispensa de pagamento de custas judiciais.»
22. Com efeito, o RJAT, emitido ao abrigo da autorização legislativa, restringiu o âmbito da jurisdição arbitral tributária, prevista na LOE 2010, limitando a competência dos tribunais arbitrais à:
«a) declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta,
b) declaração de ilegalidade de actos de determinação da matéria tributável, de actos de determinação da matéria colectável e de actos de fixação de valores patrimoniais, e
c) apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projecto de decisão de liquidação, sempre que a lei não assegure a faculdade de deduzir a pretensão referida na alínea anterior». – versão original do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro -
23. Na verdade, foi esta competência dos tribunais arbitrais objeto de nova limitação, através do artigo 160.º da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de dezembro (Lei de Orçamento de Estado para 2012), o qual veio a eliminar a possibilidade de recurso à arbitragem para declaração de ilegalidade de atos de fixação da matéria tributável quando deem origem à liquidação de qualquer tributo e para apreciação de qualquer questão, de facto ou de direito, relativa ao projeto de decisão de liquidação. – com a alteração que introduziu na alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º e com a eliminação da alínea c) do mesmo número e artigo - .
24. Ademais, esta Lei de Orçamento de Estado veio introduzir uma alteração ao n.º 1 do artigo 4.º do RJAT, passando este a prever que «[a] vinculação da administração tributária à jurisdição dos tribunais constituídos nos termos da presente lei depende de portaria dos membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça»,
25. … passando-se, assim, a fazer depender o acesso dos contribuintes à arbitragem tributária da existência de vinculação, decidida por membros do Governo, por ato de natureza regulamentar, o que foi concretizado pela Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março (adiante designada por Portaria de Vinculação) .
26. Ora, o artigo 1.º da referida Portaria estabelecia que:
«Pela presente portaria vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, no CAAD – Centro de Arbitragem Administrativa – os seguintes serviços do Ministério das Finanças e da Administração Pública:
a) A Direção-Geral dos Impostos (DGCI); e
b) A Direção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo (DGAIEC).»
27. Ou seja, nos termos da Portaria, apenas, se encontram vinculados ao CAAD: a Direção-Geral dos Impostos (DGCI) e a Direção Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais de Consumo (DGAIEC), ou seja, a atual Autoridade Tributária e Aduaneira, à jurisdição do CAAD.
28. O artigo 2.º da Portaria de Vinculação sob a epígrafe «Objeto da vinculação», dispõe no sentido de que:
« Os serviços e organismos referidos no artigo anterior vinculam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, com excepção das seguintes:
a) Pretensões relativas à declaração de ilegalidade de actos de autoliquidação, de retenção na fonte e de pagamento por conta que não tenham sido precedidos de recurso à via administrativa nos termos dos artigos 131.º a 133.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário;
b) Pretensões relativas a actos de determinação da matéria colectável e actos de determinação da matéria tributável, ambos por métodos indirectos, incluindo a decisão do procedimento de revisão;
c) Pretensões relativas a direitos aduaneiros sobre a importação e demais impostos indirectos que incidam sobre mercadorias sujeitas a direitos de importação; e
d) Pretensões relativas à classificação pautal, origem e valor aduaneiro das mercadorias e a contingentes pautais, ou cuja resolução dependa de análise laboratorial ou de diligências a efectuar por outro Estado membro no âmbito da cooperação administrativa em matéria aduaneira.
29. E o artigo 3.º da supramencionada Portaria, sob a epígrafe “Termos da vinculação” previa que:
«1 – A vinculação dos serviços e organismos referidos no artigo 1.º está limitada a litígios de valor não superior a € 10 000 000.
2 – Sem prejuízo dos requisitos previstos no Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, a vinculação dos serviços referidos no artigo 1.º está sujeita às seguintes condições:
Nos litígios de valor igual ou superior a € 500 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de mestre em Direito Fiscal;
Nos litígios de valor igual ou superior a € 1 000 000, o árbitro presidente deve ter exercido funções públicas de magistratura nos tribunais tributários ou possuir o grau de doutor em Direito Fiscal.
3 – Em caso de impossibilidade de designar árbitros com as características referidas no número anterior cabe ao presidente do Conselho Deontológico do CAAD a designação do árbitro presidente.
30. Da legislação e regulamentação inerente é passível concluir que a vinculação patente na Portaria n.º 112-A/2011 restringe o acesso dos contribuintes à arbitragem tributária, e que o legislador pretendeu «reforçar a ideia de que devido ao caráter voluntário deste tipo de jurisdição arbitral, teria de haver um ato de vinculação por parte do sujeito ativo (a AT em representação do Estado) da relação tributária podendo essa vinculação ser materializada através de um ato regulamentar (Portaria) condicionando ao cumprimento de determinados critérios substantivos(“…tipo de litígios…”) e quantitativo (“… valor máximo dos litígios abrangidos…”) e como tal o artigo 4.º do RJAT sob a epígrafe “Vinculação e funcionamento” se concretizar qual o ato regulamentar (Portaria) e a referência em termos genéricos aos critérios substantivos e quantitativos que teriam que ser respeitados para que essa vinculação se pudesse materializar legalmente.»
31. Esclarece, ainda, o Acórdão arbitral proferido no processo n.º 146/2019-T que «a alínea a) do n.º 4 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010 e a alínea a) do n.º 1 do artigo 2.º do RJAT prevêem a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD para apreciação da generalidade dos litígios relativos a actos de liquidação de tributos e a Portaria n.º 112-A/2011 limita a vinculação « à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objecto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida» (com várias excepções). »
32. Ora, o conceito de “imposto” é abrangido pelo conceito de tributo, conforme estabelece a alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da CRP, bem como o n.º 2 do artigo 3.º da LGT, nos termos dos quais «os tributos compreendem os impostos, incluindo os aduaneiros e especiais, e outras espécies tributárias criadas por lei, designadamente as taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas».
33. Contudo, e conforme esclarece o Acórdão arbitral citado em 31 supra, cuja exposição o presente tribunal arbitral, aqui traz à colação, com a devida vénia, face à clareza e transparência dos seus argumentos, quanto a esta matéria:
« (…) é inequívoco que o Governo, no exercício dos poderes legislativos que lhe foram concedidos pela autorização legislativa, atribuiu aos tribunais arbitrais competência para a declaração de ilegalidade de actos de liquidação de tributos, sem qualquer restrição derivada da sua natureza, designadamente não limitando essa competência a «impostos».
[No entanto] [s]e o artigo 4.º, n.º 1, do RJAT for interpretado como permitindo ao Governo, através de portaria limitar a competência material dos tribunais arbitrais tributários definida no artigo 2.º do RJAT, a norma será materialmente inconstitucional, desde logo por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos».
Para além disso, o referido artigo 4.º, n.º 1, interpretado como permitindo que através de acto de natureza regulamentar fossem emitidas normas sobre garantias dos contribuintes e competências de tribunais será também inconstitucional por incompatibilidade com os artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alíneas i) e p), e 209.º, n.º 2, da CRP, que impõem que essas matérias sejam reguladas por acto de natureza legislativa.
Assim, numa leitura conforme à Constituição, a vinculação efectuada através da Portaria n.º 112-A/2011, representará, à semelhança do que sucede com a convenção de arbitragem no âmbito da arbitragem voluntária, a manifestação de vontade da AT de aceitação da pretensão do contribuinte de submeter o litígio a arbitragem, formulada de forma genérica, que é necessária, como é a do contribuinte que formula o pedido de constituição do tribunal arbitral, para este se constituir. »
34. Poder-se-á, assim, concluir que a interpretação do n.º 1 do artigo 4.º do RJAT no sentido de permitir ao Governo limitar a competência material dos tribunais arbitrais tributários, prevista no artigo 2.º do mesmo diploma, através de portaria, encontrar-se-ia ferida de inconstitucionalidade, por força do disposto no artigo 112.º, n.º 5, da CRP, que estabelece que «nenhuma lei pode criar outras categorias de actos legislativos ou conferir a actos de outra natureza o poder de, com eficácia externa, interpretar, integrar, modificar, suspender ou revogar qualquer dos seus preceitos»,
35. .. bem como o seria, quando interpretada no sentido de permitir que através de ato de natureza regulamentar sejam emitidas normas sobre garantias dos contribuintes e competências de tribunais, por incompatibilidade com os artigos 103.º, n.º 2, 165.º, n.º 1, alíneas i) e p), e 209.º, n.º 2, da CRP, que impõem que essas matérias sejam reguladas por ato de natureza legislativa.
36. Deste modo, é manifesto que os tribunais arbitrais têm competência para a declaração de ilegalidade de atos de liquidação de tributos, sem qualquer restrição derivada da sua natureza, designadamente não limitando essa competência a «impostos», podendo, consequentemente, apreciar a ilegalidade de “taxas e contribuições “.
37. A vinculação efetuada pela Portaria n.º 112-A/2011, para que seja conforme a Constituição, deverá ser interpretada como a «manifestação de vontade da AT de aceitação da pretensão do contribuinte de submeter o litígio a arbitragem, formulada de forma genérica, que é necessária, como é a do contribuinte que formula o pedido de constituição do tribunal arbitral, para este se constituir.»
38. Com manifesto interesse de trazer à colação, no que a esta matéria diz respeito, o qual deverá ser interpretado com as devidas adaptações, o sufragado no Acórdão arbitral proferido no processo n.º 312/2015-T, nos termos do qual:
«Em primeiro lugar, o teor literal e a articulação sistemática dos preceitos [artigo 2.º do RJAT e artigo 2.º da Portaria de Vinculação] não permitem um esclarecimento direto e evidente do sentido das normas. E se algum sentido se pode atribuir de forma mais próxima e fiel à interpretação literal-sistemática dos preceitos é o de que a referência a “impostos” em vez de “tributos” no artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, seguida da remissão expressa para o n.º 1 do artigo 2.º do RJAT e da enunciação expressa de um conjunto de exceções, indicia que o ‘legislador’ da Portaria não teve a intencionalidade restritiva clara que a AT invoca, pois se assim fosse teria feito alusão expressa a essa restrição no leque das alíneas que contemplam as exceções.
Em segundo lugar, a convocação dos elementos teleológico e racional da interpretação jurídica também não apontam para a razoabilidade de uma tal restrição, mas apenas para a “limitação do âmbito de vinculação da AT através da titularidade dos poderes para administrar os tributos”, sendo esse, de resto, o limite lógico da vinculação – não abrangendo a restrição assim os relacionados com “contribuições” também por ela liquidadas.
O facto é que o procedimento de liquidação e cobrança dessas “contribuições” em nada se distingue, na sua natureza e estrutura, do dos “impostos” (a AT atua aí como se de impostos se tratasse), donde não há razão válida para excluir a vinculação da AT, nesses casos, à arbitrabilidade.
A inexistência de uma referência expressa no texto do artigo 2.º da mencionada Portaria n.º 112-A/2011 a esse tipo de tributos dever-se-á apenas, ao fim e ao cabo, ao facto de, à data dela, ainda não se encontrar atribuído à administração da AT qualquer tributo com tais características.
(…)
Assim, p. ex., SÉRGIO VASQUES e CARLA CASTELO TRINDADE em «O âmbito material da arbitragem tributária», Cadernos de Justiça Tributária n.º 00 (Abril/Junho 2013), pág. 24, deixam claro que:“os serviços e organismos referidos no artigo anterior [hoje, a AT] vincularam-se à jurisdição dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD que tenham por objeto a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração lhes esteja cometida referidas no artigo 2.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro.
Nos termos do art.º 2.º do DL n.º 118/2011, de 15/12, o qual aprovou a Lei Orgânica da Autoridade Tributária e Aduaneira, esta entidade tem assim sob a sua égide a administração dos direitos aduaneiros, dos impostos sobre o rendimento, dos impostos sobre o património e dos impostos sobre o consumo e, bem assim, dos demais tributos que lhe sejam legalmente atribuídos como, por exemplo, as contribuições especiais”.
Nesta medida, considera-se que o âmbito da arbitrabilidade abrange, como decorre da interpretação conjugada dos artigos 2.º do RJAT e da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a tributos cuja administração esteja cometida à AT, com exceção dos casos enunciados nas alíneas do artigo 2.º da Portaria n.º 112-A/2011 ̶ abrangendo, portanto, também as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.»
39. Face ao exposto, o argumento da Requerida para validar a invocada exceção de incompetência material do CAAD para apreciar a ilegalidade de taxas, motivada no facto de não se tratar de impostos, não convence.
40. No entanto, outro argumento é apresentado pela Requerida para fazer proceder a exceção que invoca, o qual se consubstancia no facto de as «liquidações t[erem] de ser necessariamente referentes a impostos administrados pela Requerida.»
Ponderemos, então, este argumento.
41. O tributo em causa, ou antes, a liquidação da taxa em crise, provém das comissões pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) no âmbito de programas de contrapartidas relativos à aquisição de equipamentos e sistemas de defesa.
42. Com efeito, a Comissão Permanente de Contrapartidas, como referido supra, constitui um órgão colegial de natureza executiva integrado no Ministério da Economia e da Inovação, conforme disposto no n.º 1 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto e nos artigos 7.º e 23.º da Lei Orgânica do Ministério da Economia e da Inovação, aprovada pelo Decreto-Lei n.º 208/2006, de 27 de outubro.
43. A CPC, como acima mencionado, tem como missão, nos termos do n.º 2 do artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 153/2006, de 7 de agosto «definir e implementar a política nacional em matéria de contrapartidas e programas de cooperação industrial, bem como estudar, promover, avaliar e acompanhar a execução e fiscalização dos processos de contrapartidas ou de cooperação industrial, a desenvolver no âmbito de programas de aquisição de equipamentos e sistemas de defesa.»
44. O Requerente é, conforme resulta da matéria de facto dada como assente, «(…) uma associação privada sem fins lucrativos» – alínea A) dos factos dados como provados – cuja atividade «(…) consiste no desenvolvimento de tecnologia na área dos transportes, promovendo a invocação na área da mobilidade. Esta atividade é desenvolvida através de um centro de engenharia que estabelece a ponte entre as Instituições de Ensino Superior e a Indústria, permitindo o desenvolvimento de projetos aptos a integrar o mercado, respondendo às suas necessidades.» – alínea B) dos factos dados como provados -;
45. As liquidações em crise nos presentes autos, consubstanciam-se nas comissões de contrapartida pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas, pela sua intermediação e acompanhamento do projeto desenvolvido pelo Requerente – programa de aquisição de helicópteros ...-Projecto ...-... – com a aplicação da sua tecnologia e know-How – Alíneas H), I), K) e L) dos factos dados como provados - .
46. … as quais são liquidadas pela Direção Geral das Atividade Económicas (DGAE) (ex- Comissão Permanente de Contrapartidas).
47. Com efeito, o regime de fixação das referidas comissões encontra a sua regulamentação no Despacho Conjunto dos Ministérios da Defesa Nacional e da Economia e Inovação n.º .../2008, de 17 de julho.
48. O Despacho Conjunto n.º .../2008, de 7 de maio, é um regulamento complementar, que estabelece os termos que permitem determinar o valor das referidas comissões, com as características definidas pelo Decreto-Lei n.º 153/2006.
49. Sendo, ainda aplicável a estas contrapartidas e comissões, o Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de agosto, que aprovou o Regime Jurídico das Contrapartidas, definindo-as como compensações acordadas entre o Estado Português e um fornecedor de material de defesa, suscetíveis de contribuir para o desenvolvimento industrial da economia portuguesa e para o consequente aumento da participação nacional na cadeia de valor associada aos equipamentos e tecnologias de defesa,
50. … diploma este que foi, entretanto, revogado pelo Decreto-Lei n.º 105/2011, de 6 de outubro, em virtude de «[c]om a transposição para o ordenamento jurídico nacional da Directiva n.º 2009/81/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de Julho, relativa à coordenação dos processos de adjudicação de determinados contratos de empreitada, contratos de fornecimento e contratos de serviços por autoridades ou entidades adjudicantes nos domínios da defesa e da segurança, e que alterou as Directivas n.os 2004/17/CE e 2004/18/CE, ambas do Parlamento Europeu e do Conselho, de 31 de Março, deixa de ser possível associar contratos de contrapartidas, directas ou indirectas, a contratos de aquisição de material de defesa. O Regime Jurídico das Contrapartidas tornou-se assim incompatível com a disciplina jurídica aplicável à contratação pública nos domínios da defesa e da segurança, razão pela qual se procede à revogação do Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto.»
51. Prevendo, contudo, um regime transitório (artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 105/2011, de 6 de outubro), para os contratos de contrapartidas pendentes, como é o caso do contrato que originou as taxas em crise, nos presentes autos, nos termos do qual:
«1 - Os contratos de contrapartidas celebrados entre o Estado Português e os respectivos fornecedores de material de defesa, que se encontrem em execução à data da entrada em vigor do presente decreto-lei, continuam a reger-se pelas disposições previstas no Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto, até à cessação do último contrato, independentemente da modalidade de cessação.
2 - A data de cessação do último contrato de contrapartidas, celebrado entre o Estado Português e o respectivo fornecedor de material de defesa, é declarada por despacho dos membros do Governo responsáveis pelas áreas da defesa nacional e da economia e publicado no Diário da República, 2.ª série.»
52. Ou seja, o n.º 1 do artigo 2.º do Decreto-Lei n.º 105/2011, de 6 de outubro, salvaguarda os contratos de contrapartidas celebrados entre o Estado Português e os respetivos fornecedores de material de defesa, que se encontravam em execução à data da entrada em vigor do referido diploma, os quais continuam a reger-se pelas disposições previstas no Decreto-Lei n.º 154/2006, de 7 de Agosto, até à cessação do último contrato, independentemente da modalidade de cessação.
53. Complementarmente, a Lei Orgânica do Ministério da Economia e do Emprego (MEE), aprovada pelo Decreto-Lei n.º 126-C/2011, de 29 de dezembro, operou, através do artigo 40.º, n.º 1, al. f), a extinção da Comissão Permanente de Contrapartidas, cujas competências transitaram para a Direção-Geral de Atividades Económicas, nos termos da respetiva Lei Orgânica (Decreto Regulamentar n.º 42/2012, de 22 de maio).
54. E, procedeu à reestruturação da Direção-Geral das Atividades Económicas (DGAE), serviço que sucede nas atribuições do Gabinete de Planeamento Estratégico e Relações Internacionais do extinto Ministério das Obras Públicas, Transportes e Comunicações, no domínio das relações internacionais, do Gabinete de Estratégia e Planeamento do extinto Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, no domínio das relações internacionais e de cooperação, designadamente com países de língua oficial portuguesa, nas áreas do trabalho, emprego, formação profissional e segurança e saúde no trabalho, e da Comissão de Planeamento Industrial de Emergência.
55. Ora, a competência para a liquidação das comissões/taxas em apreço nos presentes autos, é da Direção-Geral de Atividades Económicas, conforme resulta dos próprios atos de liquidação - alíneas K) e L) dos factos dados como provados –
56. … atribuição e competência que não cabe à Autoridade Tributária e Aduaneira – vide Decreto-Lei n.º 118/2011, de 15 de dezembro -
57. Ensina JORGE LOPES DE SOUSA , que «[n]ão se estabelece qualquer limitação em relação aos tipos de tributos que podem ser objeto de pedido de declaração de ilegalidade, pelo que, numa primeira análise, poderia concluir-se que estaria aberta à possibilidade de os sujeitos passivos apresentarem pedidos de declaração de ilegalidade aos tribunais arbitrais relativamente a quaisquer tipos de tributos indicados no artigo 3.º da LGT: fiscais e parafiscais; estaduais, reginais e locais, impostos, incluindo aduaneiros e especiais, taxas e demais contribuições financeiras a favor de entidades públicas.
Porém, uma vez que, no artigo 4.º do RJAT, se estabelece que a vinculação da Administração Tributária à jurisdição dos tribunais arbitrais depende de portaria de membros do Governo responsáveis pelas áreas das finanças e da justiça, conclui-se que não basta a iniciativa do contribuinte para ser atribuída competência aos tribunais arbitrais previstos neste diploma, sendo necessária também a aceitação da Administração (de que o Governo é o órgão superior, nos termos do disposto no artigo 182.º da CRP), em termos gerais e abstratos, através de um diploma de natureza regulamentar.
Por outro lado, o facto de o único diploma que se prevê poder vincular a Administração à jurisdição dos tribunais arbitrais ser a emitir pelo Governo, revela que a possibilidade de vinculação aos tribunais arbitrais apenas existirá em relação aos tributos administrados pela Administração Tributária estadual, estando afastada, assim, a possibilidade de estes tribunais serem utilizados para dirimir litígios relativos a atos de liquidação de tributos efetuados por autarquias ou regiões autónomas, bem como os praticados por entidade autónomas, não inseridas na Administração Tributária estadual.» (Sublinhado nosso).
58. Ora, tendo em consideração que as comissões de contrapartidas em causa – taxas – constantes das faturas n.º 13/2011 e 24/2011, de 03.08.2011 e de 07.10.2011, respetivamente, emitidas pela (ex-) Comissão Permanente de Contrapartidas (CPC) - atual Direção Geral das Atividades Económicas - não se tratam de um tributo administrado pela Administração Tributária estadual, face à Portaria de Vinculação, fica afastada a possibilidade dos tribunais arbitrais serem utilizados para dirimir litígios relativos a tais atos de liquidação – como é o caso em apreço.
59. Face ao exposto, entende o presente Tribunal Arbitral ser de proceder a exceção de incompetência material do CAAD para apreciar a legalidade do ato de liquidação das comissões de contrapartidas pagas à Comissão Permanente de Contrapartidas, por falta de vinculação da AT a esta matéria.
VII. DECISÃO
De harmonia com o exposto, decide-se:
- Julgar procedente a exceção de incompetência material do tribunal arbitral por falta de vinculação da AT invocada pela Requerida;
- Julgar prejudicado o conhecimento das restantes questões suscitadas no processo;
- Absolver a Requerida da instância;
VIII. VALOR DO PROCESSO:
Fixa-se o valor do processo em € 17.927,60 (dezassete mil, novecentos e vinte e sete euros e sessenta cêntimos), nos termos do artigo 97.º-A, n.º 1, a), do Código de Procedimento e de Processo Tributário, aplicável por força das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT e do n.º 2 do artigo 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária.
IX. CUSTAS:
Custas a cargo do Requerente, de acordo com o artigo 12.º, n.º 2 do RJAT, do artigo 4.º do RCPAT, e da Tabela I anexa a este último, que se fixam no montante de € 1.224,00 (mil, duzentos e vinte e quatro euros).
Notifique-se.
Lisboa, 15 de janeiro de 2020.
O Árbitro
Jorge Carita