Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 360/2019-T
Data da decisão: 2020-01-20  IRC  
Valor do pedido: € 32.762,70
Tema: IRC – Preços de transferência; princípio de plena concorrência; operações vinculadas; artigo 63.º do Código do IRC; Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro.
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DECISÃO ARBITRAL (consultar versão completa no PDF)

 

                I. RELATÓRIO

1. No dia 23 de maio de 2019, A... SGPS, S. A., NIPC..., com sede na ..., ... (doravante, Requerente), apresentou pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, que aprovou o Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, alterado pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, pelo artigo 9.º da Lei n.º 118/2019, de 17 de setembro e pelo artigo 17.º da Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro (doravante, abreviadamente designado RJAT), com vista à pronúncia deste Tribunal relativamente à declaração de ilegalidade e anulação da liquidação adicional de IRC n.º 2019..., datada de 07.01.2019, e da liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., referentes ao exercício de 2015, que, em conformidade com a respetiva Demonstração de Acerto de Contas, resultaram no montante global a pagar de € 32.762,70.

 

A Requerente juntou 7 (sete) documentos, arrolou 5 (cinco) testemunhas, não tendo requerido a produção de quaisquer outras provas. 

 

É Requerida a AT – Autoridade Tributária e Aduaneira (doravante, Requerida ou AT).

 

2. Como resulta do pedido de pronúncia arbitral (doravante, PPA), a Requerente faz assentar a impugnação dos atos tributários controvertidos, sumariamente, no seguinte:

 A Requerente foi sujeita a um procedimento inspetivo que teve por objetivo verificar a aplicação do RETGS, em sede de IRC do ano de 2015, e à qual subjazeu uma ação inspetiva realizada à sociedade B..., relativamente ao IRC de 2015, da qual resultaram correções ao lucro tributável dessa sociedade, no valor de € 417.606,48, decorrentes da alegada transferência de negócio entre entidades relacionadas, pertencentes ao mesmo grupo empresarial, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do Código do IRC.

O âmbito do pedido de pronúncia arbitral, tal como delimitado pela própria Requerente, é circunscrito à dita correção atinente a preços de transferência, no montante de € 417.606,48.

No âmbito da aludida ação inspetiva, os SIT invocaram a transferência do negócio de comercialização dos produtos do Grupo entre entidades relacionadas, sem que a mesma tenha dado origem ao pagamento de uma compensação; concretamente, os SIT consideraram que ocorreu uma “transferência de negócio” entre a B... e a C..., centrada na transmissão de ativos intangíveis, nomeadamente, a carteira de clientes e o know-how da primeira para a segunda, sendo que essa transferência não foi remunerada.

Os SIT entenderam que a B.. deveria ter sido compensada pela alteração de comercializadora ditada pelo Grupo, para a ressarcir quer dos investimentos feitios, quer dos lucros que deixou de auferir nos anos de 2013 e seguintes (entre os quais o de 2015), quer ainda pela alegada transferência para a sociedade C... do seu know-how e clientela.

Em face deste entendimento, os SIT tentaram apurar o preço pelo qual esta operação teria sido realizada, caso a B... tivesse sido indemnizada pela transferência da sua atividade para a C..., como se de um trespasse se tratasse. Para o efeito, sob a égide do regime dos Preços de Transferência, os SIT referiram que o método por si utilizado para assegurar, nos termos do artigo 63.º do Código do IRC, a comparabilidade entre esta operação e uma idêntica, seria o método do preço comparável de mercado (MPCM).

No entanto, os SIT não conseguiram utilizar tal método, na medida em que em momento algum identificaram uma operação comparável e o respetivo preço, acabando por se basear, como afirmam no RIT, no “apuramento do valor da concessão do direito de exploração anual da carteira de clientes, que estava a ser explorada pela B... e que passou para a esfera da C...”. Para este efeito, como decorre do RIT, os SIT tiveram em consideração, por um lado, as vendas anuais realizadas pela C... junto dos alegados clientes da B... e, por outro lado, os lucros operacionais que esta última deixou de obter por ter “cedido a sua lista de clientes e know-how à C..., que correspondem à margem acordada com as empresas produtoras, reduzida dos custos anuais em que teria incorrido para concretização das vendas”.

A Requerente começa por alicerçar o seu dissenso face às aludidas correções na alegada inadmissibilidade de aplicação do regime de preços de transferência.

Neste conspecto, a Requerente afirma a inexistência da operação vinculada, porquanto: não ocorreu qualquer transferência de negócio ou de bens (ativos tangíveis ou intangíveis) entre a B... e a C..., mas uma mera rutura contratual das unidades fabris com a primeira; o know-how e a clientela utilizados, quer pela B..., quer posteriormente pela C..., eram já anteriormente da exclusiva propriedade do Grupo, não podendo sequer ser objeto de transmissão; os contratos de distribuição celebrados com a B... não contemplaram a opção de ressarcimento por quebra contratual, ao abrigo do princípio da liberdade contratual; e a B... não teria direito a uma indemnização por rutura contratual, por não ter trazido valor acrescentado às unidades fabris.

Consequentemente, o ato de liquidação de IRC controvertido enferma de inexistência de facto tributário e da violação do regime legal dos preços de transferência, previsto no artigo 63.º do Código do IRC.

Noutra ordem de considerações, a Requerente alega que houve ingerência da AT nas decisões de gestão do Grupo, o que se afigura inadmissível, pois a AT não pode substituir-se às unidades fabris da Requerente e decidir que estas não deveriam ter mudado de comercializadora ou que deveriam ter pago uma compensação à B..., pelo fim da atividade de comercialização (sobretudo quando contratualmente essa compensação foi rejeitada). Ademais, não se impunha à Requerente, ou a qualquer uma das sociedades que integram o RETGS, dar mais explicações do que as que foram prestadas, para justificação da rutura contratual, nem cabe à AT a gestão das sociedades comerciais, em virtude do princípio da iniciativa privada, previsto no artigo 61.º da CRP.

Nesta conformidade, não tendo apresentado provas, nem alegado factos que concluam pela inadequação ou falta de justificação da alteração de comercializadora, a AT efetuou uma correção ilegal, daí resultando a ilegalidade do ato de liquidação, nesta parte, por violação do disposto nos artigos 61.º e 104.º, n.º 2, da CRP e no artigo 74.º da LGT.

A Requerente alega, em seguida, que a correção efetuada pelos SIT e, portanto, o ato de liquidação de IRC controvertido padece de vício de falta de fundamentação. A este propósito, a Requerente esclarece que este vício não corresponde propriamente aos fundamentos que subjazeram à correção realizada, nem sequer aos fundamentos que originaram o recurso por parte dos SIT à aplicação do artigo 63.º do Código do IRC – pois esses a Requerente conhece – mas sim à metodologia utilizada para esse efeito e à quantificação do facto tributário e do imposto apurado. Afirma a Requerente que só conhece cálculos, nada sabendo quanto á existência de operações comparáveis ou, em concreto, qual a operação e o preço comparável que serviu de base à correção feita pelos SIT. Assim, a AT incumpriu com o dever de fundamentação, pois a aplicação do regime legal dos preços de transferência não veio acompanhada da correta indicação e aplicação do método utilizado e, em concreto, dos comparáveis de mercado que permitiram sustentar a correção e apurar o montante de imposto devido.

Por consequência, o ato de liquidação de IRC controvertido deve ser anulado também por violação do disposto no artigo 77.º, n.ºs 1 e 3, da LGT, no artigo 36.º do CPPT, no artigo 153.º do CPA e no artigo 268.º da CRP.

Por último, a Requerente alega que, ainda que fosse aplicado no caso concreto do regime legal dos preços de transferência, seguindo a metodologia supostamente utilizada pelos SIT, verifica-se uma errónea quantificação do facto tributário e do imposto. Neste conspecto, a Requerente afirma que a fórmula de cálculo adotada pela AT carece da fundamentação técnica necessária, porquanto: a AT não fundamenta o método utilizado para quantificar o valor de remuneração em falta na esfera da B...; a AT considera nesse cálculo vendas efetuadas pela B... a clientes que já eram clientes do Grupo antes da criação da B... e antes da assinatura dos contratos de distribuição, que não são clientes angariados pela B..., mas sim clientes que lhe foram disponibilizados, sem que esta pagasse qualquer compensação pela disponibilização desses clientes antigos; a AT assenta o seu cálculo em dados de apenas um exercício, ao invés do preconizado pela legislação aplicável e também de forma contrária à prática corrente no mercado em circunstâncias similares, que para mitigar efeitos de evoluções conjunturais extraordinárias, recomenda o uso da média de vários exercícios; a AT considera erradamente que a compensação seria devida pela nova entidade distribuidora, que não é parte no contrato rescindido e não teve qualquer intervenção ou responsabilidade nessa rescisão, pelo que não pode também ter qualquer responsabilidade na assunção de uma eventual compensação; a AT alega, por um lado, que se verificou uma transferência de negócio entre a B... e a C... e, por outro, que se verificou uma transferência da “carteira de clientes” ou uma cessação do contrato, o que não é a mesma coisa, nem a compensação subjacente se calcula da mesma forma, o que demonstra que a própria AT não está segura do que aconteceu, nem da forma como está a processar os seus cálculos; e a AT está a procurar decidir a forma como o Grupo e as fábricas devem desenvolver a sua atividade e a ignorar o direito de os mesmos poderem decidir livremente sobre como e com quem desempenhar a sua atividade, ficcionando para efeitos fiscais a continuação de uma atividade relativamente a contratos que foram legalmente cessados, de acordo com a Lei e com as cláusulas previstas nesses contratos.

Nesta conformidade, resulta evidente que a AT procedeu a uma errónea quantificação do facto tributário e do imposto apurado, devendo o ato de liquidação de IRC em causa ser anulado também com fundamento no disposto no artigo 100.º do CPPT.

A finalizar, a Requerente peticiona a restituição do montante global que indevidamente pagou, acrescido de juros indemnizatórios calculados nos termos legais.  

   

3. O pedido de constituição de tribunal arbitral foi aceite e automaticamente notificado à AT em 30 de maio de 2019.

               

4. A Requerente não procedeu à nomeação de árbitro, pelo que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 6.º e da alínea a) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Senhor Presidente do Conselho Deontológico do CAAD designou o signatário como árbitro do Tribunal Arbitral singular, que comunicou a aceitação do encargo no prazo aplicável.

 

Em 16 de julho de 2019, as partes foram devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação do árbitro, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas b) e c), do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico do CAAD.

 

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, o Tribunal Arbitral singular foi constituído em 05 de agosto de 2019.

 

5. No dia 27 de setembro de 2019, a Requerida, devidamente notificada para o efeito, apresentou a sua Resposta na qual impugnou, especificadamente, os argumentos aduzidos pela Requerente, tendo concluído pela improcedência da presente ação, com a sua consequente absolvição do pedido.

 

A Requerida não requereu a produção de quaisquer provas, tendo apenas procedido à junção aos autos do respetivo processo administrativo (doravante, PA).

 

6. A Requerida alicerçou a sua Resposta, essencialmente, na seguinte argumentação:   

A Requerida alega que uma vez que as entidades envolvidas na situação concreta são todas afiliadas da Requerente, verifica-se a existência de relações especiais (cf. alínea b) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC), pelo que as operações em que intervêm devem pautar-se pelo princípio de plena concorrência, enunciado no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC e no artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro.

A verificação da inexistência de qualquer compensação pela transferência da atividade de distribuição que era desenvolvida pela B..., levou os SIT a concluir que, nesta operação vinculada (cf. alínea d) do n.º 3 do artigo 1.º e alínea c) do artigo 2.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, materializada no âmbito de uma alteração de estruturas de negócio, que cabe na definição constante da alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001), não tinha sido observado o princípio de plena concorrência. Sequentemente, procederam os SIT à determinação do ajustamento a efetuar ao lucro tributável, de acordo com os termos e condições que seriam acordados entre entidades independentes numa operação idêntica ou similar (cf. artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001).   

Mais afirma a Requerida que os SIT constataram que a operação de transferência do negócio da B..., não obstante ter sido efetuada por decisão do Grupo e ter envolvido entidades do Grupo com a justificação de que foi realizada por razões de “estruturação e otimização comercial” do Grupo: não foi qualificada como uma operação vinculada e integrada no Dossier de Preços de Transferência, tendo assim incumprido as obrigações previstas no n.º 6 do artigo 63.º do Código do IRC e nos artigos 13.º e 14.º da Portaria n.º 1446-C/2001, em matéria de documentação e informação; e foi entendimento do Grupo que se tratava de uma simples substituição de um prestador de serviços de distribuição, pelo que a B... não teria direito a qualquer forma de compensação por cedência da sua posição no contrato de distribuição de produtos siderúrgicos.

Uma vez que as partes intervenientes na operação de transferência da exploração da atividade não enquadraram a operação no artigo 63.º do Código do IRC, os SIT procederam à seleção do método que melhor poderia estimar a compensação devida à B..., de acordo com as condições normais de mercado e à sua quantificação.

Relativamente à seleção do método mais apropriado para a determinação do preço de plena concorrência, os SIT entenderam que o MPCM é aquele que, nos termos do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, assegura o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e as operações realizadas entre entidades independentes. No entanto, na operação em causa, uma vez que a aplicação do MPCM não pode basear-se na pesquisa de uma operação comparável, a análise de comparabilidade tem de centrar-se na forma de cálculo da remuneração da cedente, isto é, começando por definir os fatores que influenciariam o cálculo da remuneração que uma entidade independente esperaria receber pela cedência do direito a utilizar os ativos intangíveis inerentes ao desempenho da atividade de distribuidor, em particular a clientela e o know-how dos trabalhadores transferidos para a C... .  

Noutra ordem de considerações, a Requerida afirma que não pretendeu limitar a livre iniciativa e autonomia privada ou questionar as opções de gestão tomadas pela administração das empresas que integram o Grupo da Requerente; contudo, há que ter em conta o correto enquadramento fiscal das operações praticadas. Com efeito, não é a prática societária que está em causa mas apenas o exercício da competência legal atribuída aos SIT de verificar o correto enquadramento fiscal das operações que influenciam o apuramento da matéria tributável do Grupo. Ainda a este propósito, a Requerida diz que o princípio da liberdade da iniciativa provada, consagrado no artigo 61.º da CRP, não foi constitucionalmente considerado como um preceito respeitante aos direitos, liberdades e garantias, não constituindo, por isso, um princípio absoluto (cf. artigo 18.º, n.º 1, da CRP); mas mesmo que o fosse, ainda assim poderia sofrer restrições para salvaguarda de outros direitos e interesses constitucionalmente protegidos (cf. artigo 18.º, n.º 2, da CRP), designadamente quando o objetivo do legislador se prende com o combate à fraude e evasão fiscais e com a sustentabilidade do sistema financeiro e fiscal.

No concernente à imputada falta de fundamentação, a Requerida alega que o ato tributário está devidamente fundamentado, quer de facto, quer de direito, tanto mais que a argumentação da Requerente vertida no pedido de pronúncia arbitral revela que esta não teve dificuldade alguma na apreensão dos motivos que levaram à prática do ato.  

Relativamente à imputada errónea quantificação do facto tributário e do imposto, perante a inexistência, no artigo 63.º do Código do IRC e na Portaria n.º 1446-C/2001, de regras orientadoras dirigidas para as operações que se enquadram em reestruturações de negócios, os SIT socorreram-se das OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, em particular do capítulo IX dedicado às reestruturações de negócios (Transfer Pricing Aspects of Business Restructurings) cujo parágrafo 9.11 preconiza que “caso as condições praticadas não correspondam às que seriam estabelecidas entre empresas independentes, devem apurar-se os lucros que teriam sido realizados pela empresa, que devido às condições aplicadas ou impostas não ocorreram e, como tal, incluí-los nos seus resultados fiscais sujeitos ao pagamento de imposto”.

Por último, a Requerida afirma que não existe qualquer erro imputável aos serviços, pelo que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios.                

 

7. Por despacho de 03 de outubro de 2019, foram as partes notificadas da designação da data para a realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT e para a inquirição das testemunhas arroladas pela Requerente.

 

8. No dia 05 de setembro de 2019, teve lugar a reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, na qual foi tratado o que consta da respetiva ata que aqui se dá por inteiramente reproduzida, tendo sido, então, fixado o dia 05 de fevereiro de 2020 como data limite para a prolação da decisão arbitral.

 

9. Por despacho de 13 de novembro de 2019, proferido na sequência de requerimento apresentado pela Requerente, foi determinado, nos termos do artigo 421.º, n.º 1, do CPC, o aproveitamento da prova testemunhal produzida no âmbito do processo n.º 216/2018-T, uma vez que as testemunhas foram ali inquiridas em audiência contraditória, com as mesmas partes e sobre as mesmas questões de facto.

 

10. As partes apresentaram alegações escritas, de facto e de direito, nas quais reiteraram as posições anteriormente assumidas nos respetivos articulados.

***

                II. SANEAMENTO

11. O Tribunal Arbitral foi regularmente constituído e é competente em razão da matéria, atenta a conformação do objeto do processo (cf. artigos 2.º, n.º 1, alínea a) e 5.º do RJAT).

 

O pedido de pronúncia arbitral é tempestivo, porque apresentado no prazo previsto no artigo 10.º, n.º 1, alínea a), do RJAT.

 

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, têm legitimidade e encontram-se regularmente representadas (cf. artigos 4.º e 10.º, n.º 2 do RJAT e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

O processo não enferma de nulidades.

 

Não existem quaisquer exceções ou questões prévias que obstem ao conhecimento de mérito e que cumpra conhecer.

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III. FUNDAMENTAÇÃO 

III.1. DE FACTO

§1. FACTOS PROVADOS

12. Consideram-se provados os seguintes factos:

a) A Requerente é uma sociedade gestora de participações sociais, sendo a sociedade dominante de um grupo – o GRUPO A... – que, no ano de 2015 e nomeadamente para efeitos de tributação em sede de IRC, ao abrigo do Regime Especial de Tributação dos Grupos de Sociedades (RETGS), era constituído, para além da própria Requerente, pelas seguintes sociedades [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA e PA (RIT)]:

i. D..., S. A. (D...);

ii. E..., S. A. (E...); 

iii. F..., S. A. (F...);

iv. G..., S. A. (G...); 

v. H..., S. A. (H...);

vi. I..., S. A. (I...);

vii. B..., Lda. (B...);

viii. J..., Unipessoal, Lda. (J...).

b) O GRUPO A... resultou de uma reestruturação societária ocorrida no ano de 2005, ano em que a D..., sociedade detentora de duas unidades industriais (uma situada no ... e outra na ...), procedeu ao destaque e à consequente transferência de todo o seu património afeto a essas unidades industriais para a esfera jurídica de duas outras sociedades então constituídas: a G... e a H... . [cf. documento n.º 4 anexo ao PPA e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]  

c) A G... e a H... são detidas a 100% pela D... que, por sua vez, é detida a 100% pela Requerente, sendo as empresas produtoras de produtos siderúrgicos do GRUPO A... . [cf. PA (RIT) e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]      

d) Em 2008 e 2009, coexistiam dois grupos, para efeitos de tributação em sede de RETGS: um, composto por D..., G..., H... e  I... e outro, composto pela Requerente, B... e J... . [cf. documento n.º 3 anexo ao PPA e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]       

e) Em 2015, a Requerente detinha, ainda, as seguintes participações sociais: 100% na sociedade N..., S. A. (N...) e 38,98% na sociedade C..., Lda. (C...). [cf. PA (RIT)]  

f) A Requerente desenvolve a sua atividade no seio de um grupo atualmente denominado por GRUPO O..., referenciado como o principal grupo, de dimensão ibérica, a atuar no setor siderúrgico em Portugal e em Espanha, do qual fazem parte sociedades residentes em ambos os países. [cf. PA (RIT) e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]     

g) Do GRUPO O.../A..., no qual a Requerente se insere, fazem parte entidades com natureza e função distintas, que contribuem e participam nas várias fases do processo produtivo, seja em termos de fabrico e transformação de matéria-prima ou da sua posterior comercialização a clientes fora e dentro do próprio Grupo. [cf. PA (RIT) e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]    

h) No que se refere à comercialização dos produtos fabricados no seio do Grupo (fio, varão e malha), a mesma começou por ser feita, sensivelmente até ao ano de 2005, pela própria D..., relativamente a clientes por si angariados ao longo do tempo e que, na sua globalidade, constituíam um significativo número de clientes, totalmente fidelizados com o tipo e qualidade do produto fabricado pelo Grupo. [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]    

    

i) A partir de 2005, após a transferência da atividade das duas unidades industriais para a G... e para a H..., a comercialização dos produtos fabricados passou a ser desenvolvida pela B..., tendo por base o know-how e os clientes já anteriormente angariados pelo Grupo. [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]      

j) A atividade a partir daí desenvolvida pela B... contemplou essencialmente a celebração de contratos de distribuição com as entidades produtivas do Grupo, a G..., a H... e a I..., às quais adquiria produtos para posterior revenda junto de entidades externas ao Grupo. [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]      

k) Mediante tais contratos – que eram idênticos, independentemente da entidade produtiva com quem eram celebrados – a B... assegurava a distribuição, em território português, dos produtos fabricados pela G..., H... e I... a clientes externos ao GRUPO O.../A... [cf. PA (Anexo 1 do RIT)]      

l) Adicionalmente, no âmbito dos mencionados contratos de distribuição, a B... vinculava-se a aumentar o volume de vendas dos produtos em causa, organizar a logística de transporte e de gestão aduaneira, resolver questões de desconformidade na comercialização dos bens (quando tal lhe fosse imputável) e assumir o risco de não pagamento por parte dos clientes finais. [cf. PA (Anexo 1 do RIT)]

m) Como contrapartida da sua atividade de comercialização, a B... recebia das fábricas (G..., H... e I...) uma comissão de 0,75% sobre o montante das vendas realizadas, a qual se manteve estável no período compreendido entre 2010 e 2015. [cf. PA (RIT) e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]    

n) Os contratos de distribuição celebrados entre a B... e os seus fornecedores (G..., H... e I...) previam a renúncia das partes ao pagamento de qualquer indemnização decorrente da eventual cessação dos mesmos. [cf. PA (Anexo 1 do RIT)]  

o) No desenvolvimento desta atividade, a B... seguia as orientações que lhe eram fornecidas pelo GRUPO O.../A..., uma vez que os clientes externos já se encontravam fidelizados aos produtos do Grupo. [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]      

p) A política de definição do “preço” de venda era da exclusiva responsabilidade do GRUPO O.../A... [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]       

q) Uma parte significativa da faturação obtida pela B..., pelo menos nos anos de 2012 e 2013, respeitava a entidades a quem anteriormente o GRUPO O.../A... já faturava, nomeadamente através da D... até ao ano de 2005. [cf. depoimentos das testemunhas K... L... e M...]       

r) Em agosto de 2013, a atividade de comercialização dos produtos siderúrgicos do GRUPO O.../A... em Portugal viria a ser exercida por uma outra empresa, a C..., na sequência da rescisão, por parte da G..., da H... e da I..., dos aludidos contratos de distribuição celebrados com a  B... [cf. depoimentos das testemunhas K...,  L... e M...]             

s) Não se tratou de uma rutura total imediata, pois a B... ainda ficou durante algum tempo – concretamente, até maio de 2014 – com a comercialização do grupo de produtos siderúrgicos designado por “...” e responsável pela gestão e venda do produto a clientes com garantias bancárias prestadas a seu favor, até à emissão gradual de novas garantias em benefício da C... . [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]               

t) Até maio de 2013, a C... foi parcialmente detida pela P..., sendo que, somente nessa altura, o GRUPO O.../A... logrou adquirir a participação remanescente da C... que passou assim a ser totalmente detida por este. [cf. PA (RIT) e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]    

u) O motivo para a alteração da entidade comercializadora radicou na intenção que o GRUPO O.../A... tinha de reestruturar a sua atividade comercializadora em Portugal –  concentrando toda essa atividade apenas numa entidade, evitando-se a redundância de custos – e de separar, mesmo fisicamente, as atividades de produção e de comercialização e toda a logística associada, uma vez que a B... desenvolvia a sua atividade no perímetro das unidades fabris (G..., H... e I...). [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]                       

v) Ademais, a C... dispunha de terrenos e de armazéns próprios, bem como de melhores acessos ferroviários e rodoviários, o que representava a possibilidade da atividade de comercialização – e de tudo o que a envolvia, como armazenamento e transporte dos produtos –ser exercida de uma forma mais adequada e eficaz. [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]                       

w) Acresce que a C... tinha um nome mais forte no mercado, com um longo historial junto de alguns clientes do próprio GRUPO O.../A..., tratando-se de um nome composto (...+...) e que, no plano comercial, era extremamente apelativo e era coerente com a política que, em termos nominativos, o Grupo seguia nas designações atribuídas às suas comercializadoras noutros países (Q... em Espanha ou R... no Reino Unido). [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]       

x) Os contratos de distribuição celebrados entre a C... e a G... e a H... têm exatamente as mesmas condições que haviam sido acordadas com a B..., designadamente no que se refere à comissão de venda de 0,75%. [cf. PA (Anexo 4 do RIT)]  

y) A C..., tal como as suas antecessoras D... e B..., também beneficiou do know-how e dos clientes fidelizados ao GRUPO O... /A... [cf. depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]       

z) A carta circular de comunicação aos clientes a informar da alteração contratual e da nova entidade comercializadora (C...) do GRUPO O.../A.. foi efetuada pelo Sr. S... que a assinou nos seguintes termos:

«S... /B...

Director Comercial

Portugal e Espanha»,

sendo a designação «B... » utilizada como nome comercial no seio do GRUPO O.../A... com diversas finalidades, nomeadamente como marca dos produtos e como denominação de uma sociedade de direito espanhol, a T..., S. A. (sendo a junção de três palavras: T... S.A. = B...). [cf. PA (Anexo 5 do RIT) e depoimento da testemunha K...]   

aa) Quatro trabalhadores da B... que desempenhavam funções ligadas à comercialização e venda dos produtos passaram para a C... para o desenvolvimento da sua atividade. [cf. PA (RIT e Anexos 9, 10 e 11) e depoimentos das testemunhas K..., L... e M...]        

                bb) A Requerente foi alvo de um procedimento inspetivo realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2018..., de âmbito interno, com o objetivo de verificar a aplicação do RETGS, em sede de IRC, referente ao ano de 2015. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]   

cc) A essa ação inspetiva subjazeu o procedimento inspetivo realizado pelos Serviços de Inspeção Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes, a coberto da Ordem de Serviço n.º OI2018..., de âmbito externo, à sociedade B... e referente ao IRC do ano de 2015, cujo Relatório de Inspeção Tributária (RIT) aqui se dá por inteiramente reproduzido e que faz parte integrante (como Anexo I) do RIT da Requerente. [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]

dd) No âmbito da aludida ação inspetiva, a Requerente foi notificada do Projeto de RIT, a fim de exercer, querendo, o direito de audição sobre as seguintes correções propostas em sede de IRC do ano de 2015 [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]:

i.             Correção ao lucro tributável decorrente de correção efetuada à sociedade B..., no montante de € 417.606,48, em virtude da transferência de negócio para uma entidade relacionada, ao abrigo do artigo 63.º do Código do IRC;

ii.            Correção ao cálculo do imposto decorrente de alterações efetuadas aos Benefícios Fiscais (SIFIDE) do Grupo, em virtude do aumento do valor desses mesmos benefícios fiscais em € 75.535,03 .  

ee) A Requerente não exerceu o direito de audição, tendo a AT mantido as referenciadas correções e, sequentemente, procedido à notificação do RIT definitivo – sobre o qual recaiu despacho favorável da Chefe de Divisão (em regime de substituição), por subdelegação de competências – que aqui se dá por inteiramente reproduzido, do qual se extrai a seguinte fundamentação, na parte que importa considerar para a matéria em discussão neste processo arbitral [cf. documento n.º 2 anexo ao PPA]:    

«I.4. DESCRIÇÃO SUCINTA DAS CONCLUSÕES DA AÇÃO DE INSPEÇÃO

(…)

I.4.1. IRC – CORREÇÕES AO LUCRO TRIBUTÁVEL

As correções ao Resultado tributável em IRC da B..., Lda., com referência ao período de tributação de 2015, ascendem a 417.606,48 Euros e discriminam-se da seguinte forma:

I.4.1.1. Transferência do negócio para uma entidade relacionada (artigo 63.º do Código do IRC) – 417.606,48€

Na sequência da análise realizada constatou-se que o sujeito passivo transferiu, progressivamente durante um período de dois anos, a atividade de comercialização de produtos siderúrgicos para uma entidade relacionada – a empresa C... Lda. (com o NIPC..., e adiante designada apenas por “C...") –, sem que tenha sido compensada pela cessação do seu negócio e pela transmissão da base de clientes fidelizados. O desempenho desta nova função pela C..., além de ter permitido que esta acedesse a um novo negócio, viabilizou a dedução parcial dos prejuízos fiscais acumulados em períodos precedentes, no decurso da anterior atividade desenvolvida. Fruto desta operação – transferência do negócio – a empresa B... abdicou de uma margem equivalente a 0,75% das vendas que deixou de realizar e que passaram a ser registadas pela C... . Uma vez que a ausência de remuneração na operação realizada violou o Princípio de Plena Concorrência, preconizado no n.º 1 do artigo 63.º do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (Código do IRC), concluiu-se que o sujeito passivo subavaliou o seu lucro tributável no montante de 417.606,48 Euros (…).

(…)

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E DOS FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS

III.1. IRC – Correções ao lucro tributável

III.1.1. TRANSFERÊNCIA DO NEGÓCIO PARA UMA ENTIDADE RELACIONADA (ARTIGO 63.º DO CÓDIGO DO IRC) – 417.606,48€

No âmbito do procedimento de inspeção incidente sobre o período de 2014 detetou-se que a B... apresentou uma forte redução da sua atividade, evidenciada pelo decréscimo da rubrica de "Vendas e serviços prestados", que passou de 210,4 milhões de Euros, em 2012, para 124,2 milhões de Euros em 2013 (redução de 41,0%) e para 33,7 milhões de Euros, em 2014 (menos 72,9%). No período de 2015, a empresa registou um valor nulo de “Vendas e serviços prestados”.

Em paralelo, a empresa C... apresentou um crescimento acentuado da rubrica de “vendas e serviços  prestados” no mesmo intervalo temporal, especificamente, 50,7 milhões de Euros em 2013 (acréscimo de 2,551%) 142,3 milhões de Euros em 2014 (mais 180,5%) e 165,6 milhões de Euros em 2015 (variação  de 226,3%, face a 2013), tendo substituído a B... no desempenho da função comercial junto dos clientes já existentes.

A evolução simétrica das vendas das duas empresas encontrava-se justificada no ponto 4 “Evolução da Performance Económica e Financeira” do Dossier de Preços de transferência (Doravante “DPT”) da B... de 2014 (página 7) onde se referia que “o decréscimo acentuado do volume de negócios em 2014 resulta do facto de quase a totalidade da atividade de comercialização de produtos siderúrgicos (…) ter sido transitada no decurso do referido exercício para uma comercializadora parcialmente detida pelo Grupo A...”.  

O DPT de 2015, sobre o mesmo ponto, menciona que “no início do exercício a H..., G... e I.. rescindiram os contratos de comercialização, não tendo a empresa efetuado operações da sua atividade principal. Tendo efetuado a gestão corrente das situações pendentes dos anos anteriores”.

Considerando a existência de relações especiais entre o sujeito passivo e a C..., a transferência do negócio em causa e a utilização da carteira de clientes pela C... configura uma operação vinculada, que se encontra subordinada ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, vertido no ordenamento jurídico português no n.º 1 do atual artigo 63.º do Código do IRC1. Nesse contexto, e tendo em consideração as Orientações da OCDE2 em matéria de preços de transferência, foi avaliada a operação vinculada em causa, com vista à aferição do cumprimento do mencionado Princípio de Plena Concorrência nos termos e condições praticados na referida transação. Na sequência desta avaliação concluiu-se que houve violação deste princípio, da qual resultou uma redução do lucro tributável da B... no período analisado, como a seguir se descreve.

_____      

1 Acrescente-se que que no ponto 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001 de 21 de dezembro, que complementa a regulamentação da matéria de preços de transferência, referem-se especificamente “operações comercieis realizadas no âmbito de uma alteração de estruturas de negócio”.

2 Vide “OCDE – Princípios aplicáveis em matéria de preços de transferência destinados às empresas multinacionais e às Administrações Fiscais” de 1995, publicado em Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal (189) – Ministério das Finanças – Lisboa 2002. As orientações constantes no Relatório de 1995 registaram, entretanto, um conjunto de revisões, dando origem às “OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations”, de julho de 2017, publicadas pela própria OCDE e ainda não traduzidas em Portugal, pelo que todas as referências futuras às “Guidelines” ou “orientações da OCDE” respeitam a esta última versão.  

¬¬¬¬¬¬¬_____

Note-se que em conformidade com o disposto no n.º 3 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária (LGT), “em caso de existência de operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, ou de operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo de imposto sobre o rendimento e qualquer outra entidade, sujeita ou não a imposto sobre o rendimento, com a qual aquele esteja em situação de relações especiais, e sempre que haja incumprimento de qualquer obrigação estatuída na lei para essa situação, a fundamentação da determinação da matéria tributável corrigida dos efeitos das relações especiais deve observar determinados requisitos, designadamente, a descrição das relações especiais, a indicação das obrigações incumpridas pelo sujeito passivo, a aplicação dos métodos previstos na lei e a quantificação dos respetivos efeitos. Nos termos anteriormente referidos, apresentar-se-ão de seguida os fundamentos da correção proposta.   

No relatório de inspeção elaborado no âmbito do procedimento de inspeção externo realizado à sociedade B..., credenciado pela ordem de serviço n.º OI2016..., de 2016-05-11, com referência ao período de 2014, concluiu-se que a operação de transferência do negócio da sociedade B... para a sociedade C..., tinha tido um reflexo negativo no lucro tributável declarado pelo sujeito passivo no montante de 332.148,42 Euros, nesse período.

Considerando que o efeito da transferência do negócio se repercutiu no lucro tributável declarado pelo sujeito passivo não apenas no exercício de 2014, mas também nos períodos de tributação seguintes3, nomeadamente 2015. No âmbito deste procedimento de inspeção detalhou-se a operação de transferência do negócio e quantificou-se o efeito neste período, que totalizou 417.606,48 Euros.

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3 Os efeitos da transferência da carteira de clientes tem em consideração as vendas de vários anos. Aliás, embora seguindo outra metodologia, é o que consagra o modelo alternativo de cálculo proposto na petição apresentada no Centro de Arbitragem Administrativa (Processo CAAD 216/2018-T), pela sociedade A... SGPS SA, sociedade dominante do grupo fiscal onde se insere a B..., que prescreve a atribuição de uma compensação por lucros cessantes, alicerçada no Decreto-Lei n.º 118/93.

_____

III.1.1.1. Descrição das relações especiais

No contexto do referido na alínea a) do n.º 3 do artigo 77.º da LGT, importa demonstrar a existência de relações especiais entre a B... e a C... .

O n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC vem explicitar as circunstâncias em que se considera existirem relações especiais entre duas entidades, sendo que tal facto sucede nas situações em que uma entidade tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre duas entidades em que os mesmos titulares do capital detenham, em cada uma delas, uma participação, direta ou indireta, não inferior a 20% do capital ou dos direitos de voto (alínea b) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC).

Tal como indicado no ponto 2 “Estrutura Acionista” e no organograma do grupo espanhol O..., integrados no DPT do sujeito passivo, as empresas localizadas em Portugal tinham por entidade dominante a sociedade A... SGPS, SA (com NIPC ... e doravante “A...”), que detinha 100% do capital da empresa B... e também 38,98% do capital da empresa C..., em 2014 e 2015.

Nos mesmos anos, o restante capital da C... (61,02%) era detido pela W..., com sede em Espanha, que simultaneamente pertencia a uma subsidiária da empresa dominante do grupo O..., localizada no mesmo país.

A estrutura societária do grupo O..., que abrange a A..., encontra-se representada na figura 1 infra.

Figura 1 – Organograma do grupo O...

 

 

  

As participações da sociedade A... r encontravam-se também identificadas na IES de 2015, tal como detalhado no quadro seguinte.

Quadro 1 – Participações da sociedade A... SGPS SA, 2015

NIF         Designação         Participação (%)              Data de início da participação

...            D... SA  100,00   25-04-1994

...            B... LDA.               100,00   22-04-1996

...            E... SA   100,00   30-06-2011

...            C... LDA 38,98     30-05-2013

...            F... SA   100,00   16-06-2014

...            O... LDA                100,00   13-12-2006

...            N... SA  100,00(1)             10-10-2002

(1) Em 2015, a A... detinha uma participação de 50% na N... SA.

Fonte: IES, 2015 e 2016 (Declaração IES-DA ... e ...)

 

Considerando a estrutura de repartição do capital da A... SGPS SA, acima descrita, concluiu-se que o sujeito passivo se encontrava em situação de relações especiais com a empresa C... . As relações especiais verificaram-se por força da alínea b) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC, uma vez que quer o sujeito passivo quer a sociedade C... são detidos diretamente pela mesma entidade (sociedade A...) em percentagens não inferiores a 20%.

Significa isto que a suprarreferida operação constitui uma operação vinculada, nos termos descritos na alínea b) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro (doravante designada apenas por “Portaria”), conjugado com o estatuído na alínea d) do n.º 3 do artigo 1.º e com a alínea c) do artigo 2.º do mesmo normativo, estando subordinada ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, preconizado no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC. 

III.1.1.2. Avaliação da conformidade dos preços praticados com o Princípio de Plena Concorrência

III.1.1.2.1. Subordinação da operação ao Princípio de Plena Concorrência

O Princípio de Plena Concorrência está transposto para o ordenamento jurídico nacional no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC, o qual determina que “nas operações comercias, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos quo normalmente Seriem contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

A alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria vem regulamentar o conceito de operações a que o n.º 1 do artigo 63.º alude e subordina ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, referindo que, o termo «operações» abrange as operações financeiras e, bem assim, as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objeto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços ainda que realizadas no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos e de prestação de serviços intragrupo, ou de uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes.

Adicionalmente, a Portaria, reconhecendo a complexidade técnica das realidades que envolvem a aplicação do Princípio de Plena Concorrência e a validação do respetivo cumprimento, refere no seu Preâmbulo que “(…) nos casos de maior complexidade técnica, é aconselhável a consulta dos relatórios da OCDE que desenvolvem esta matéria, e cuja adoção pelos países membros é objeto de recomendações aprovadas pelo Conselho desta organização internacional”. 

As Orientações emanadas pela OCDE constituem uma fonte de primordial importância na interpretação da temática de preços de transferência, nomeadamente na aplicabilidade do Princípio de Plena Concorrência. A este respeito, Stephen Callahan5 refere “A OCDE através do Comité para os Assuntos Fiscais, tem incentivado as Administrações Fiscais e contribuintes a adotar princípios internacionais comuns de tributação, com o propósito de estimular o comércio e evitar a dupla tributação internacional”. No mesmo sentido, Helena Evangelista e Sousa6 refere que “Portugal acolheu amplamente as diretrizes da OCDE sobre preços de transferência, não se tendo coibido de referir expressamente essa “fonte”. De facto, quer em diplomas preambulares, quer na Jurisprudência, deparemo-nos com assumidas menções aos Relatórios e Recomendações da OCDE. No plano Jurisprudencial, são várias as decisões judiciais em que é feita menção aos trabalhos da OCDE relativos aos preços de transferência, não só do lado dos sujeitos passivos como também na própria fundamentação do posicionamento do tribunal e da Administração Tributária”.

Nestes termos, tendo ficado demonstrada a existência de relações especiais entre as entidades envolvidas na operação de transferência do negócio de comercialização de produtos siderúrgicos, bem como a subordinação desta operação ao Princípio de Plena Concorrência (n.º 1 do artigo 63.º do CIRC em conjugação com o n.º 3 do artigo 1.º da Portaria), em articulação com as Orientações da OCDE, importa agora demonstrar que os termos e condições praticados na referida operação vinculada divergem daqueles que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, violando, por isso, o Princípio de Plena Concorrência.

Para a comprovação da conformidade destas operações com o Princípio de Plena Concorrência os n.ºs 6 e 13 do artigo 63.º do Código do IRC e os artigos 13.º e 14.º da Portaria 1446-C/2001, obrigam ao registo e posse de um extenso conjunto de informação relevante, para que seja possível determinar, em qualquer momento, a substância dos factos económicos e as razões lógicas justificativas dos comportamentos dos sujeitos passivos.

Estando reunidas as condições exigidas para a obrigação de preparação do processo de documentação fiscal para efeitos de preços de transferência, recai sobre o sujeito passivo o ónus de provar a paridade de mercado dos termos e condições acordados, aceites e praticados nas operações efetuadas com entidades relacionadas. Essa obrigação compreende a prova da seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência, que proporcionem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurem o mais elevado grau de comparabilidade das operações efetuadas com outras substancialmente idênticas, realizadas por entidades independentes em situação normal de mercado.

Sobre o ónus da prova na matéria de preços de transferência o Acórdão Arbitral de 8 de julho de 2016, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), sobre o Processo n.º 733/2005-T, refere que “no plano prático, e num primeiro nível, os sujeitos passivos que atinjam um volume de vendas líquidas e outros proveitos previstos na lei terão de preparar a documentação de preços de transferência de forma a sustentar a paridade das condições e termos praticados nas transações com partes relacionadas com aquelas realizadas em condições semelhantes por partes não relacionadas”. Acrescenta ainda que “A AT, ao inspecionar o contribuinte, terá acesso a essa informação e verificará da conformidade com as exigências legais dos elementos atinentes aos preços de transferência, em particular da observância pela operação vinculada do princípio de plena concorrência”.

III.1.1.2.2. Descrição da operação e dos termos e condições praticados

III.1.1.2.2.1. Descrição da atividade realizada pela B... e dos resultados alcançados

A B..., Lda é uma empresa residente, localizada no ..., com o NIPC..., que exerce a título principal uma atividade comercial, industrial e agrícola com o CAE 46720 - Comércio por grosso de minérios e metais.

A B... atuava principalmente no mercado português, tendo como objetivo a venda de fio, varão e malha produzidos por empresas do grupo para serem comercializadas a entidades externas ao grupo.

A sua atividade encontrava-se suportada por contratos de distribuição (ver Anexo n.º 1), estabelecidos com as empresas produtoras, designadamente, G..., H... e I... também pertencentes ao grupo A... . Estes contratos continham as obrigações das partes e abrangiam condições de fornecimento, margens praticadas, condições de pagamento e responsabilidade pelo risco de não pagamento dos clientes finais.

Os contratos de distribuição existentes conferiam à B... o direito de distribuir no território português todos os produtos industriais fabricados pelas empresas do grupo A... sedeadas em Portugal.

As suas principais obrigações tal como definidas no contrato de distribuição, eram:

- “Promover os majores esforços para promover e vender os Produtos e, em geral, aumentar o volume de vendas dos mesmos;

- Comunicar com a necessária antecipação às empresas produtoras as solicitações de produtos;

- Organizar a logística de transporte e de gestão aduaneira, nomeadamente contratando em nome das empresas produtoras os meios de transporte, negociando os respetivos preços nas melhores condições possíveis no mercado e, em qualquer caso, em condições competitivas, comunicando às empresas produtoras os serviços contratados com antecedência suficiente para que estas possam organizar os meios necessários para o carregamento e entrega;

- Resolver situações de desconformidade na comercialização dos bens sempre que decorram de causas que lhe sejam imputáveis;

- Assumir o risco de não pagamento dos clientes finais.”

O desempenho económico da B... nos anos anteriores a 2013 tinha sido positivo, tal como evidenciado nas demonstrações financeiras, resumidas no quadro infra. A situação económica da B... degradou-se no ano de 2013 e seguintes, com a redução do volume de vendas. Em 2015, as demonstraç5es financeiras espelharam a cessação da atividade comercial da empresa.

(…)

Esta redução da rubrica de “Vendas e Prestação de Serviços” da B... foi atribuída à transferência da comercialização dos produtos produzidos pelas unidades fabris do grupo para uma empresa relacionada – a sociedade C...– tal como se encontra referido no ponto 4 “Evolução da Performance Económica e Financeira” do DPT da B... de 2014 (página 7): “O decréscimo acentuado do volume de negócios em 2014 resulta do facto de quase a totalidade da atividade de comercialização de produtos siderúrgicos (…) ter sido transitada no decurso do referido exercício para uma comercializadora parcialmente detida pelo Grupo A...”.

Sobre o exercício de 2015, na página 3 do DPT, o SP apresenta como justificação para a ausência de operações de comércio e distribuição de produtos siderúrgicos a rescisão dos contratos com as sociedades industriais do grupo. Mais concretamente, citando o SP, este refere que: “No início do exercício a H..., G... e I... rescindiram os contratos de comercialização, não tendo a empresa efetuado operações da sua atividade principal. Tendo efetuado a gestão corrente das situações pendentes dos anos anteriores”.

Na resposta ao pedido de elementos n.º 2 da Autoridade Tributária e Aduaneira (“AT”), recebida por correio eletrónico a 26 de setembro de 2018, o SP disponibilizou os documentos de suporte à rescisão dos contratos que se juntam como Anexo 2. Os documentos designados como “Resolução do Contrato de Distribuição por Mútuo Acordo”, em que as partes foram, por um lado, a H..., a G... e a I..., e por outro, a B..., em que ambas acordam resolver o Contrato de Distribuição celebrado a 7 de março de 20057, por mútuo acordo.

Os pressupostos da resolução do contrato remetem para a Cláusula 11.ª do Contrato de Distribuição, em que se estipulava que as partes “nada têm a exigir uma da outra”, pelo que concluem que desta resolução não decorrem quaisquer direitos ou obrigações presentes ou futuras, para cada uma das partes.

O documento “Resolução do Contrato de Distribuição por Mútuo Acordo” teve efeitos a partir do dia 1 de Janeiro de 2015. No entanto, a redução verificada nas vendas e serviços prestados pela B... teve início na segunda metade de 2013, tendo-se acentuado em 2014. Assim, afigura-se plausível que a resolução do contrato com as empresas produtoras tenha surgido em consequência do redireccionamento das vendas para outra empresa do grupo, tal como inicialmente referido pelo sujeito passivo, e não como causa da diminuição da atividade até então desenvolvida pela B... e posterior cessação, que ocorreu em 2015.

Na análise à informação constante do anexo O da IES da B...  foi possível constatar que os principais clientes estavam fidelizados, existindo uma relação comercial estável entre fornecedores e clientes.

Mais concretamente, entre 2005 e 2012, as relações comerciais estabelecidas pela B... apresentaram as seguintes características (informação detalhada no Anexo n.º 3)8:

             Durante este intervalo temporal (8 anos) a B... efetuou vendas a 75 empresas diferentes; A maior parte das vendas foi efetuada junto de uma base estável de clientes (38 empresas), que asseguraram 88,9% da totalidade de vendas da empresa entre 2005 e 2012;

             Em 2012, 82,3% das vendas estavam concentradas em 14 empresas e 12 destas empresas apresentavam um período de fidelização de pelo menos 8 anos;

             Das empresas que realizaram aquisições à B... em 2012 (55 empresas), 92,7% tinham uma fidelização superior a 3 anos.

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7 O Contrato de Distribuição estabelecido com a I... datava de 1 de outubro de 2009.

8 Esta análise foi efetuada com base no valor de vendas por cliente declarado pelo sujeito passivo no anexo O da IES de cada ano. De acordo com as instruções de preenchimento, neste anexo devem ser incluídos os clientes, com sede em território nacional, cujo valor anual de vendas seja superior a 25.000 euros. O valor a mencionar deve corresponder à soma dos valores constantes das faturas (excluindo os valores relativos a adiantamentos), emitidos ao mesmo cliente, líquidos de quaisquer descontos neles mencionados e com IVA incluído.  

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Em síntese, a B... assumia as funções comerciais e logísticas essenciais ao escoamento e colocação no mercado dos produtos siderúrgicos fabricados pelas empresas industriais do grupo A... e essa atividade permitiu-lhe alcançar resultados operacionais expressivos até 2013. O segmento de mercado em que operava era estável e os principais clientes estavam fidelizados, mantendo um volume de aquisições sólido, alinhado com a conjuntura económica e com a evolução da procura no setor de atividade em que estavam inseridos.  

No contexto do mercado nacional, considerando que a empresa tinha uma base de clientes estável (nos últimos 8 anos, 88,9% das vendas estiveram concentradas num conjunto limitado de empresas) e com baixa rotatividade, pode-se afirmar que as estratégias de retenção de clientes e de aumento das vendas por cliente eram potencialmente mais eficazes que as estratégias de captação de novos clientes. Neste contexto, a variação das vendas resulta da diminuição ou aumento das vendas por clientes, mais do que do alargamento da base de clientes.

Não obstante muitos dos clientes da empresem serem clientes de longa data, tornando-se difícil precisar o contributo realizado pela B... para os angariar, constata-se que o valor dos mesmos concentrava-se na relação existentes, confiança e cumprimento de expetativas/nível de satisfação que os reteve e permitiu manter o nível de vendas.

III.1.1.2.2.2. Entrada da C... no negócio de distribuição dos produtos fabricados pelo Grupo A...

A C..., Lda. é uma empresa residente com o NIPC..., localizada em ..., ..., quer exerce a título principal uma atividade comercial, industrial e agrícola com o CAE 46720 – Comércio por grosso de minérios e metais.   

A empresa foi constituída em janeiro de 1992 e tinha por atividade principal, exportação, comercialização e distribuição de produtos siderúrgicos, nomeadamente, metais ferrosos e não ferrosos e sua transformação9.

A 23 de maio de 2013, 38,98% do capital da C... foi adquirido pela sociedade A... (empresa dominante do grupo O... em Portugal) à P..., SA e à U..., SL. Dado que o restante capital (62,02%) já pertencia ao grupo O..., este passou a deter 100% do capital da empresa e, portanto, a totalidade do seu controlo.

A cadeia de participações concentrava-se em empresas sedeadas em Espanha, com origem na sociedade O..., que detinha a empresa V... (99,1%). O capital da W... era partilhado pela V... (93,99%) e pela O... (6,01%) e a W... detinha 62,02% da C... em 2014 e 2015 (…)..

Após esta aquisição, o volume de negócios evidenciado na rubrica “Vendas e prestação de serviços” da C... registou um crescimento acentuado, evolução simétrica ao decréscimo do volume de negócios da B... . Também neste ano a C... passou a apresentar um Resultado Operacional (EBIT) positivo, situação contrária à registada nos períodos anteriores10. 

_____

10 A empresa apresentou Resultados operacionais negativos pelo menos desde 2006, segundo informação declarada na IES.

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(…)

Com base no despacho n.º DI2018..., de 20 de julho de 2018, emitido para consulta, recolha e cruzamento de elementos junto da empresa C... (NIPC...), visando os períodos de tributação de 2015 e 2016, obteve-se o DPT da empresa e respetivos anexos, entre os quais constavam os contratos de distribuição estabelecidos entre a C... e as empresas industriais do grupo (G..., H... e I...).

O contrato de distribuição foi estabelecido com cada uma das empresas a 1 de agosto de 2013 e, no âmbito dos mesmos, foram fornecidos à C... produtos no montante de 100.772.124,99 Euros, pela G..., 42.868.734,38 Euros, pela H... e 17.631.827,63 Euros pela I..., no período de 2015 (tal como consta dos anexos XI, XII e XIII do DPT de 2015 da C...).

O conteúdo de cada um dos contratos de distribuição era idêntico, pelo que se optou por detalhar a análise do contrato estabelecido entre a C... e a G... .

No contrato de distribuição, a G... estabeleceu condições de fornecimento semelhantes às praticadas com a B... . Existia uma equivalência textual das cláusulas constantes do contrato de distribuição estabelecido entre as empresas G... e C... (que juntamos no Anexo n.º 4), quando  comparado com as mesmas cláusulas do contrato de distribuição estabelecido entre a G... e B... . Confirmou-se que o anexo I do referido contrato, que estabelecia anualmente a margem a praticar entre as empresas, era igual.

No anexo I ao contrato entre a G... a  B...(2014) (ver Anexo n.º 1):

Descontos aplicáveis para determinação do preço de venda

ANO 2014

Adenda ao contrato de Distribuição Comercial de 07 de Março de 2005

Revisão nos termos da cláusula 2.2

O desconto aplicável para a determinação do preço de venda do G... à B... de produto acabado será de 0,75% sobre o preço de venda acordado pela B... aos clientes finais.

No anexo I ao contrato entre a G... e a  C... (ver Anexo n.º 4):

Descontos aplicáveis para determinação do preço de venda

ANO 2015

Adenda ao contrato de Distribuição Comercial de 01 de Agosto de 2013

Revisão nos termos da cláusula 2.2

O desconto aplicável para a determinação do preço de venda da G... à C... será de 0,75% sobre o preço de venda acordado pela B... aos clientes finais.

Refira-se que no anexo I ao contrato da G... com a C..., encontrava-se a designação “B...”, embora tenhamos atribuído esta referência a um lapso do sujeito passivo na sua elaboração, pelo que onde se lê “B...” deverá ler-se “C...”11.

Verificou-se assim que a margem de remuneração atribuída à C... pela comercialização dos produtos fabricados pelas entidades produtoras do grupo correspondia à que era praticada com a B... .

Destaca-se, no entanto, que os seguintes termos foram excluídos do novo contrato, já não constando no contrato estabelecido entre a G... e a B...:

i) Na cláusula segunda – “Preço e forma de pagamento” – excluiu-se a redação “2.5. Em caso de mora no cumprimento, a B... ficará obrigada ao pagamento ao G... de juros de mora à taxa de EURIBOR 1%, pelo período que decorrer entre a data do vencimento da Nota de Débito e a data do efectivo e integral pagamento”;

 ii) Assim como na cláusula terceira – “Obrigações das partes” – o seguinte ponto não estava incluído nas obrigações da C...: “iv) Pagar pontualmente as facturas”.

Concluiu-se, portanto, que o contrato estabelecido entre uma das empresas produtoras com uma nova distribuidora – a empresa C... – manteve textualmente os termos contratualizados com a B..., ainda que tenham sido excluídas duas obrigações – pagamento de juros de mora e pagamento atempado de faturas que se traduzem numa redução dos riscos assumidos pela nova distribuidora, os quais foram transferidos para a entidade produtora (G...).

Adicionalmente verificou-se que, entre a G... e a C..., foi praticado um desconto financeiro de pronto pagamento, no montante de 1.121.457,05 Euros em 2014 (628.353,85 Euros em 2013), tendo proporcionado uma margem bruta ("MB*) das vendas de 2,34% à C... (enquanto na B... a MB das vendas foi de 0,82% em 2014, não tendo sido aplicados descontos de pronto pagamento).

Em 2015, a MB das vendas da C... foi de 1,90%12, superior à margem acordada com as empresas produtoras (0,75%).

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12 MB = 1-CMVMC/Vendas = [1 – 161.936.851,00 Euros/165.081.530,00 Euros]

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III.1.1.2.2.3. Operação de transferência do negócio da B... para a C...

A reestruturação da função de comercialização e distribuição do grupo O..., em Portugal, compreendeu, numa primeira fase, a aquisição de uma parte relevante da C... que lhe permitiu assumir o controlo da totalidade da empresa.

A transferência do negócio de comercialização e distribuição de produtos siderúrgicos, que estava concentrado na B... e no qual a C... não tinha intervenção, iniciou-se em 2013. Em 2013 e 2014, as empresas assumiram em simultâneo as funções de distribuição dos produtos do grupo e, em 2015, a C... concentrou todas as vendas.

Dado que a B... era uma empresa comercial que não possuía ativos tangíveis, a operação de transferência do negócio centrou-se na transferência de intangíveis, designadamente, carteira de clientes e know-how, como se passa a descrever.

No âmbito do procedimento inspetivo constatou-se que, após assinatura do contrato de distribuição entre as empresas produtoras e a C..., a transferência do negócio de comercialização de produtos siderúrgicos da B... para a C... foi concretizada através de uma circular remetida por correio eletrónico à generalidade dos clientes da B... .

Nessa comunicação, enviada pelos comerciais da B... para os clientes da empresa, por solicitação do Diretor Comercial Portugal e Espanha do grupo, Sr. S..., indicou-se que “a partir  do próximo 1 de agosto de 2013 as faturas das nossas entregas de materiais nervurados e malha electrosoldada, que vinham sendo emitidas pela B..., Lda, vão ser emitidas pela nossa sociedade C..., Lda”. Como motivo, a comunicação referiu “a necessidade constante de melhorar a distribuição dos nossos produtos, especialmente no mercado Português”. A título de exemplo juntamos cópia da circular disponibilizada pela empresa X... (NIPC...), um dos principais clientes da B...(Anexo n.º 5).

Salienta-se que esta mensagem de correio eletrónico foi remetida peto Sr. S... do endereço....es para o endereço de correio eletrónico de um dos trabalhadores da área comercial, que integrava o quadro de pessoal da empresa B..., Lda (sociedade portuguesa), e foi reencaminhada, a partir do endereço de correio eletrónico desse comercial xxxxx@B....pt para o cliente da empresa portuguesa. A mesma circular, disponibilizada pela empresa Y..., foi reenviada através do endereço xxxxxx@...pt do mesmo comercial, com o texto “(…) junto envio circular para alteração da empresa de faturação (Anexo n.º 5).

A transferência do negócio foi apresentada aos clientes como uma mera transição da obrigação de faturação da B... para a C..., como se tratasse de uma simples operação de mudança de designação da empresa, sem mais alterações.

Mostrando-se necessário obter informação sobre a relação comercial existente entre a B... e os seus clientes, foi efetuada a circularização junto dos oito principais clientes da empresa (volume de aquisições superior a 10 milhões de Euros). Constatou-se que os esclarecimentos obtidos foram coerentes, destacando-se o seguinte:

i) Foi recebida uma comunicação – acima referida – que direcionou as encomendas que seriam solicitadas à B... para a C...;

ii) As encomendas eram contratualizadas através de mensagem de correio eletrónico ou telefone;

iii) Os procedimentos decorrentes da interação comercial da empresa B... com os seus clientes mantiveram-se com a transferência do negócio para a C...: as encomendas eram solicitadas e confirmadas por correio eletrónico ou por telefone e depois a sua formalização realizava-se através de um “pedido de compra” ou de “notas de encomenda”; a B... emitia a guia de remessa, que acompanhava a mercadoria, e enviava a fatura via correio; após a transferência do negócio, todos os procedimentos se mantiveram, na esfera da C...;

iv) Em relação às condições de aquisição, no âmbito da fixação dos preços praticados com cada cliente, a empresa Z..., SA (NIPC ...), referiu que “Os preços são-nos comunicados pelas sociedades mensalmente por telefone ou nas visitas efetuadas pelos representantes das sociedades à nossa empresa. É de referir que a prática é a da colocação de uma encomenda com quantidades que serão levantadas ao longo  de um determinado período de tempo – 1 a 2 meses, em regra”;

v) Em relação aos custos e meio de transporte, a empresa Z..., SA (NIPC...) referiu que “o preço acordado tem implícito o custo de transporte. Nos casos específicos em que o levantamento é efetuado por nós, dada e proximidade geográfica do nosso armazém da ... em relação às instalações das sociedades, é efectuada pelas sociedades um crédito relativa ao custo de transporte, na respetiva factura”;

vi) O código interno de cliente atribuído pela B... aos seus clientes manteve-se na C...; por exemplo, a empresa Y... (NIPC...) tinha o código interno de cliente “2012” na B... e a C... emitiu as suas faturas com um código igual;

vii) Foram comunicadas pelo menos duas situações em que uma encomenda efetuada à B... correspondeu a um fornecimento realizado pela C...:

(…)

Constatou-se, portanto, que a C... assumiu a posição de mercado alcançada peta B... através da transferência da carteira de clientes, sem qualquer esforço comercial, limitando-se a receber as encomendas que os clientes da B... lhe endereçaram ou a satisfazer encomendas que já tinham sido acordadas com a B..., por uma solicitação da mesma, determinada por decisão do grupo.

Apesar da empresa C... desenvolver uma atividade própria, anterior à aquisição pela sociedade A... e à contratualização da função comercial e de distribuição com as empresas industriais suas  participadas, o aproveitamento da sua base de clientes já existente foi quase nulo, como seguidamente se demonstra.

Após uma análise comparativa dos clientes da C... entre 2012 e 201513 constatou-se que, em 2013, dos clientes existentes antes da transferência do negócio, apenas dois realizaram aquisições, nomeadamente, as empresas identificadas com o n.º 27 e n.º 38, tendo estas aquisições representado apenas 0,17% do total de vendas em 2013. Estes clientes não efetuaram compras em 2014 e em 2015 os clientes originais da C... asseguraram somente 0,14% do total de vendas (ver Anexo n.º 7).

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13 Análise efetuada com base na informação declarada pela C... no Anexo O da IES de cada ano.

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Por outro lado, o aproveitamento da base de clientes da B... foi pleno: quase todos os clientes da C... (em 2013, 2014 e 2015) já eram clientes da B... em 2012. Os novos clientes (exceto empresas relacionadas) representaram uma percentagem diminuta das vendas (menos de 1%), nos períodos que se seguiram à transferência do negócio (ver Quadro 4 infra e, para maior detalhe, ver Anexo n.º 8).

(…)

Assim, a base de clientes, que constitui um dos principais ativos de uma empresa comercial e que alicerçou o negócio da C... no ano de 2013 e seguintes, era composta quase exclusivamente por clientes que, por indicação do grupo, transferiram as suas aquisições da B... para a C..., como se se tratasse de uma única empresa.

Esta transferência do negócio, consubstanciada, em parte, na cedência da base de clientes, evidencia que a exploração da base de clientes, que era detida por uma empresa –B...– passou a ser explorada por outra –C...– sem qualquer esforço comerciai e sem que a primeira fosse compensada por essa transferência.

De acordo com a Norma Contabilística de Relato Financeiro 6 (NCRF 6) a qualificação da carteira de clientes como ativo intangível está associada à sua identificabilidade, controlo sobre um recurso e existência de benefícios económicos futuros.

Em relação ao critério “controlo” o §16 da NCRF 6 refere que “Na ausência de direitos legais para proteger os relacionamentos com os clientes, as transações de troca dos próprios relacionamentos com os clientes  ou outros semelhantes constituem prova de que a entidade está, não obstante, capacitada para controlar os benefícios económicos futuros esperados quo fluam dos relacionamentos com os clientes.  Dado que essas transações de troca também constituem prova de que os relacionamentos com os clientes, em si mesmos, são separáveis, esses relacionamentos com os clientes satisfazem a definição de ativo intangível”. O §17 da mesma norma contabilística acrescenta que “os benefícios económicos futuros que fluam de um ativo intangível podem incluir réditos da venda de produtos ou serviços, poupanças de custos, ou outros benefícios resultantes do uso do ativo pela entidade".

Paralelamente à transmissão da carteira de clientes, também os trabalhadores da B... passaram para a C... .

Na ação de inspeção realizada constatou-se que, no que respeita aos recursos humanos, no período analisado, o número de pessoas remuneradas ao serviço da B... manteve-se estável até maio de 2014 (ver Anexo n.º 9), mês em que os empregados existentes deixaram de fazer parte do pessoal ao serviço da empresa, sem registo de indemnização e, no mesmo mês, iniciaram funções na C... (ver Anexo n.º 9).

Acrescente-se que, com a diminuição gradual e cessação expetável' da atividade comercial da B..., os contratos de trabalho das pessoas que lhe estavam afetas teriam sido rescindidos, com uma eventual atribuição da correspondente compensação legal. Na situação descrita, não existe registo de pagamento de indemnizações aos empregados da B..., que passaram a desempenhar funções na C..., ainda durante o mesmo mês.

O pessoal ao serviço da B... que cessou funções em maio de 2014 não foi substituído, pelo que a  empresa se manteve em atividade após essa data, mas sem empregados.

Com base na informação disponibilizada pelo sujeito passivo, as funções desempenhadas pelos quatro funcionários ao serviço da B... até maio de 2014, eram as seguintes: Diretor Comercial, Técnico-Comercial, Administrativo Comercial, Administrativo da Direção Financeira (ver Anexo n.º 10). Estes eram os únicos empregados da B... e as funções que passaram a desempenhar na C... terão sido idênticas, ou seja, centravam-se no desempenho de funções relacionadas com prospeção e contacto com clientes, eventual aconselhamento na compra e prestação de informações sobre os stocks disponíveis, definição/comunicação de preços, registo e processamento de encomendas, gestão de entregas, acolhimento de sugestões, aferição do grau de satisfação dos clientes, recolha de opinião sobre o produto e controlo de recebimentos.

Durante sete meses, entre outubro de 2013 (mês seguinte à salda de cinco funcionários da C..., do total de seis ao serviço) e até à integração dos quatro ex-funcionários da B..., que ocorreu em maio de 2014, a C... manteve apenas um funcionário.

Na circularização, acima referida, efetuada junto dos principais clientes da B..., solicitou-se a identificação do contacto comercial do cada empresa e foram indicados contactos únicos para as duas empresas. O nome mais referido foi o do Sr. AA..., que trabalhou para a B... e que se supõe, pela informação entregue petas empresas contactadas, que tenha transitado para a C... .

Por outro lado, as competências dos empregados existentes na C... antes de 1 de agosto de 2013 não foram aproveitadas na nova área de negócio, uma vez que apenas um dos seus trabalhadores permaneceu na empresa, após o início da atividade de distribuição dos produtos fabricados peto grupo A... . Pela análise da Declaração Mensal de Remunerações (DMR), o pessoal ao serviço existente em 2012 (13 empregados) deixou de fazer parte da empresa, em 2012 (redução de 7 pessoas ao serviço) e 2013 (menos 5 empregados), tendo ficado ao serviço um trabalhador da C..., a partir de outubro de 2013.

Isto significa que o negócio pouco rentável existente na C... antes de 2013 não teve continuidade. Ao invés, houve uma rutura com as funções desenvolvidas anteriormente, com a absorção dos recursos humanos da B... e direcionamento da totalidade dos clientes desta última.

(…)

O esvaziamento de funções da B... e a transição dos seus empregados para a C... configura igualmente uma componente de transferência do negócio pois significou que o know-how, procedimentos, conhecimento tácito, conhecimento do mercado e histórico de relação com os clientes existente na B... foi transferido para a C... .

Os recursos humanos de uma empresa de comércio e distribuição são um elemento fulcral para o seu desempenho, num contexto B2B14, pois é através deles que se estabelece a ligação ao mercado, quer enquanto agentes difusores de informação sobre a empresa quer como meio de captação de informação sobre a concorrência e necessidades dos clientes, em particular, numa estrutura comercial de dimensão reduzida.

(…)

Há ainda que referir que o negócio desenvolvido pela C... era distinto do da B..., pois entre a aquisição e a venda dos produtos, incluía uma operação intermédia de corte/transformação dos produtos, isto é, na cadeia de valor a empresa posicionava-se como cliente da B... . O seu negócio passava pela aquisição de um volume elevado de produtos siderúrgicos, seguida pela realização de operações de transformação, e venda posterior a outras empresas, em menores quantidades.

Da análise do código CAE dos clientes das duas empresas, identificados no anexo O da IES de 201215, resultou que as áreas de atividade em que se inseriam eram diferentes. Contudo, tendo em conta a amplitude da classificação, encontraram-se algumas semelhanças pontuais (ver Anexo n.º 12).

O segmento de mercado dos clientes da B... era composto por empresas que se dedicavam ao Comércio por grosso de minérios e metais (47,3%), Comércio por grosso de materiais de construção (12,7%), Fabricação de estruturas de construções metálicas (7,3%) e Fabricação de produtos de arame (7,3%).

As empresas clientes da C... inseriam-se principalmente em setores de atividade que incorporavam na sua produção os materiais adquiridos junto da C..., designadamente, Construção de Edifícios (33,3%) e Fabricação de estruturas de construções metálicas (16,7%).

Pelo exposto, considera-se demonstrado que os ativos intangíveis que estavam na esfera da B... – carteira de clientes fidelizados e know-how do pessoal ao serviço – deixaram de ser empregues na  ativídade produtiva da empresa, tendo sido transferidos para uma entidade relacionada16, a sociedade C... . Esta operação entre entidades relacionadas, que se centrou na transferência e utilização de ativos intangíveis, no âmbito de uma alteração de estruturas de negócio, configura uma operação vinculada e, como tal, encontra-se subordinada ao cumprimento do princípio da plena concorrência 17.

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16 Pela alínea b) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC.

17 Pela alínea a) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria, em complemento do n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC.

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Considera-se ainda demonstrado que os ativos intangíveis suprarreferidos constituíam um elemento essencial do negócio em que a B... operava e que, como tal, existiu uma relação de causalidade entre a transferência destes ativos para a esfera da sociedade C... e a diminuição gradual da atividade comercial da B... e posterior cessação da mesma. A B..., ao realizar esta operação, deixou de realizar vendas, que lhe proporcionavam uma margem garantida, contratualizada com as empresas industriais do grupo A... . Sendo uma empresa rentável que, com a transferência da carteira de clientes e dos trabalhadores para a  C... ficou esvaziada de funções, abdicou dos lucros potenciais proporcionados por essa atividade.

Além disso, ficou demonstrado que, quer a carteira de clientes quer o know-how dos trabalhadores, recebidos pela C... tiveram um efeito determinante no seu desempenho comercial. A quase totalidade das vendas realizadas pela C... no ano de 2015 resultou de encomendas dos clientes que integravam  a carteira de clientes da B... . A concretização dessas vendas teve a intervenção direta e exclusiva dos trabalhadores da área comercial que transitaram da B... para a C..., a partir de maio de 2014. Houve um período em que a  C... registou vendas (entre outubro de 2013 maio de 2014) sem trabalhadores da área comercial ao serviço, pois estes ainda se mantinham na esfera da B... .

Há ainda a referir que, foi possível reconhecer que as competências existentes na C... não foram mobilizadas no desempenho da atividade de comercialização e distribuição de produtos siderúrgicos do grupo A..., que iniciou em 2013. Manteve apenas um dos treze trabalhadores existentes em 2012, alterou a sua posição na cadeia de valor e passou a oferecer produtos a um segmento de mercado distinto.

Finalmente, o conjunto de Demonstrações Financeiras preparadas pelo sujeito passivo evidenciou que não existiu qualquer compensação atribuída à B..., pela operação realizada. Esta informação foi também confirmada nas reuniões com o sujeito passivo e na resposta à nossa notificação de 23 de maio de 2017, atos realizados no âmbito do procedimento de inspeção ao ano de 2014. 

III.1.1.2.2.4. Demonstração do cumprimento do Princípio de Plena Concorrência na operação realizada, pelo sujeito passivo

Tal como referido no ponto III.1.1.2.1, cabe ao sujeito passivo a organização da documentação necessária à comprovação do cumprimento do Princípio de Plena Concorrência nas operações vinculadas realizadas. A operação em apreço não foi considerada no DPT apresentado pelo sujeito passivo e, como tal, a situação de relações especiais não foi descrita, a operação não foi caraterizada, não foi indicado o preço e condições da operação praticada, nem os métodos subjacentes à sua definição. Em relação a esta operação, esteve igualmente omissa a descrição das funções exercidas, ativos utilizados e riscos assumidos, quer pelo sujeito passivo, quer pelas entidades relacionadas envolvidas.

Face à ausência de informação sistematizada que versasse sobre a operação de transferência dos ativos intangíveis (que sustentavam o negócio de comercialização de produtos siderúrgicos da B...), no âmbito da Ordem de serviço n.º 012016... de 2016-05-11, através de notificação, remetida a 23 de maio de 2017, solicitou-se ao sujeito passivo que indicasse “as razões que estiveram na origem da redução da atividade de distribuição desempenhada pela B... e na transição dessa atividade para a empresa C...” e “o valor da compensação atribuída pela C... à  B... em razão da cessação e transferência progressiva da atividade comercial que esta última desempenhava, e em prol da exploração do mesmo negócio pela C..., demonstrando a conformidade dessa compensação com o Princípio de Plena Concorrência. Caso não tenha existido compensação, queiram então demonstrar que a inexistência de uma compensação cumpre o Princípio de Plena Concorrência” (ver cópia da notificação entregue, que juntamos como Anexo n.º 13).

A resposta recebida a 5 de junho de 2017 (ver Anexo n.º 14) indicou que “no que concerne à identificação das razões que estiveram na origem da redução da atividade de distribuição da B..., Lda (ponto 1.1), as mesmas prendem-se com razões de estruturação e otimização comercial, conforme foi estudado e deliberado internamente”.

Neste ponto o sujeito passivo, apresentou uma resposta genérica, não tendo demonstrado o impacto económico efetivo da “estruturação e otimização comercial”. Com efeito, tal como foi detalhado no ponto III.1.1.2.1, numa primeira fase, o ónus da prova em matéria de preços de transferência caberia ao sujeito passivo, a quem cumpre respeitar a obrigação legal de documentar os termos e condições da operação vinculada realizada, em conformidade com o estabelecido nos números 6 e 13 do artigo 63.º do Código do IRC e os artigos 13.º e 14.º da Portaria 1446-C/2001.

Não obstante a existência da obrigação legal, na resposta remetida pelo sujeito passivo não foram disponibilizados documentos que comprovassem os efeitos pretendidos (e alcançados) com a estruturação e otimização comercial da empresa. Com base na informação consultada pela AT, nomeadamente lista de Clientes da B... e da C... e histórico de trabalhadores ao serviço em ambas as empresas, concluiu-se que não houve alargamento da base de clientes, nem aproveitamento dos recursos existentes na C..., o que contraria as razões invocadas.

Em relação à compensação ou valor transacional atribuído à transferência do negócio da B... para a C..., o sujeito passivo esclareceu que, no seu entendimento, “a mesma não é aplicável, desde logo por duas razões. Em primeiro lugar, a C... não é parte em nenhum contrato celebrado com a B...– aliás a C... era entidade terceira nas relações entre a B... e as sociedade produtoras (G..., H... e I...) – e, em segundo lugar, dos próprios contratos de distribuição celebrados entre a B... e a G..., S.A., a H... S.A. e a I..., S.A., em vigor no exercício objeto de inspeção (2014), que aqui anexamos igualmente (vide Anexo 2), não resulta qualquer obrigação de compensação à B..., nem nenhum direito atribuído à B... contra a C...”.

Acrescentou que “com efeito, da conjugação das cláusulas n.º 5 e 11 dos contratos de distribuição, resulta a possibilidade de cessão da posição contratual não havendo qualquer direito de indemnização para nenhuma das partes contratantes. Assim sendo qualquer das partes envolvidas pode livremente, tal como em situações de Plena Concorrência, selecionar outra entidade para os mesmos fins. Assim entende que não deverá ser ficcionada qualquer compensação”.

Refira-se que no que respeita às condições inerentes à transferência do negócio, o sujeito passivo enquadrou a compensação a atribuir pela C... à B... na esfera do cumprimento das condições contratuais estabelecidas entre as empresas e não no âmbito do artigo 63.º do Código do IRC, que elenca obrigações especificas para os efeitos fiscais das relações comerciais estabelecidas entre entidades relacionadas.

Tal como referido no ponto III.1.1.2.1. deste documento, considerando que estamos perante duas entidades relacionadas, a transferência do negócio em causa encontra-se subordinada ao cumprimento do Princípio de Plena Concorrência, vertido no ordenamento jurídico português no n.º 1 do atual artigo 63.º do Código do IRC. Nesta perspetiva, e tendo em consideração as orientações da OCDE nesta matéria, nomeadamente no que concerne ao Capítulo IX “Transfer Princing Aspects of Business  Restructurings”, a questão relevante teria sido demonstrar que as condições praticadas ou impostas na reestruturação do negócio não diferiram daquelas que seriam aplicadas entre empresas independentes.

Conclui-se que a resposta recebida não continha os elementos necessários à demonstração do  cumprimento do Principio de Plena Concorrência na operação de transferência do negócio da B... para a C..., designadamente não foi realizada e prova da seleção e utilização do método ou métodos mais apropriados de determinação dos preços de transferência, que proporcionassem uma maior aproximação aos termos e condições praticados por entidades independentes e que assegurassem o mais elevado grau de comparabilidade das operações efetuadas com outras substancialmente idênticas, realizadas por entidades independentes em situação normal da mercado.

Embora se considere um aspeto secundário face evidenciação do cumprimento do Princípio de Plena Concorrência na transferência do negócio, teria ainda de ser demonstrado que as condições contratuais estabelecidas nos contratos de distribuição em que intervêm a B... e as empresas industriais do grupo – G..., H... e I...– tinham subjacentes as Orientações da OCDE nesta matéria, nomeadamente que os termos contratuais estabelecidos correspondiam aos que seriam estabelecidos entre empresas independentes.

Nas transações entre empresas independentes, a diferença de interesses entre as partes garante (i) que os termos contratuais refletem a vontade de ambas as partes; (ii) que as partes irão zelar individualmente pelo cumprimento das condições contratuais; (iii) que os termos contratuais só serão ignorados ou alterados se esse for o interesse de ambas as partes. Entre entidades relacionadas essa diferença de interesses poderá não existir ou ser determinada pelas relações de controlo existentes.

Nesta perspetiva, a aceitação, por parte da B..., de contratos de distribuição, dos quais depende a totalidade da sua atividade, contendo cláusulas que (i) prejudicam o seu interesse individual (Cláusula 11.ª, que prevê que as partes abdiquem do direito de solicitar indemnizações no âmbito da execução ou cessação do contrato) e (ii) são contrárias ao cumprimento do princípio de plena concorrência (Cláusula 5.ª, onde as partes preveem a cessão de posição contratual apenas a sociedades do Grupo B... e Cláusula 10.ª que determina que em caso de mudança de controlo, em que esse controlo passe a ser exercido por entidade não pertencente ao grupo B..., o contrato cessará efeitos imediatamente), é uma decisão que difere da racionalidade da prossecução do interesse próprio que existiria numa empresa independente.

III.1.1.2.2.5. Incumprimento do Princípio de Plena Concorrência na operação realizada

De acordo com a al. a) do n.º 3 do artigo 1.º da Portaria 1446-C/2001, que rege a temática de preços de transferência, o termo “operações” abrange “(...) as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objeto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços, ainda que realizadas no âmbito de (...) uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes”.

Pelo exposto no ponto III.1.1.2.2.3., constatou-se que a transferência do negócio da B... para a C...  se tratou de uma operação entre entidades relacionadas, interna ao grupo O..., que detinha o controlo de ambas as empresas. Os principais elementos transferidos, de natureza intangível, foram a carteira de clientes e o conhecimento do negócio e do mercado (know-how), inerente às funções desempenhadas pelos empregados da B... que passaram, todos, para a C... .

As condições aplicadas não cumpriram o Princípio de Plena Concorrência pois nenhuma empresa independente abdicaria da margem comercial proporcionada pelos intangíveis detidos, sem ser compensada pelo efeito negativo que a transferência desses intangíveis, para outra empresa, teria nos seus resultados. 

III.1.1.2.3. Seleção do método mais apropriado para a avaliação dos termos e condições praticados

Nos termos do n.º 2 do artigo 63.º do Código do IRC, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o sujeito passivo deve adotar “o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as características dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco”.

No mesmo sentido, estipula o n.º 1 do artigo 4.º da Portaria que “o sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que normalmente seriama acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações”. Em conformidade com o n.º 2 do mesmo preceito legal, “considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é suscetível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa  dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades selecionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis”.

O Código do IRC e a Portaria enumeram os métodos a utilizar, em linha com as Orientações da OCDE, que se agrupam numa de duas tipologias:

i. Métodos tradicionais ou Métodos Baseados nas Operações (os chamados “Traditional Transactional Methods”);

ii. Métodos Baseados no Lucro das Operações (os chamados “Transactional Profit Methods”).

De entre os métodos baseados nas operações são identificados, no n.º 3 do artigo 63.º do Código do IRC e no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria, os seguintes:

- Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM);

- Método do Preço de Revenda Minorado (MPRM);

- Método do Custo Majorado (MCM):

Quanto aos métodos baseados no lucro das operações são identificados, no n.º 3 do artigo 63.º do Código do IRC e no n.º 1 do artigo 4.º da Portaria, os seguintes:

- Método do Fracionamento do Lucro (MFL);

- Método da Margem Líquida da Operação (MMLO);

- Outros métodos.

Em conformidade com as mais recentes Orientações da OCDE em matéria de preços de transferência (vide o §2.1 e seguintes das Guidelines) a seleção de um destes métodos para a avaliação da conformidade de uma operação vinculada com o Princípio de Plena Concorrência visa encontrar o método mais apropriado para cada caso específico, Neste sentido, e considerando o disposto no § 2.3. daquelas Orientações, os métodos baseados nas operações são vistos como métodos mais diretos para estabelecer se as condições praticadas no âmbito de uma operação vinculada são arm's length.

De acordo com o §2.15 das Orientações da OCDE, desde que seja possível a identificação de operações comparáveis em mercado aberto, o Método do Preço Comparável de Mercado (MPCM) constitui “o meio  mais direto e mais fiável de aplicação do princípio de plena concorrência”, pelo que deve ser dada preferência a este sobre os demais. O MPCM consiste na comparação direta de operações, através da comparação dos preços praticados em operações vinculadas com os preços praticados em operações comparáveis não vinculadas, realizadas entre entidades independentes. Por outras palavras, este método pode, assim, ser utilizado quando o sujeito passivo tenha, nomeadamente, realizado operações da mesma natureza, cujo objeto seja um serviço idêntico, com uma entidade independente.

Para efeitos do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 77.º da LGT é de referir que, face às características da operação e à informação disponível, o MPCM revela-se como o mais apropriado, em concordância com o previsto no n.º 2 do artigo da já referida Portaria. Deste modo, o MPCM assume-se como o método mais adequado a utilizar e será utilizado na análise das condições que seriam praticadas entre entidades independentes em operações similares à ora analisada. A sua preferência em relação aos demais métodos advém do facto de constituir a forma mais direta de determinar se as condições acordadas, entre entidades relacionadas, são condições de Plena Concorrência.

Não obstante as linhas diretoras concetualmente definidas para a aplicação do Princípio de Plena Concorrência se empregarem, igualmente, na determinação de preços de transferência entre empresas associadas no caso de bens incorpóreos, a sua aplicação poderá revelar-se particularmente complexa em operações vinculadas relativas a intangíveis. Tal como disposto no § 6.108 das Orientações da OCDE “the principles of Chapters I - III can sometimes be difficult to apply to controlled transactions involving intangibles. Intangibles may have special characteristics that complicate the search for comparables, and in some cases make pricing difficult to determine at the time of the transaction”19.

A aplicação do MPCM à análise da transferência do negócio da B... para a C... e correspondente utilização dos ativos intangíveis transmitidos, centra-se na comparação da remuneração auferida pela B..., no momento em que detinha o controlo exclusivo dos intangíveis referidos – carteira de clientes e know-how dos trabalhadores – e a remuneração que esperaria receber caso transferisse o direito de utilizar os ativos intangíveis a outra empresa, substituindo-a no desempenho do negócio que controlava.

Entre empresas independentes, uma empresa que utiliza intangíveis essenciais ao seu negócio só realizaria uma operação de transferência ou concessão do direito de utilizar os ativos intangíveis para outra empresa, abdicando dos mesmos, caso recebesse um incentivo pelo menos equivalente ao valor da remuneração obtida com base nesses intangíveis. Essa empresa iria comparar a remuneração das operações comerciais proporcionadas peta detenção desses intangíveis com a remuneração que iria obter com a suspensão da utilização desses ativos, e só realizaria uma operação de transferência para outra empresa caso viesse a receber uma remuneração igual ou superior.

Por outras palavras, uma empresa, ao realizar uma operação em que cede os ativos a outra empresa fará sempre a comparação entre a situação presente (em que explora diretamente os ativos e estes lhe proporcionam lucros) e a situação futura (em que os ativos ou os direitos da sua exploração direta passam para a esfera da outra empresa). Tendo subjacente o princípio da plena concorrência, esta empresa só concretizará a operação caso os benefícios que espera alcançar com a situação futura, igualem ou  superem os benefícios presentes.

A comparabilidade da operação encontra-se suportada pela avaliação da perda de rendimento decorrente da transferência da carteira de clientes e know-how dos trabalhadores que, no caso da B... equivaleu a um esvaziamento total de funções, ilustrado por um volume de negócios nulo em 2015, com a situação anterior em que esses ativos permitiam o influxo de rendimentos.

Esta assunção lógica está em linha com a abordagem proposta peta petição apresentada no Centro de Arbitragem Administrativa (Processo CAAD 216/2018-T), pela sociedade A... SGPS SA, sociedade dominante do grupo fiscal onde se insere a B... , que prescreve a atribuição de uma compensação por lucros cessantes, alicerçada no Decreto-lei n.º 118/93. No estudo elaborado pela consultora ...  (anexo à petição e identificado como Documento n.º 5) salienta-se textualmente que “dado que a Jurisprudência disponível indica que, em casos similares, os tribunais têm optado pela aplicação direta do Decreto-lei n.º 118/93 de 13 de abril, poderia também considerar-se que a aplicação do referido decreto poderia ser assimilado à aplicação do método do preço comparável de mercado dado que corresponde ao método de apuramento da compensação em operações comparáveis” (página 11).

Apenas para ilustrar o raciocínio económico subjacente às decisões empresariais, mesmo que hipoteticamente se tratasse de uma situação de partilha de intangíveis com uma empresa independente, a empresa detentora dos ativos apenas equacionará a partilha caso o preço oferecido pela outra empresa compensar o risco associado a essa operação, Isto é, a empresa detentora dos ativos irá comparar o preço oferecido com o efeito económico esperado da diminuição de lucros ou aumento de custos. Por exemplo, a partilha de uma carteira de clientes com uma empresa que ofereça produtos iguais ou semelhantes, acarreta o risco de divisão do mercado e consequente diminuição dos lucros, Poderá ainda suscitar o aumento dos gastos em serviços comerciais e de marketing para manter, recuperar ou angariar novos clientes, evitando reduzir o nível de vendas.

Ainda sobre à complexidade da determinação do preço de plena concorrência em operações vinculadas que envolvem intangíveis, o §6.3 das Orientações da OCDE, refere que “ Where necessary the analysis should consider, within the framework of Section D.2 of Chapter l, whether independent parties would have entered into the arrangement and if so, the conditions that would have been agreed”20.

De acordo com o disposto nos §1.33 e 1.34 das Orientações da OCDE, a aplicação do Princípio de Plena Concorrência assenta, de um modo geral, na comparação entre as condições praticadas numa operação  vinculada e as condições praticadas numa operação entre entidades independentes. Para determinar o grau de comparabilidade entre operações, refere esta fonte doutrinária, é necessário entender o modo como as entidades independentes avaliam os termos de potenciais operações e, na ponderação das condições a praticar numa eventual operação, dever-se-á ter presente que aquelas entidades independentes vão comparar essa operação com outras opções que realisticamente se lhes ofereçam, e  só concluem uma operação se não tiverem outra alternativa mais vantajosa. Este articulado materializa o paralelismo existente entre o Princípio de Plena Concorrência e o princípio do sound business purpose que deverá assistir a uma gestão empresarial eficaz e eficiente.

III.1.1.2.4. A valorização dos intangíveis transmitidos

O §9.11 das Orientações da OCDE, integrado no capítulo dedicado à reestruturação de negócios21, refere que o objetivo principal da análise a realizar é apurar se as condições aplicadas ou impostas numa reestruturação de negócios diferem das que seriam estabelecidas entre empresas independentes. Caso esta situação se verifique, isto é, caso as condições praticadas não correspondam às que seriam estabelecidas entre empresas independentes, devem-se apurar os lucros que teriam sido realizados pela empresa, que devido às condições aplicadas ou impostas não ocorreram e, como tal, incluí-los nos seus resultados fiscais sujeitos ao pagamento de imposto.

Neste âmbito, as Orientações da OCDE clarificam o conceito de “lucros potenciais” ou “lucros futuros esperados”22, indicando que o Princípio de Plena Concorrência não tem aplicação num contexto de mero decréscimo de resultados. Contudo refere-se que “When applying the arm's length principle to business restructurings, the question is whether there is a transfer of something of value (an asset or an ongoing  concern) or a termination or substantial renegotiation of existing arrangements and that transfer, termination or substantial renegotiatìon would be compensated between independent parties in comparable circumstances”23.

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22Parágrafo 9.39 de OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Eterprises and Tax Administrations, 2017.

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Como transferência de algo com valor, especificam-se as situações relacionadas com (i) transferência de ativos tangíveis24; (ii) transferência de ativos intangíveis25; e (iii) transferência de um projeto em curos ou unidade de negócio26.

A transferência de ativos intangíveis abrange elementos muito diversos, podendo incluir nomeadamente “customer lists, distribution channels, unique names, symbols or pictures”27 28. Daí que, uma parte importante da análise passe pela identificação dos intangíveis relevantes ou direitos sobre intangíveis que sejam transferidos e por questionar se uma entidade independente teria remunerado essa transferência e qual o valor a atribuir à mesma.

Ainda de acordo com as Orientações da OCDE29, a transferência de empregados para uma entidade relacionada em conjunto com a transferência de outros ativos, num contexto de reestruturação de negócio, pode constituir, para a entidade de acolhimento, uma forma de poupança, quer de tempo quer de despesas  de contratação e formação de novos empregados.

Acrescenta-se que, em algumas situações, a transferência dos funcionários pode resultar na transferência  de know-how valioso de uma empresa para outra, podendo mesmo aumentar o valor de outros intangíveis transferidos ou de outros ativos30.

A transferência do negócio em análise reflete este efeito, porque a transferência da carteira de clientes, acompanhada pela transferência da experiência acumulada pelos empregados da B..., dá origem a uma exploração informada e direcionada da carteira de clientes, aumentando o seu valor.

Para determinar um montante da compensação que cumpra as diretrizes do princípio de plena concorrência é necessário tomar em consideração, designadamente, o valor da transferência do negócio para o beneficiário e o montante que uma empresa independente comparável estaria disposta a pagar pelo mesmo em circunstâncias equiparáveis assim como os custos incorridos (ou lucros cessantes) para a empresa que abdica do negócio. De uma forma geral, ter-se-á em consideração tanto o montante que o novo distribuidor estaria disposto a pagar para obter o negócio, como a compensação que a empresa que cede o negócio esperaria receber pela diminuição das suas vendas e resultados operacionais correspondentes.

A B..., à luz do princípio de plena concorrência, nas operações realizadas com entidades relacionadas, deverá procurar maximizar o retorno dos ativos que detém. Perante uma situação semelhante, uma entidade independente iria avaliar a opção de vender ou manter os ativos, escolhendo a opção de maior retorno económico e financeiro.

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24 Parágrafo 9.49 e seguintes de OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2017.

25 Parágrafo 9.55 e seguintes de OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2017.

26  Parágrafo 9.68 e seguintes de OECO Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2017.

27 Parágrafo 9.55 e seguintes de OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2017.

29 Parágrafo 1.153 de OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2017.

30  Parágrafo 1.156 de OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprises and Tax Administrations, 2017.

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Há que considerar que a opção de venda está associada a um processo negocial, envolvendo a disputa, entre comprador e vendedor, do preço da operação e a exata natureza da mesma. Enquanto entidades independentes cada qual procura maximizar os seus interesses. A possibilidade de acordo é condicionada peta oportunidade de obtenção de ganhos para ambas as partes.

III.1.1.2.5. Aplicação de um modelo de avaliação

Considerando que o sujeito passivo argumentou que não seria de atribuir qualquer compensação à B... pela transferência do negócio para a C..., não foram apresentados estudos de avaliação do valor do negócio, que pudessem comprovar que o preço praticado corresponde ao justo valor dos ativos alienados (intangíveis).

Não existindo uma base de avaliação apresentada pelo sujeito passivo, o trabalho realizado pela Administração Fiscal baseou-se no apuramento do benefício económico decorrente da exploração anual da carteira de clientes, detida pela B...,

Para tal, o apuramento desse valor baseou-se:

1.º Numa quantificação das vendas anuais realizadas peta C... junto dos clientes da B..., em 2015, que traduzem o acesso direto e respetiva utilização da carteira de clientes cedida peta B...;

2.º No apuramento dos lucros operacionais anuais que a B... deixou de obter por ter cedido a sua lista de clientes e know-how à C..., que correspondem à margem acordada com as empresas produtoras,  reduzida dos custos anuais em que teria incorrido para concretização das vendas.

Mais concretamente, o procedimento de avaliação baseou-se nos seguintes elementos:

1.º Quantificação das vendas realizadas pela C..., junto dos clientes da B... em 2015, que traduzem o acesso direto à carteira de clientes cedida pela B...:

O procedimento adotado para estimar as vendas potenciais da B... em 2015 teve por base a proporção das vendas da C... alcançada através do recurso à carteira de clientes da B..., Tal como referido no quadro 4 supra, a percentagem de vendas realizadas junto de clientes angariados pela C... (exceto empresas relacionadas) foi de 0,826%, o que significa que o volume de vendas restante (99,174%) resultou do direcionamento dos clientes da B... . Assim sendo, tomando por referência o valor de vendas  (exceto prestação de serviços) declarado peta C... no campo A6042 do quadro 005301-A da IES, o valor de vendas que deixou de ser realizado pela  B... foi de 163.718.583,62 Euros.

Esta estimativa teve por base os clientes detidos pela B... em 2012. Foi considerado com referência o período de 2012, pois este foi o último ano de atividade plena da B..., anterior à aquisição da C... pela sociedade A... (a 23 de maio de 2013) e ao direcionamento dos clientes da B... para a C... (comunicação da empresa dirigida aos seus clientes, com efeito a partir de 1 de agosto de 2013). No período de 2013, a C... iniciou o registo de vendas junto de clientes da B... .

Salienta-se que foi considerada a base de todos os clientes detidos, em 2012, pela B..., pois tal como se demonstrou no Anexo n.º 3, a maior parte das vendas da B... foi efetuada junto de uma base estável de clientes (38 empresas), que asseguraram 88,9% da totalidade de vendas da empresa entre 2005 e 2012. Num horizonte temporal de sete anos, considerou-se que prevalece o efeito da retenção de clientes,  face a outras oscilações que possam existir, tais como entrada (angariação) ou saída (abandono) de clientes. Além disso, como se trata de mensurar o valor de um ativo, importa aferir o valor total no momento da transferência e, nesta ótica, rejeitou-se a opção de considerar apenas uma parte do mesmo.

Não foi utilizado o valor de vendas por cliente declarado no anexo O da IES pois os valores declarados correspondem ao valor da fatura, ou seja, incluem IVA (quando aplicável).

2.º Apuramento dos lucros operacionais que a B...  deixou de obter por ter cedido a sua carteira de clientes à C... que correspondem margem acordada com as empresas produtoras. reduzida dos custos em que teria incorrido para concretização das vendas:

Tal como estabelecido no Anexo I do contrato de distribuição assinado com as empresas produtoras do grupo, “o desconto aplicável para a determinação do preço de venda da empresa produtora à B... será de 0,75% sobre o preço de venda acordado pela B... com os seus clientes finais”31, o que é equivalente à obtenção de uma margem bruta sobre as vendas de 0,75%.

Uma vez que a informação sobre as vendas efetivamente realizadas junto dos clientes da C... estava disponível, optou-se por utilizar dados reais em detrimento da utilização do valor atualizado da projeção de vendas futuras.

A utilização de dados reais constitui a opção mais adequada pois espelha diretamente as condições de mercado, nomeadamente, a procura anual existente e o nível de preços praticados.

Assim, respeitando a margem bruta do contrato de distribuição vigente, as vendas realizadas a clientes da B... resultariam numa remuneração de 1.227.889,38 Euros (0,75% do valor de vendas acima mencionado) pelo desempenho da atividade de comercialização de produtos siderúrgicos.

A este rendimento foram deduzidos os gastos operacionais diretamente relacionados com a atividade de distribuição, nomeadamente os fornecimentos e serviços externos e os gastos com o pessoal. Deduziram. se igualmente as imparidades em dívidas a receber, dado que, quer a B... quer a C..., assumiam o risco de não pagamento dos clientes finais32.

Note-se que não foram considerados os outros gastos, assim como também se excluíram os outros rendimentos, por não estarem diretamente relacionados com a atividade principal.

No ano de 2015, a B... registou na rubrica de “Fornecimentos e serviços externos”33 o valor de 1.193.419,00 Euros e na rubrica de “Gastos com o pessoal”34 o montante de 326.892,00 Euros. Reverteu as “Imparidades em dívidas a receber” em 10.086,00 Euros.

O DPT da B... de 2014, na página 19, refere que “em operações de venda em que existe um frete marítimo, este é suportado pelas empresas comercializadoras, sendo neste caso adicionado à margem fixa, aquando da determinação do preço a aplicar pela fábrica à comercializadora”, o que significa que, os custos de transporte são reembolsados pelas empresas produtoras quando suportados pela empresa distribuidora.

Esta situação, segundo o sujeito passivo, ocorre habitualmente nos transportes internacionais esporádicos (a atuação da empresa centra-se no mercado interno) e nos transportes para as Regiões Autónomas da Madeira ou dos Açores.

A fórmula de cálculo aplicada para obtenção do preço de venda de plena concorrência das empresas produtoras (página 19 do DPT da B...) contempla o reembolso dos custos de transporte incorridos pelas empresas comercializadoras (neste caso, B... e C...): 

PV = A*(1-0,75)-B

Em que:

PV – Preço de venda da empresa industrial

A – Preço de venda médio da comercializadora ao cliente final

B – Custos de distribuição por tonelada da comercializadora

Considerando que, no cálculo da margem a receber peta B..., apenas se considerou o valor de 0,75% das vendas realizadas pela C... a clientes da B...35, para obter o valor correspondente à margem de comercialização efetiva, não se poderão incluir, nos custos operacionais, os custos de transporte.

Os custos de transporte estão incluídos na rubrica de “Fornecimentos e serviços externos”, contudo o detalhe da mesma não foi declarado no Quadro 061-A da IES/OA da C... . Como tal, esta informação foi obtida junto desta empresa. De acordo com o ficheiro recebido, o somatório dos custos de transporte suportados peta C..., em 2015, foi de 699.942,10 Euros.

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35 Tendo-se excluído novos clientes, exceto empresas relacionadas.

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O montante de 417.606,48 Euros configura a margem operacional potencial da B... e representa o rendimento anual, referente ao período de 2015, a que a B... deixou de aceder por ter abdicado, sem qualquer compensação, de clientes fidelizados que realizaram aquisições durante um longo período de tempo e que transitaram para a C... o devido a urna decisão imposta peto grupo. Uma empresa independente, na posse de uma carteira de clientes fidelizados, só abdicaria de parte das suas  encomendas presentes e das encomendas futuras, caso obtivesse uma compensação que lhe permitisse  aceder a um rendimento equivalente ou superior.

O preço de plena concorrência a título de compensação pela cedência do ativo intangível é de 417.606,48 Euros, que corresponde à remuneração das vendas que a B... deixou de obter junto da sua base de  clientes fidelizados, em prol da concretização das mesmas através da C..., em 2015. Verificando-se que a função comercial desempenhada peta B... era suscetível de gerar, através das encomendas  dos seus clientes, uma remuneração adicional de 417.606,48 Euros em 2015, uma entidade independente  tenderia a refletir aqueles lucros cessantes no preço a cobrar pela utilização anual dos intangíveis cedidos, o que não aconteceu.

O justo valor dos direitos de utilização dos ativos intangíveis cedidos, calculados sob a forma de lucros cessantes, corresponde, portanto, a 417.606,48 Euros. Este valor representa o montante, não cobrado pela B... à C... no ano de 2015, decorrente da cedência da utilização dos ativos intangíveis essenciais à prossecução do negócio.

Uma empresa que, tal como a C..., alterasse o binómio produto/mercado onde se pretendia posicionar, teria de realizar um investimento inicial inerente ao arranque da nova atividade. Esse investimento, no seio da uma empresa de comércio e distribuição abrange, por exempto, formação dos trabalhadores, recolha de informação sobre o mercado, ações de marketing e publicidade, angariação de clientes e consolidação de relações comerciais.

Na C..., este investimento foi substituído pelo acesso direto carteira de clientes e às competências profissionais dos trabalhadores, concedido por uma empresa relacionada – a B... – que já operava nesse mercado e que comercializava os mesmos produtos.

Pelo exposto, a compensação apurada para 2015 será devida nos anos em que se realizaram vendas concretizadas pela C... junto dos clientes que integravam a carteira de clientes da B... em 2012 e nos anos anteriores à transferência do negócio.

Esta compensação será devida enquanto o benefício económico inerente à utilização dos ativos intangíveis cedidos pela B... se mantiver na esfera da C... .

III.1.1.2.6. Quantificação dos efeitos da violação do Princípio de Plena Concorrência

O n.º 1 do artigo 63.º do CIRC dispõe que “nas operações comerciais, incluindo, designadamente operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços (...) efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

Ao não valorizar a carteira de clientes e o know-how existente na empresa, que assegurava uma remuneração e ao não refletir esse mesmo valor no preço a cobrar à C... pela utilização desse intangível, a B... violou o princípio da plena concorrência, A evidência de que os elementos transmitidos eram essenciais ao negócio é a de que, em maio de 2014 a B... deixou de ter empregados e em 2015, cerca de um ano e meio após abdicar da utilização da sua carteira de clientes, a empresa cessou a sua atividade comercial, deixando de registar vendas.

Uma entidade independente não aceitaria ceder a utilização de ativos valiosos (carteira de clientes e know-how), que explorava e desenvolveu (angariação e fidelização de clientes, divulgação dos produtos, recolha de informação sobre o mercado e processos de aprendizagem), essenciais à prossecução do negócio, sem receber a respetiva contrapartida. Dado ter-se tratado de uma transmissão gratuita, a B... não demonstrou refletir no preço dos ativos intangíveis transferidos o justo valor dos mesmos, pois não recebeu a título de preço a remuneração de plena concorrência que lhes estava associada.

Um comportamento concorrencial, que vise a maximização do lucro, implica um processo negocial que dá origem a resultados consistentes com o princípio de plena concorrência. Tal, no entanto, não aconteceu neste caso, pois o preço não reflete o valor dos ativos transmitidos, não sendo o preço praticado aceite como um preço de plena concorrência, nos termos do n.º 1 do artigo 63.º do CIRC.

A valorização dos ativos intangíveis, determinada peta Inspeção Tributária numa ótica do rendimento que teria sido gerado peta B... em 2015, constitui o valor de plena concorrência que deverá integrar o preço final a cobrar à C... pela sua utilização.

Avaliou-se o preço da transferência do negócio pertencente à B..., concluindo-se que um preço igual a zero ou a inexistência de preço, não se considera, nesta transmissão, um preço de plena concorrência,  ou seja, aquele que seria contratado entre entidades independentes em condições comparáveis.

O preço de plena concorrência deve refletir a remuneração proporcionada pelos ativos intangíveis cedidos,  suscetível de ser gerada na esfera da B....

A valorizaçäo dos ativos intangíveis afigura-se um bom indicador de preço de plena concorrência, consistindo o preço de referência numa abordagem rendimento à avaliação dos ativos, podendo servir por isso de base à determinação do preço referente aos ativos intangíveis transmitidos.

O método utilizado consistiu no apuramento da margem das vendas realizadas pela C..., junto dos clientes indicados pela B..., considerando-se que os ativos intangíveis detidos pela B... foram o elemento determinante para a concretização das vendas e, como tal deveriam ser refletidos no preço.

O método de avaliação utilizado pela Administração Fiscal, que está suportado em informação real sobre os benefícios alcançados pela empresa que utilizou os ativos intangíveis transferidos, é qualificável como método do preço comparável de mercado e encontra-se previsto na legislação portuguesa como método passível de utilização para validar o princípio de plena concorrência (vide alínea a) do n.º 3 do artigo 63.º do CIRC e alínea a) do n.º 1 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro).

III.1.1.2.7. Conclusão

Perante a evidência de que a B... abdicou de vendas potenciais em prol da transferência do negócio  para a C... sem que por isso tenha recebido uma compensação, afigura-se que o preço praticado na operação de transferência do negócio atrás descrita deve ser corrigido, procedendo-se para tal ao acréscimo do montante de 417.606,48 Euros referente ao valor da utilização da carteira de clientes determinado em função das vendas efetuadas pela entidade durante o ano de 2015, para que o preço praticado represente de forma mais correta o preço que seria praticado entre entidades independentes.

Face ao que foi exposto, conclui-se que se encontram reunidos os requisitos previstos no n.º 3 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária, designadamente:

a) A transferência e a utilização da carteira de clientes da B... para a C... foi realizada entre duas entidades em situação de relações especiais, nos termos da alínea b) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC;

b) A operação descrita não respeitou o Princípio de Plena Concorrência previsto no n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC, porque, conforme se demonstrou, o preço praticado não reflete o valor dos ativos intangíveis cedidos, cuja carteira de clientes configurava uma componente essencial, concluindo-se que as condições praticadas diferem das que seriam praticadas entre entidades independentes:

c) O preço de plena concorrência para 2015 fixou-se em 417.606,48 Euros, resultante da estimativa baseada numa metodologia de avaliação na ótica do rendimento proporcionado peta utilização dos intangíveis cedidos e dos benefícios futuros que lhes estão associados, afigurando-se mais adequada por refletir de forma apropriada a contrapartida a receber pela B... .

d) O ajustamento, no montante de 417.603,48 Euros decorre da aplicação do Princípio de Plena Concorrência e resulta da diferença entre o preço de plena concorrência determinado pela Administração Tributária e Aduaneira e o preço praticado.

Assim, propõem-se o acréscimo do montante de 417.603,48 Euros ao lucro tributável do período de tributação de 2015 da B... .

De referir que, a realização do ajustamento correlativo adequado no lucro tributável da C..., está prevista no n.º 1 do artigo 17.º e seguintes da Portaria, no prazo de 180 dias a contar da data do conhecimento, ou da data em que for possível obter o conhecimento, do trânsito da decisão, quer administrativa quer judicial, como estipulado no n.º 1 do artigo 20.º do mesmo normativo.»

                ff) A Requerente foi notificada da liquidação adicional de IRC n.º 2019... e da liquidação de juros compensatórios n.º 2019..., relativamente ao ano de 2015, assim como da Demonstração de Acerto de Contas n.º 2019..., que resultou no valor global a pagar de € 32.762,70 (trinta e dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta cêntimos), com data limite de pagamento fixada em 22 de fevereiro de 2019. [cf. documento n.º 1 anexo ao PPA]

gg) A Requerente efetuou o pagamento integral do aludido montante de € 32.762,70 (trinta e dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta cêntimos), em 22 de fevereiro de 2019. [cf. documento n.º 7 anexo ao PPA]      

hh) Em 23.05.2019, a Requerente apresentou o pedido de constituição de tribunal arbitral que deu origem ao presente processo. [cf. Sistema de Gestão Processual do CAAD]

 

§2. FACTOS NÃO PROVADOS

13. Com relevo para a apreciação e decisão da causa, não há factos que não se tenham provado.

 

§3. MOTIVAÇÃO QUANTO À MATÉRIA DE FACTO

14. Os factos pertinentes para o julgamento da causa foram escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, à face das soluções plausíveis das questões de direito, nos termos da aplicação conjugada dos artigos 123.º, n.º 2, do CPPT, 596.º, n.º 1 e 607.º, n.º 3, do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT.

 

Não se deram como provadas nem não provadas as alegações feitas pelas partes e apresentadas como factos, consubstanciadas em afirmações meramente conclusivas e, por isso, insuscetíveis de prova e cuja veracidade terá de ser aquilatada em face da concreta matéria de facto consolidada. 

 

A convicção do Tribunal fundou-se nos factos articulados pelas partes, cuja aderência à realidade não foi posta em causa e no acervo probatório de natureza documental (incluindo o processo administrativo) e testemunhal carreado para os autos, o qual foi objeto de uma análise crítica e de adequada ponderação à luz das regras da racionalidade, da lógica e da experiência comum e segundo juízos de normalidade e razoabilidade.   

 

 Relativamente à prova testemunhal (produzida no âmbito do processo n.º 216/2018-T e aqui aproveitada, nos termos do artigo 421.º, n.º 1, do CPC), importa começar por frisar que a testemunha BB..., consultor na “...”, não tinha conhecimento direto dos factos, tendo sido, posteriormente à ocorrência dos mesmos, o responsável pela elaboração do estudo intitulado “Indemnização por rutura de contrato de distribuição” que está anexo, como documento n.º 5, ao PPA; por isso, as suas declarações foram de caráter opinativo e técnico e não de cariz factual.

 

As restantes testemunhas corroboraram, no essencial, a factualidade alegada pela Requerente, sobre a qual depuseram, tendo-o feito de forma objetiva, isenta e revelando conhecimento direto daqueles factos, pelo que os seus depoimentos nos mereceram credibilidade; concretizando, essas testemunhas afirmaram, em síntese, o seguinte:

(a)          K... trabalha na B..., na área comercial, desde 1989, sendo, à data dos factos, responsável pelas vendas do Grupo na Península Ibérica.

Explicou a orgânica do Grupo, dizendo que este é composto por empresas produtoras e por empresas comercializadoras.

Afirmou que a definição de preços é feita pela administração do Grupo, não tendo as empresas comercializadoras qualquer autonomia nesse aspeto, tendo ainda dito que as vendas estão sempre cobertas por seguro-caução, por garantia bancária ou por pagamento antecipado.    

No tocante à alteração da empresa comercializadora do Grupo, efetuada em 2013 – deixou de ser a B... e passou a ser a C... –, afirmou que foi ele o signatário da circular remetida aos clientes do Grupo, dando conta dessa mudança, a qual foi a formalização de uma anterior comunicação verbal que foi feita junto dos clientes; explicitou que o fez em nome do Grupo e não da sociedade B..., LDA. A este propósito, explicou ainda que B... é uma marca registada e é o distintivo do Grupo, enquanto nome comercial. Mais disse que C... é também uma marca registada.

Ainda no mesmo conspecto, afirmou que a alteração da comercializadora do Grupo foi um processo efetuado durante cerca de um mês e meio, exceto quanto a alguns clientes que tinham garantias bancárias em que a beneficiária era a B... e que estavam em vigor por tempo mais prolongado. 

Relativamente aos clientes, disse que estes já vinham do tempo da D... e que a B... surge após a criação da G... e da H...; anteriormente (ainda antes da privatização daCC... ), o Grupo efetuava as vendas em Portugal através da C..., a qual era também detida pela P..., tendo passado a ser totalmente detida pelo Grupo a partir de 2013.

 

(b)          L... trabalha no Grupo (concretamente, na sociedade holding) desde 1989, sendo o respetivo diretor financeiro; à data dos factos, trabalhava na T..., onde exercia idênticas funções, tendo passado a trabalhar na O... a partir de 2017.

Explicou a organização do Grupo, tendo dito que a produção (fabrico de produtos siderúrgicos longos) é efetuada por fábricas situadas na ..., ..., ... e ..., sendo que em Portugal, desde 2005, está a cargo das empresas H..., G... e I...; a comercialização em Portugal está a cargo da C... e em Espanha (e resto do mundo) da T... . Mais disse que a C... foi inicialmente resultante de uma parceria com a P..., tendo passado a ser totalmente detida pelo Grupo, a partir de 2013.

Afirmou que, em Portugal, são os únicos produtores de produtos siderúrgicos longos (embora existam quer representações de produtores estrangeiros quer clientes nacionais que importam tais produtos) e os respetivos clientes, ao longo dos anos, são genericamente os mesmos (apesar de uns terem desaparecido e outros, poucos, terem sido criados). 

Relativamente ao relacionamento entre as empresas produtoras e as empresas comercializadoras do Grupo, afirmou que as fábricas só vendiam às comercializadoras do Grupo (C... e T...), sendo que nos respetivos contratos de distribuição não estava prevista qualquer indemnização para o caso de rescisão contratual, tendo as empresas produtoras o direito de os fazer cessar a qualquer momento.

No tocante à B..., disse que esta foi criada para comercializar os produtos do Grupo, a partir de 2005, quando foi efetuada a reestruturação da D... (dando origem à H... e à G...), não tendo angariado clientes para o Grupo; com efeito, segundo explicou, os clientes já eram do Grupo, sendo que a equipa e os clientes da D... transitaram para a B..., o mesmo tendo ocorrido, posteriormente, quando a C... passou a ser a comercializadora do Grupo (a B... não podia vender a sua carteira de clientes a uma entidade exterior ao Grupo). Ainda a este propósito, afirmou que a existência da B... se ficou a dever ao facto de, até 2013, a C... não ser totalmente detida pelo Grupo; quando a C... passou a integrar totalmente o Grupo, passou a ser a respetiva comercializadora. 

Afirmou que a C... tinha um armazém em Palmela e era conhecida dos clientes, tendo aliás clientela que adquiria outros tipos de produtos que então eram fabricados pelo Grupo.

Mais disse que as decisões no Grupo não são tomadas por motivos de natureza exclusivamente financeira e/ou fiscal, mas sim pensando na respetiva atividade global, sendo que o Grupo é de cariz industrial e não financeiro. Concretamente quanto à substituição da empresa comercializadora do Grupo, afirmou que a motivação subjacente à operação residiu, essencialmente, na marca C... (aporta um valor acrescido em Portugal e inclui a palavra “aço”, o que diz ser uma vantagem) e nas instalações detidas pela empresa. Explicou, ainda, que os trabalhadores da B... passaram para a C... e que a B..., apesar de ainda existir, não tem qualquer atividade operacional desde 2014, estando a ser equacionada a respetiva dissolução e liquidação.

 

(c)          M... é o contabilista certificado da Requerente, funções que exerce desde 2001.

Afirmou que, em 2013, a C... foi adquirida a 100% pelo Grupo e que, a partir de agosto desse mesmo ano, passou a ser a única empresa comercializadora do Grupo, sendo uma empresa que estava no mercado, que tinha instalações em Palmela e em Estarreja e que vendia mais produtos do que aqueles que eram comercializados pela B... (era, aliás, cliente desta empresa quanto aos produtos que eram fabricados pelas empresas produtoras do Grupo); explicitou que houve um período em que se mantiveram as duas empresas comercializadoras, em virtude de garantias bancárias de clientes que estavam em vigor e de que era beneficiária a B... .

Mais disse que a B... iniciou a sua atividade em 2005, com a carteira de clientes quer era da D..., tendo, ao longo dos anos, aparecido alguns novos e desaparecido outros; os clientes estavam fidelizados aos produtos fabricados pelo Grupo.

Afirmou, ainda, que o programa informático de gestão da carteira de clientes (ferramenta de trabalho dos comerciais) foi sempre o mesmo na D..., na B... e na C..., tendo apenas sido introduzidas algumas melhorias e atualizações técnicas.

Ademais, disse que as condições de venda eram estabelecidas pela direção comercial do Grupo, tendo permanecido as mesmas (com exceção do valor do fee) na transição da B... para a C... .

 

III.2. DE DIREITO

§1. DELIMITAÇÃO DO OBJETO

15. O cerne deste processo radica na correção que a AT efetuou, ao abrigo do disposto no artigo 63.º do Código do IRC (preços de transferência), em virtude da cessação da atividade de comercialização de produtos siderúrgicos – produzidos pelas sociedades G..., H... e I..., todas integradas no GRUPO O.../A... – pela sociedade B... (detida a 100% pela Requerente), com a assunção simultânea dessa mesma atividade pela sociedade C... (participada em 38,98% pela Requerente), sem que tenha sido paga qualquer compensação à primeira, pela rutura dos contratos de distribuição celebrados com as sociedades G..., H... e I... .

 

A Requerente argui a existência de diversos vícios quer materiais, quer formais – sem que entre eles tenha sido estabelecida uma relação de subsidiariedade –, nos quais funda o pedido de declaração de ilegalidade da liquidação de IRC controvertida; concretamente, a Requerente invoca:

a) Os seguintes vícios materiais:

(i) Violação do disposto no artigo 63.º do Código do IRC, por inexistência de facto tributário, ou seja, de uma operação vinculada, não remunerada, consubstanciada num trespasse ou transferência de negócio (transmissão de ativos intangíveis, designadamente carteira de clientes e know-how);

(ii) Violação do disposto nos artigos 61.º e 104.º, n.º 2, da CRP, em virtude da ingerência da AT nas decisões de gestão do GRUPO O.../A...;

(iii) Errónea quantificação do facto tributário e do imposto.

 

                b) Vício de falta de fundamentação da metodologia utilizada pela AT para a quantificação do facto tributário e sequente apuramento do montante de imposto. 

 

O Tribunal é ainda chamado a pronunciar-se sobre os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos pela Requerente e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

16. O artigo 124.º do CPPT estatui o seguinte:

Artigo 124.º

Ordem do conhecimento dos vícios da sentença

1.            Na sentença, o tribunal apreciará prioritariamente os vícios que conduzam à declaração de inexistência ou nulidade do acto impugnado e, depois, os vícios arguidos que conduzam à sua anulação.

2.            Nos referidos grupos a apreciação dos vícios é feita pela ordem seguinte:

a)            No primeiro grupo, o dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos;

b)           No segundo grupo, a indicada pelo impugnante, sempre que este estabeleça entre eles uma relação de subsidiariedade e não sejam arguidos outros vícios pelo Ministério Público ou, nos demais casos, a fixada na alínea anterior.

 

Esta norma estabelece uma prioridade para o conhecimento dos vícios cuja procedência determine, segundo o prudente critério do julgador, mais estável ou eficaz tutela dos interesses ofendidos.

 

                A propósito desta norma legal, consideramos pertinente convocar as judiciosas considerações vertidas no acórdão do STA, proferido em 17.11.2010, no processo n.º 01051/09:

«…a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem vindo reiteradamente a explicar, no âmbito da interpretação do conteúdo normativo da regra análoga vertida no artigo 57.º da LPTA, que apesar de a mais eficaz tutela dos interesses do recorrente impor, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios substanciais ou de fundo em relação aos vícios de forma, designadamente do vício de falta de fundamentação (dado que a verificação deste não impede a renovação do acto com igual configuração jurídica, expurgado, naturalmente, do vício que conduziu à anulação) – cfr., entre outros, o acórdão da 1.ª Secção do STA, proferido em 23.04.97, no processo n.º 35.367 –, tal regra não é, porém, absoluta, pois que pode acontecer que só a fundamentação possa revelar vícios de fundo mediante a clarificação do enquadramento factual e jurídico em que assentou o acto impugnado. Isto é, pode justificar-se a precedência do vício de forma quando a indagação acerca da concreta motivação do acto se mostrar indispensável ao controlo dos vícios de substância. Razão por que se tem reconhecido que a tutela mais eficaz dos interesses do recorrente pode passar pelo conhecimento prioritário dos vícios de forma, concretamente do vício de falta de fundamentação, sempre que a descoberta da motivação do acto possa oferecer elementos necessários ao juízo de verificação dos vícios de fundo, o que acontece sempre que ocorra uma absoluta falta de fundamentação (de facto e/ou de direito), por isso implicar a impossibilidade de conhecimento dos factos em que assentou o acto e/ou o seu enquadramento jurídico, inviabilizando o controlo jurisdicional dos vícios de fundo – cfr., entre outros, os acórdãos proferidos pela 1.ª Secção do STA de 08.07.1993, no processo n.º 31.138, em 22.09.1994, no processo n.º 32.702, e em 20.05.1997, no processo n.º 40.433.

Como se deixou referido no acórdão proferido pela 1.ª Secção deste Tribunal em 4/06/98, no proc. n.º 41.223, «o conhecimento prioritário do vício de forma apenas se imporá ao julgador quando o não conhecimento prévio desse vício inviabilize decisivamente o conhecimento dos alegados vícios de fundo, atinentes à legalidade intrínseca do acto, e que a regra do art. 57.º, n.º 2, al. a), da LPTA manda apreciar prioritariamente. Ou, dizendo de modo inverso, deixará de se impor o conhecimento prioritário do vício de forma, devendo respeitar-se a regra de apreciação do art. 57.º, n.º 2, al. a), sempre que a alegada falta ou insuficiência de fundamentação se revele, no caso concreto (e a apreciação tem, obviamente, que ser casuística) irrelevante para a apreciação e eventual procedência do vício ou vícios de fundo igualmente alegados.».»  

 

Revertendo para o caso dos autos e continuando a seguir de perto o aresto vindo de citar, afigura-se-nos inequívoco que nenhum dos vícios invocados pela Requerente pode ser considerado como proveniente de situações que possam determinar a nulidade do(s) ato(s) tributário(s) impugnado(s) à luz dos critérios legais que o(s) caracterizam, nem tão pouco a Requerente estabeleceu uma ordem de prioridade para esse conhecimento, pelo que a máxima eficácia na tutela dos seus interesses imporia, em princípio, o conhecimento prioritário dos vícios materiais em relação ao vício de forma de falta de fundamentação.

 

Contudo, atentos os invocados vícios materiais e a argumentação que lhes serve de esteio – designadamente quanto à alegada errónea quantificação do facto tributário e do imposto –, entendemos que o conhecimento (pelo menos, em parte) desses mesmos vícios depende da prévia determinação da base fundamentadora da correção de IRC, referente a preços de transferência, sub judicio.

 

Neste enquadramento, optamos pois pelo conhecimento prioritário do invocado vício de falta de fundamentação.

 

§2. DO MÉRITO

§2.1. DO VÍCIO DE FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO

17. A Requerente funda a invocação deste vício, essencialmente, na alegação de que «nada sabe quanto à existência de operações comparáveis ou, em concreto, qual a operação e o preço comparável que serviu de base à correção feita pelos SIT», uma vez que o «preço apurado no Relatório de Inspeção Tributária não está acompanhado de qualquer parâmetro que o permita validar, que permita aferir se é ou não ajustado, se é ou não justificável numa lógica de mercado. Se as demais empresas que exercem a mesma atividade das aqui envolvidas, do Grupo O.../A..., é desta forma – se é que o fazem – que calculam o valor da indemnização a pagar por ruturas contratuais.»  

 

Nesta conformidade, a Requerente entende que «a AT incumpriu claramente com o dever de fundamentação a que se encontrava especialmente adstrita nesta situação, pois a aplicação do regime legal dos PT – já de si de aplicação excecional – não veio acompanhada da correta indicação e aplicação do método utilizado e, em concreto, dos comparáveis de mercado que permitiram sustentar a correção e apurar o montante de imposto devido.

Pelo que o ato de liquidação em crise deve também ser anulado com fundamento na violação do disposto nos artigos 77.º, n.º 1 e n.º 3, da LGT, 36.º do CPPT, 153.º do CPA e 268.º da CRP, por manifesta falta de fundamentação.» 

 

18. A fundamentação é uma exigência dos atos tributários em geral, sendo uma imposição, desde logo, constitucional (cf. artigo 268.º, n.º 3, da CRP), mas também legal (cf. artigo 77.º da LGT).

 

Contudo, como referem Paulo Marques e Carlos Costa (A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, p. 68), ao contrário do que acontece no “texto constitucional (artigo 268.º, n.º 3, da Constituição), em que se exige a fundamentação dos actos «quando afectem direitos ou interesses legalmente protegidos», em sede de procedimento tributário (art. 77.º da LGT), não se entendeu restringir a exigência da fundamentação da decisão apenas aos actos desfavoráveis ao contribuinte, embora deva existir maior densidade da fundamentação nestes últimos casos.”

 

Como nos dão conta Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa (Lei Geral Tributária, Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Editora Encontro da Escrita, Lisboa, 2012, pp. 675-676), no âmbito tributário, “o dever de fundamentação dos actos decisórios de procedimentos tributários e dos actos tributários é concretizado no art. 77.º da LGT.

Como o STA vem entendendo, a exigência legal e constitucional de fundamentação visa, primacialmente, permitir aos interessados o conhecimento das razões que lavaram a autoridade administrativa a agir, por forma a possibilitar-lhes uma opção consciente entre a aceitação da legalidade do acto e a sua impugnação contenciosa.

Para ser atingido tal objectivo a fundamentação deve proporcionar ao destinatário do acto a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo percorrido pela autoridade que praticou o acto, de forma a poder saber-se claramente as razões por que decidiu da forma que decidiu e não de forma diferente.

No presente art. 77.º [da LGT] estende-se o dever de fundamentação a todas as decisões de procedimentos tributários, pelo que ela é obrigatória mesmo nas decisões favoráveis aos sujeitos passivos dos tributos.

Esta exigência compreende-se em face da pluralidade de razões que impõem a exigência de fundamentação dos actos administrativos, que vão desde a necessidade de possibilitar ao administrado a formulação de um juízo consciente sobre a conveniência ou não de impugnar o acto, até à garantia da transparência e da ponderação da actuação da administração e à necessidade de assegurar a possibilidade de controle hierárquico e jurisdicional do acto.”

 

Ainda segundo estes autores (ibidem, p. 676), deve a fundamentação “consistir, no mínimo, numa sucinta exposição dos fundamentos de facto e de direito que motivaram a decisão, ou numa declaração de concordância com os fundamentos de anteriores pareceres, informações ou propostas, incluindo os que integrem o relatório da fiscalização tributária.”

 

Como preconiza Joaquim Freitas da Rocha (Lições de Procedimento e Processo Tributário, 3.ª Edição, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 113-114), a fundamentação – “que, em geral, abrange quer o dever de motivação (i. é, a exposição das razões ou motivos justificativos da decisão, nomeadamente quando existirem espaços discricionários) quer o dever de justificação (ou seja, a referência ordenada aos pressupostos de facto e de direito que suportam essa mesma decisão)” – deve ser feita de forma oficiosa, completa, clara, atual e expressa, tendo em vista “permitir a um “destinatário normal” a reconstituição do itinerário cognoscitivo e valorativo seguido prelo autor do acto para proferir a decisão. A falta destes requisitos – fundamentações incompletas, obscuras, abstractamente remissivas – bem assim como a falta da própria fundamentação, constitui ilegalidade, susceptível de conduzir à anulação do acto em causa, mediante meios graciosos ou contenciosos.”

 

Sendo certo que a fundamentação deve ser feita por via da sucinta exposição das razões de facto e de direito que a motivaram, nada impede, todavia, que possa fazer-se por remissão e apropriação de anteriores pareceres, informações e propostas bem como para o relatório da inspeção tributária, como postula o n.º 1 do artigo 77.º da LGT, assumindo então a designação de fundamentação por remissão ou por referência (per relationem ou per remissionem), uma vez que está expressa num outro documento. Assim, como afirmam Paulo Marques e Carlos Costa (ob. cit., pp. 146-148), «devem ter-se por fundamentadas as liquidações derivadas das correcções da inspecção quando do relatório constam as razões dessa correcção e posterior liquidação. Nesse caso, para se saber se o acto da liquidação está ou não fundamentado, não pode o intérprete alhear-se do relatório da inspecção, uma vez que este constitui o culminar de um procedimento que um conceito amplo de liquidação necessariamente comporta. (…)

No plano do procedimento inspectivo tributário, admitindo a modalidade de fundamentação «per relationem» ou «per remissionem», o artigo 63.º, n.º 1, do RCPIT prevê que os actos tributários ou em matéria tributária que resultem do relatório poderão fundamentar-se nas suas conclusões, através da adesão ou concordância com estas, devendo em todos os casos a entidade competente para a sua prática fundamentar a divergência face às conclusões do relatório. (…)

A importância da motivação de facto e de direito constante do procedimento de inspecção tributária, posteriormente absorvida pela decisão tributária, compreende-se tendo em vista que o acto de liquidação stricto sensu representa o culminar e um extenso e complexo procedimento administrativo assente nos actos preparatórios praticados pelos serviços de inspecção tributária que integram o procedimento de liquidação lato sensu (artigo 11.º do RCPIT).»

 

Ora, se a fundamentação é, nos termos referidos, necessária e obrigatória, tal não pode nem deve ser entendido de uma forma abstrata e/ou absoluta, ou seja, a fundamentação exigível a um ato tributário concreto, deve ser aquela que funcionalmente é necessária para que aquele não se apresente perante o contribuinte como uma pura demonstração de arbítrio.

 

A este propósito e a título de exemplo, atentemos nas judiciosas considerações vertidas no acórdão do TCAS, proferido em 04.12.2012 no processo n.º 06134/12:

  «A fundamentação é um conceito relativo que pode variar em função do tipo legal de acto administrativo que estamos a examinar.

Tem sido entendimento constante da jurisprudência e da doutrina que determinado acto (no caso acto administrativo-tributário) se encontra devidamente fundamentado sempre que é possível, através do mesmo, descobrir qual o percurso cognitivo utilizado pelo seu autor para chegar à decisão final (cfr. ac. S.T.J. 26/4/95, C.J.-S.T.J., 1995, II, pág. 57 e seg.; A. Varela e outros, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, 2ª. edição, 1985, pág. 687 e seg.; Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, 1984, V, pág. 139 e seg.). Quer dizer. Utilizando a linguagem de diversos acórdãos do S.T.A. (cfr. por todos, ac. S.T.A-1.ª Secção, 6/2/90, A.D., nº. 351, pág. 339 e seg.) o acto administrativo só está fundamentado se um destinatário normalmente diligente ou razoável - uma pessoa normal - colocado na situação concreta expressada pela declaração fundamentadora e perante o concreto acto (que determinará consoante a sua diversa natureza ou tipo uma maior ou menor exigência da densidade dos elementos de fundamentação) fica em condições de conhecer o itinerário funcional (não psicológico) cognoscitivo e valorativo do autor do acto. Mais se dirá que a fundamentação pode ser expressa ou consistir em mera declaração de concordância de anterior parecer, informação ou proposta, o qual, neste caso, constitui parte integrante do respectivo acto (é a chamada fundamentação “per relationem” - cfr. art. 125.º do C.P. Administrativo).

Para apurar se um acto administrativo-tributário está, ou não, fundamentado impõe-se, antes de mais, que se faça a distinção entre fundamentação formal e fundamentação material: uma coisa é saber se a Administração deu a conhecer os motivos que a determinaram a actuar como actuou, as razões em que fundou a sua actuação, questão que se situa no âmbito da validade formal do acto; outra, bem diversa e situada já no âmbito da validade substancial do acto, é saber se esses motivos correspondem à realidade e se, correspondendo, são suficientes para legitimar a concreta actuação administrativa (cfr. ac. S.T.A.-2.ª Secção, 13/7/2011, rec. 656/11; ac. T.C.A.Sul-2ª.Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).

Se a fundamentação formal não esclarecer concretamente a motivação do acto, por obscuridade, contradição ou insuficiência, o acto considera-se não fundamentado (cfr. art. 125.º, n.º 2, do C.P. Administrativo). Haverá obscuridade quando as afirmações feitas pelo autor da decisão não deixarem perceber quais as razões porque decidiu da forma que decidiu. Por outras palavras, os fundamentos do acto devem ser claros, por forma a colher-se com perfeição o sentido das razões que determinaram a prática do acto, assim não sendo de consentir a utilização de expressões dúbias, vagas e genéricas. Ocorrerá contradição da fundamentação quando as razões invocadas para decidir, justificarem não a decisão proferida, mas uma decisão de sentido oposto (contradição entre fundamentos e decisão), e quando forem invocados fundamentos que estejam em oposição com outros. Por outras palavras, os fundamentos da decisão devem ser congruentes, isto é, que sejam premissas que conduzam inevitavelmente à decisão que funcione como conclusão lógica e necessária da motivação aduzida. Por último, a fundamentação é insuficiente se o seu conteúdo não é bastante para explicar as razões por que foi tomada a decisão. Por outras palavras, a fundamentação deve ser suficiente, no sentido de que não fiquem por dizer razões que expliquem convenientemente a decisão final (cfr. Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol. I, Almedina, 1991, pág. 477 e seg.; Diogo Freitas do Amaral, Curso de Direito Administrativo, vol. II, Almedina, 2001, pág. 352 e seg.; Diogo Leite de Campos e outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Vislis, 2003, pág. 381 e seg.; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 2/12/2008, proc. 2606/08; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 10/11/2009, proc. 3510/09; ac. T.C.A.Sul-2.ª Secção, 19/6/2012, proc. 3096/09).»

 

Noutra ordem de considerações, importa salientar que o relatório de inspeção tributária «constitui porventura a peça fulcral do procedimento inspectivo, o culminar do trabalho efetuado pelos profissionais da inspecção tributária, identificando e sistematizando todos os factos conhecidos com relevância tributária no âmbito do aludido procedimento, não se prescindindo do necessário enquadramento jurídico-tributário. Assim, o artigo 62.º, n.º 3, do RCPIT escalpeliza os elementos que o relatório deverá conter, considerando a dimensão e a complexidade da entidade inspecionada, com destaque, no que aqui importa, para a descrição dos factos susceptíveis de fundamentar qualquer tipo de responsabilidade solidária ou subsidiária, bem como a descrição dos factos fiscalmente relevantes que alterem os valores declarados ou a declarar sujeitos a tributação, com menção e junção dos meios de prova e fundamentação legal de suporte das correcções efectuadas.»   

 

Acresce que, como decorre do estatuído no art. 60.º, n.º 1, do RCPIT, «nas situações em que se proponham correcções fiscais potencialmente desfavoráveis ao contribuinte, os serviços deverão notificar no prazo de 10 dias a entidade inspecionada do projecto de conclusões do relatório inspectivo, dando a conhecer igualmente o teor dos actos de inspecção, assim como a respectiva fundamentação, para efeitos do exercício da audição prévia do contribuinte. O sujeito passivo inspecionado deverá ter perfeito conhecimento das correcções fiscais propostas pela inspecção tributária, para poder decidir pelo exercício ou não da aludida faculdade. Caso venha ao procedimento exercer esse direito de audição prévia reconhecido constitucionalmente, a entidade inspecionada poderá deduzir os argumentos que tiver por convenientes.»  Nessa situação, todos os «elementos novos suscitados na audição dos contribuintes são tidos obrigatoriamente em conta na fundamentação da decisão (artigo 60.º, n.º 7, da LGT).»

 

Como observam Saldanha Sanches e João Taborda da Gama (“Audição-Participação-Fundamentação: A co-responsabilização do sujeito passivo na decisão tributária”, Homenagem a José Guilherme Xavier de Basto, Coimbra Editora, Coimbra, 2006, p. 295, apud Paulo Marques e Carlos Costa, A liquidação de imposto e a sua fundamentação, Coimbra Editora, Coimbra, 2013, pp. 77 e 78), «há uma fundamentação dialógica num duplo sentido: mediante os factos novos alegados pelo sujeito passivo, a Administração fiscal realiza um processo cognitivo que vai enriquecer a sua posição (quais são as razões do sujeito passivo?; corresponderão as razões alegadas às razões verdadeiras?; são, ou não, os interesses por si alegados dignos de tutela jurídica?); por outro lado, o registo do diálogo entre a Administração e o sujeito passivo permite uma clarificação reforçada das razões de agir da Administração, o que tem como efeito impedir que esta possa ocultar os reais fundamentos (ou a ausência de fundamentos) da sua actuação.»      

 

19. Volvendo ao caso concreto, constitui nosso entendimento que são percetíveis quer os motivos subjacentes à atuação da AT e, portanto, conducentes à decisão do procedimento tributário, quer os cálculos por esta realizados, incluindo os respetivos pressupostos em que assentou.

 

Ademais, o próprio pedido de pronúncia arbitral é a prova inequívoca de que a Requerente é perfeitamente conhecedora do itinerário cognoscitivo e valorativo prosseguido pela AT relativamente à correção em apreço efetuada à matéria tributável de IRC do ano de 2015, conhecendo pois as razões factuais e jurídicas que estão na sua génese, o que lhe permitiu optar, de forma esclarecida, entre a aceitação do ato ou o acionamento dos meios legais de impugnação e, nesse âmbito, rebater exaustivamente a atuação da AT; por outro lado, importa salientar que não concordar com o teor da fundamentação e pretender, por isso, aquilatar da sua correção jurídico-legal, constitui uma questão que já nada tem a ver com a ausência ou insuficiência da fundamentação, mas sim com a validade substancial do respetivo ato.  

 

Nestes termos, afigura-se-nos que a correção em análise e, por consequência, o ato de liquidação adicional de IRC controvertido devem considerar-se devidamente fundamentados quer de facto quer de direito.

 

Consequentemente, sem necessidade de mais amplas considerações, julga-se improcedente o arguido vício de forma radicado na invocada falta de fundamentação.

 

§2.2. DOS PREÇOS DE TRANSFERÊNCIA: ENQUADRAMENTO NORMATIVO

20. Na perspetiva jurídico-tributária, importa atender às seguintes normas que se afiguram imprescindíveis para o enquadramento da situação sub judice, conforme as respetivas redações vigentes à data dos factos em causa nos autos:

 

Código do IRC

Artigo 63.º

Preços de transferência

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

g) Entidades cujo relacionamento jurídico possibilita, pelos seus termos e condições, que uma condicione as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional;

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

5 - Para efeitos do cálculo do nível percentual de participação indireta no capital ou nos direitos de voto a que se refere o número anterior, nas situações em que não haja regras especiais definidas, são aplicáveis os critérios previstos no n.º 2 do artigo 483.º do Código das Sociedades Comerciais.

                (…)

 

Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro

Artigo 1.º

Regras gerais sobre o princípio de plena concorrência

1 - Nas operações efectuadas entre um sujeito passivo do IRS ou do IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a estes impostos, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - A aplicação do princípio enunciado no n.º 1 deve, como regra, basear-se numa análise individualizada das operações, excepto naquelas situações, nomeadamente as enumeradas nas alíneas seguintes, em que a análise pode ser efectuada numa base agregada ou por séries de operações, desde que se trate de operações tão intimamente interligadas ou continuadas que a sua desagregação conduziria à perda de funcionalidade ou valor, ou quando se revele impraticável a determinação do preço para cada operação, quer pelos elevados custos associados quer pela inexistência ou insuficiência de informação sobre operações comparáveis:

a) Fornecimento continuado de bens ou serviços;

b) Cedência do direito de exploração de elementos incorpóreos acompanhada de outras prestações;

c) Fixação dos preços de bens que apresentem complementaridade funcional ou identidade tipológica, como sejam os inseridos numa linha de produtos.

3 - Para efeitos desta portaria, salvo quando de disposição expressa ou do contexto resulte um sentido contrário, considera-se que:

a) O termo «operações» abrange as operações financeiras e, bem assim, as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objecto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços, ainda que realizadas no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos e de prestação de serviços intragrupo, ou de uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes;

b) O termo «operações vinculadas» refere-se a operações realizadas entre «entidades relacionadas»;

c) O termo «operações não vinculadas» refere-se a operações realizadas entre entidades independentes;

d) O termo «entidades relacionadas» refere-se a entidades entre as quais existem relações especiais nos termos do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC;

e) O termo «entidade pertencente ao mesmo grupo» refere-se a entidade ligada ao sujeito passivo por relações compreendidas em alguma das alíneas a) a f) do n.º 4 do artigo 58.º do Código do IRC.

 

Artigo 2.º

Âmbito de aplicação

O princípio enunciado no n.º 1 do artigo anterior é aplicável a:

(…)

c) Operações vinculadas realizadas entre entidades residentes em território português sujeitos passivos do IRC ou do IRS.

 

Artigo 4.º

Determinação do método mais apropriado

1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptívies de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

 

Artigo 5.º

Factores de comparabilidade

Para efeitos do artigo anterior, o grau de comparabilidade entre uma operação vinculada e uma operação não vinculada deve ser avaliado, tendo em conta, designadamente, os seguintes factores:

a) As características específicas dos bens, direitos ou serviços que, sendo objecto de cada operação, são susceptíveis de influenciar o preço das operações, em particular as características físicas, a qualidade, a quantidade, a fiabilidade, a disponibilidade e o volume de oferta dos bens, a forma negocial, o tipo, a duração, o grau de protecção e os benefícios antecipados pela utilização do direito e a natureza e a extensão dos serviços;

b) As funções desempenhadas pelas entidades intervenientes nas operações, tendo em consideração os activos utilizados e os riscos assumidos;

c) Os termos e condições contratuais que definem, de forma explícita ou implícita, o modo como se repartem as responsabilidades, os riscos e os lucros entre as partes envolvidas na operação;

d) As circunstâncias económicas prevalecentes nos mercados em que as respectivas partes operam, incluindo a sua localização geográfica e dimensão, o custo da mão-de-obra e do capital nos mercados, a posição concorrencial dos compradores e vendedores, a fase do circuito de comercialização, a existência de bens e serviços sucedâneos, o nível da oferta e da procura e o grau de desenvolvimento geral dos mercados;

e) A estratégia das empresas, contemplando, entre os aspectos susceptíveis de influenciar o seu funcionamento e conduta normal, a prossecução de actividades de pesquisa e desenvolvimento de novos produtos, o grau de diversificação da actividade, o controle do risco, os esquemas de penetração no mercado ou de manutenção ou reforço de quota e, bem assim, os ciclos de vida dos produtos ou direitos;

f) Outras características relevantes quanto à operação em causa ou às empresas envolvidas.

 

Artigo 6.º

Método do preço comparável de mercado

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

21. No n.º 1 do artigo 63.º do Código do IRC encontramos consagrado o princípio da plena concorrência que, conforme estatuído pelo artigo 1.º, n.º 2, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, deve, em regra, basear-se numa análise individualizada das operações, exceto naqueles casos em que a análise pode ser efectuada numa base agregada ou por séries de operações, desde que se trate de operações tão intimamente interligadas ou continuadas que a sua desagregação conduziria à perda de funcionalidade ou valor, ou quando se revele impraticável a determinação do preço para cada operação, quer pelos elevados custos associados quer pela inexistência ou insuficiência de informação sobre operações comparáveis; a mesma norma dá exemplos em que se admite uma análise numa base agregada ou por série de operações.

 

A aplicação do referido princípio «assenta, de um modo geral, numa comparação entre as condições praticadas numa operação vinculada e as operações praticadas numa operação entre empresas independentes (operação não vinculada).

Para que essa comparação tenha significado, é necessário que as características económicas das situações em apreço sejam comparáveis. Isto significa que não deve haver diferenças entre as situações comparadas susceptíveis de afectar os itens que se pretendem examinar ou que, a existirem algumas diferenças, podem ser efectuados ajustamentos razoavelmente fiáveis a fim de eliminar o efeito dessas diferenças. (…)

Para determinar o grau de comparabilidade efectiva e efectuar em seguida os ajustamentos apropriados para estabelecer as conduções (ou um leque de condições) de plena concorrência, há que comparar as características das operações ou das empresas susceptíveis de ter impacto sobre as condições inerentes às operações de plena concorrência.»

 

                22. Os n.ºs 1 e 2 do artigo 63.º do Código do IRC determinam que os termos e condições não influenciados pela existência de relações especiais são os termos e condições acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes e que, para esse efeito, o sujeito passivo deve adotar o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais.

 

                O subsequente n.º 3 daquele artigo 63.º consagra preferencialmente os seguintes métodos (alínea a)) que são geralmente designados por métodos tradicionais baseados na operação: método do preço comparável de mercado; método do preço de revenda minorado; e método do custo majorado. Quando estes métodos não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam, a lei (alínea b) do n.º 3 do citado artigo 63.º) manda aplicar os seguintes métodos, habitualmente designados como métodos baseados no lucro da operação: método do fracionamento do lucro; método da margem líquida da operação; e outro método.

 

                O método do preço comparável de mercado , cuja aplicação está regulamentada no artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, consiste em comparar o preço de um bem transferido ou de um serviço prestado no âmbito de uma operação entre partes em situação de relações especiais com o preço de um bem transferido ou de um serviço prestado no âmbito de uma situação em mercado aberto, em condições comparáveis.

               

                Se se verificar que existe «uma diferença entre esses dois preços, isso poderá indiciar que as condições das relações comerciais e financeiras entre as «entidades relacionadas» não são condições de plena concorrência, podendo ser necessário substituir o preço praticado no contexto da operação vinculada pelo preço praticado no âmbito da operação não vinculada» .         

 

O método do preço comparável de mercado é, pois, «o método por excelência para assegurar o preço de plena concorrência, devendo-lhe ser dada primazia relativamente a todos os demais», sendo «especialmente de aplicar nos casos em que entre empresas independentes existe uma transação do mesmo produto ou serviço que é efetuada entre entidades relacionadas», importando sempre «verificar se os termos e condições em que ambas se processam são comparáveis e, se o não forem, fazer os ajustamentos que se justifiquem» . Nessa conformidade, o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, estatui que a adoção deste método exige o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes, estabelecendo o subsequente n.º 2 que este método pode ser utilizado quando: (i) o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares; (ii) uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.     

                 

§2.3. O CASO CONCRETO: SUBSUNÇÃO NORMATIVA

23. Volvendo ao caso concreto, importa começar por salientar que sobre questões idênticas às que nos são colocadas neste processo arbitral, com os mesmos contornos de facto, pronunciou-se o acórdão arbitral proferido no processo n.º 216/2018-T (doravante, abreviadamente designado Ac. 216/2018-T), em que se analisava um pedido idêntico, formulado pela aqui Requerente, respeitante à liquidação de IRC do ano de 2014, a qual foi parcialmente declarada ilegal e anulada (cf. documento n.º 6 anexo ao PPA).

 

Não existindo motivo para alterar o entendimento que foi sufragado naquele acórdão arbitral e tendo presente que, nas decisões que proferir, o julgador deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, tendo em vista uma interpretação e aplicação uniformes do direito (cf. artigo 8.º, n.º 3, do CC), seguiremos de perto o respetivo discurso fundamentador, fazendo nossos, data venia, os judiciosos considerandos ali vertidos em matéria de direito que aqui se afigurem pertinentes.

 

24. A análise a empreender não pode deixar de começar pela alusão às características da operação concretamente em causa, a propósito da qual a Requerente alega que não existiu qualquer trespasse ou alienação de intangíveis, uma vez que a B... não poderia vender o que não lhe pertencia, designadamente a carteira de clientes, que tinha sido, na sua quase totalidade, previamente angariada pelo Grupo.

 

A AT refuta afirmando que a operação se centrou na transferência de uma estrutura de negócio, em especial na transferência de intangíveis, designadamente, carteira de clientes e know-how, estribando-se, para tal, na fundamentação contabilística dos ativos, na descrição da estrutura comercial transferida e nos benefícios que a receção dos ativos nela incluídos proporcionaram à C... .

 

Pese embora não tenha existido uma transação a título oneroso da carteira de clientes e do know-how dos trabalhadores, o que a disciplina fiscal dos preços de transferência visa aferir é se entre entidades independentes, em circunstâncias comparáveis, se realizaria a operação nas condições em que esta foi efetuada, como decorre do estabelecido no artigo 63.º, n.º 1 do Código do IRC.

 

Relativamente a este primeiro aspeto, como bem se ponderou no Ac. 216/2018-T, «o Tribunal tem de indagar se, numa ótica substantiva e económica, a cessação dos contratos de distribuição celebrados com a B... e a contemporânea (concomitante) contratação dos serviços à C... (pelas mesmas entidades produtoras do Grupo em Portugal) consubstanciaram uma transferência de ativos intangíveis e, depois, se as condições em que o foram permitem validar a tese preconizada pela AT.

 

Trata-se de uma questão complexa. Como bem notam WRIGHT e outros : “Economists tend to identify the value drivers in the market in which the company’ s product or service is traded, and those value drivers, more often than not, constitute intangibles in their eyes. Some lawyers, in the authors’ experience, take the position that if the intangible is not legally protected, it is not an intangible and the economist doing the valuation must not attribute value to it.  Accountants, on the other hand, tend to think that if the intangible is not reflected on the balance sheet, it does not exist and value cannot be attributed to it. This conflict has existed for as long as the authors have been involved in transfer pricing.”

 

Ou seja, em tradução livre deste Tribunal, os citados autores sustentam que a perspetiva económica sobre os intangíveis os identifica com elementos criadores de valor ou com fatores de rendibilidade, ainda que não reconhecidos no balanço. A perspetiva jurídica é diversa e associa-os a elementos imateriais legalmente protegidos, determinando a ausência de proteção legal a ausência de valor. Por fim, a perspetiva contabilística associa o valor de um intangível ao seu reconhecimento no balanço.

 

No caso concreto, a fundamentação da AT (no RIT) segue a perspetiva contabilística,  por via da invocação das disposições da Norma Contabilística de Relato Financeiro (“NCRF”) 6, publicada, após homologação do Secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, no Aviso n.º 15655/2009, do Diário da República, 2.ª série, n.º 173, de 7 de setembro , na sequência da aprovação do Sistema de Normalização Contabilística (“SNC”), pelo Decreto-lei n.º 158/2009, de 13 de julho. Neste âmbito, a AT conclui que se transmitiram ativos intangíveis, designadamente a carteira de clientes e o know-how do pessoal da B... .

 

Esta tese, quando vistos tais ativos isoladamente, num plano contabilístico, não é apropriada à situação. Poderá ter, contudo, aderência à realidade, se a operação for vista como equivalente à transferência económica de um negócio ou atividade. Explicitemos.

 

Atente-se nas seguintes disposições da NCRF 6:

“9 – As entidades gastam com frequência recursos, ou incorrem em passivos, pela aquisição, desenvolvimento, manutenção ou melhoria de recursos intangíveis tais como conhecimentos científicos ou técnicos, conceção e implementação de novos processos ou sistemas, licenças, propriedade intelectual, conhecimento de mercado e marcas e objetivos comerciais (incluindo nomes comerciais e títulos de publicações). Exemplos comuns de itens englobados nestes grupos são o software de computadores, patentes, copyrights, filmes, listas de clientes, direitos de hipotecas, licenças de pesca, quotas de importação, franchises, relacionamentos com clientes ou fornecedores, fidelidade de clientes, quota de mercado e direitos de comercialização.

10 – Nem todos os itens descritos no parágrafo 9 satisfazem a definição de um ativo intangível, i.e. identificabilidade, controlo sobre um recurso e existência de benefícios económicos futuros [...]

16 – Uma entidade pode ter uma carteira de clientes ou uma quota de mercado e esperar que, devido aos seus esforços para criar relacionamentos e fidelizar clientes, estes continuarão a negociar com a empresa. Porém, na ausência de direitos legais para proteger, ou de outras formas controlar, o relacionamento com clientes ou a sua fidelidade para com a entidade, esta geralmente não tem controlo suficiente sobre os benefícios económicos esperados derivados do relacionamento e fidelização dos clientes para que tais itens (por exemplo, carteira de clientes, quotas de mercado, relacionamento com clientes e fidelidade dos clientes) satisfaçam a definição de ativos intangíveis. Na ausência de direitos legais para proteger os relacionamentos com os clientes, as transações de troca dos próprios relacionamentos com os clientes ou outros semelhantes (que não sejam como parte de uma concentração de atividades empresariais) constituem prova de que a entidade está, não obstante, capacitada para controlar os benefícios económicos futuros esperados que fluam dos relacionamentos com os clientes. Dado que essas transações de troca também constituem prova de que os relacionamentos com os clientes, em si mesmos, são separáveis, esses relacionamentos com os clientes satisfazem a definição de ativo intangível.”

 

Assim, quanto a um suposto valor, individualizado e reconhecido no balanço, da carteira de clientes, a fundamentação da AT ancora-se nas "transações de troca dos próprios relacionamentos com os clientes" (§16). Note-se que não são as simples transações com clientes (vendas de produtos ou serviços) a originarem ativos intangíveis; mas sim as transações dos relacionamentos, ou seja, do direito a comercializar com os clientes, transferindo a clientela (“lista de clientes”) como elemento potencialmente gerador de benefícios futuros.

 

A eventual existência de transações passadas de listas de clientes por parte da B... constituiria uma prova de aferição da identificabilidade, controlo e potencial de geração de benefícios futuros. Sucede que, no caso, não é apresentada qualquer prova transacional, quantificada, da qual possa emergir a sustentação contabilística de um ativo isolado e como tal valorizável.

 

Para mais, (…), as condições específicas em que uma potencial transação entre entidades independentes (fosse entre a B... e um terceiro independente, por via de um comparável interno; ou entre dois terceiros independentes, por via de um comparável externo) é suscetível de constituir um referencial exigem uma análise prévia de comparabilidade que tem de levar em conta certos aspetos da relação potencial com os clientes e a probabilidade de realização da operação ou do negócio em condição comparável.»

 

25. Por outro lado, no concernente ao valor do know-how dos trabalhadores que passaram da B... para a C...– segundo o vertido no RIT (cf. Anexos 9, 10 e 11), foram quatro trabalhadores e exerciam as seguintes funções: Diretor Comercial, Técnico Comercial, Administrativo Comercial e Administrativo da Direção Financeira (cf. factos provados aa) e ee)) –, como afirmado no Ac. 216/2018-T, «importa começar por compulsar a NCRF 6 (§ 15):

"15 — Uma entidade pode ter uma equipa de pessoal habilitado e pode ser capaz de identificar capacidades incrementais do pessoal que conduzam a benefícios económicos futuros derivados da formação. A entidade pode também esperar que o pessoal continue a pôr as suas capacidades ao seu dispor. Porém, geralmente uma entidade não tem controlo suficiente sobre os benefícios económicos futuros provenientes de uma equipa de pessoal habilitado e da formação para que estes itens satisfaçam a definição de um ativo intangível. Por uma razão semelhante, é improvável que uma gestão específica ou um talento técnico satisfaça a definição de ativo intangível, a menos que esteja protegido por direitos legais para usá-lo e obter dele os benefícios económicos futuros esperados e que também satisfaça as outras partes da definição."

 

À luz deste preceito, não é sustentável que, num plano contabilístico, o know-how do pessoal, visto isoladamente, consubstancie um ativo reconhecível e valorizável.

 

Não se pretende com isto dizer que, em face destas questões analíticas, não haja qualquer valorização de intangíveis a efetuar como defende a Requerente. É que o artigo 3.º da Portaria n.º 1446-C/2001 estabelece que o termo «operações» "abrange as operações financeiras e, bem assim, as operações comerciais, incluindo qualquer operação ou série de operações que tenha por objeto bens corpóreos ou incorpóreos, direitos ou serviços, ainda que realizadas no âmbito de um qualquer acordo, designadamente de partilha de custos e de prestação de serviços intragrupo, ou de uma alteração de estruturas de negócio, em especial quando esta envolva transferência de elementos incorpóreos ou compensação de danos emergentes ou lucros cessantes".

 

E, no caso, existiu uma operação que consistiu num acordo intragrupo de alteração de estruturas de negócio que envolveu, quando visto na sua globalidade, ativos que, não estando embora reconhecidos como intangíveis nas contas da B..., são, contudo, elementos económicos determinantes para que a estrutura operacional da C... desenvolva a sua atividade e gere benefícios potenciais.

 

Se entre duas entidades independentes se efetuasse tal operação de realocação de ativos, equivalente a uma transferência de atividade, não seria a falta de reconhecimento dos ditos “ativos” nas contas do vendedor da estrutura comercial que determinaria que essas fontes eventuais de criação de valor (clientela, know-how) não tivessem uma contrapartida.»

 

26. Noutra ordem de considerações, também entendemos que «uma cláusula que preveja a inexistência de indemnização a pagar em caso de alteração de estrutura do negócio é compreensível no seio do grupo, mas não deve condicionar em absoluto a apreciação do princípio de plena concorrência.

 

Isso é, aliás, sublinhado pela OCDE, nas suas Orientações ou Guidelines (cf. “The OECD Transfer Pricing Guidelines for Multinational Enterprise and Tax Administrations, 2017, Chapter IX, Business Restructurings”), nos seguintes termos:

"9.105 However, the examination of the terms of the contract between the associated enterprises may not suffice from a transfer pricing perspective as the mere fact that a given terminated, non-renewed or renegotiated contract did not provide an indemnification or guarantee clause does not necessarily mean that this is arm’s length, as discussed below."

 

Em tradução livre deste Tribunal, afirma-se que o facto de uma cláusula prever a ausência de indemnização, quando da transferência de elementos empresariais, não significa que a administração tributária esteja impedida de a avaliar no plano da disciplina fiscal dos preços de transferência.

 

Acrescenta ainda a OCDE que:

"9.80 Transfers of intangible assets raise difficult questions both as to the identification of the assets transferred and as to their valuation. Identification can be difficult because not all valuable intangible assets are legally protected and registered and not all valuable intangible assets are recorded in the accounts."

 

Ou seja, certos intangíveis, tendo efetivo relevo económico, nem sempre estão legalmente protegidos e registados no balanço das entidades.

 

Em suma, pese embora a análise da Requerida a respeito dos ativos intangíveis em questão não aprofundar, como poderia, tais aspetos, não se julga que tal imperfeição seja de ordem a permitir, por si só, a resolução do caso. Acresce que a fundamentação constante do RIT apela amiúde às expressões "transferência de negócio" ou "atividade de comercialização"  e não apenas a ativos individualizados, embora os clientes e o know-how sejam, neste contexto, fulcrais (face à não significância dos ativos tangíveis). Interessa notar que a disciplina fiscal dos preços de transferência obedece a uma teleologia e visa, no essencial, impedir a flexibilidade completa dos grupos empresariais na alocação de resultados a partir de operações vinculadas.» (Ac. 216/2018-T)

 

                27. Isto posto. No tangente à metodologia de quantificação do facto tributário e respetivos pressupostos, a Requerida afirma que o método utilizado para apurar o valor dos intangíveis em apreço foi o do Preço Comparável de Mercado (doravante, PCM). Contudo, a Requerente alega que, compulsado o RIT, não resulta da fundamentação da correção em causa a identificação de um comparável independente ou de um preço de mercado concorrencial.  

 

Como referimos acima, resulta do estatuído no artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, que o mencionado método (PCM) é o apropriado, designadamente, nas seguintes situações:

a)            Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b)           Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.     

 

Sucede que não resulta evidenciado nos autos que tenha sido usado um comparável interno, tal como definido na alínea a) do citado artigo 6.º – uma vez que não é referido que a B... tenha alienado a um terceiro, não relacionado, ativos semelhantes em condições similares –, nem é exibido um comparável externo, proveniente de uma transação idêntica entre duas entidades independentes, como preconizado na alínea b) do mesmo artigo 6.º.

 

Consequentemente, tal como se afirma no Ac. 216/2018-T, importa «apurar se, a partir da natureza exemplificativa (“designadamente” é a expressão usada na norma acima citada), o método aplicado pela AT cumpre os requisitos do PCM, que a lei define de forma particularmente exigente no artigo 6º da citada Portaria, designadamente no plano da comparabilidade.

 

Para além do que se estabelece na legislação portuguesa sobre o PCM, as Guidelines da OCDE contêm importantes considerações e diretrizes sobre a correta avaliação de intangíveis, que não podem aqui deixar de ser sublinhadas. Assim:

"6.20 In applying the arm’s length principle to controlled transactions involving intangible property, some special factors relevant to comparability between the controlled and uncontrolled transactions should be considered. These factors include the expected benefits from the intangible property (possibly determined through a net present value calculation). Other factors include: any limitations on the geographic area in which rights may be exercised; export restrictions on goods produced by virtue of any rights transferred; the exclusive or non-exclusive character of any rights transferred; the capital investment (to construct new plants or to buy special machines), the start-up expenses and the development work required in the market; the possibility of sub-licensing, the licensee’s distribution network, and whether the licensee has the right to participate in further developments of the property by the licensor."

 

Significa isto, em tradução livre deste Tribunal, que certos fatores especiais de comparabilidade devem ser considerados na análise de uma transação vinculada envolvendo intangíveis, por confronto com uma transação similar entre partes independentes. Entre esses fatores destacam-se os seguintes: benefícios esperados, calculados por um método de valor descontado ou pelo valor presente desses benefícios; limitações geográficas ao uso dos intangíveis; o carácter de exclusividade (ou falta dela) dos direitos incorporados nos intangíveis transmitidos; possibilidade de sub-licenciamento dos ativos, entre outros.

 

Quando seja difícil obter evidência sobre transações comparáveis entre partes independentes, a OCDE recomenda que:

"9.112 In case such evidence is not found, the question would be whether independent parties would have agreed to a similar allocation of risk. This will depend on the facts and circumstances of the transaction and in particular on the rights and other assets of the parties", colocando o acento tónico na alocação de risco que duas entidades independentes estabeleceriam numa transação comparável.

 

Por fim, refira-se, ainda respigado das orientações da OCDE:

"9.143 One important issue with such before-and-after comparisons is that a comparison of the profits from the post-restructuring controlled transactions with the profits made in controlled transactions prior to the restructuring would not suffice given Article 9 of the OECD Model Tax Convention provides for a comparison to be made with uncontrolled transactions. Comparisons of a taxpayer’s controlled transactions with other controlled transactions are irrelevant to the application of the arm’s length principle and therefore should not be used by a tax administration as the basis for a transfer pricing adjustment or by a taxpayer to support its transfer pricing policy."

 

Ou seja, e traduzindo livremente, preconiza-se que a comparação do lucro entre duas operações controladas, antes e depois de uma transação, não pode servir de base à aplicação do princípio de plena concorrência pelas autoridades fiscais. Sustentar que um PCM pode ser apurado em tais circunstâncias é entendido pela OCDE como inviável no plano da aplicação da disciplina fiscal dos preços de transferência.

 

Compreende-se que assim seja. Se a aplicação da disciplina dos preços de transferência visa comparar operações vinculadas com operações realizadas entre entidades independentes, em circunstâncias similares, então a comparação dos lucros que resultem de duas operações vinculadas não pode servir de base a tal comparabilidade, de acordo com as normas legais e regulamentares aplicáveis (cf. artigo 63.º do Código do IRC e Portaria n.º 1446-C/2001).»

 

28. Dito isto, há então que aquilatar se a metodologia de quantificação do facto tributário e seus pressupostos enfermam dos vícios que lhes foram imputados pela Requerente.

 

Como resulta do RIT, a Requerida efetua o apuramento do preço comparável de mercado da operação de transferência da atividade, ou de realocação de ativos, por via da reafectação de intangíveis da B... para a C..., da seguinte forma (cf. facto provado ee)):

«O montante de 417.606,48 Euros configura a margem operacional potencial da B... e representa o rendimento anual, referente ao período de 2015, a que a B... deixou de aceder por ter abdicado, sem qualquer compensação, de clientes fidelizados que realizaram aquisições durante um longo período de tempo e que transitaram para a C... devido a urna decisão imposta peto grupo. Uma empresa independente, na posse de uma carteira de clientes fidelizados, só abdicaria de parte das suas encomendas presentes e das encomendas futuras, caso obtivesse uma compensação que lhe permitisse aceder a um rendimento equivalente ou superior.

O preço de plena concorrência a título de compensação pela cedência do ativo intangível é de 417.606,48 Euros, que corresponde à remuneração das vendas que a B... deixou de obter junto da sua base de clientes fidelizados, em prol da concretização das mesmas através da C..., em 2015. Verificando-se que a função comercial desempenhada peta B... era suscetível de gerar, através das encomendas dos seus clientes, uma remuneração adicional de 417.606,48 Euros em 2015, uma entidade independente tenderia a refletir aqueles lucros cessantes no preço a cobrar pela utilização anual dos intangíveis cedidos, o que não aconteceu.

O justo valor dos direitos de utilização dos ativos intangíveis cedidos, calculados sob a forma de lucros cessantes, corresponde portanto a 417.606,48 Euros. Este valor representa o montante, não cobrado pela B... à C... no ano de 2015, decorrente da cedência da utilização dos ativos intangíveis essenciais à prossecução do negócio.»

 

Temos, assim, que o preço usado pela AT (€ 417.606,48) não é um preço comparável de mercado, quer na perspetiva de um comparável interno (cf. alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro), quer na perspetiva de um comparável externo (cf. alínea b) do n.º 2 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro).

 

Acresce que, como estabelecido no n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro, a adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

 

Destarte, resulta evidenciado que o sobredito preço (€ 417.606,48) foi obtido usando elementos de uma transação vinculada e não – como legalmente se impunha – de uma transação entre partes independentes; com efeito, o valor dos lucros de 2015 que, segundo o vertido no RIT, a B... deixou de auferir, consubstancia um comparável apurado em situação de relações especiais, pois ele emerge e é apurado no contexto de uma atividade comercial efetuada no seio de um grupo empresarial.  

 

Como é salientado no § 9.143 das Guidelines da OCDE, o resultado desta atividade estimada da B..., operada inteiramente no seio de um grupo empresarial, não pode servir como análise comparativa.

 

Ademais, na fundamentação do ato tributário não existe «qualquer análise a fatores de comparabilidade, como sejam, o acesso por um independente aos produtos das entidades produtoras do Grupo, ou a repartição do preço entre a B... e as empresas do Grupo que tinham angariado a larga fatia dos clientes, numa lógica de profit splitting ou de repartição do lucro, por investimentos passados.

 

Em suma, quando o RIT refere que uma empresa independente, na posse de uma carteira de clientes fidelizados, só abdicaria de parte das suas encomendas presentes e das encomendas futuras, caso obtivesse uma compensação que lhe permitisse aceder a um rendimento equivalente ou superior, toma como um dado que tal compensação deve corresponder ao preço comparável de mercado. Todavia, tal preço de mercado, como alega a Requerente, não é observado, nem tem uma lógica de formação, num mercado concorrencial entre partes independentes.» (Ac. 216/2018-T)

 

Tal preço, ou compensação, é tão só o lucro anual que, segundo a AT, a B... deixou de auferir em 2015 continuando a operar no seio do grupo empresarial, com transações vinculadas; ora, tal não pode ser considerado um preço de mercado, pois assenta em operações vinculadas e não em dados de transações entre partes não relacionadas. Como é dito no Ac. 216/2018-T, «o benchmark ou termo comparativo para apurar o preço de cedência de uma atividade, ou estrutura comercial, entre partes independentes, não pode tomar-se como o lucro anual que se obteria em condições de operações vinculadas. Tal resulta da lei e das Guidelines da OCDE, doutrina de referência» (no mesmo sentido ver, entre outros, os acórdãos do STA, de 17/11/2004, proferido no processo n.º 0915/04 e de 29/11/2006, prolatado no processo n.º 0401/06; e, também entre outras, as decisões proferidas nos processos arbitrais n.ºs 55/2012-T, 145/2013-T, 160/2013-T, 109/2015-T e 559/2015-T).

 

29. Adicionalmente, não será despiciendo salientar que o § 6.13 das Guidelines da OCDE (6.13 (...) the arm´s length principle pertains equally to the determination of transfer pricing between associated entreprises for intangible property. This principle can, however, be difficult to apply to controlled transactions involving intangible property because such property may have a special character complicating the search for comparables and in some cases making value difficult to determine at the time of the transaction. Further, for wholly legitimate business reasons due to the relationship between them, associated enterprises might sometimes structure a transfer in a manner that independent enterprises would not contemplate (see paragraphs 1.11 and 1.64)) sublinha que no seio de um grupo empresarial existem relacionamentos especiais, com regras próprias desse mesmo grupo, que não devem ser automaticamente postos em causa por desrespeito ao princípio de plena concorrência, particularmente em transações envolvendo intangíveis.

 

Efetivamente, importa ter presente que as «entidades relacionadas podem celebrar entre si contratos e acordos de tipos muito mais diversificados do que as empresas independentes, dada a ausência de conflitos de interesses habituais entre empresas independentes. Podem igualmente celebrar, e celebram muitas vezes, acordos de natureza específica, que não encontramos, ou muito raramente, entre empresas independentes» . 

 

Ademais, exceto em situações excecionais, «a Administração Fiscal não deve abstrair-se das operações efectivas, nem substituí-las por outras operações. A reestruturação de operações comerciais legítimas mostra-se um procedimento totalmente arbitrário».      

 

Neste conspecto, o RIT é totalmente omisso – sendo certo que não deveria sê-lo – quanto ao valor do contributo do GRUPO  O.../A... para a clientela da B..., conforme resultou assente no probatório (cf. facto provado y)). Como se afirma no Ac. 216/2018-T, «[n]uma transação entre partes independentes, a parte vendedora, tendo previamente obtido, certamente por via do pagamento de uma contrapartida um tal direito ou ativo intangível, o que ganharia seria o valor decorrente do seu contributo específico, e não o valor total do ativo, pois que uma substancial parte do mesmo não foi por si desenvolvido.

 

No caso vertente, ao lucro da B... teria de ser deduzido o valor aportado pelo grupo para a carteira de clientes realocada à C... . A admitir-se uma compensação pela reafectação dos intangíveis da B..., teria também de analisar-se como aquela se repartiria entre as entidades do Grupo que contribuíram para a geração dos intangíveis realocados.»

  

                30. Nestes termos, a correção à matéria tributável de IRC do ano de 2015, no montante de € 417.606,48, referente a preços de transferência, padece de vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, por violação das normas que definem a utilização do método do Preço Comparável de Mercado para determinação dos preços de transferência, designadamente do disposto no artigo 63.º, n.ºs 2 e 3, alínea a), do Código do IRC e nos artigos 4.º, n.ºs 1, alínea a), 2 e 3, 5.º e 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de dezembro.

 

Uma vez que essa correção à matéria tributável subjaz, em parte, ao ato de liquidação adicional de IRC controvertido, este está parcialmente inquinado pelo mesmo vício invalidante, o que determina a sua anulação parcial (cf. artigo 163.º do CPA).

 

§2.4. DOS JUROS COMPENSATÓRIOS

31. O artigo 35.º, n.º 1, da LGT estatui que são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária.

 

Na situação sub judice, concluiu-se que o ato de liquidação adicional de IRC controvertido é parcialmente inválido por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, gerador de anulabilidade, na parte em que decorre da correção à matéria tributável, no montante de € 417.606,48, referente a preços de transferência.

 

Tendo sido esse o pressuposto subjacente à liquidação de juros compensatórios controvertida, esta enferma de idêntico vício invalidante e, por consequência, deve ser anulada.

 

§2.5. REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS, ACRESCIDOS DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

32. A Requerente peticiona, ainda, o reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos – no valor total de € 32.762,70 (cf. facto provado ff)) –, acrescidos de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais; sendo que resultou comprovado que a Requerente procedeu ao pagamento integral dos valores resultantes dos atos de liquidação controvertidos (cf. facto provado gg)).

 

O artigo 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT preceitua que a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a administração tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exatos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, restabelecer a situação que existiria se o ato tributário objeto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adotando os atos e operações necessários para o efeito, o que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT (aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT) que estabelece, que a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão.

 

Embora o artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão “declaração de ilegalidade” para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que em processo de impugnação judicial são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira diretriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

 

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de atos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do estatuído no artigo 43.º, n.º 1, da LGT e no artigo 61.º, n.º 4, do CPPT.

 

Assim, o n.º 5 do artigo 24.º do RJAT, ao estatuir que é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário, deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

 

Por outro lado, dependendo o direito a juros indemnizatórios do direito ao reembolso de quantias pagas indevidamente, que são a sua base de cálculo, está ínsita na possibilidade de reconhecimento do direito a juros indemnizatórios a possibilidade de apreciação do direito ao reembolso dessas quantias.

 

Isto posto, cumpre, então, apreciar os pedidos de reembolso dos montantes de imposto e de juros compensatórios pagos e de pagamento de juros indemnizatórios.

 

§2.5.1. DO REEMBOLSO DOS MONTANTES PAGOS

33. Na sequência da declaração de ilegalidade e anulação dos atos de liquidação controvertidos, nos termos acima enunciados, há lugar a reembolso do imposto e dos juros compensatórios pagos indevidamente, por força do disposto nos artigos 24.º, n.º 1, alínea b), do RJAT e 100.º da LGT, pois tal afigura-se essencial para restabelecer a situação que existiria se os mencionados atos tributários não tivessem sido praticados.

 

Destarte, procede o pedido de reembolso do montante global de € 32.762,70 (trinta e dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta cêntimos).

 

§2.5.2. DO PAGAMENTO DE JUROS INDEMNIZATÓRIOS

34. O artigo 43.º, n.º 1, da LGT estatui que “são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido”, estatuindo o n.º 5 do artigo 61.º do CPPT que os “juros são contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos”.

               

No caso concreto, a Requerente pagou os montantes de IRC e de juros compensatórios liquidados e, por os mesmos serem indevidos, tem direito ao reembolso do montante global de € 32.762,70 trinta e dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta cêntimos).

 

Ademais, verifica-se que a ilegalidade da liquidação adicional de IRC controvertida e da inerente liquidação de juros compensatórios, nos termos acima enunciados, é imputável à AT por, naquelas liquidações, ter incorrido em vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios, nos termos do estatuído nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º do CPPT, relativamente ao montante de € 32.762,70 (trinta e dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta cêntimos) a reembolsar, calculados desde a data em que efetuou o pagamento – 22 de fevereiro de 2019 (cf. facto provado gg)) – até à data do processamento da respetiva nota de crédito, em que são incluídos, à taxa legal supletiva, nos termos estatuídos nos artigos 43.º, n.º 4 e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º do CPPT e 559.º do Código Civil e da Portaria n.º 291/2003, de 8 de abril. 

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35. A finalizar, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras. 

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IV. DECISÃO

Nos termos expostos, este Tribunal Arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e, consequentemente:

(i)           Declarar ilegais e anular, por vício de violação de lei, por erro sobre os pressupostos de direito, a liquidação adicional de IRC n.º 2019...– na parte em que decorre da correção referente a preços de transferência, no valor de € 417.606,48 –, a liquidação de juros compensatórios n.º 2019... e a demonstração de acerto de contas n.º 2019..., no montante global de € 32.762,70 (trinta e dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta cêntimos), referentes ao exercício de 2015, com as legais consequências;

(ii)          Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a reembolsar o montante de € 32.762,70 (trinta e dois mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta cêntimos) à Requerente, acrescido de juros indemnizatórios, calculados nos termos legais;

(iii)         Condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira no pagamento das custas do presente processo.

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VALOR DO PROCESSO

Em conformidade com o disposto nos artigos 306.º, n.º 2, do CPC ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT, 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea a), do RJAT e 3.º, n.º 2, do Regulamento das Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, é fixado ao processo o valor de € 32.760,70 (trinta e dois mil setecentos e sessenta euros e setenta cêntimos).

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CUSTAS

Nos termos do disposto nos artigos 12.º, n.º 2, e 22.º, n.º 4, do RJAT e no artigo 4.º, n.º 4, e na Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, o montante das custas é fixado em € 1.836,00 (mil oitocentos e trinta e seis euros), cujo pagamento fica a cargo da Autoridade Tributária e Aduaneira.

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Notifique.

 

Lisboa, 20 de janeiro de 2020.

 

O Árbitro,

 

(Ricardo Rodrigues Pereira)