Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 300/2013-T
Data da decisão: 2014-09-22  IRC  
Valor do pedido: € 40.221,54
Tema: Preços de transferência
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Processo n.º 300/2013-T

 

DECISÃO ARBITRAL[1]

 

 

 

1.      Relatório

 

 

A - Geral

 

 

1.1.            A... - , LDA, sociedade com sede no Porto, na Rua …, titular do número de identificação fiscal ... (de ora em diante designada “Requerente”), apresentou, no dia 20.12.2013, um pedido de constituição de tribunal arbitral em matéria tributária, que foi aceite, visando a declaração de ilegalidade do acto tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) e juros compensatórios do ano de 2009, com data de 23.11.2012.

 

1.2.            Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do art.º 6.º e da alínea b) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa designou como árbitro Nuno Pombo, não tendo as partes, depois de devidamente notificadas, manifestado oposição a essa designação.

 

1.3.            Por despacho de 03.01.2014, a Administração Tributária e Aduaneira (de ora em diante designada “Requerida”) procedeu à designação dos Senhores Dr. … e Dr. …para intervirem no presente processo arbitral, em nome e representação da Requerida.

 

1.4.            Em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do art.º 11.º do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, na redacção que lhe foi dada pelo art.º 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral foi constituído a 21.02.2014.

 

1.5.            No dia 25.02.2014 foi notificado o dirigente máximo do serviço da Requerida para, querendo, no prazo de 30 dias, apresentar resposta e solicitar produção de prova adicional.

 

1.6.            No dia 28.03.2014 a Requerida apresentou a sua resposta.

 

 

B – Posição da Requerente

 

 

1.7.            Na sequência do relatório da inspecção tributária notificado à Requerente no dia 22.11.2012, a Requerida procedeu a correcções de natureza meramente aritmética, em sede de IRC e relativamente ao exercício de 2009, no valor global de € 396.043,65 (trezentos e noventa e seis mil e quarenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), referentes a:

 

1.7.1.      Correcções ao valor de transmissão de direitos reais sobre bens imóveis no montante de € 4.940,00 (quatro mil novecentos e quarenta euros); e

 

1.7.2.      Correcções ao valor de transmissão de créditos à sociedade B..., S.A. (B...) no montante de € 391.103,65 (trezentos e noventa e um mil cento e três euros e sessenta e cinco cêntimos).

 

1.8.            A Requerente aceitou as correcções mencionadas no ponto 1.7.1., mas não se conformou com as referidas em 1.7.2., pelo que contra elas deduziu no dia 06.05.2013 reclamação graciosa, que foi indeferida, tendo desse indeferimento interposto recurso hierárquico a 18.03.2013, o qual se deve ter por tacitamente indeferido, por ausência de resposta da Requerida.

 

1.9.            A correcção aritmética em crise, resultado da aplicação do art.º 58.º do Código do IRC (CIRC), funda-se na convicção da Requerida de que numa venda de créditos realizada a 13.03.2009, a Requerente “não teria respeitado o princípio de plena concorrência”, porquanto teria cedido por € 77.868,90 (setenta e sete mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos) à B..., sociedade pertencente ao grupo de sociedades que a Requerente integra, créditos sobre a C…, S.A. (C...), no montante de € 486.290,98 (quatrocentos e oitenta e seis mil duzentos e noventa euros e noventa e oito cêntimos) que nesse mesmo dia havia adquirido à D… C.R.L. (D...) por € 468.972,55 (quatrocentos e sessenta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos).    

 

1.10.        A Requerente entende, porém, que estas sucessivas aquisição e alienação dos créditos originariamente detidos pela D... sobre a C..., também do grupo de sociedade da B... e da Requerente (os Créditos), não podem ser apreciadas à margem de uma operação comercial mais vasta, antes carecem de ser enquadradas no contexto que lhes dá sentido, que é o que sumariamente se descreve:

 

1.10.1.  A Requerente era líder de um consórcio celebrado com a E... –, S.A., e com a F... –, Lda. visando a promoção de um projecto imobiliário em Cascais, na sequência de um concurso público lançado pela Câmara Municipal de …;

 

1.10.2.  No âmbito desse projecto imobiliário, a Requerente contratou a C... para esta executar infra-estruturas, tendo-se esta sociedade, na sequência de “sérias dificuldades financeiras durante o ano de 2008”, apresentado à insolvência no dia 30.09.2008.

 

1.10.3.  No dia 06.10.2008 foi a C... declarada insolvente, tendo sido aprovado um plano de viabilização, que passava pela aquisição dos créditos reclamados e sua transformação em capital social, assegurando-se, dessa forma, a recuperação da sociedade.

 

1.10.4.  O plano de insolvência elaborado pelo administrador da insolvência, datado de 13.02.2009, previa, entre outras medidas, que os credores comuns fossem pagos apenas por 15% dos créditos e em 60 prestações mensais. 

 

1.10.5.  Para evitar a mudança de empreiteiro na obra referida em 1.10.2., a Requerente predispôs-se a favorecer a recuperação da C..., aceitando adquirir por € 468.972,55 (quatrocentos e sessenta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) os créditos que a D... detinha sobre a C..., com vista à sua conversão em capital social.

 

1.10.6.  Essa aquisição seria realizada através de uma permuta, entregando a Requerente à D... dois imóveis que, apesar de terem um valor de mercado de cerca de € 160.000,00 (cento e sessenta mil euros), seriam valorados, no acto de transmissão, em € 494.000,00 (quatrocentos e noventa e quatro mil euros).

 

1.10.7.  Ou seja, por conveniência da D..., os Créditos seriam vendidos por preço superior ao seu real valor, o que seria compensado pela alienação dos dois imóveis também por preço superior ao que efectivamente valiam, pelo que a relação de troca se mostrava equitativa.

 

1.10.8.  Sucede que, a realizar-se a operação como originariamente gizada, a D... teria de suportar o imposto pela aquisição dos imóveis objecto da permuta, pelo que impôs à Requerente que essa aquisição fosse feita por uma entidade com ela relacionada, a G... , Unipessoal, Lda., mantendo-se inalterada a restante operação.

 

1.10.9.  No dia 13.03.2009 foi então formalizada a operação, adquirindo a Requerente à D..., como acertado, os créditos que esta detinha sobre a C... por € 468.972,55 (quatrocentos e sessenta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) e, ainda, diversos equipamentos, alienando à G... , Unipessoal, Lda., como contrapartida, os dois referidos imóveis por € 494.000,00 (quatrocentos e noventa e quatro mil euros). 

 

1.11.        Entende pois a Requerente que a venda dos Créditos à B... respeitou o princípio da plena concorrência, tendo sido praticados os termos ou condições que seriam praticados entre entidades independentes, porquanto os Créditos manifestamente não valiam os € 468.972,55 (quatrocentos e sessenta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos), preço pelo qual a D... os alienou à Requerente, como aliás se percebe da leitura do plano de insolvência.

 

 

C – Posição da Requerida

 

1.12.        A Requerida, na sua resposta, enuncia que o disposto no art.º 58.º do CIRC não pressupõe uma motivação fraudulenta, visando estabelecer uma paridade no tratamento fiscal entre empresas integradas em grupo e empresas independentes.

 

1.13.        Para a Requerida, “é evidente” que o “negócio feito dentro do próprio grupo [a venda dos Créditos pela Requerente à B... por um valor substancialmente inferior ao que, no mesmo dia, ela os havia adquirido a entidade não relacionada] foi realizado com o único objectivo de realizar contabilisticamente menos valias”.

 

1.14.        Recorda a Requerida que a Requerente adquiriu à D..., com quem não tem quaisquer relações especiais, um conjunto de créditos por um certo valor, os quais, no mesmíssimo dia, foram por si vendidos a uma entidade relacionada com uma impressiva desvalorização de 83,3%. Ora, na presença de preços de venda tão diferentes para a mesma realidade, e na impossibilidade de se conceber uma tão forte desvalorização de um determinado património sem qualquer lapso temporal que a acomode, forçoso é concluir que, das duas uma: ou o preço de aquisição dos Créditos à D... é o de mercado ou é “ficcionado”, sendo pouco crível, no juízo da Requerida, que “a entidade bancária ficcione” um preço de venda.

 

 

D – Conclusão do Relatório

 

 

1.15.        No dia 27.05.2014, pelas 14h30, teve lugar a reunião prevista no art.º 18.º do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), tendo sido prestado o depoimento do gerente da Requerente, Senhor Eng.º …, e ouvidas as seguintes testemunhas, arroladas pela Requerente:

a)      …, economista; e

b)      …, engenheiro.

 

1.16.        Na reunião a que se refere o número anterior o representante da Requerida não prescindiu do direito de apresentar as suas alegações, tendo então o tribunal arbitral, com o acordo das partes, concedido, a cada uma, Requerente e Requerida, e por esta ordem, o prazo de 15 dias para apresentarem as suas alegações escritas, o que ambas fizeram.

 

1.17.        No dia 12.06.2014 a Requerente apresentou as suas alegações, que respigam os argumentos aduzidos no requerimento de pronúncia arbitral, adiantando que foi uma “pura lógica de organização do grupo” a ditar que a participação no capital social da C... seria detida pela B..., razão por que a Requerente lhe cedeu os Créditos, que seriam ulteriormente convertidos em capital social.

 

1.18.        Mais diz a Requerente que o preço praticado na alienação dos Créditos à B... se justifica, “única e exclusivamente”, “pelo facto de, entretanto, ter ficado acordado que os credores da C... receberiam apenas «15% do capital com perdão total de juros»”, sendo esse, portanto, o seu valor de mercado.

 

1.19.        A Requerente esclarece ainda que à data da transacção a que vimos fazendo referência era já conhecido o plano de insolvência da C..., “que previa o pagamento de 15% das dívidas em 60 prestações mensais”. Caso esse plano não fosse aprovado e se se avançasse para a liquidação, então, o valor de mercado dos Créditos “corresponderia a 0% do seu valor”, o que implicaria que a Requerente, nessa circunstância, teria levado a custo o valor integral do crédito adquirido, de acordo com o preceituado à época no artigo 39.º do Código do IRC”.

 

1.20.        No dia 24.06.2014 apresentou a Requerida as suas alegações, que começam por sustentar a inadmissibilidade da “prova testemunhal que contraponha as convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou particular”, como se estabelece no n.º 1 do art.º 394.º do Código Civil, lembrando que o n.º 2 do mesmo artigo refere que aquela proibição se aplica “ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores”, razão por que o tribunal arbitral não pode atender ao depoimento das pessoas ouvidas no âmbito deste processo, na parte em que sugerem a existência de um negócio simulado entre as partes que protagonizaram as várias transacções do dia 13.03.2009.

 

1.21.        Recorda a Requerida que dos autos constam dois documentos que não admitem contraprova testemunhal, a saber: um contrato de cessão de créditos celebrado entre a Requerente e a D... e uma escritura pública de compra e venda de imóveis entre a Requerente e a G..., Unipessoal, Lda., celebrado e outorgada entre entidades não relacionadas por valores que, pretende demonstrar a Requerente, foram simulados, porquanto o preço por que os créditos foram cedidos e o preço por que foram alienados os imóveis foram, efectivamente, muito inferiores ao nesses documentos declarado.

 

1.22.        Conclui, pois, a Requerida, que os negócios referidos no número anterior correspondem à realidade e ao valor de mercado dos créditos em questão, até porque, no momento em que a Requerente adquire à D... os Créditos, por sua livre e incondicionada vontade, “já se conhecia a desvalorização da suposta redução do valor, pelo que o negócio efectuado entre as entidades independentes cristalizou em função do mercado, oferta e procura, o valor dos créditos em questão”.

 

1.23.        O processo não padece de qualquer nulidade nem foram suscitadas pelas partes quaisquer excepções que obstem à apreciação do mérito da causa, pelo que se mostram reunidas as condições para a prolação da decisão arbitral.

 

 

2.      Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

2.1.1.      A Requerente foi objecto de uma acção inspectiva pelos Serviços de Inspecção Tributária da Direcção de Finanças do Porto – …, ao abrigo da credencial n.º OI2011…, de 09.08.2011 (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.2.      Dessa acção inspectiva resultaram correcções à matéria tributável atinente ao IRC do exercício de 2009, no valor de € 396.043,65 (trezentos e noventa e seis mil e quarenta e três euros e sessenta e cinco cêntimos), que inclui o montante de € 391.103,65 (trezentos e noventa e um mil cento e três euros e sessenta e cinco cêntimos) relativo a “Correcções ao valor de transmissão de créditos à sociedade B..., S.A.” (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.3.      Em razão das correcções à matéria tributável de IRC do exercício de 2009, foi a Requerente notificada dos actos de liquidação adicional de IRC n.º 2012…, de liquidação de juros compensatórios n.º 2012… e de acerto de contas n.º 2012…, dos quais resultou um saldo de € 40.221,54 (quarenta mil duzentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos), a pagar até ao dia 07.01.2013 (doc. n.º 1, junto com o pedido de pronúncia arbitral e art.º 1.º da resposta da Requerida).  

 

2.1.4.      A Requerente, a C... e a B... integram o mesmo grupo de sociedades, que apresenta a seguinte configuração (doc. n.º 5, junto com o pedido de pronúncia arbitral e pág. 6/9 do relatório que consta do doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral):

 

[…]

 

2.1.5.      No dia 13.03.2009 a Requerente adquiriu à D... créditos que esta detinha sobre a C..., no montante de € 486.290,98 (quatrocentos e oitenta e seis mil duzentos e noventa euros e noventa e oito cêntimos) por € 468.972,55 (quatrocentos e sessenta e oito mil novecentos e setenta e dois euros e cinquenta e cinco cêntimos) (doc. n.º 11, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.6.       Também no dia 13.03.2009 foi outorgada uma escritura pública pela qual a Requerente vendeu à G... , Unipessoal, Lda., por € 494.000,00 (quatrocentos e noventa e quatro mil euros), dois imóveis nela identificados (doc. n.º 13, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.7.      Ainda no dia 13.03.2009 a Requerente vendeu por € 77.868,90 (setenta e sete mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos) os Créditos à B... (doc. n.º 14, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.8.      Em face da discrepância dos valores de compra e de venda dos Créditos, a Requerente afectou negativamente os seus resultados no exercício de 2009 em € 391.103,65 (trezentos e noventa e um mil cento e três euros e sessenta e cinco cêntimos) (doc. n.º 2, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

2.1.9.      A C..., à data de 13.03.2009, tinha visto ser decretada a sua insolvência no âmbito do processo n.º…, do 3.º Juízo do Tribunal de Comércio de … (doc. n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral). 

 

2.1.10.  O plano de insolvência datado de 13.02.2009 previa a adopção de medidas tendentes à viabilização da C..., sendo opinião do seu autor que a rejeição do plano deixaria comprometida a viabilidade económico-financeira da insolvente. As medidas propostas incluíam a “transformação de créditos em capital”, o “perdão de juros vencidos e vincendos relativamente a todos os credores”, com excepção da Segurança Social e, ainda, relativamente aos credores comuns, o pagamento de apenas 15% do capital, em 60 prestações mensais, iguais e sucessivas a iniciar em 31 de Janeiro de 2011 (doc. n.º 7, junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

 

2.2.            Factos não provados

 

2.2.1.      O preço declarado no contrato de cessão de créditos celebrado entre a Requerente, na qualidade de cedente, e a B..., enquanto cessionária, não corresponde ao preço que seria normalmente acordado, aceite ou praticado entre entidades independentes.

 

2.2.2.      O preço declarado no contrato de cessão de créditos celebrado entre a Requerente, na qualidade de cessionária, e a D..., enquanto cedente, corresponde ao preço que seria normalmente acordado, aceite ou praticado entre entidades independentes.

 

3.      Matéria de direito

 

3.1. Questão a decidir

 

Resulta do que acima se deixou dito que a questão a apreciar é, no fundo, a de saber se a venda dos Créditos à B... não foi regida pelos princípios da plena concorrência, não tendo sido nessa transacção usados termos e condições idênticos aos que seriam, em condições normais de mercado, contratados, aceites e praticados entre entidades independentes.

 

 

3.2. O regime dos preços de transferência

 

3.2.1. A protecção da plena concorrência – fontes normativas aplicáveis ao IRC

 

A Requerida funda as correcções aritméticas operadas, e que estiveram na origem da liquidação adicional de IRC em causa, no que considera ser a violação do princípio da plena concorrência, que encontrava protecção, à data dos factos, no regime estatuído no art.º 58.º do CIRC[2], cujos dois primeiros números estabelecem o seguinte:

 

Artigo 58.º

Preços de transferência

1   Nas  operações  comerciais,  incluindo,  designadamente, operações ou séries  de operações sobre  bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 – O sujeito passivo deve adoptar, para a determinação dos termos e  condições  que  seriam  normalmente  acordados,  aceites  ou  praticados entre entidades independentes, o método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efectua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em  conta,  designadamente,  as  características  dos  bens,  direitos  ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais características relevantes das empresas envolvidas, as funções por elas desempenhadas, os activos utilizados e a repartição do risco.

 

Em perfeita consonância com as disposições ora transcritas, o n.º 1 do art.º 1.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, aplicável por força do n.º 13 do já referido art.º 58.º do CIRC dispõe que “nas  operações efectuadas entre um sujeito passivo do IRS ou do IRC e qualquer outra entidade, sujeita ou não a estes impostos, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos e condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis”.

 

3.2.2. O objectivo do regime dos preços de transferência e os seus requisitos

 

As disposições aludidas no número anterior deixam perceber o sentido e o alcance do regime dos preços de transferência. Pretendeu com ele o legislador que as operações entre entidades que mantenham relações especiais – como é manifestamente o caso da Requerente e da B..., como se conclui do n.º 4 do art.º 58.º do CIRC – sejam objecto de tributação tal como se elas fossem protagonizadas por entidades totalmente independentes entre si.

 

É forçoso reconhecer que a especialidade das relações entre dois agentes económicos pode impor termos e condições que apenas se justifiquem em razão dela. Portanto, pretende-se com o regime dos preços de transferência que a tributação dessas operações se faça com base nos valores que seriam acordados em situações normais de mercado, dando-se à administração tributária a possibilidade de fazer as correcções que entenda necessárias ao lucro tributável de um sujeito passivo de modo a que esse resultado, para efeitos exclusivamente tributários, seja o que devia ser em condições normais de mercado, expurgando-o, assim, dos efeitos fiscais imputáveis à especialidade das relações entre os contraentes.

 

Para que não se violem os princípios da legalidade e da capacidade contributiva, ambos com dignidade constitucional, é necessário que a intervenção correctiva da administração tributária preencha os requisitos de que depende a aplicação do regime dos preços de transferência, a saber[3]:

 

·         A existência de relações especiais entre os contraentes de determinada transacção;

·         O estabelecimento, entre esses contraentes, de termos e condições diferentes dos que seriam normalmente acordados entre entidades não relacionadas;

·          O reconhecimento de que a especialidade das relações dos contraentes é a causa adequada dos termos e condições efectivamente praticados na transacção.

 

Como se pode concluir, este regime assenta, simplificando, em dois princípios basilares: o da plena concorrência e o da comparabilidade.

 

3.2.3. Os princípios da plena concorrência e da comparabilidade

 

O princípio da plena concorrência “postula que as empresas especialmente relacionadas, na definição dos preços das suas transacções, devem seguir os mesmos pressupostos que seriam seguidos por empresas independentes, nas condições e práticas normais de mercado[4]”.

 

Já o princípio da comparabilidade, por seu turno, sugere o confronto do preço praticado entre empresas especialmente relacionadas e o que, supostamente, seria praticado entre empresas independentes[5]. Este princípio, nos termos do n.º 2 do art.º 58.º do CIRC impõe a adopção pelo sujeito passivo do “método ou métodos susceptíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade” entre essas operações.

 

Na verdade, para determinar o preço de plena concorrência, a administração tributária tem de aplicar um dos métodos previstos no então art.º 58.º do CIRC e regulados pela Portaria a que fizemos referência, nomeadamente o do preço comparável, que deveria sobrepor-se a todos os outros, por ser, em tese, o mais fiável e fidedigno, já que “requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes”, como se pode ler no n.º 1 do art.º 6.º da Portaria. Dir-se-ia, aliás, não poder haver comparabilidade mais credível do que aquela que repousa na existência de duas transacções ocorridas no mesmo dia, sobre o mesmo objecto, uma entre entidades independentes e outra entre entidades relacionadas.

 

3.2.4. As situações normais de mercado

 

Se é, como nos parece, indisputável o que se deixou dito sobre a necessária comparabilidade das duas transacções em presença, a efectivamente praticada entre entidades relacionadas e a hipotética, ou seja, aquela que teria ocorrido em situações normais de mercado, entre entidades não relacionadas, não podem deixar de ser enfatizadas as expressões a que a própria lei faz apelo: “valores normais de mercado” e “situações normais de mercado”. Ou seja, a aplicação do regime dos preços de transferência, visando a correcção aritmética do lucro tributável de um sujeito passivo não dispensa a demonstração de que os termos e condições contratados, aceites e praticados numa determinada transacção entre entidades relacionadas seriam outros caso essa mesma operação houvesse sido praticada entre entidades independentes, em condições normais de mercado.

 

No fundo, é necessário, por um lado, evidenciar que os termos e condições acertados entre entidades relacionadas não correspondem aos que resultariam da transparência do mercado aberto e, por outro, é imperioso deixar provado que seriam outros os termos e condições praticados por entidades independentes, em situações normais de mercado.

 

Quer-se com o que antecede sustentar que a aplicação do regime dos preços de transferência não se pode bastar com a mera demonstração de ter havido uma transacção entre entidades relacionadas e uma outra, tida como comparável, entre entidades não relacionadas. E a impossibilidade que aqui se defende resulta da necessidade de serem preenchidos os requisitos, todos, de que depende a aplicação do regime em apreço. É preciso demonstrar, sim, que foram, numa determinada operação entre entidades relacionadas, praticados termos e condições diferentes dos que foram (ou seriam) usados em operação comparável, realizada entre entidades não relacionadas. Mas mais: é preciso ainda provar que os termos e condições praticados entre entidades relacionadas não foram os que seriam usados em situações normais de mercado, o que implica, salvo melhor opinião, um duplo juízo: por um lado, sobre os termos e condições efectivamente praticados e, por outro, sobre os termos e condições que se crê deverem ser usados como referência.

 

Não basta, pois, assinalar a divergência. Forçoso é qualificá-la.  

 

Importa ainda referir que o esforço probatório pertence à Requerida[6]. Cabe na verdade à Requerida, no caso vertente, demostrar que se acham reunidos todos os requisitos de que depende a aplicação deste regime, nos termos do n.º1 do art.º 74.º, da Lei Geral Tributária.

 

Foi este, aliás, o entendimento sufragado, e bem, pelo douto acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.06.2005, proferido no processo 228/05. Este aresto tem interesse para o caso sub judice. Nele está em causa a aquisição e a ulterior alienação de quotas representativas do capital social de uma sociedade comercial. Num primeiro momento, uma entidade adquire duas quotas para, pouco tempo depois, as vender a uma entidade relacionada, por valor muito inferior ao usado para a aquisiçaõ, registando, consequentemente, uma variação patrimonial negativa nas suas contas e afectando negativamente o seu resultado tributável. O sujeito passivo em causa não se conformou com a correcção efectuada pela administração tributária e o Supremo Tribunal Administrativo entendeu que a dita correcção havia sido legítima. Julgou portanto estar em conformidade com a ordem jurídica a desconsideração do preço praticado entre as entidades relacionadas, aceitando que a tributação se realizasse tendo em conta o valor fixado na transacção anterior, entre entidades não relacionadas. 

 

Mais do que a solução, importa surpreender o iter deliberativo. Não se limitou a administração tributária, no processo administrativo que antecedeu a fase judicial do litígio, a: i) apontar a existência de dois negócios temporalmente próximos tendo por objecto o mesmo bem; ii) a denunciar a divergência dos valores em cada um deles praticados; e a iii) evidenciar que numa dessas transacções os intervenientes eram entidades relacionadas. Não. A administração tributária (e o tribunal) apreciou o preço de venda das quotas que havia sido corrigido e fê-lo nos seguintes termos:

  

“O valor nominal de 3.080.000$00, que a recorrente considerou como preço de venda das quotas, representa 13,7% do capital social de 22.500.000$00. Os capitais próprios declarados à data de 31/12/97 ascendem a 449.546.128$00, excluindo a dedução de 61.087.500$00 de perdas em quotas próprias. O capital social de 22.500.000$00, corresponde a valores relativos à década de 50, altura em que a sociedade foi constituída. Do seu património fazem parte um prédio rústico e um urbano com valor contabilístico desactualizado. Faz ainda parte do seu valor intrínseco um considerável valor imaterial, que se manifesta na sua capacidade de gerar rendimentos, proveniente da sua longevidade e rentabilidade. Do exposto resulta bem claro, que o preço de venda das quotas próprias à SGPS, não corresponde ao valor real, sendo um preço artificial, impraticável entre pessoas independentes.”    

 

Como se vê por este trecho, o juízo sobre a bondade da correcção realizada pela administração tributária não dispensou a criteriosa análise do preço praticado no negócio celebrado entre entidades relacionadas. Só ela permitiu concluir que esse preço não podia ser o que seria considerado caso o negócio houvesse sido celebrado por entidades absolutamente independentes. Atalhando: foi possível ao tribunal formar a convicção de que o bem objecto de transacção entre entidades relacionadas foi subavaliado; foi, pois, possível ao tribunal chegar à conclusão de que aquelas quotas valiam mais do que foi considerado no negócio entre empresas com relações especiais.

 

Claro está que o raciocínio do tribunal foi além desta ilação. No processo, teve de ser demonstrado, por um lado, que a subavaliação se deveu às relações especiais existentes entre os contraentes e, por outro, que o valor praticado no primeiro negócio correspondia ao que seria ajustado em condições normais de mercado, entre entidades não relacionadas. Contudo, o primeiro passo foi, como não podia deixar de ser, a demonstração de que o preço praticado na transacção entre entidades relacionadas não era razoável. Não era o de mercado.    

 

3.2.5. A aplicação do regime dos preços de transferência ao caso sub judice

 

a)      A posição da Requerida

 

Tendo determinado a existência de relações especiais entre a Requerente e a B..., conclui a Requerida, acertadamente, que a venda dos Créditos pela Requerente à B... carecia de ser analisada à luz das normas estabelecidas no art.º 58.º do CIRC. Considerou então, e bem, que o método mais adequado ao caso era o do preço comparável de mercado. Ora, exigindo-se que a comparação fosse feita com o bem mais idêntico possível, o caso permitia que o confronto fosse feito com o próprio bem e na mesma data, já que a Requerente adquiriu os Créditos a entidade independente, a uma entidade bancária, no mesmo dia em que os alienou à B....

 

É cristalina a conclusão da Requerida a págs. 8 do relatório de inspecção (doc. 2, junto com o requerimento de pronúncia arbitral): “Uma vez que os créditos são os mesmo, as datas de transacção são também coincidentes, o sujeito passivo que os adquiriu (a uma entidade independente, logo sem qualquer relação especial) foi o que, no mesmo dia, os vendeu (desta vez a uma entidade com a qual possui relações especiais […]), conclui-se que esta venda dos créditos à sociedade B... […] não foi regida pelos princípios da plena concorrência e que não foram nesta transacção praticados termos ou condições idênticos aos contratados, aceites e praticados entre entidades independentes para a mesma operação”.

 

É também essa, de resto, a posição da Requerida quando indefere a reclamação graciosa apresentada pela Requerente (doc. 3, junto com o requerimento de pronúncia arbitral):

 

27 – Concluíram os Serviços da Inspecção Tributária da AT que esta venda [a da Requerente à B...]:

- não foi regida pelos Princípios de Plena Concorrência

- não foram nesta transacção praticados termos ou condições idênticos aos contratados, aceites e praticados entre entidades independentes para a mesma operação

 

28 – Isto porque a A...

- ADQUIRIU através de contrato de cessão de créditos à ... , CRL, pelo preço de €468.972,55

- VENDEU os mesmos créditos à B... pelo preço global de €77.868,90

 

Sendo que

 

29 – a primeira operação da A..., aquisição, foi realizada de acordo com a livre vontade dos intervenientes, duas entidades sem relações especiais entre si

 

30 – a segunda operação da A..., venda, foi realizada entre entidades com relações especiais entre si

 

31 – Logo à AT não restava outra solução a não ser a de efetuar uma correção ao lucro tributável (…)”    

 

Não será abusivo afirmar que, para a Requerida, na operação entre a Requerente e a B... foi violado o princípio de plena concorrência por uma simples razão: a de que elas são entidades relacionadas, tendo havido no mesmo dia uma operação com o mesmo objecto entre entidades não relacionadas. Ora, forçoso é reconhecer que as afirmações supra reproduzidas não encerram conclusões, em sentido próprio. Antes são puros axiomas, razão por que não sente a Requerida a necessidade de provar, em termos substanciais, por um lado, a razão por que não pode ser atendido o preço de venda dos Créditos à B... e, por outro, a razão pela qual o preço fiscalmente relevante tem de ser o que foi fixado na transacção com a D.... Considerar dispensável esta demonstração equivale a sustentar que não há negócios entre entidades relacionadas que respeitem os princípios de plena concorrência e, do mesmo passo, que os termos e condições acertados entre entidades não relacionadas são sempre aqueles que são ditados pelas condições normais de mercado. Ora, parece a este tribunal claro que assim não é.  

 

b)     As operações em causa

 

São conhecidos os termos e condições praticados em ambas as transacções, a da compra e a da venda dos Créditos pela Requerente, à D... e à B..., respectivamente.

 

Como se procurou demonstrar, em termos lógicos, a análise da operação de compra dos Créditos pela Requerente é posterior ao exame da operação de venda desses Créditos à B.... Até porque foi esta operação, e não a outra, a ser alvo da correcção aritmética disputada, ainda que não se ignore que a correcção da operação de venda foi efectuada em função do que se acertou na de compra.

 

Como se disse, a Requerida entendeu que o preço de venda dos Créditos à B... não podia ser considerado para efeitos fiscais, por duas razões:

·         porque os contraentes são entidades relacionadas; e

·         porque o valor nesta transacção corresponde a uma desvalorização de cerca de 83,3% (oitenta e três vírgula três por cento) face ao preço praticado na compra feita pela Requerente à D..., ocorrida no mesmo dia, lembre-se.

 

 A Requerente, ainda no processo administrativo, ofereceu a justificação, a sua, claro está, para que o preço praticado naquela venda tenha sido aquele e não outro, nomeadamente o que havia sido praticado na aquisição. Ora, a C..., entidade devedora, estava insolvente e o respectivo plano de insolvência, anterior, como se sabe, a 13.03.2009, data das operações em causa, previa, para a generalidade dos credores, o “pagamento de 15% do capital com perdão total de juros, em 60 prestações mensais”. Os Créditos, como é sabido, eram de € 486.290,98 (quatrocentos e oitenta e seis mil duzentos e noventa euros e noventa e oito cêntimos), tendo sido vendidos à B... por € 77.868,90 (setenta e sete mil oitocentos e sessenta e oito euros e noventa cêntimos), ou seja, por 16% (dezasseis por cento) do seu valor nominal.

 

A pergunta a que deve ser dada resposta é esta: fará sentido que entidades não relacionadas, em condições normais de mercado, acordem na compra e venda de créditos sobre uma sociedade insolvente por 16% (dezasseis por cento) do seu valor nominal, quando o respectivo plano de insolvência, a ser aprovado, prevê o “pagamento de 15% do capital com perdão total de juros, em 60 prestações mensais”? Na verdade, sendo o plano de insolvência aprovado e correndo tudo conforme nele previsto, os dois valores não são muito diferentes, mesmo sendo evidente que o valor de compra por uma entidade não relacionada, ou seja, por uma entidade que apenas curasse da qualidade do crédito a adquirir deveria reflectir, pelo menos, o efeito financeiro da dilação do pagamento, já para não falar no risco de incumprimento.

 

Mas mesmo que se admita que aquela pergunta não é de fácil resposta, parece menos difícil a que pode ser dada a estoutra: fará sentido que entidades não relacionadas, em condições normais de mercado, acordem na compra e venda de créditos sobre uma sociedade insolvente por 96,44% (noventa e seis vírgula quarenta e quatro por cento) do seu valor nominal, quando o respectivo plano de insolvência, a ser aprovado, prevê o “pagamento de 15% do capital com perdão total de juros, em 60 prestações mensais”? A resposta a esta pergunta é, com toda a certeza, um rotundo não.

 

Portanto, falece um (ou mesmo dois) dos pressupostos ou requisitos de que depende a aplicação do regime dos preços de transferência ao caso sub judice, pelo menos na base do sustentado pela Requerida.

 

Parece legítima a dúvida sobre a bondade, oportunidade ou necessidade da sequência de operações realizadas ou sobre a irrelevância fiscal da sua arquitectura. Aliás, a própria Requerente veio confessar capciosos propósitos de algumas dessas transacções. Na verdade, será impróprio, precipitado ou descabido admitir que a venda dos Créditos à B... teve como desiderato a realização de uma menos-valia que permitisse acomodar ou compensar a mais-valia realizada com a venda dos imóveis, também no dia 13.03.2009, à ..., Unipessoal, Lda.? Será absurdo conceber, como faz a Requerida, que o “negócio feito dentro do próprio grupo [a venda dos Créditos pela Requerente à B...] foi realizado com o único objectivo de realizar contabilisticamente menos valias”? Talvez não…

 

Contudo, admitir esta possibilidade, não pode implicar a correcção do valor de venda dos Créditos à B... com base no argumento de que esse preço viola o princípio de plena concorrência. É evidente que havendo, no mesmo dia e relativamente aos mesmos Créditos, dois preços de venda diferentes, tão diferentes aliás, um deles, pelo menos, não há-de corresponder a um preço de mercado. E no caso vertente, a haver um dos preços a carecer de correcção é provavelmente o da compra à D... e não o da venda à B..., pelas razões apontadas. 

 

Note-se, porém, que esta conjectura não implica pôr em causa quaisquer documentos juntos aos autos. O contrato pelo qual a Requerente adquiriu os Créditos e a escritura pública que procede à transmissão dos imóveis referem valores, claro, mas em lado nenhum se lê que são valores de mercado. Nenhum desses documentos expressa quaisquer considerações sobre situações normais de mercado. Portanto, admitir dar relevo às condições, ao contexto, em que foram negociados e celebrados esses negócios, não põe em causa o que está vertido nos documentos que os formalizam.

 

c)      Conclusão

 

Pelo exposto, é entendimento do tribunal arbitral que estão feridos de ilegalidade os actos de liquidação adicional de IRC n.º 2012…, de liquidação de juros compensatórios n.º 2012… e de acerto de contas n.º 2012…, dos quais resultou um saldo de € 40.221,54 (quarenta mil duzentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos).

 

 

4.      Decisão

 

Nos termos e com os fundamentos expostos, o tribunal arbitral decide julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com a consequente anulação das liquidações impugnadas, com todas as consequências legais.

 

 

5.      Valor do processo

 

De harmonia com o disposto no n.º 2 do art.º 315.º do CPC, na alínea a) do n.º1 do art.º 97.º-A do CPPT e ainda do n.º 2 do art.º 3.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 40.221,54 (quarenta mil duzentos e vinte e um euros e cinquenta e quatro cêntimos).

 

 

6.      Custas

 

Para os efeitos do disposto no n.º 2 do art.º 12 e no n.º 4 do art.º 22.º do RJAT e do n.º 4 do art.º 4.º do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, fixa-se o montante das custas em € 2.142,00 (dois mil cento e quarenta e dois euros), nos termos da Tabela I anexa ao dito Regulamento, a suportar integralmente pela Requerida.

 

 

Lisboa, 22 de Setembro de 2014

 

 

O Árbitro

 

 

 

 

 (Nuno Pombo)

 

 



[1] A redacção da presente decisão arbitral obedece à ortografia anterior ao Acordo Ortográfico de 1990.

[2] Correspondente ao art.º 63.º do CIRC, hoje em vigor.

[3] Cfr., ainda que com ligeira diferença, ELISABETE LOURO MARTINS, O ónus da prova no Direito Fiscal, Coimbra Editora (Wolters Kluwer Portugal), 2010, págs. 198 e segs..

[4] RUI DUARTE MORAIS, Preços de transferência – O sistema fiscal no fio da navalha, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 2, número 1, pág. 142.

[5] RUI DUARTE MORAIS, Preços de transferência – O sistema fiscal no fio da navalha, in Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, ano 2, número 1, pág. 137.

[6] ELISABETE LOURO MARTINS, O ónus da prova no Direito Fiscal, Coimbra Editora (Wolters Kluwer Portugal), 2010, págs. 209 e segs., com referência a numerosa jurisprudência que vai no sentido do que defendemos.