DECISÃO ARBITRAL
I – RELATÓRIO
A..., pessoa coletiva n.º..., com sede no ..., ...– ... apresentou em 29/04/2019 pedido de constituição de tribunal e de pronúncia arbitral, no qual solicita a apreciação da legalidade do ato de liquidação adicional de retenções na fonte de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e juros compensatórios – n.º 2018..., no montante de 43 000,00 euros de imposto e 6700,93 euros de juros compensatórios, porquanto entende que a liquidação é ilegal por erro nos pressupostos de facto e de direito.
O Exmo. Senhor Presidente do Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), designou em 21/06/2019 como árbitro, Francisco Nicolau Domingos.
No dia 11/07/2019 ficou constituído o tribunal arbitral.
Cumprindo a previsão do artigo 17.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro (RJAT) foi a Requerida em 12/07/2019 notificada para, querendo, apresentar resposta, solicitar a produção de prova adicional e juntar o Processo Administrativo (PA) aos autos.
Em 27/09/2019 a Requerida apresentou a sua resposta, na qual pugna pela manutenção do ato na ordem jurídica.
Considerando que não foi solicitada a produção de qualquer prova, não se vislumbrou necessário convidar as partes a aperfeiçoarem as suas peças processuais e que caso existissem exceções de conhecimento oficioso podiam ser conhecidas na decisão arbitral, o tribunal em 14/10/2019, decidiu, ao abrigo do princípio da autonomia na condução do processo e na determinação das regras a observar com vista à obtenção, em prazo razoável, de uma pronúncia de mérito sobre as pretensões formuladas (artigo 16.º, al. c) do RJAT), a dispensa de realização da reunião a que alude o artigo 18.º do RJAT, concedeu prazo para que as partes apresentassem alegações finais escritas e fixou data limite para proferir a decisão arbitral.
As alegações finais escritas, em que as partes mantiveram as suas posições iniciais, foram apresentadas pela Requerente e pela Requerida em 22/10/2019 e 31/10/2019, respetivamente.
POSIÇÃO DAS PARTES
A Requerente entende que o pagamento de 172 000,00 euros à B..., sociedade brasileira sediada em ... deve ser qualificado como uma operação sobre “direitos económicos”. Mais concretamente, no seu juízo, o rendimento obtido pela B... deve ser considerado como de aplicação de capitais, sendo passível de tributação em Portugal, pois a fonte do rendimento (residência do devedor) localiza-se neste território e encontra-se sujeito a Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) – artigo 4.º, n.º 3, al. c), subalínea 3 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC), subsumindo-se à definição do artigo 5.º, n.º 1 do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (CIRS) e, assim, sujeito a retenção na fonte a título definitivo – artigo 87.º, n.º 4 do CIRC, sem prejuízo da possibilidade de aplicação da limitação prevista em Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT).
No seu juízo, essa obrigação de retenção na fonte cessa quando, por força de uma Convenção destinada a eliminar a dupla tributação ou de um outro acordo de direito internacional que vincule o Estado Português ou de legislação interna, a competência para a tributação dos rendimentos auferidos por uma entidade que não tenha a sede, nem a direção efetiva em território português e aí não possua estabelecimento estável ao qual os mesmos sejam imputáveis não seja atribuída ao Estado da fonte, ou o seja apenas de forma limitada – artigo 98.º do CIRC.
A Requerente propugna, em primeira linha, que a posição da AT, no sentido de que a B... agiu em representação dos interesses do jogador de futebol – C... (C...), enquanto “empresário desportivo”, no momento da realização do Acordo de Transferência celebrado pela Requerente e o D..., não tem respaldo normativo.
Relativamente ao argumento utilizado no Relatório de Inspeção Tributária (RIT), no sentido de que a B... agiu como “empresário desportivo”, sustenta que, apesar de não existirem divergências relativamente à qualificação jurídica daquela entidade, a atividade dos agentes desportivos não se encontra circunscrita a operações de intermediação desportiva, como é disso exemplo, a rentabilização da imagem dos jogadores.
O dissídio, no seu juízo, está na qualificação da operação, v.g. o pagamento de 172 000,00 euros pela Requerente à B... que tem como fundamento o exercício da atividade típica do “empresário desportivo”. Observa que, pela análise do teor do Acordo de Cessão de Direitos Económicos não é possível concluir que a B... atuou em nome e por conta do atleta.
Em segunda linha, alega que a operação nuclear se materializa como “paralela” àquelas que são desenvolvidas pelos “agentes desportivos”, pois o rendimento daquela sociedade de direito brasileiro resulta da atividade empresarial de investimento por si efetuado.
Deste modo, conclui que a operação descrita no Acordo de Cessão de Direitos Económicos não consubstancia uma operação decorrente do exercício, em território português, da atividade de desportistas, mas sim de aquisição de um ativo fixo intangível – aquisição de 40% dos direitos económicos de C... . Isto é, o rendimento pago à B... nunca poderá constituir um rendimento proveniente do exercício de uma atividade desportiva ou de uma atividade de intermediação em prol do jogador.
Em terceira linha, alega que a circunstância de o administrador da Requerente ter referido em auto de declarações que “a B..., de E..., agente do jogador C..., foi a empresa com quem a A... contratou a comissão respeitante à transferência do jogador” não pode ser interpretada no sentido de que tenha existido alguma imposição do jogador para a celebração do Acordo de Cessão de Direitos Económicos, que a sociedade de direito brasileiro o tivesse celebrado em representação do jogador e nem que a Requerente tivesse efetuado qualquer pagamento relacionado com a representação do jogador.
Termina solicitando a anulação da liquidação de juros compensatórios e a condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, estes contados desde o pagamento da liquidação em crise até ao reembolso da quantia.
A Requerida apresenta uma defesa com a seguinte fundamentação:
i) Qualificação do pagamento realizado à B..., Lda.
A Requerida começa por sustentar que os fundamentos do pedido de pronúncia arbitral assentam em errónea interpretação do Direito e abuso de direito, este na modalidade de venire contra factum proprium, v.g. declarações do administrador da Requerente e documentação por si junta ao procedimento inspetivo.
Defende-se sustentando que é profusa a prova recolhida durante o procedimento inspetivo, no sentido de a B... ter sido remunerada pela intermediação no negócio jurídico que conduziu a que o jogador C... tivesse assinado um contrato de trabalho desportivo com o D..., mediante uma comissão de intermediação paga pela A... .
Neste âmbito observa que a empresa brasileira detida pelo agente do atleta –C... tem de ser qualificada como “empresário desportivo” para efeitos do Regime Jurídico do Contrato de Trabalho Desportivo e do Contrato de Formação Desportiva (RJCTD), como a própria Requerente confessa, no artigo 44.º do pedido de pronúncia arbitral.
Em segundo lugar propugna não ser verdade que no contrato de trabalho entre o atleta e a Requerente não exista qualquer referência à participação da B... em nome e representação do atleta, pois basta verificar o Instrumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças, para confirmar que assim não o é. Na verdade, neste último documento consta que: «a B... representa os interesses do atleta e intermediou a rescisão do contrato de trabalho do atleta com o seu antigo clube “...”, da Itália, e a assinatura do novo vínculo contratual (…) com o A...».
Para além do mais, a Requerente recebeu 1 000 000,00 euros do D... pela totalidade da transferência do atleta e, em momento algum, do “Transfer Agreement” a B... é mencionada enquanto titular dos direitos desportivos, quando alegadamente teria 40% destes. Em bom rigor, não consta sequer como parte.
Por isso observa que, a B... prescindiu de 40% (400 000,00 euros dos direitos económicos), tendo sido remunerada por 172 000,00 euros a título de “comissão” ou “intermediação”, perante a atividade de “empresário desportivo” que exerceu em nome e por conta do atleta, como resulta do aludido Instrumento Particular.
Acrescenta ainda que, a B... agiu sempre em representação dos interesses do jogador, como atesta a declaração do administrador da A... durante o procedimento inspetivo. Por conseguinte, o pagamento de 172 000,00 euros não foi, definitivamente, efetuado no âmbito de transferência de direitos económicos, como aponta o modelo 21 – RFI: “intermediação”.
Em resumo, tendo a B... representado o jogador, a comissão paga pela Requerente ao seu agente, atuando como tal, por sua conta, configura uma remuneração acessória de C... .
Ora, sendo o jogador de futebol não residente em Portugal desde o final de agosto de 2014 - data da sua transferência para o D..., clube de futebol onde vem, desde então desenvolvendo a sua atividade profissional, o pagamento da comissão realizado a 23/12/2014 configura uma remuneração acessória, auferida em Portugal, obtida por um sujeito passivo não residente e, como tal, sujeita a retenção na fonte a título definitivo à taxa de 25% - artigo 71.º, n.º 4, al. a) do CIRS.
QUESTÕES A DECIDIR
Nesta sequência, tendo em atenção as pretensões e posições da Requerente e da Requerida constantes das suas peças processuais, acima descritas, são as seguintes as questões que o tribunal deve apreciar (sem prejuízo da solução dada a certa questão poder prejudicar o conhecimento de outra ou outras questões – cfr. artigo 608.º, n.º 2 do Código de Processo Civil (CPC), aplicável ex vi artigo 21.º, n.º 1, al. e) do RJAT):
a) Se a liquidação adicional de retenções na fonte de IRS e juros compensatórios - n.º 2018... padece do vício de violação da lei, por erro nos pressupostos, dado que o pagamento efetuado pela Requerente, no montante de 172 000,00 euros, à B... configura uma remuneração resultante de uma atividade empresarial de investimento;
b) Se a liquidação de juros compensatórios deve ser anulada;
c) Se a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.
SANEAMENTO
O processo não enferma de nulidades, o tribunal arbitral encontra-se regularmente constituído e é materialmente competente para conhecer e decidir o pedido, verificando-se, consequentemente, as condições para ser proferida a decisão final.
II – FUNDAMENTAÇÃO
MATÉRIA DE FACTO
1. Factos com relevância para a apreciação da causa que se consideram provados
1.1. A Requerente celebrou contrato de trabalho desportivo com C..., com início a 05/07/2013 e termo a 30/06/2016 (PA).
1.2. A B..., Lda. é uma sociedade brasileira com sede na ..., ..., ..., ..., ..., ... (PA).
1.3. No contrato a que se alude em 1.1. convencionou-se o pagamento de uma cláusula de rescisão no montante de 10 000 000,00 euros (PA).
1.4. A Requerente, no dia 01/05/2014, cedeu gratuitamente à B..., Lda., pessoa coletiva sediada no ... 40% dos direitos económicos do aludido jogador, através da celebração de um Instrumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças (PA).
1.5. No considerando c) do Instumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças consta que: «a B... representa os interesses do atleta e intermediou a rescisão do contrato de trabalho do atleta com o seu antigo clube “...”, da Itália e a assinatura do novo vínculo contratual (o “contrato de trabalho LPF”) com o A...» (PA).
1.6. No considerando d) do Instrumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças consta que: «o A... mediante comum acordo com a B..., resolve definir a participação da B... nos “direitos económicos” referentes ao atleta, conforme definido a seguir” (PA).
1.7. A Requerente, por intermédio do aludido Instrumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças cedeu gratuitamente à B..., 40% dos direitos económicos do jogador C..., ficando a Requerente com os remanescentes 60% (PA).
1.8. A Requerente e o jogador C... revogaram o contrato de trabalho desportivo em 29/08/2014 (Documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral sob o número 7).
1.9. Nesse mesmo dia foi celebrado o Acordo de Transferência do referido jogador para o D... S.p.a., mediante o pagamento de 1 000 000,00 euros à Requerente (Documento junto pela Requerente no pedido de pronúncia arbitral sob o número 8).
1.10. A Requerente emitiu em 05/09/2014 a fatura n.º 65/2014, no valor de 950 000,00 euros ao D... S.p.a., sendo esta paga no dia 09/09/2014 (PA).
1.11. A Requerente, por documento datado de 01/12/2014 declarou que: i) recebeu 875 000,00 euros com fonte na transferência do jogador de futebol C... para o D... S.p.a.; ii) ao abrigo do Instrumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças, a B... teria direito a 40% do montante da venda, mas que aceitou receber pela venda do jogador 172 000,00 euros (PA).
1.12. No dia 19/12/2014 a B... emitiu à Requerente a fatura n.º 44/2014, com a descrição: “Pagamento da comissão de C...”, no montante de 172 000,00 euros (PA).
1.13. A Requerente pagou 172 000,00 euros à B... em 23/12/2014 (PA).
1.14. O modelo 21 – RFI, assinado pelo representante legal da B... – F...foi apresentado, constando deste que o pagamento foi efetuado a título de intermediação (PA).
1.15. O jogador de futebol C... foi residente fiscal em território português, para efeitos de IRS, no período compreendido de 05/07/2013 a 29/08/2014 (PA).
1.16. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) realizou uma ação inspetiva externa à Requerente, relativamente ao exercício fiscal de 2014 e parcial, incluindo IRC, Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e retenções na fonte (PA).
1.17. A ação inspetiva foi realizada com fonte na OI2018... (PA).
1.18. De tal ação inspectiva resultaram diversas correções meramente aritméticas, nomeadamente, a falta de retenção na fonte de IRS, no montante de 43 000,00 euros (PA).
1.19. A Requerente foi notificada da liquidação adicional de retenções na fonte de IRS e de juros compensatórios (n.º 2018...), no montante global de 49 700,93 euros (PA).
1.20. A Requerente procedeu nos dias 12/04/2019 e 24/04/2019 ao pagamento de 50 535, 57 euros e 297,52 euros, respetivamente, exigido no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...2019..., instaurado para a cobrança coerciva do montante descrito em 1.19., juros moratórios e custas processuais (documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral).
1.21. O pedido de pronúncia arbitral foi apresentado em 29/04/2019 (Sistema informático do CAAD).
3.2. Factos não provados
Com relevo para a decisão nada ficou por provar.
4. Fundamentação da matéria de facto que se considera provada
A matéria de facto dada como provada tem génese nos documentos juntos com o pedido de pedido de pronúncia arbitral, cuja autenticidade não foi colocada em causa e no processo administrativo.
MATÉRIA DE DIREITO
O dissídio tem por fonte o enquadramento da seguinte operação: pagamento de 172 000,00 euros à B..., entidade residente no Brasil, a título de “intermediação" relativa ao jogador C..., sem efetuar a retenção na fonte.
Se para a Requerente, o pagamento foi efetuado em virtude do Instrumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças e resultou de uma atividade empresarial de investimento efetuada pela entidade não residente (B...) – remuneração de capitais; para a Requerida, o aludido pagamento foi realizado a título de comissão de intermediação, no âmbito da transferência do jogador para o D..., visto que a entidade atuou por sua conta. Isto é, o pagamento da comissão em 23/12/2014 configura uma remuneração acessória do jogador obtida em Portugal (atuação por sua conta), por um sujeito passivo não residente, sujeita a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% - artigo 71.º, n.º 4, al. a) do CIRS.
Façamos um breve percurso sobre a noção e fundamento jurídico das remunerações acessórias.
As remunerações acessórias compreendem todos os direitos, benefícios ou regalias não incluídas na remuneração principal e constituem rendimento do trabalho dependente quando preencham os seguintes requisitos: i) sejam auferidas devido à prestação de trabalho ou em conexão com esta e ii) constituam para o beneficiário uma vantagem económica – artigo 2.º, n.º 3, al. b) do CIRS.
Como assinala a doutrina , caso a opção do legislador consistisse na sua não tributação, promovia-se a evasão com a proliferação desta gama de remunerações. Embora a opção política de as tributar não seja imune a dificuldades que se iniciam com a sua definição e avaliação e podem legitimar a sua não tributação no domínio do imposto pessoal, tributando-as no domínio da empresa que as paga, não considerando dedutíveis os custos incorridos no seu pagamento ou estatuindo a sua tributação autónoma.
A formulação normativa, de natureza geral tem, pelo menos, a virtualidade de excluir da tributação alguns bens que sejam utilizados ou consumidos pelo trabalhador apenas ou predominantemente no interesse da entidade patronal .
Deste modo, as remunerações acessórias são descritas no artigo 2.º, n.º 3, al. b) do CIRS a título exemplificativo, pois são múltiplos e complexos os tipos que estas assumem, fruto da evolução que a este nível se verifica.
Impõe-se agora, após a análise perfunctória sobre o fundamento jurídico das remunerações acessórias, descrever as linhas essenciais da tributação dos praticantes desportivos não residentes.
O IRS, relativamente aos não residentes, incide sobre os rendimentos que se considerem obtidos em território português, sendo certo que aqueles que resultem do exercício em território português da atividade de profissionais de espetáculos e desportistas, ainda que atribuídos a pessoa distinta, deverão ser considerados como obtidos em Portugal – artigo 18.º, al. o) do CIRS.
Assim, quando os rendimentos se considerem obtidos em Portugal, nos termos do referido normativo, estão sujeitos a retenção na fonte a título definitivo a uma taxa liberatória de 25% - artigo 71.º, n.º 4, al. a) do CIRS. Por conseguinte, quando uma entidade efetue pagamentos a um praticante desportivo não residente tem de proceder à retenção na fonte – artigo 101.º, n.º 2, al. a) do CIRS.
A Requerente, no seu pedido anulatório invoca o teor da Circular n.º 18/2011, de 29 de maio do Diretor-Geral dos Impostos , no seguinte segmento:
“No caso de transferência de um jogador, para uma entidade desportiva não residente, efetuada por um Clube/SAD residente em território português, que, previamente, procedeu à cedência de uma parte do “passe” a uma entidade não desportiva não residente, os rendimentos pagos a esta última entidade pelo Clube/SAD residente têm a natureza de rendimentos de aplicação de capitais, à luz da definição constante do n.º1 do artigo 5.º do Código do IRS, sendo passível de tributação em Portugal, uma vez que a fonte do rendimento (residência do devedor), se localiza neste território. Será o caso, nomeadamente, de um Clube/SAD (A) residente em território português que cede a totalidade, ou parte, dos direitos económico-desportivos relativos a um jogador com o qual mantém um contrato de trabalho desportivo, a uma entidade não desportiva não residente e que, posteriormente, quando transfere esse jogador para outro Clube/ Soc. (B), também assume perante este Clube/ Soc. (B) a cedência dos direitos detidos pela entidade não desportiva não residente, tornando-se, por isso o Clube/SAD (A) devedor perante essa entidade não desportiva não residente da parte que lhe couber no valor da transferência, correspondente aos direitos agora cedidos e que, anteriormente, haviam sido adquiridos ao Clube/SAD (A)”.
Ressuma da referida circular que o enquadramento alegado pela Requerente verificar-se-á quando o clube/SAD se torna devedor perante a entidade desportiva não residente da parte que lhe couber no valor da transferência, na presente hipótese seriam 400 000 euros devidos a tal título.
Contudo, na realidade económica que foi dada como assente, encontra-se documentalmente provado que a B... representou os interesses do jogador C... no momento da celebração do contrato de trabalho desportivo com o D...; facto reforçado pelo teor do auto de declarações do administrador da Requerente, durante o procedimento inspetivo no seguinte segmento: “a B..., de E..., agente do jogador C..., foi a empresa com quem a A... contratou a comissão respeitante à transferência do jogador”. Isto é, o jogador foi representado pela B..., a quem a Requerente pagou uma comissão de intermediação no valor de 172 000,00 euros, por ter atuado em representação dos interesses do jogador.
Ora, de acordo com o artigo 22.º, n.º 2 da Lei n.º 28/98, de 26 de junho , a pessoa que exerce a atividade de empresário desportivo só pode agir em nome e por conta de uma das partes da relação contratual e ser remunerado pela parte que representa.
Assim, se é verdade que a entidade brasileira foi remunerada pela intermediação na transferência do jogador para o clube italiano, com o pagamento de uma comissão, por outro, ela representou os interesses do jogador, como aliás consta do Instrumento Particular de Cessão de Direitos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças.
E conclusão diferente não se obtém com os argumentos formulados pela Requerente: i) em cláusula alguma no contrato de trabalho desportivo celebrado com o atleta se encontra expressa a participação da B... em nome e representação do jogador; ii) se a operação de cessão de direitos económicos não consubstancia uma operação decorrente do exercício em território português, da atividade de desportistas, mas a aquisição de um ativo fixo intangível, o rendimento pago à B... nunca poderá constituir um rendimento proveniente de uma atividade desportiva ou de intermediação a favor do atleta e iii) as declarações do administrador da Requerente não permitem extrair, sem margem para dúvidas, que tenha existido qualquer imposição por parte do atleta para que a B... tivesse celebrado o Acordo de Cessão de Direitos Económicos em representação do jogador ou que a Requerente tivesse realizado qualquer pagamento relacionado com a representação do jogador.
O tribunal está obrigado a valorar a prova de acordo com as regras da experiência comum e nesta existem documentos, cujo teor, não pode ser obnubilado, v.g. Instrumento Particular de Cessão de Diretos Económicos Derivados das Transferências de Atleta Profissional de Futebol e Outras Avenças no seu considerando c). Isto é, encontra-se patente a natureza da sua intervenção - representação dos interesses do atleta e não é pela circunstância de o contrato de trabalho não o referir, que o teor do “Instrumento” não deve ser valorado para a aplicação do direito.
Para além do mais, se dúvidas existissem, as declarações do administrador da Requerente, conjugadas com o modelo 21 - RFI, não deixam qualquer margem para dúvidas quanto à intermediação da B... na transferência do jogador para o clube italiano. Diga-se que a própria Requerente não impugna o seu teor ou junta qualquer documento com aptidão para as afastar, quando a isso estava obrigada (artigo 74.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária - LGT), pelo que resta concluir que o pagamento de 172 000,00 euros, realizado perante a atividade de empresário desportivo que a B... efetuou em nome e por conta de C... configura uma remuneração devida pela prossecução dos interesses do atleta.
Em resumo, o pagamento da comissão em 23/12/2014 configura uma remuneração acessória do jogador obtida em Portugal (atuação por sua conta) por um sujeito passivo não residente, sujeita a retenção na fonte a título definitivo, à taxa de 25% - artigo 71.º, n.º 4, al. a) do CIRS.
* * *
Por fim, importa referir que foram conhecidas e apreciadas as questões relevantes submetidas à apreciação deste Tribunal, não o tendo sido aquelas cuja decisão ficou prejudicada pela solução dada a outras, ou cuja apreciação seria inútil –artigo 608.º do CPC, ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT.
III – DECISÃO
Termos em que se decide:
a) Julgar improcedente o pedido arbitral de declaração de ilegalidade da liquidação adicional de retenções na fonte de IRS;
b) Julgar prejudicado o pedido de anulação dos juros compensatórios e de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
VALOR DO PROCESSO
Fixa-se o valor do processo em 49 700,93 euros, nos termos do artigo 97.º - A do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, al. a) do RJAT e do artigo 3.º, n.º 2 do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária (RCPAT).
CUSTAS
Custas a suportar pela Requerente, no montante de 2142 euros, cfr. artigo 22.º, n.º 4 do RJAT e da Tabela I anexa ao RCPAT.
Notifique.
Lisboa, 11 de janeiro de 2020
O árbitro,
Francisco Nicolau Domingos