Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 311/2019-T
Data da decisão: 2020-01-02  IMT  
Valor do pedido: € 406.250,00
Tema: Fundos de investimento imobiliário. Isenção de IMT. Aplicação da lei no tempo.
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DECISÃO ARBITRAL

 

Acordam em Tribunal Arbitral

 

I – Relatório

 

1. A..., S.A, anteriormente designada por B..., S.A., com o número de identificação fiscal ... e com sede no ...-..., ...-... ..., apresentou um pedido de constituição de tribunal arbitral, ao abrigo do disposto nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º e segs. do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, para apreciar a legalidade do acto tributário de liquidação de Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º..., no valor de € 812.500,600 e, bem assim, do acto tácito de indeferimento do pedido de revisão oficiosa apresentado perante a Autoridade Tributária, requerendo a anulação desses actos e o consequente reembolso do imposto indevidamente pago e a condenação no pagamento de juros indemnizatórios.

 

Fundamenta o pedido nos seguintes termos.    

 

A Requerente é um sujeito passivo de IRC que tinha por objecto social a compra e venda de imóveis e a revenda de imóveis adquiridos para esse fim.

Em 28 de novembro de 2014, e no âmbito da sua actividade, celebrou um contracto de compra e venda com o Fundo de Investimento Imobiliário Aberto – C..., actualmente designado por Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto – D..., pelo qual adquiriu para revenda, pelo valor € 12.500.000,00, o prédio urbano em regime de propriedade total destinado a utilização comercial sito na freguesia de ..., município de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de  ... sob o n.º ... e inscrito na respetiva matriz sob o artigo matricial n.º U-... .

O imóvel foi adquirido para revenda, pelo que a Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT, mas não tendo sido revendido no prazo de 3 anos, a Administração Tributária procedeu, em 19 de dezembro de 2017, à emissão do acto de liquidação de IMT, no montante de € 812.500,00, valor este que foi integralmente pago no dia imediato.

 

Entretanto, a Requerente apresentou, em 26 de outubro de 2018, um pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IMT, tendo nesse âmbito defendido, essencialmente, que o mesmo padece do vício de ilegalidade por violação do artigo 49.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais, na redacção em vigor à data da aquisição.

 

Não recaiu qualquer decisão sobre o referido pedido de revisão oficiosa, pelo que se deve considerar tacitamente indeferido.

Na sequência da evolução legislativa no âmbito do regime de isenção de IMT aplicável ao património imobiliário de fundos de investimento imobiliário, o artigo 82.º da Lei n.º 53-A/2006, de 29 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2007), mediante a nova redacção dada ao artigo 46.º, n.º 1, do EBF, veio isentar do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

Esse preceito foi renumerado pelo Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, passando a corresponder ao artigo 49.º, mantendo a mesma redacção.

 

Posteriormente, o artigo 109.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de abril (Lei do Orçamento do Estado para 2010), operou a restrição da isenção de IMT às transmissões onerosas de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos, vindo o benefício fiscal a ser alargado às transmissões de imóveis integrados em fundos de investimento imobiliário fechados de subscrição pública por via da alteração resultante do artigo 119.º da Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2011).

 

Em 2014, por efeito de nova alteração introduzida pelo artigo 206.º da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2014), o benefício fiscal foi reduzido para metade das taxas do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública.

 

E, por último, o artigo 215.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (Lei do Orçamento do Estado para 2016) revogou o mencionado artigo 49.º do EBF, eliminando integralmente a referida isenção de IMT aplicável a prédios integrados em fundos de investimento imobiliário.

 

Ora, a incidência de IMT regula-se pela legislação em vigor ao tempo em que se constituir a obrigação tributária, ou seja, no momento em que ocorrer a transmissão (artigo 5.º , n.ºs 1 e 2, do Código do IMT), e, por outro lado, o direito aos benefícios fiscais deve reportar-se à data da verificação dos respectivos pressupostos (artigo 12.º  do EBF).

 

À data da transmissão de imóvel em causa (28 de novembro de 2014), vigorava o artigo 49.º do EBF, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que previa a redução a metade as taxas de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

 

Sendo assim claro que a referida isenção beneficia os adquirentes de imóveis alienados por fundos de investimento imobiliário abertos.

 

Por conseguinte, atendendo ao momento da aquisição do imóvel a Requerente beneficiava do direito à isenção consagrado no citado artigo 49.º do EBF, isenção que não é afectada pela contingência de no caso de se tratar de uma aquisição para revenda a que era igualmente aplicável a disposição do artigo 7.º do CIMT.

 

Nestes termos, cabia à Administração Tributária, aquando da caducidade da isenção aplicável à aquisição para revenda, dar por verificado o preenchimento dos pressupostos estabelecidos no artigo 49.º do EBF, na redacção introduzida pela Lei n.º 83-C/2013, aplicando à Requerente a isenção aí prevista. Não o tendo feito, o acto tributário de liquidação consubstancia uma violação ao disposto nesse preceito legal, incorrendo em vício de ilegalidade.

 

A Autoridade Tributária, na sua resposta, sustenta que a liquidação de IMT que incidiu sobre a aquisição do imóvel, em 28/11/2014, está correcta, na medida em que o prédio integrava o Fundo antes da alteração ao artigo 49º do EBF introduzida pela Lei nº 83-C/2013, de 31 de Dezembro, e, de acordo com a norma transitória constante do artigo 209º do mesmo diploma, o regime instituído por essa lei - que reduzia para metade as taxas aplicáveis ao imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis - apenas se aplicava  “aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública”.

 

De onde resulta que  o novo regime se aplica aos fundos que se constituírem após a entrada em vigor da nova lei, pelo que o benefício da redução da taxa se aplicava aos prédios que viessem a ser integrados em fundos de investimento, no futuro.

 

Concluiu pela improcedência do pedido.

 

2. Não foi requerida produção de prova testemunhal e, no seguimento do processo, foi dispensada a reunião a que se refere o artigo 18.º do RJAT, prosseguindo o processo para  alegações.

Em alegações, a Requerente rebateu o argumento resultante da norma transitória do artigo 209.º da Lei n.º 83-C/2013, invocado na resposta da Autoridade Tributária, dizendo que, nos termos dessa disposição, a nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF é aplicável aos prédios que, no momento de entrada em vigor da nova lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, bem como aos prédios que venham a integrar estas entidades. O que significa que a nova redacção se aplica tanto às transmissões dos prédios que integravam os fundos de investimento imobiliário constituídos em data anterior à da entrada em vigor da lei, como às transmissões dos prédios que viessem a integrar os fundos após o início de vigência da lei. E nesse sentido, considerando que a Requerente adquiriu o imóvel em causa em 28 de novembro de 2014, a transmissão encontrava-se coberta pela isenção prevista no referido artigo 49.º, n.º 1, do EBF.

3. O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira nos termos regulamentares.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o Conselho Deontológico designou como árbitros do tribunal arbitral colectivo os signatários, que comunicaram a aceitação do encargo no prazo aplicável.

As partes foram oportuna e devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de a recusar, nos termos conjugados do artigo 11.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT e dos artigos 6.° e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.° da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 8 de Julho de 2019.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído e é materialmente competente, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 30.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro.

As partes gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

O processo não enferma de nulidades e não foram invocadas exceções.

Cabe apreciar e decidir.

 

II -Fundamentação

 

Matéria de facto

 

4. A matéria de facto relevante para decisão da causa é a seguinte:

 

A)           A Requerente é um sujeito passivo de IRC que tinha por objecto social a compra e venda de imóveis e a revenda de imóveis adquiridos para esse fim;

B)           Em 28 de novembro de 2014, e no âmbito da sua actividade, celebrou um contracto de compra e venda com o Fundo de Investimento Imobiliário Aberto – C..., atualmente designado por Fundo Especial de Investimento Imobiliário Aberto – D..., pelo qual adquiriu para revenda, pelo valor € 12.500.000,00, o prédio urbano em regime de propriedade total destinado a utilização comercial sito na freguesia de ..., município de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...  e inscrito na respetiva matriz sob o artigo matricial n.º U-...;

C)           Tendo sido adquirido para revenda, a Requerente beneficiou da isenção de IMT prevista no artigo 7.º do Código do IMT;

D)           Não tendo sido revendido no prazo de 3 anos, a Administração Tributária procedeu, em 19 de dezembro de 2017, à emissão do acto de liquidação de IMT, no montante de € 812.500,00;

E)            O valor da liquidação foi integralmente pago em 20 de dezembro de 2017;

F)            A Requerente apresentou, em 26 de outubro de 2018, um pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IMT, sobre o qual não recaiu qualquer decisão até à data da apresentação do pedido arbitral.

O Tribunal formou a sua convicção quanto à factualidade provada com base nos documentos juntos à petição e os constantes do processo administrativo apresentado pela Autoridade Tributária com a sua resposta.

 

Questão de direito

 

5. A Requerente pretende que a aquisição de um bem imóvel a um Fundo de Investimento Imobiliário Aberto, realizada em 28 de Novembro de 2014, se encontra coberta pela disposição do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro, que reduziu para metade as taxas do imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública.

 

A mesma transacção tinha sido objecto de isenção de IMT de acordo com o disposto no artigo 7.º do Código do IMT, que prevê a isenção pela aquisição de prédios para revenda, mas houve lugar à liquidação de imposto, nos termos gerais, por entretanto não ter sido cumprido o requisito legalmente previsto da transmissão do prédio para revenda no prazo de três anos (artigo 7.º, n.º 4, do Código do IMT).

 

Face à caducidade da isenção considerada naquele dispositivo, que determinou a liquidação de imposto no montante de € 812.500,00, a Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação de IMT em vista a passar a beneficiar do benefício fiscal previsto no falado artigo 49.º do EBF, na redacção em vigor à data da aquisição.

 

O pedido de revisão foi tacitamente indeferido e, na resposta ao pedido arbitral, a Autoridade Tributária defende que, por efeito da norma transitória do artigo 209.º da Lei nº 83-C/2013, o regime tributário resultante da nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF é apenas aplicável  aos fundos que se constituíssem após a entrada em vigor da nova lei, pelo que o benefício da redução da taxa aplicava-se aos prédios que fossem integrados em fundos de investimento no futuro.

A questão tal como vem colocada justifica uma breve descrição da evolução legislativa que culminou na referida norma do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, que passou a contemplar a redução a metade das taxas de IMT sobre transmissões onerosas de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário.

 

O Decreto-Lei n.º 1/87 estatuia, no seu artigo 1.º, que “são isentas de sisa as aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora”. A estatuição surge na sequência da regulamentação dos fundos de investimento imobiliário, operada pelo Decreto-Lei n.º 246/85, de 12 de julho, e, como ressalta do respectivo preâmbulo, teve em vista definir um quadro fiscal adequado para a criação desses fundos a que o Governo reconhece um importante contributo para a formação de poupanças e mobilização de investimentos no sector imobiliário, com efeitos positivos na construção e no mercado de arrendamento de imóveis.

 

Entretanto, o Decreto-Lei n.º 287/2003, de 12 de Novembro, que procedeu à reforma da tributação do património, aprovando em anexo o Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (CIMI), e o Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis (CIMT), determinou, no seu artigo 28.º, n.º 2, que as remissões constantes dos textos legais para o imposto municipal de sisa se consideram como referidas ao Código do Imposto Municipal sobre as Transmissões Onerosas de Imóveis.

 

Além disso, o mesmo diploma, no artigo 31.º - que incluiu diversas normas revogatórias - ressalvou, no seu n.º 6, a manutenção em vigor dos benefícios fiscais respeitantes ao imposto municipal de sisa estabelecidos em legislação extravagante.

 

Assim, de acordo com a interpretação conjugada das citadas disposições dos artigos 28.º e 31.º, n.º 6, do Decreto-Lei n.º 287/2003, as isenções ao imposto de sisa constantes de quaisquer diplomas avulsos deveriam considerar-se reportadas ao IMT, e, por outro lado, as aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário continuariam isentas de IMT por efeito do estabelecido no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87.

 

Após a criação da isenção do imposto de sisa relativamente à aquisição de imóveis para os fundos de investimento imobiliário, em 1987, o Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de julho, veio aprovar o Estatuto dos Benefícios Fiscais, com o claro propósito de sistematização dos princípios gerais a que deve obedecer a atribuição das situações de benefício. O EBF surgiu na sequência da reforma do imposto sobre o rendimento das pessoas singulares (CIRS), do imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (CIRC) e da contribuição autárquica  (CA), que já haviam introduzido alguns mecanismos estruturais de desagravamento do imposto, pelo que o Estatuto teve em vista caracterizar algumas outras situações de carácter menos estrutural mas que se revestissem de relativa estabilidade, deixando para as futuras leis de orçamento de Estado os benefícios com finalidades marcadamente conjunturais ou que exigissem uma regulamentação mais frequente (cfr. a respectiva nota preambular).

 

Na primitiva redacção do EBF, e em relação às sociedades de gestão e de investimento imobiliário, apenas se contemplava um regime fiscal específico de tributação em matéria de IRC e, em sede de IRS, quanto aos lucros distribuídos por aquelas sociedades aos respectivos sócios (artigo 26.º). Esse regime manteve-se com diversas alterações e veio a transitar para o artigo 22.º com a Lei n.º 109-B/2001, de 27 de dezembro, sob a epígrafe “Fundos de investimento”, que foi igualmente objecto de diversas modificações legislativas.

 

É a nova redacção dada ao artigo 46.º do EBF pela Lei de Orçamento do Estado para 2003 (Lei n.º 32-B/2002, de 30 de dezembro) que prevê, pela primeira vez, um regime de isenção fiscal a favor dos fundos de investimento imobiliário em matéria de contribuição autárquica, nos seguintes termos:       

 

Ficam isentos de contribuição autárquica os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário e equiparáveis, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma, que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional.

 

Após a reforma da tributação do património, aprovada pelo referido o Decreto-Lei n.º 287/2003 – que revogou o Código da Contribuição Autárquica –, esse artigo 46.º, na redacção dada pela Lei do Orçamento de Estado para 2007 (Lei 53-A/2006, de 29 de dezembro) passou a estabelecer a isenção de imposto municipal sobre imóveis (IMI) e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis (IMT) para os prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, nas mesmas condições que já constavam da redacção anterior do preceito, e o Decreto-Lei n.º 108/2008, de 26 de junho, renumerou o artigo 46.º como artigo 49.º e manteve nos mesmos termos essa mesma isenção.

 

A Lei nº 3-B/2010, de 28 de abril, sendo também uma lei orçamental, através de nova redacção dada ao artigo 49.º do EBF, passou a isentar de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis apenas os “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos”, e a Lei do Orçamento de Estado para 2012 (Lei n.º 55-A/2010, de 31 de dezembro) alargou essa isenção aos “prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública”.

 

A Lei n.º 83-C/2013, de 31 de dezembro, alterando esse artigo 49.º, suprimiu a isenção, passando a prever a redução para metade das taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública.

 

O n.º 1 desse preceito passou a ostentar a seguinte redacção:

 

“São reduzidas para metade as taxas de imposto municipal sobre imóveis e de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, em fundos de pensões e em fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional”.

 

O artigo 49.º do EBF foi revogado pelo artigo 215.º, n.º 1, alínea g), da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

 

6. Da evolução legislativa acabada de descrever ressalta a ideia de que os benefícios fiscais atribuídos aos fundos de investimento imobiliário não têm um carácter sistemático, assumindo antes uma natureza marcadamente conjuntural, assim se justificando que as sucessivas alterações ao regime legal tenham sido estabelecidas, em regra, por via de leis orçamentais.

 

Basta notar que começou por prever-se a isenção da contribuição autárquica - e do IMI e do IMT - em relação a prédios integrados em qualquer tipo de fundo imobiliário, para depois se restringir essa isenção aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos. Mais tarde foi resposta a isenção quanto a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários abertos ou fechados de subscrição pública até que o benefício fiscal foi transformado em redução da taxa de imposto aplicável e, finalmente, foi suprimido.

 

Não é possível ver, por conseguinte, na aprovação do EBF e nas múltiplas alterações desse Estatuto um critério geral que permita definir um regime fiscal estável que possa sobrepôr-se a outras disposições avulsas que subsistiam já na ordem jurídica.

 

Para além disso, importa fazer notar que o âmbito aplicativo da isenção inicialmente criada pela Lei 53-A/2006, mediante a alteração do artigo 46.º do EBF - que passou a prever a isenção de IMI e de IMT em relação a prédios integrados em fundos de investimento imobiliários -, não é coincidente com o da isenção contemplada no artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, que se refere a aquisições de imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário pela respectiva sociedade gestora. Na verdade, por efeito da nova disposição do artigo 46.º do EBF, passaram a estar isentos do IMT os prédios já integrados nos fundos imobiliários, ao passo que a isenção a que se referia o diploma de 1987 abrangia as aquisições de bens imóveis efectuadas por sociedades gestoras de fundos de investimento imobiliário para passarem a integrar o património desses fundos. O que significa que o EBF veio ampliar a isenção, cobrindo não apenas as situações em que o fundo se encontrasse na posição de adquirente do imóvel, mas também aquelas em que o fundo age na posição de alienante do imóvel (cfr. neste sentido, o acórdão arbitral proferido no Processo n.º 544/2016, em que se analisou a mesma questão).

 

7. À luz da evolução legislativa anteriormente descrita, e como tem sido sublinhado pela jurisprudência arbitral, não há motivo para considerar verificada a revogação do  artigo 1.º do Decreto-Lei n.º 1/87, visto que esse diploma não foi objecto de revogação expressa, nem existe qualquer incompatibilidade entre essa norma e aquela que veio a ser introduzida no EBF (artigo 46.º depois renumerado como artigo 49.º), visto que essas disposições contêm diferentes âmbitos aplicativos e esta última limitou-se a ampliar a isenção já estabelecida pelo diploma de 1987 (cfr., entre outros, os acórdãos proferidos nos Processos n.ºs 622/2017, 316/2018, 326/2018 e 606/2018).

 

Em todo o caso, o que está em causa não é a isenção prevista naquele preceito do diploma de 1987, mas antes a redução a metade das taxas de IMT relativamente a transmissões onerosas de imóveis aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário a que se refere o artigo 49.º, n.º 1, do EBF, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, de 31 de Dezembro.

 

De facto, como se deixou referido, enquanto o citado diploma de 1987 se reportava a aquisições de bens imóveis efectuadas para um fundo de investimento imobiliário, a redução das taxas aplicáveis a que se refere o artigo 49.º do EBF abrange as transmissões de prédios integrados em fundos de investimento imobiliário, cobrindo quer as aquisições quer as alienações de imóveis.

 

No caso vertente, estamos perante a aquisição pela Requerente a um fundo de investimento imobiliário de um imóvel que se encontrava integrado no seu património. A aquisição foi realizada em 2014, ainda antes de se ter operado a revogação desse artigo 49.º, que apenas ocorreu através da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.

 

A citada norma do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, encontrando-se vigente à data da transacção, é também muito clara ao fixar uma redução para metade das taxas aplicáveis aos prédios integrados em fundos de investimento imobiliário.

 

A Autoridade Tributária invoca, no entanto, a norma transitória do artigo 209.º da Lei nº 83-C/2013, extraindo dessa disposição o entendimento de que a redução da taxa resultante da  nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF é apenas aplicável  aos fundos que se constituam após a entrada em vigor da lei nova, pelo que o benefício fiscal se aplica apenas aos prédios que fossem integrados em fundos de investimento no futuro.

 

A mencionada norma do artigo 209.º, sob a epígrafe “Disposição transitória no âmbito do Estatuto dos Benefícios Fiscais”, dispõe o seguinte:

 

O regime tributário resultante da nova redacção dada ao n.º 1 do artigo 49.º do EBF, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 215/89, de 1 de Julho, é aplicável aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário abertos ou fechados de subscrição pública, os fundos de pensões e os fundos de poupança-reforma que se constituam e operem de acordo com a legislação nacional, bem como os prédios que venham a integrar estas entidades.

 

Ora, referindo-se a norma “aos prédios que, no momento de entrada em vigor da presente lei, integram os fundos de investimento imobiliário”, está a reportar-se a todos os prédios que, nessa data, se encontravam  integrados nos fundos,  inclusivamente aos que tinham sido integrados em data anterior à entrada em vigor desta Lei e que, nesse momento, ainda se mantinham neles integrados (cfr., neste sentido, acórdão proferido no Processo n.º 309/2019-T).

 

O artigo 209.º apenas esclarece que o benefício fiscal se aplica também aos prédios que, após a entrada em vigor da Lei n.º 83-C/2013, viessem a integrar os fundos, estendendo, assim, o regime legal não apenas aos prédios que, no começo da vigência da lei, já se encontravam integrados nos fundos imobiliários, mas  também aos prédios que viessem a integrar os fundos posteriormente.

 

A interpretação formulada pela Autoridade Tributária não tem, pois, na letra da lei um mínimo de correspondência verbal.

 

Assim sendo, ocorrendo a aquisição do imóvel ainda na vigência do artigo 49.º, n.º 1, do EBF, na redacção da Lei n.º 83-C/2013, e, por isso, antes da sua revogação pelo artigo 215.º, n.º 1, da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, era-lhe aplicável a taxa reduzida aí prevista.

 

O indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa é ilegal por violação da referida disposição legal.

 

Reembolso e juros indemnizatórios

 

                8. A Requerente pede ainda a condenação da Autoridade Tributária no reembolso do imposto indevidamente pago no valor de € 406.250,00, acrescido do pagamento de juros indemnizatórios, à taxa legal, calculados sobre o imposto, até ao reembolso integral da quantia devida.

 

De harmonia com o disposto na alínea b) do artigo 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo, cabendo-lhe “restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito”. O que está em sintonia com o preceituado no artigo 100.º da LGT, aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 29.º do RJAT.

 

Ainda nos termos do n.º 5 do artigo 24.º do RJAT “é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previstos na Lei Geral Tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário”, o que remete para o disposto nos artigos 43.º, n.º 1, da LGT e 61.º, n.º 5, do CPPT, implicando o pagamento de juros indemnizatórios desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

Por efeito da reconstituição da situação jurídica em resultado da anulação do acto tributário, há assim lugar ao reembolso do imposto indevidamente pago.

 

No que se refere aos juros indemnizatórios, em face do disposto na alínea c) do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, nos casos de pedido de revisão oficiosa, apenas são devidos depois de decorrido um ano após a iniciativa do contribuinte, e não desde a data do desembolso da quantia liquidada, constituindo esse o entendimento jurisprudencial corrente (cfr., entre outros, os acórdãos do STA de 18 de Janeiro de 2017, Processo n.º 0890/16, e de 10 de Maio de 2017, Processo n.º 01159/14).

 

No caso, o pedido de revisão oficiosa foi apresentado em 26 de Outubro de 2018, pelo que são devidos juros indemnizatórios desde 27 de Outubro de 2019, ou seja, a partir de um ano depois da apresentação do pedido de revisão oficiosa.

 

III – Decisão

 

Termos em que se decide:

 

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral e anular a decisão de  indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa;

b)           Anular parcialmente a liquidação de IMT n.º ... quanto ao valor de € 406.250,00;

c)            Condenar a Autoridade Tributária no reembolso da quantia de € 406.250,00, acrescida de juros indemnizatórios a partir de 19 de Outubro de 2019.

 

Valor da causa

 

A Requerente indicou como valor da causa o montante de € 406.250,00, que não foi contestado pela Requerida, e corresponde ao valor da liquidação a que a se pretendia obstar (artigo 97.º, n.º 1, alínea a), do CPPT).

 

Custas

Nos termos dos artigos 12.º, n.º 2, e 24.º, n.º 4, do RJAT, e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária e Tabela I anexa a esse Regulamento, fixa-se o montante das custas em € 6.732,00, que fica a cargo da Requerida.

 

Notifique.

 

Lisboa, 2 de Janeiro de 2020

  

O Presidente do Tribunal Arbitral

Carlos Fernandes Cadilha

 

O Árbitro vogal

Marcolino Pisão Pedreiro

 

O Árbitro vogal

Nina Aguiar