Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 258/2019-T
Data da decisão: 2020-03-05  IRC IVA  
Valor do pedido: € 286.990,65
Tema: IRC e IVA – cumulação ilegal de pedidos.
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Decisão Arbitral

 

Os árbitros Maria Fernanda Maçãs (árbitro-presidente), Dr. Leonardo Marques dos Santos e Dra. Raquel Franco (árbitros vogais), designados pelo Conselho Deontológico do Centro de Arbitragem Administrativa para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 26-06-2019, acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A..., LDA., NIPC..., com sede na ..., n.º..., ... e ..., ...-... ..., (doravante designada por “Requerente”), veio, nos termos do artigo 10.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pretende pronúncia arbitral sobre os atos de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (doravante “IRC”) n.º..., referente ao período de 2015, e Imposto sobre o Valor Acrescentado (doravante “IVA”) n.ºs..., ..., ..., ..., referentes aos quatro trimestres do ano de 2015.

 

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (doravante “AT”).

 

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à AT em 11-04-2019.

Nos termos do disposto na alínea a) do n.º 2 do artigo 6.º e da alínea b) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, os Árbitros que inicialmente foram designados pelo Conselho Deontológico comunicaram a aceitação do encargo, no prazo aplicável.

Em 03-06-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de dezembro, o tribunal arbitral coletivo foi constituído em 26-06-2019.

A AT apresentou Resposta em que defendeu que o pedido de pronúncia arbitral deve ser julgado improcedente.

Por despacho de 19-10-2019, foi dispensada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT e concedido prazo para produção de alegações escritas.

No dia 18.12.2019, o Tribunal proferiu despacho acerca da cumulação de pedidos formulada pela Requerente. Com efeito, a Requerente pretende pronúncia arbitral sobre os atos de liquidação de IRC n.º..., referente ao período de 2015, e IVA n.ºs ..., ..., ..., ..., relativos aos quatro trimestres do ano de 2015. Na Resposta veio a Requerida defender que o facto de os pedidos resultarem da mesma ação inspetiva não implica que estejamos perante a possibilidade legal de cumulação de pedidos prevista no artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, uma vez que os pedidos respeitam a diferentes atos tributários, mais concretamente a liquidações de IRC e de IVA, e não dependem da aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito.

O Tribunal entendeu que, no caso concreto, as circunstâncias de facto que subjazem às questões suscitadas a propósito do IRC de 2015 não são as mesmas nem se relacionam com as que subjazem às questões suscitadas a propósito do IVA. Tão-pouco está em causa a interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito uma vez que as correções efetuadas pela AT em sede de IVA não se relacionam com aquelas que foram efetuadas em sede de IRC. Neste sentido, o Tribunal notificou as Partes de que se tem por violadora do artigo 3.º, n.º 1, do RJAT, a cumulação dos pedidos anulatórios e de que, para os efeitos do disposto no artigo 4.º, n.º 6, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º1, alínea c), do RJAT, determinou que a Requerente, no prazo de 5 dias, indicasse o pedido que pretendia ver apreciado no processo, sob cominação de, não o fazendo, haver absolvição da instância quanto a todos os pedidos. Informou ainda a Requerente de que, caso a sua opção fosse no sentido de ver apreciado o pedido relativo ao IRC, deveria juntar aos autos o documento n.º 22 que protestara juntar com o pedido arbitral.

Na mesma data, através de outro despacho, o tribunal prorrogou o prazo para prolação da decisão arbitral até ao dia 26.02.2020, ao abrigo do disposto no artigo 21.º, n.º 2 do RJAT.

Ultrapassado o prazo conferido pelo Tribunal à Requerente para indicar o pedido que pretende ver apreciado no processo sob pena de absolvição da instância, não foi apresentada qualquer resposta por parte desta.

                               O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas, gozam de personalidade e capacidade judiciárias e são legítimas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de março).

 

2. Matéria de facto

2.1. Factos provados

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A.           A Requerente é uma sociedade unipessoal por quotas constituída no ano de 2013 que tem por objeto as seguintes atividades: importação, exportação, armazenagem e comércio grossista e ao público de material de papelaria, livraria, material escolar, relojoaria, brinquedos, calçado, vestuário, carteiras, cintos, eletrodomésticos, material fotográfico, informático, artigos de eletrónica, plásticos, utilidades domésticas, perfumaria, cosméticos, produtos de higiene, produtos de limpeza, ferramentas, ferragens, produtos alimentares, quinquilharias e artesanato.

 

B.            A Requerente está inscrita no cadastro com a CAE 46900-COMÉRCIO POR GROSSO NÃO ESPECIALIZADO.

 

C.            Para efeitos de IVA está enquadrada no regime geral de tributação, com periodicidade trimestral.

 

D.           Ainda para efeitos de IVA, as atividades realizadas pela Requerente permitem a dedução do IVA suportado a montante.

 

E.            Para efeitos de IRC está enquadrada no regime geral de tributação.

 

F.            Em 10/10/2016, através de procuração, o sócio gerente da Requerente constituiu sua bastante procuradora a Sr.ª B..., a quem conferiu os necessários poderes, pessoais e de gerência, para praticar os atos ali mencionados, os quais se destinam à prossecução do objeto social da sociedade representada.

 

G.           Na al. i) da dita procuração são conferidos poderes para representar a sociedade junto de quaisquer terceiros, em Portugal e no estrangeiro, designadamente junto de Serviços de Finanças, Conservatórias, Notários, Municípios e quaisquer Ministérios, Serviços, Organismos e Repartições públicas.

 

H.           Com referência ao período de tributação correspondente ao ano de 2015, foi emitida a Ordem de Serviço n.º OI2017..., tendo a contabilidade da Requerente sido alvo de uma ação inspetiva de carácter externo e âmbito geral (cf. documento 17 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

 

I.             No decurso da ação inspetiva, verificaram os SIT que a Requerente contabilizou, em 04-03-2015, na conta # 311811- “COM IVA DEDUTÍVEL” o documento interno n.º..., diário 12, o valor de €18.663,07, a título de “Direitos e IVA Alfândega” (€18.213,17 e “Transitário/Ag. Navegação” (€449,90).

 

J.             Os Serviços Inspetivos verificaram que a Requerente não deduziu o IVA e propuseram o acréscimo ao resultado tributável do valor de €14.407,65 (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

K.            A Requerente contabilizou em 31-12-2015, o documento interno n.º ZR ... a débito da conta #3213- “Taxa normal” por contrapartida da conta #61113- “Taxa Normal”, no valor de €2.656.071,00, a título de valor do inventário final (IF), reportado a 31-12-2015 (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

L.            Em consequência do facto indicado no parágrafo anterior, o valor do inventário foi considerado como componente negativa na determinação do custo das mercadorias vendidas do período (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

M.          A Requerente, contabilisticamente, adotou o sistema de inventário intermitente, pois o valor do inventário e o resultado apurado relativamente ao custo das mercadorias vendidas só foram determinados através da inventariação realizada no fim do período de 2015 (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

N.           O Custo das mercadorias vendidas em 2015 foi determinado segundo a fórmula: CMVMC= Inventário inicial + compras- Inventário Final+-regularizações de existências (3.024.914,60= 1.576.791,90+4.104.193,70-2656.071,00) (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

O.           Os Serviços de Inspeção detetaram divergências quantitativas entre os produtos declarados como vendidos e as vendas apuradas pelos mesmos serviços (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA).

 

P.            As referidas divergências foram notificadas, em agosto de 2018, tendo sido solicitados esclarecimentos sobre as mesmas (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

Q.           Em resposta a essa notificação, a Requerente reconheceu os erros nos inventários considerados no apuramento do Custo das Existências Vendidas e Consumidas, tendo procedido à entrega, quer aos Serviços de Inspeção, quer, por via eletrónica, à AT, de dois “novos” inventários (reportados a 31-12-2014) e outro reportado a 31-12-2015 (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

R.            A Requerente foi novamente notificada em 24/09/2018 para corrigir erros existentes nos ficheiros de inventários (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

S.            A Requerente enviou novos ficheiros referentes a inventários de 2014 e 2015 e reportados a 31/12 desses mesmos anos (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

T.            Os Serviços Inspetivos efetuaram uma reanálise dos ficheiros e detetaram outras divergências em termos quantitativos e de valorização (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

U.           Em 01/10/2018, a Requerente foi notificada para justificar a valorização e juntar documentos comprovativos (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

V.           Em resposta dada a 04.10.2018, a Requerente reconheceu que os novos inventários estavam mal valorizados, mas não apresentou evidências da valorização dos mesmos nem solicitou prazo adicional para correção de divergências constantes dos inventários (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

W.          Em consequência, a AT propôs um acréscimo ao resultado líquido no montante de € 629.662,37 (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

X.            Todos os atos notificados à Requerente no âmbito do procedimento inspetivo foram-no na pessoa da sua mandatária B... (cf. documentos 12 a 20 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

 

Y.            A Modelo 22 relativa ao ano de 2015 foi entregue em 2019, encontrando-se, na data de apresentação da Resposta da AT, na situação de “não liquidada”.

 

Z.            A Requerente emitiu a fatura n.º 2015000458 a favor do cliente C..., S.L., NIF ES-..., com morada em ... ...-...- ...- ESPANHA, no valor total de €38.350, referente à compra de 29.500 unidades de “Tomadas SW-006” (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

AA.        No Relatório Inspetivo, a AT conclui não ter ficado provada a saída da mercadoria referida no parágrafo anterior do território nacional (cf. documento 21 junto com o pedido de pronúncia arbitral e o PA);

 

BB.         Em resultado das correções efetuadas, a AT emitiu quatro atos de liquidação de IVA e um ato de liquidação de IRC, que se elencam de seguida:

             Liquidação n.º 2018..., relativa ao IVA do último trimestre de 2015, no valor de € 14,520,28 (cf. documento 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

             Liquidação n.º 2018..., relativa ao IVA do terceiro trimestre de 2015, no valor de € 8,141,41 (cf. documento 2 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

             Liquidação n.º 2018..., relativa ao IVA do segundo trimestre de 2015, no valor de € 3.596,21 (cf. documento 3 junto com o pedido de pronúncia arbitral);

             Liquidação n.º 2018..., relativa ao IVA do primeiro trimestre de 2015, no valor de € 2.419,83 (cf. documento 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

             Liquidação n.º 2018..., relativa ao IRC de 2015, no montante de € 231.987,16 (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral)

             Ao IVA liquidado acrescem juros compensatórios no valor de € 3.393,99 (cf. documentos 6 a 9 juntos com o pedido de pronúncia arbitral);

             Ao IRC liquidado acrescem juros compensatórios no valor de € 22.931,77 (cf. documento 10 junto com o pedido de pronúncia arbitral).

CC.         Todas as liquidações de imposto e de juros notificadas à Requerente na sequência do procedimento inspetivo foram enviadas para a morada da sua sede social (cf. documentos 1 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral).

DD.        As notificações das liquidações foram efetuadas nas seguintes datas (cf. documentos 1 a 10 juntos com o pedido de pronúncia arbitral e informação disponibilizada em www...pt):

             IVA 201512T – entregue a 07/12/2018

             Liquidação de juros correspondente entregue a 07/12/2018

             IVA 201509T – entregue a 07/12/2018

             Liquidação de juros correspondente – entregue a 07/12/2018

             IVA 201506T – entregue a 07/12/2018

             Liquidação de juros correspondente entregue a 07/12/2018

             IVA 201503T – entregue a 07/12/2018

             Liquidação de juros correspondente entregue a 07/12/2018

             IRC 2015 – entregue a 11/12/2018

             Liquidação de juros compensatórios de IRC entregue a 11.12.2018.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto

 

Os factos foram dados como provados com base no processo administrativo e nos documentos juntos pela Requerente.

Não há controvérsia sobre os factos provados.

 

3. Matéria de direito

3.1. Da impossibilidade de cumulação e respetivas consequências

 

Nos termos do artigo 3.º, n.º 1 do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária, a “cumulação de pedidos ainda que relativos a diferentes atos e a coligação de autores são admissíveis quando a procedência dos pedidos dependa essencialmente da apreciação das mesmas circunstâncias de facto e da interpretação e aplicação dos mesmos princípios ou regras de direito” (negritos nossos).

De acordo com o que foi descrito acima, os princípios e regras de direito aplicável à discussão da legalidade das liquidações de IRC e de IVA não são as mesmas. Desta feita, a cumulação de pedidos não é admissível. Não se tratando de uma irregularidade suprível, foi a Requerente notificada para indicar o pedido a manter.

Em linha com o que defende Carla Castelo Trindade, caso o sujeito “não responda à notificação do tribunal arbitral (…) deverá ser absolvida a instância relativamente a todos os pedidos (…) podendo ser apresentadas novas petições no prazo de 1 mês a contar do trânsito em julgado da decisão de absolvição da instância” (Carla Castelo Trindade, Regime Jurídico da Arbitragem Tributária Anotado, Coimbra: Almedina, 2016, p. 146).

Com efeito, nos termos do artigo no artigo 4.º, n.º 6, do CPTA, aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea c), do RJAT, a cominação legal para a não indicação do pedido que o Requerente quer ver apreciado é a “absolvição da instância quanto a todos os pedidos”.

Desta feita, tendo o Tribunal dado prazo ao Requerente para se pronunciar sobre o pedido que queria ver apreciado, não tendo este apresentado qualquer resposta, absolve-se a Requerida da instância.

 

4. Decisão

 

De harmonia com o exposto, acorda este Tribunal Arbitral em absolver a Requerida da instância.

5. Valor do processo

De harmonia com o disposto nos artigos 296.º, n.º 1, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 286.990,65.

 

6. Custas

                Nos termos do artigo 22.º, n.º 4, do RJAT, fixa-se o montante das custas em € 5.202,00, nos termos da Tabela I anexa ao Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária, a cargo da Requerente.

               

Notifique-se.

Lisboa, 5 de Março de 2020

Os Árbitros

 

(Maria Fernanda Maçãs)

(Leonardo Marques dos Santos)

(Raquel Franco)