Jurisprudência Arbitral Tributária


Processo nº 253/2019-T
Data da decisão: 2020-01-08  IRC  
Valor do pedido: € 5.131,79
Tema: IRC – Preços de transferência; Cash pooling; Método do preço comparável de mercado.
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Decisão Arbitral (consultar versão completa no PDF)

               

Os árbitros Cons. Jorge Lopes de Sousa (árbitro-presidente, designado pelos outros Árbitros), Dr. Francisco Carvalho Furtado e Dra. Carla Castelo Trindade (árbitros vogais, designados pela Requerente e pela Requerida, respectivamente, para formarem o Tribunal Arbitral, constituído em 11-07-2019), acordam no seguinte:

 

1. Relatório

 

A... LDA., com sede na Rua ..., n.º..., ...-..., freguesia de ..., concelho de ..., NIPC ... (doravante designada como “Requerente”) veio, nos termos do Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro (doravante “RJAT”), requerer a constituição de Tribunal Arbitral.

A Requerente pede que seja analisada a legalidade do ato tributário de liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC) n.º 2018..., de 14.06.2018, referente ao exercício fiscal de 2016, devendo o Tribunal Arbitral julgar procedente por provado o pedido e, consequentemente, anular o ato que se contesta, reembolsando-se o valor pago indevidamente, acrescido dos respetivos juros indemnizatórios devidos, assim como dos juros de mora.

É Requerida a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA.

O pedido de constituição do tribunal arbitral foi aceite pelo Senhor Presidente do CAAD e automaticamente notificado à Autoridade Tributária e Aduaneira em 09-04-2019.

Os signatários comunicaram a aceitação do encargo do exercício das funções de árbitro no prazo aplicável.

Em 21-06-2019 foram as partes devidamente notificadas dessa designação, não tendo manifestado vontade de recusar a designação dos árbitros, nos termos conjugados do artigo 11.º n.º 1 alíneas a) e b) do RJAT e dos artigos 6.º e 7.º do Código Deontológico.

Assim, em conformidade com o preceituado na alínea c) do n.º 1 do artigo 11.º do RJAT, na redacção introduzida pelo artigo 228.º da Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o tribunal arbitral colectivo foi constituído em 11-07-2019.

                A Autoridade Tributária e Aduaneira respondeu defendendo a improcedência do pedido de pronúncia arbitral.

Em 25-11-2019, foi realizada a reunião prevista no artigo 18.º do RJAT, em que foi produzida prova testemunhal e, por acordo das Partes, decidido que o processo prosseguisse com alegações escritas sucessivas.

As Partes apresentaram alegações.

O tribunal arbitral foi regularmente constituído, à face do preceituado nos artigos 2.º, n.º 1, alínea a), e 10.º, n.º 1, do DL n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, e é competente.

As Partes estão devidamente representadas gozam de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão representadas (artigos 4.º e 10.º, n.º 2, do mesmo diploma e artigo 1.º da Portaria n.º 112-A/2011, de 22 de Março).

O processo não enferma de nulidades.

 

2. Matéria de facto

 

2.1. Factos provados

 

Consideram-se provados os seguintes factos:

 

A)           Foi realizada uma inspecção à Requerente ao abrigo da ordem de serviço n.º OI2017..., em que foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária que consta do documento n.º 4 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

III. DESCRIÇÃO DOS FACTOS E FUNDAMENTOS DAS CORREÇÕES MERAMENTE ARITMÉTICAS A MATÉRIA TRIBUTÁVEL

III.1. Imposto de selo em falta

O sujeito passivo aderiu a um sistema de gestão centralizada de tesouraria, com o objetivo de otimizar as condições de aplicação dos excedentes de tesouraria e a satisfação das necessidades de financiamento do grupo, através dos denominados acordos de "Cash-Pooling" em EUR e em USD, na modalidade de "cash concentration" ou 'zero balancing’. Nesta modalidade, a centralização de tesouraria é realizada em conta bancária titulada pela entidade centralizadora, constituída junto do banco, designada de conta "master" ou conta global, a qual recebe os excedentes das contas bancárias participantes ou aderentes e transfere fundos para as contas deficitárias.

Através desde sistema de gestão centralizada de tesouraria existe uma efetiva transferência de fundos para a conta global, pelo que é realizada a consolidação diária dos saldos bancários de cada uma das entidades aderentes, por forma a constituir um saldo único numa conta bancária gerida pelo centro de gestão de tesouraria. A sociedade centralizadora a quem compete a administração do centro de gestão de tesouraria é responsável pela imputação dos juros devedores ou credores a cada uma das entidades aderentes considerando os saldos transferidos.

O sujeito passivo celebrou, na qualidade de participante um acordo de "Cash-Pooling" em EUR (anexo 1, com cinco folhas) com a B..., com sede na Alemanha, esta na qualidade de entidade centralizadora, em que foi fixada uma taxa de juro negativa de 7% e uma taxa de juro positiva de 5%, tendo as mesmas sido alteradas em 2012-09-01 para taxa negativa de 6% e taxa positiva de 4%. A partir de junho de 2016 a taxa de juro negativa utilizada para o cashpool foi de 5% e positiva de 2%.

Em 2013-03-15 foi celebrado um acordo de "Cash-Pooling" em USD (anexo 2, com cinco folhas) entre o sujeito passivo, na qualidade de participante, e a sociedade C..., na qualidade de entidade centralizadora, em que foram fixadas condições de remuneração correspondentes a taxa de juro negativa de 5,4%, posteriormente alterada para 6% e taxa de juro positiva de 3,4%. A partir de julho de 2016 a taxa de juro negativa utilizada para o cashpool em USD foi de 5,4%.

Durante o ano de 2016 verificou-se, no âmbito dos contratos supra-referidos, a existência de transferências de fluxos financeiros entre o sujeito passivo e as sociedades B... AG e C..., na forma de conta corrente, as quais consubstanciam operações de utilização/concessão de crédito sujeitas a imposto de selo nos termos do n.º 1 do artigo 1.º do Código do Imposto do Selo (CIS), operações previstas na verba 17.1.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo (TGIM), consideradas localizadas em território nacional por força do n.º 1 e alínea b) do n.º 2 do artigo 4.º do CIS, e pelas quais o sujeito passivo pagou e recebeu juros.

(...)

 

III.2. Correções em sede de preços de transferência

As relações comerciais entre o sujeito passivo e as sociedades C... e B... descritas no ponto III.I são consideradas, à luz da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC (CIRC), operações realizadas com entidades relacionadas sujeitas à metodologia dos preços de transferência.

De facto, além da participação direta no capital do sujeito passivo por parte da C..., existe, no exercício da sua atividade, uma relação de dependência para com as empresas do grupo, designadamente porque:

             O exercício da atividade depende da cedência do Know-How relativo ao processo de fabrico, por parte do grupo;

             O aprovisionamento em matérias-primas e o acesso a canais de venda dos produtos depende exclusivamente do grupo;

             O direito de fixação de preços dos bens e parte dos serviços prestados ou adquiridos são da exclusiva responsabilidade das empresas sócias, do grupo;

             Parte das decisões de gestão do sujeito passivo estão condicionadas às opiniões do grupo,

            

Relativamente à B..., a empresa detém 100% do capital social do sujeito passivo de forma indireta, através da participação direta no capitai social de 100% na C... e de uma participação também ela indirecta, de 100% no capital social da sociedade D... .

Dispõe o n.º 1 do artigo 63.º do CIRC que "Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efectuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites a praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis".

De acordo com o dossier de preços de transferência, elaborado pelo sujeito passivo em cumprimento do disposta no n.º 6 daquele artigo, o método utilizado para aferir se os termos e condições das operações financeiras são idênticos aos que seriam contratados na ausência de relações especiais é o preço comparável de mercado. Conforme indicado a páginas 15 do referido dossier relativamente aos empréstimos obtidos do grupo. Se considerarmos as condições especiais estabelecidas nos contratos de empréstimos celebrados (...) relativas ao risco, flexibilidade, juros e ausência de garantias, verificamos que a taxa praticada, é porventura, mais favorável para a empresa do que a do mercado, conforme evidencia o apêndice n.º 5.º, o qual remete para as taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) publicadas no Boletim Estatístico do Banco de Portugal, praticadas durante o ano de 2016. De acordo com aquela publicação as taxas de juro para empréstimos de montante superior a um milhão de euros com prazo de fixação inicial de taxa até um ano, concedidos a sociedades não financeiras, variou entre um máximo de 3,32% registado no mês de janeiro e um mínimo de 2,20% registado no mês de novembro.

Analisando as condições contratuais, verifica-se que a taxa de juro debitada pela B... AG ao saldo devedor do sujeito passivo foi de 6% até maio de 2016 e de 5% de junho de 2016 em diante e a taxa de juro debitada pelo sujeito passivo sobre o saldo devedor daquela entidade foi de 4% e de 2%, respetivamente, relativamente ao contrato com a C... AG, a taxa de juro debitada sobre o saldo devedor do sujeito passivo foi de 6% até junho de 2016 e de 5,4% de julho em diante, sendo que a taxa contratualizada no caso de o sujeito passivo assumir uma posição credora face àquela sociedade foi de 3,4%.

Questionado sobre a natureza da variância de taxa negativa e positiva, o sujeito passivo apresentou uma declaração emitida pela B... AG na qual esta justifica o empolamento de parte dos seus custos com empréstimos obtidos com operações SWAPs de juros, representando estes cerca de 2,48% do total de encargos de refinanciamento, os quais, somados aos juros efetivamente pagos por esses refinanciamentos, elevam a taxa de juro efetiva a 4,55%. Uma vez que os custos de financiamento das empresas do grupo não incluem custos dos SWAPs de juros, a variância entre as taxas negativa e positiva situa-se nos 2%.

Não obstante, os argumentos invocados na declaração apresentada não lograram justificar a discrepância entre taxas negativas e taxas positivas praticadas nos financiamentos através do sistema de gestão centralizada de tesouraria, verificando-se que houve uma transferência de beneficio económico para as empresas detentoras, quer de forma direta quer de forma Indireta, do seu capital social. Ademais, se atendermos à operação escolhida pelo sujeito passivo para calcular o preço de plena concorrência, verificamos que a taxa a que se está a financiar junto daquelas sociedades é substancialmente superior.

Nos termos do n.º 1 do artigo da Portaria 1446-C-2001, de 21 de dezembro, que regula a aplicação dos métodos de determinação dos preços de transferência, a adoção do método do preço comparável de mercado requer o mais elevado grau de comparabilidade, tendo este que incidir cumulativamente no objeto, termos e condições da operação, para além da análise funcional das entidades intervenientes. Na falta de uma operação comparável, as taxas praticadas na economia constituem uma referência plausível, pelo que se conclui que, se o sujeito passivo contratasse um empréstimo de valor superior a 1.000.000,00 EUR junto de uma entidade independente, a taxa de juro oscilaria entre um mínimo de 2,20% e um máximo de 3,32%.

No entanto, e atendendo ao facto de que o sujeito passivo assume igualmente posições credores nas operações em causa, é aceitável que a taxa de juro que paga seja igual à taxa de juro que pratica ou que praticaria no caso de assumir uma posição credora, pelo que se conclui que, se as entidades das quais obteve crédito através do sistema de "Cash Pooling" fossem entidades independentes, a taxa de juro por elas aplicada seria de 4% até maio de 2016 e de 2% daí em diante, no caso da B..., e de 3,4% no caso da C... AG.

Pelo exposto, verifica-se que o sujeito passivo não deu cumprimento ao disposto no n.º 1 do artigo 63.º do CIRC pelo que, nos termos do n.º 8 do artigo 63.º do CIRC, deveria ter efetuado a necessária correção positiva na determinação do resultado tributável do período de 2016, não o tendo feito.

Assim, os gastos com juros de empréstimos obtidos através dos acordos de "Cash-Pooling" não aceites fiscalmente são os seguintes:

 

B)           Na sequência da inspecção, a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu a liquidação de IRC n.º 2018..., datada de 14-06-2018 (documento n.º 1 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

C)           Em 20-07-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada (documento n.º 5 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

D)           Em 22-11-2018, a Requerente apresentou reclamação graciosa da liquidação referida, quanto à correcção relativa a preços de transferência, que teve o n.º ...2018... (documento n.º 6 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

E)            Por despacho de 07-01-2019, a reclamação graciosa foi parcialmente deferida, mas foi indeferida quanto a questão da correcção relativa a preços de transferência, com os fundamentos que consta do projecto de decisão que consta do documento n.º 7 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido, em que se refere, além do mais, o seguinte:

ANALISANDO

Os sujeitos passivos, quando realizam operações com entidades relacionadas, devem praticar preços de mercado e justificar essa aplicação no seu dossier fiscal, em cumprimento do disposto no n.º 6 do artigo 63º do CIRC. O sujeito passivo, ora reclamante, em cumprimento deste normativo, justificou, naquele dossier, a taxa de juro aplicada nos empréstimos em causa nas taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) publicadas no Boletim Estatístico do Banco de Portugal, praticadas durante o ano de 2016.

Analisadas as taxas em causa (que a reclamante, no seu dossier, alegou respeitar), a IT verificou que, para o período em causa as mesmas variaram entre um máximo de 3,32% registado no mês de janeiro e um mínimo de 2,20% registado no mês de novembro. Da análise às taxas praticadas nos empréstimos da B... e da C... à reclamante, constata-se que as mesmas não respeitam este valor de mercado, sendo significativamente superiores (5,4% a 6%). As entidades intervenientes, ao praticarem, nas operações entre elas realizadas, valores que não respeitam o normativo já referido, estão sujeitas a correção/ajustamento do valor da operação, para o valor de mercado.

A IT, face ao acima referido, provou que o valor de mercado para a própria operação escolhida pelo sujeito passivo para calcular o preço de plena concorrência não foi respeitado, ou seja, a IT não se contentou, como alega a reclamante, "unicamente em referir que essa fundamentação não explicava o porquê de se aplicar uma taxa diferente nas posições credoras e nas posições devedoras".

É, a nosso ver, esclarecedor que a reclamante, na sua petição inicial, não se refira ao que concretamente a IT expôs no RIT e que, novamente, se transcreve:

"Conforme indicado a páginas 16 do referido dossier relativamente aos empréstimos obtidos do grupo, "Se considerarmos as condições especiais estabelecidas nos contratos de empréstimos celebrados (...) relativas ao risco, flexibilidade, juros e ausência de garantias, verificamos que a taxa praticada, é porventura, mais favorável para a empresa do que a do mercado, conforme evidencia o apêndice n.º 5.º, o qual remete para as taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) publicadas no Boletim Estatístico do Banco de Portugal, praticadas durante o ano de 2016. De acordo com aquela publicação, as taxas de juro para empréstimos de montante superior a um milhão de euros com prazo de fixação inicial de taxa até um ano, concedidos a sociedades não financeiras, variou entre um máximo de 3,32% registado no mês de janeiro e um mínimo de 2,20% registado no mês de novembro."

Existindo uma clara discrepância entre o valor que a própria reclamante, no seu dossier de preços de transferência, considera ser a taxa de mercado (que está obrigada a respeitar) e aquela que praticou, a IT, depois de provado esse desrespeito do normativo, passou para o apuramento do preço de mercado. Nesse apuramento, a IT considerou que "atendendo ao facto de que o sujeito passivo assumiu igualmente posições credoras nas operações em causa, é aceitável que a taxa de juro que paga seja igual à taxa de juro que pratica ou que praticaria no caso de assumir uma posição credora.".

Entendemos que esta posição da IT é clara, objetiva e consentânea com o que seria praticado no mercado. De facto, existindo fluxos de liquidez (em ambos os sentidos) entre duas entidades ao longo do tempo, será normal e razoável estipular que nesse "toma tá/dá cá" exista neutralidade de preço, que apenas pode ser atingida quando é fixada a mesma taxa de juro para a operação influxo de liquidez e para a operação exfluxo de liquidez.

As operações que a reclamante alega serem comparáveis (artigos 51º e 52º da sua petição inicial), por exemplo nas taxas de crédito bancário versus taxas de remuneração bancária de depósitos, não são, a nosso ver comparáveis, uma vez que nessas operações não existe, normalmente, o duplo sentido da liquidez transferida (os depositantes só injetam liquidez no banco e aqueles que pedem empréstimos apenas a obtêm).

F)            O Dossier de Preços e transferência elaborado pela Requerente tem o teor que consta do documento n.º 11 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido;

G)           Nas taxas médias de juro praticadas pelas instituições financeiras monetárias portuguesas em 2016, existe sempre um diferencial entre as operações ativas e passivas (documento n.º 14 junto com o pedido de pronúncia arbitral, cujo teor se dá como reproduzido);

H)           A Requerente teve necessidades de financiamento para investimentos no ano de 2016 e que se prevê que venham a continuar em anos posteriores (depoimento da testemunha E...);

I)             A Requerente optou pelo cash pooling intragrupo pois tinha vantagens comparativamente a financiamento bancário, designadamente a nível de prestação de garantias e obrigações acessórias e disponibilidade imediata das quantias de que necessita (depoimento da testemunha E...);

J)            As empresas alemãs é que faziam a gestão do cash pooling (depoimentos das testemunhas E... e F...);

K)           As necessidades de pagamento foram sempre asseguradas (depoimento da testemunha E...);

L)            Já ocorreram situações em que foram utilizados fundos da Requerente pelas empresas do grupo (depoimento da testemunha E...);

M)          Em operações de cash pooling no mercado existe sempre diferença entre taxas passivas e activas (depoimento da testemunha F...);

N)           A remuneração da entidade centralizadora que faz a gestão do cash pooling pode ser efectuada autonomamente, através de facturação separada, ou através da diferenciação das taxas de juros activas e passivas com vantagem para aquela entidade em relação às empresas participantes no cash pooling (depoimento da testemunha F...);

O)           Nos casos em que não há disponibilidades financeiras no âmbito do cash pooling é a entidade centralizadora que tem de obtê-las junto da banca (depoimento da testemunha F...);

P)           As taxas de juro publicadas pelo Banco de Portugal que a Autoridade Tributária e Aduaneira refere são médias de taxas muito diferentes e praticadas relativamente a operações com características diferentes, a nível de garantias, duração de empréstimos e riscos (depoimento da testemunha F...);

Q)           Mesmo nas taxas indicadas pelo Banco de Portugal encontra-se diferença de taxas de juros activas e passivas (depoimento da testemunha F...);

R)           Para avaliar a adequação das taxas praticada aos preços de mercado teria de ser efectuada análise tendo em vista encontrar situações com as mesmas características (depoimento da testemunha F...);

S)            Em 08-04-2019, a Requerente apresentou o pedido de pronúncia arbitral que deu origem ao presente processo.

 

2.2. Factos não provados e fundamentação da fixação da matéria de facto

 

Os factos provados baseiam-se nos documentos juntos pela Requerente e no processo administrativo.

As testemunhas aparentaram depor com isenção e com conhecimento dos factos que relataram.

 

3. Matéria de direito

 

3.1. Questão que é objecto do processo e posições das Partes

 

A Requerente é detida pela D... em 74,5% e pela C... AG em 25,5%, pertencendo ao Grupo G..., cuja empresa-mãe é a B... AG, sedeada na Alemanha.

A Requerente aderiu a um sistema de gestão centralizada de tesouraria, com o objetivo de optimizar as condições de aplicação dos excedentes de tesouraria e a satisfação das necessidades de financiamento do grupo.

No sistema adoptado a centralização de tesouraria é realizada em conta bancária titulada pela entidade centralizadora, constituída junto do banco, designada de conta "master" ou conta global, a qual recebe os excedentes das contas bancárias participantes ou aderentes e transfere fundos para as contas deficitárias.

A Requerente celebrou um contrato de cash pooling, na qualidade de participante, com a B... AG, com sede na Alemanha, esta na qualidade de entidade centralizadora, em que foi fixada uma taxa de juro negativa de 7% e uma taxa de juro positiva de 5%, tendo as mesmas sido alteradas em 2012-09-01 para taxa negativa de 6% e taxa positiva de 4%. A partir de junho de 2016 a taxa de juro negativa utilizada para o cash pooling foi de 5% e positiva de 2%.

Em 2013-03-15 foi celebrado um acordo de "Cash pooling" entre a Requerente, na qualidade de participante, e a sociedade C..., na qualidade de entidade centralizadora, em que foram fixadas condições de remuneração correspondentes a taxa de juro negativa de 5,4%, posteriormente alterada para 6% e taxa de juro positiva de 3,4%. A partir de julho de 2016 a taxa de juro negativa utilizada para o cash pool em USD foi de 5,4%.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que as relações comerciais entre a Requerente e as sociedades C... e B... AG são consideradas, à luz da alínea a) do n.º 4 do artigo 63.º do Código do IRC (CIRC), operações realizadas com entidades relacionadas sujeitas à metodologia dos preços de transferência.

No ano de 2016, a taxa de juro debitada pela B... AG ao saldo devedor do sujeito passivo foi de 6% até maio e de 5% de junho em diante e a taxa de juro debitada pelo sujeito passivo sobre o saldo devedor daquela entidade foi de 4% e de 2%, respectivamente. Relativamente ao contrato com a C... AG, a taxa de juro debitada sobre o saldo devedor do sujeito passivo foi de 6% até junho de 2016 e de 5,4% de julho em diante, sendo que a taxa contratualizada no caso de o sujeito passivo assumir uma posição credora face àquela sociedade foi de 3,4%.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que «a discrepância entre taxas negativas e taxas positivas praticadas nos financiamentos através do sistema de gestão centralizada de tesouraria, verificando-se que houve uma transferência de benefício económico para as empresas detentoras, quer de forma direta quer de forma Indireta, do seu capital social».

Aplicando o método do preço comparável de mercado, nos termos do n.º 1 do artigo da Portaria 1446-C-2001, de 21 de Dezembro, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, «na falta de uma operação comparável, as taxas praticadas na economia constituem uma referência plausível» e que, se a Requerente contratasse um empréstimo de valor superior a 1.000.000,00 EUR junto de uma entidade independente, a taxa de juro oscilaria entre um mínimo de 2,20% e um máximo de 3,32%, taxas de juro estas indicadas para novas operações de empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) publicadas no Boletim Estatístico do Banco de Portugal, durante o ano de 2016.

Porém, «atendendo ao facto de que o sujeito passivo assume igualmente posições credores nas operações em causa» a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu «aceitável que a taxa de juro que paga seja igual à taxa de juro que pratica ou que praticaria no caso de assumir uma posição credora, pelo que se conclui que, se as entidades das quais obteve crédito através do sistema de "Cash Pooling" fossem entidades Independentes, a taxa de juro por elas aplicada seria de 4% até maio de 2016 e de 2% dal em diante, no caso da B..., e de 3,4% no caso da C... AG».

Assim, a Autoridade Tributária e Aduaneira efectuou correcções considerando que, nas posições devedoras, deveriam ter sido aplicadas taxas de juros iguais àquelas que estavam contratualmente previstas para as posições credoras do "cash-pooling", ou seja 4% até maio de 2016 e 2% de maio em diante no caso da B... AG, e 3,4% relativamente à C... AG.

A Requerente defende em suma o seguinte:

 

– a Autoridade Tributária e Aduaneira considerou que a remuneração acordada para as posições credoras representava um referencial de remuneração para as posições devedoras, isto é, que numa situação de mercado, é razoável não existir uma variância de taxas de juro entre os saldos credores e saldos devedores de operações financeiras estabelecidas por uma mesma entidade;

– justifica-se a existência de um diferencial entre as taxas de juro contratualizadas para saldos credores e saldos devedores, tendo em consideração a legislação de preços de transferência e as práticas de mercado, no contexto do “cash-pooling” contratualizado pela Requerente junto da B... AG e C... AG;

– são diferentes as funções desenvolvidas entre as entidades que são meras utilizadoras do cash-pooling (como a Requerente) e as 2 entidades que centralizam a gestão dos mesmos (no caso, a B... AG e a C... AG), pois, as entidades gestoras assumem um papel activo de gestão das necessidades comunicadas pelas várias utilizadoras e de angariação dos fundos necessários para financiar essas necessidades;

– existirão momentos em que o volume global de necessidades das várias entidades utilizadoras supera o volume de excedentes, obrigando as entidades gestoras a obter fundos adicionais através de recursos próprios ou de captação de financiamentos bancários, a providenciar garantias a essas instituições financeiras, a contrair instrumentos de cobertura do risco de crédito subjacente ou do risco de evolução de taxa de juros subjacente, assumindo também consequentemente, para além de desempenhar funções adicionais, riscos acrescidos relacionados com as obrigações adicionais assumidas perante financiadores externos;

– as entidades utilizadoras do cash-pooling (como a Requerente) contentam-se em aplicar fundos e receber uma remuneração, ou requerer fundos e pagar juros, atuando de forma passiva, sem envolvimento na gestão integrada da circulação dos fundos, sem envolvimento na contratação dos fundos complementares para compensar défices globais, sem assunção acrescida de responsabilidades perante terceiros para suprir necessidades de outras entidades do Grupo;

– é expectável que as entidades gestoras sejam remuneradas pelas funções de gestão desenvolvidas em benefício de todas as outras entidades utilizadoras do “cash pooling”, entidades essas que beneficiam dessa atividade desenvolvida pelas entidades gestoras sem, no entanto, partilharem os custos decorrentes do desenvolvimento dessa actividade e sem partilharem os riscos inerentes;

– é prática corrente comummente adotada nos mercados financeiros pressupõe que sejam estabelecidas taxas de juro distintas para saldos credores e saldos devedores;

– a Requerente reconhece que, por lapso, no Dossier Fiscal de Preços de Transferência relativo ao período de tributação de 2016 (Documento n.º 11), apresentou uma análise deficiente para suportar a política de remuneração das suas operações financeiras;

– o uso das médias do Banco de Portugal como referencial para remuneração de operações financeiras não permite a identificação de um conjunto de operações que reúnem caraterísticas similares à operação em apreço para garantir a sua comparabilidade, dado tratar-se de médias de todas as operações contratadas com instituições financeiras Portuguesas;

– caberia aos SIT demonstrar que os termos e condições acordados no âmbito dos contratos de "cash-pooling" celebrados, concretamente a existência de um diferencial de taxa de juro nas posições credoras e devedoras, não estão de acordo com as práticas usualmente aceites no mercado relativamente a operações desta natureza.

 

A Autoridade Tributária e Aduaneira defende o seguinte, em suma:

 – é a própria Requerente que indica no dossier de prelos de transferência que o método que entendeu ser o mais apropriado para aferir se os termos e condições praticados nas operações financeiras vinculadas são idênticos aos que seriam praticados por entidades independentes é o método do preço comparável de mercado, tendo igualmente indicado como comparável «as taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) publicadas no Boletim Estatístico do Banco de Portugal, praticadas durante o ano de 2016»;

– apenas agora a Requerente vem alegar a existência de erro na escolha do comparável indicado no dossier de preços de transferência;

– as taxas praticadas nos contratos de cash pooling situam-se acima das taxas indicadas pelo Banco de Portugal para as posições activas, isto é, posição das entidades que disponibilizam fundos, as quais variaram entre um máximo de 3,32% e um mínimo de 2,20%;

– da comparação efetuada entre a taxa de juro de referência do Banco de Portugal a praticar sobre os empréstimos obtidos - que varia no intervalo ( 2,20%; 3,32%] - e a taxa aceite pelos Serviços de Inspeção Tributária - que se fixou em 4% - resulta uma situação vantajosa para a Requerente porquanto são considerados fiscalmente gastos com juros num valor superior ao que seria se os juros fossem apenas aceites calculados à taxa de referência do Banco de Portugal;

– a Requerente sairia sempre beneficiada na comparação com a utilização das taxas de juro de mercado se tivesse uma posição globalmente (isto é, no saldo entre empréstimos obtidos e empréstimos concedidos) credora, mas sairia prejudicada se tivesse uma posição globalmente devedora;

– quanto aos alegados gastos da empresa centralizadora ou os custos derivados da contratação de swaps que justificariam o diferencial de taxas, os mesmos não se autonomizam do método apontado pela Requerente no seu dossier de preços de transferência e seguido pelos SIT, nem ficou provado a existência dessas despesas;

– houve uma transferência de benefício económico para as empresas detentoras, quer de forma direta quer de forma indireta, do capital social da Requerente;

– na falta de uma operação comparável, as taxas praticadas na economia constituem uma referência plausível, pelo que se conclui que, se o sujeito passivo contratasse um empréstimo de valor superior a € 1.000.000,00 junto de uma entidade independente, a taxa de juro oscilaria entre um mínimo de 2,20% e um máximo de 3,32%;

– a Autoridade Tributária e Aduaneira socorreu-se da informação pública disponível no Boletim  Estatístico  do  Banco de Portugal sobre as taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) de onde extraiu dados relativos às (i) taxas de juro sobre novas operações de empréstimos (médias mensais) e às (ii) taxas de juro sobre novas operações de depósitos (médias mensais);

– o Banco de Portugal recolhe e elabora as estatísticas monetárias, financeiras, cambiais e da balança de pagamentos, designadamente no âmbito da sua colaboração com o Banco Central Europeu (BCE) (Artigo 13.º da Lei Orgânica);

– a Lei do Sistema Estatístico Nacional (Lei n.º 22/2008 de 13 de maio) reconhece o Banco de Portugal enquanto autoridade estatística e, nessa qualidade, o Banco de Portugal faz parte do Sistema Estatístico Nacional (SEN), sem prejuízo das garantias de independência decorrentes da sua participação no Sistema Europeu de Bancos Centrais (SEBC);

– existindo uma clara discrepância entre o valor que a própria Requerente, no seu dossier de preços de transferência, considerou ser a taxa de mercado (que esta obrigada a respeitar) e aquela que praticou, os serviços de inspeção tributária, procederam ao apuramento do preço de mercado;

– a Requerida provou e demonstrou devidamente de forma fundamentada o critério utilizado para determinar a remuneração das taxas do contrato de cash pooling ao invés da Requerente que não logrou demonstrar devidamente a sua pretensão de forma sustentada, devendo a mesma ser totalmente considerada improcedente;

– não está demonstrado pela Requerente a consonância da prática de taxas de juro diferenciadas no acordo de cash-pooling em apreço, nas operações ativas e passivas, com as regras em vigor de Preços de Transferência, maxime plasmadas no artigo 63.º do Código do IRC e na Portaria n.º 1466-C/2001, de 21 de Dezembro;

– ao contrário do alegado pela requerente a utilização de taxas de juro diferenciadas nas operações ativas e passivas não constitui a única forma de, num acordo de cash-pooling não remunerado por outra via, "compensar" a entidade gestora pelas funções desempenhadas em benefício de todas as entidades utilizadoras do cash-pooling, assim como pelos riscos assumidos;

– existem várias opções de remuneração de contratos de cash pooling: por exemplo a Requerente poderia ter optado por uma remuneração via prestação de serviços, ainda que seja uma alternativa menos frequente no mercado;

– não tem razão a Requerente quando refere que as médias do Banco de Portugal  não podem ser utilizadas como um referencial para a aplicação do método do preço comparável de mercado, uma vez que são uma mera amálgama de operações muito diversas e muito diferentes, inviabilizando assim a aplicação dos requisitos de comparabilidade das operações, pois trata-se de dados estatísticos oficiais das operações financeiras;

– a Autoridade Tributária limitou-se a cumprir, de acordo com o princípio da legalidade previsto no artigo 266º da Constituição e concretizado nos artigos 55.º LGT e no artigo 3.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA) o determinado em sede tributação do rendimento das pessoas coletivas.

 

3.2. Apreciação da questão

 

O processo arbitral tributário, como meio alternativo ao processo de impugnação judicial (n.º 2 do artigo 124.º da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril), é, como este, um meio processual de mera legalidade, em que se visa declarar a ilegalidade de actos dos tipos indicados no artigo 2.º do RJAT e eliminar os efeitos jurídicos por eles produzidos, anulando-os ou declarando a sua nulidade ou inexistência [artigos 99.º e 124.º do CPPT, aplicáveis por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea a), daquele].

Por isso, sendo o objecto de apreciação do Tribunal Arbitral o acto praticado, a sua legalidade tem de ser apreciada à face do seu teor, tal como foi praticado, não podendo o tribunal, perante a constatação da invocação de um fundamento ilegal como suporte da decisão administrativa, apreciar se a sua actuação poderia basear-se noutros fundamentos. (   )

Por outro lado, sendo o acto impugnado o objecto do processo, não está em causa apreciar se foi correcta ou não a aplicação pela Requerente do regime de preços de transferência, mas apenas apurar se a correcção efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira tem suporte legal.

Na redacção vigente em 2016, o artigo 63.º do CIRC estabelece o seguinte, no que aqui interessa:

 

Artigo 63.º

 

Preços de transferência

 

1 - Nas operações comerciais, incluindo, designadamente, operações ou séries de operações sobre bens, direitos ou serviços, bem como nas operações financeiras, efetuadas entre um sujeito passivo e qualquer outra entidade, sujeita ou não a IRC, com a qual esteja em situação de relações especiais, devem ser contratados, aceites e praticados termos ou condições substancialmente idênticos aos que normalmente seriam contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis.

2 - O sujeito passivo deve adotar, para a determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método ou métodos suscetíveis de assegurar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações ou séries de operações que efetua e outras substancialmente idênticas, em situações normais de mercado ou de ausência de relações especiais, tendo em conta, designadamente, as caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco.

3 - Os métodos utilizados devem ser:

 

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fracionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

 

4 - Considera-se que existem relações especiais entre duas entidades nas situações em que uma tem o poder de exercer, direta ou indiretamente, uma influência significativa nas decisões de gestão da outra, o que se considera verificado, designadamente, entre:

a) Uma entidade e os titulares do respetivo capital, ou os cônjuges, ascendentes ou descendentes destes, que detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

b) Entidades em que os mesmos titulares do capital, respetivos cônjuges, ascendentes ou descendentes detenham, direta ou indiretamente, uma participação não inferior a 20 % do capital ou dos direitos de voto;

c) Uma entidade e os membros dos seus órgãos sociais, ou de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, e respetivos cônjuges, ascendentes e descendentes;

d) Entidades em que a maioria dos membros dos órgãos sociais, ou dos membros de quaisquer órgãos de administração, direção, gerência ou fiscalização, sejam as mesmas pessoas ou, sendo pessoas diferentes, estejam ligadas entre si por casamento, união de facto legalmente reconhecida ou parentesco em linha reta;

e) Entidades ligadas por contrato de subordinação, de grupo paritário ou outro de efeito equivalente;

f) Empresas que se encontrem em relação de domínio, nos termos do artigo 486.º do Código das Sociedades Comerciais;

g) Entidades cujo relacionamento jurídico possibilita, pelos seus termos e condições, que uma condicione as decisões de gestão da outra, em função de factos ou circunstâncias alheios à própria relação comercial ou profissional;

h) Uma entidade residente ou não residente com estabelecimento estável situado em território português e uma entidade sujeita a um regime fiscal claramente mais favorável residente em país, território ou região constante da lista aprovada por portaria do membro do Governo responsável pela área das finanças.

 

Este regime é complementado pela Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, que estabelece o seguinte, nos seus artigos 4.º e 6.º:

 

Artigo 4.º

 

Determinação do método mais apropriado

 

1 - O sujeito passivo deve adoptar, para determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes, o método mais apropriado a cada operação ou série de operações, tendo em conta o seguinte:

a) O método do preço comparável de mercado, o método do preço de revenda minorado ou o método do custo majorado;

b) O método do fraccionamento do lucro, o método da margem líquida da operação ou outro método apropriado aos factos e às circunstâncias específicas de cada operação que satisfaça o princípio enunciado no n.º 1 do artigo 1.º desta portaria, quando os métodos referidos na alínea anterior não possam ser aplicados ou, podendo sê-lo, não permitam obter a medida mais fiável dos termos e condições que entidades independentes normalmente acordariam, aceitariam ou praticariam.

2 - Considera-se como método mais apropriado para cada operação ou série de operações aquele que é susceptível de fornecer a melhor e mais fiável estimativa dos termos e condições que seriam normalmente acordos, aceites ou praticados numa situação de plena concorrência, devendo ser feita a opção pelo método mais apto a proporcionar o mais elevado grau de comparabilidade entre as operações vinculadas e outras não vinculadas e entre as entidades seleccionadas para a comparação, que conte com melhor qualidade e maior quantidade de informação disponível para a sua adequada justificação e aplicação e que implique o menor número de ajustamentos para efeitos de eliminar as diferenças existentes entre os factos e as situações comparáveis.

3 - Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas.

4 - Sempre que existam dúvidas fundadas acerca da fiabilidade dos valores que seriam obtidos com a aplicação de um dado método, o sujeito passivo deve tentar confirmar tais valores mediante a aplicação de outros métodos, de forma isolada ou combinada.

5 - Se, no âmbito de aplicação de um método, a utilização de duas ou mais operações não vinculadas comparáveis ou a aplicação de mais de um método considerado igualmente apropriado conduzir a um intervalo de valores que assegurem um grau de comparabilidade razoável, não se torna necessário proceder a qualquer correcção, caso as condições relevantes da operação vinculada, nomeadamente o preço ou a margem de lucro, se situarem dentro desse intervalo.

(...)

Artigo 6.º

 

Método do preço comparável de mercado

 

1 - A adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes.

2 - Este método pode ser utilizado, designadamente, nas seguintes situações:

a) Quando o sujeito passivo ou uma entidade pertencente ao mesmo grupo realiza uma transação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, com uma entidade independente no mesmo ou em mercados similares;

b) Quando uma entidade independente realiza uma operação da mesma natureza que tenha por objecto um serviço ou um produto idêntico ou similar, em quantidade ou valor análogos, e em termos e condições substancialmente idênticos, no mesmo mercado ou em mercados similares.

3 - Sempre que uma operação vinculada e uma operação não vinculada não sejam substancialmente comparáveis, o sujeito passivo deve identificar e quantificar os efeitos provocados pelas diferenças existentes nos preços de transferência, que devem ser de natureza secundária, procedendo aos ajustamentos necessários para os eliminar, por forma a determinar um preço ajustado correspondente ao de operação não vinculada comparável.

 

No caso em apreço, há acordo das Partes quanto à aplicação do regime de preços de transferência previsto no artigo 63.º do Código do IRC, designadamente quanto à existência de «relações especiais» entre a Requerente e as entidades do grupo com quem celebrou os contratos de cash pooling.

Assim, as taxas de juro relevantes para efeitos fiscais relativas a movimentos financeiros efectuados no âmbito dos contratos deverão ser as que seriam normalmente contratados, aceites e praticados entre entidades independentes em operações comparáveis, determinados nos termos do regime de preços de transferência a que se refere o artigo 63.º do CIRC e a Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

A Requerente, no dossier de preços de transferência que organizou, nos termos do artigo 130.º do CIRC, utilizou, para aferir se os termos e condições das operações financeiras são idênticos aos que seriam contratados na ausência de relações especiais, o método do preço comparável de mercado.

A Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu também ser de aplicar este método e, depois de referir que «a adoção do método do preço comparável de mercado requer o mais elevado grau de comparabilidade, tendo este que incidir cumulativamente no objeto, termos e condições da operação, para além da análise funcional das entidades intervenientes», entendeu que «na falta de uma operação comparável, as taxas praticadas na economia constituem uma referência plausível, pelo que se conclui que, se o sujeito passivo contratasse um empréstimo de valor superior a 1.000.000,00 EUR junto de uma entidade independente, a taxa de juro oscilaria entre um mínimo de 2,20% e um máximo de 3,32%».

Estas taxas são, como se refere n Relatório da Inspecção Tributária, «as taxas de juro sobre novas operações de empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) publicadas no Boletim Estatístico do Banco de Portugal, praticadas durante o ano de 2016».

Porém, a Autoridade Tributária e Aduaneira entendeu que, «atendendo ao facto de que o sujeito passivo assume igualmente posições credores nas operações em causa, é aceitável que a taxa de juro que paga seja igual à taxa de juro que pratica ou que praticaria no caso de assumir uma posição credora, pelo que se conclui que, se as entidades das quais obteve crédito através do sistema de "Cash Pooling" fossem entidades Independentes, a taxa de juro por elas aplicada seria de 4% até maio de 2016 e de 2% dal em diante, no caso da B..., e de 3,4% no caso da C... AG».

                Como se refere no artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro, «a adopção do método do preço comparável de mercado requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes».

«Duas operações reúnem as condições para serem consideradas comparáveis se são substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares, de tal modo que as diferenças existentes entre as operações ou entre as empresas nelas intervenientes não são susceptíveis de afectar de forma significativa os termos e condições que se praticariam numa situação normal de mercado ou, sendo-o, é possível efectuar os necessários ajustamentos que eliminem os efeitos relevantes provocados pelas diferenças verificadas» (n.º 4 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001).

Afigura-se que a utilização de taxas de juros médias relativas a empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO (médias ponderadas mensais) não é um método que satisfaça as exigências de comparabilidade de operações formuladas pelo n.º 2 do artigo 63.º do CIRC, que alude à ponderação das «caraterísticas dos bens, direitos ou serviços, a posição de mercado, a situação económica e financeira, a estratégia de negócio, e demais caraterísticas relevantes dos sujeitos passivos envolvidos, as funções por eles desempenhadas, os ativos utilizados e a repartição do risco».

Na verdade, subjacentes àquela taxa de juro média sobre operações de empréstimos estão necessariamente subjacentes operações completamente distintas, como, por exemplo: de curto, médio e longo prazo; garantidas e não garantidas; dívidas subordinadas e dívidas seniores; financiamento de actividades de risco agravado e de menor risco; empréstimos a devedores com passado exemplar e com passado de incumprimento e a devedores com boa situação financeira e com má situação financeira; empréstimos reembolsados em tranches e empréstimos com reembolso apenas na maturidade; empréstimos a taxa variável e a taxa fixa.

Assim, correcção de preços foi efectuada pela Autoridade Tributária e Aduaneira com invocação de um dos métodos previstos na lei, que é o método do preço comparável de mercado, mas é manifesto que não foram satisfeitos os requisitos legais previstos para utilização desse método, que «requer o grau mais elevado de comparabilidade com incidência tanto no objecto e demais termos e condições da operação como na análise funcional das entidades intervenientes» (artigo 6.º, n.º 1, da Portaria n.º 1446-C/2001).

Na verdade, para duas operações serem consideradas comparáveis é necessário que sejam «substancialmente idênticas, o que significa que as suas características económicas e financeiras relevantes são análogas ou suficientemente similares» (n.º 4 do artigo 4.º da Portaria n.º 1446-C/2001), o que afasta manifestamente a possibilidade de ser utilizado para efeito da determinação dos termos e condições que seriam normalmente acordados, aceites ou praticados entre entidades independentes um valor médio para cujo apuramento foi considerado um conjunto indefinido de operações cujas características não estão determinadas (empréstimos concedidos por instituições financeiras monetárias a residentes na área do EURO), mas em que, segura e inevitavelmente, por se tratar da generalidade dos empréstimos em euros concedidos por instituições financeiras a residentes em 2016, se incluem operações substancialmente distintas, com características económicas e financeiras relevantes completamente distintas das que têm as operações vinculadas, a nível de garantias e de risco do credor.

Assim, tem de se concluir que o método utilizado pela Autoridade Tributária e Aduaneira, viola o os citados n.º 2 do artigo 63.º do CIRC e o n.º 4 do artigo 4.º e o n.º 1 do artigo 6.º da Portaria n.º 1446-C/2001, de 21 de Dezembro.

Por outro lado, no caso em apreço, ficou demonstrado que, ao contrário do que entendeu a Autoridade Tributária e Aduaneira, há razão para distinguir as taxas aplicadas pelas entidades centralizadoras do cash pooling e pelas participantes aos respectivos saldos devedores, justificando-se que sejam superiores as taxas dos saldos devedores de que são credoras as entidades centralizadoras, como forma de remuneração da actividade de gestão do cash pooling, uma vez que não foi prevista remuneração separada.

Pelo exposto, conclui-se que as correcções efectuadas enfermam de vícios de erro sobre os pressupostos de facto e erro sobre os pressupostos de direito que justificam a sua anulação, nos termos artigo 163.º, n.º 1, do Código do Procedimento Administrativo subsidiariamente aplicável nos termos do artigo 2.º, alínea c), da LGT. 

 

3.3. Liquidação de juros compensatórios

 

A liquidação de juros compensatórios tem como pressuposto liquidação de IRC, pelo que enferma dos mesmos vícios, que justificam também a sua anulação.

 

3.4. Questões de conhecimento prejudicado

 

Sendo de julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral com fundamento em vícios de violação de lei, que a asseguram a tutela dos interesses dos Requerentes, fica prejudicado, por ser inútil, o conhecimento das restantes questões suscitadas, de harmonia com os artigos 130.º e 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil subsidiariamente aplicável por força do disposto no artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT.

 

4. Juros indemnizatórios

 

Em 20-07-2018, a Requerente pagou a quantia liquidada e pede juros indemnizatórios.

De harmonia com o disposto na alínea b) do art. 24.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão de que não caiba recurso ou impugnação vincula a Administração Tributária a partir do termo do prazo previsto para o recurso ou impugnação, devendo esta, nos exactos termos da procedência da decisão arbitral a favor do sujeito passivo e até ao termo do prazo previsto para a execução espontânea das sentenças dos tribunais judiciais tributários, «restabelecer a situação que existiria se o acto tributário objecto da decisão arbitral não tivesse sido praticado, adoptando os actos e operações necessários para o efeito», o que está em sintonia com o preceituado no art. 100.º da LGT [aplicável por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT] que estabelece, que «a administração tributária está obrigada, em caso de procedência total ou parcial de reclamação, impugnação judicial ou recurso a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto ou situação objecto do litígio, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, se for caso disso, a partir do termo do prazo da execução da decisão».

Embora o art. 2.º, n.º 1, alíneas a) e b), do RJAT utilize a expressão «declaração de ilegalidade» para definir a competência dos tribunais arbitrais que funcionam no CAAD, não fazendo referência a decisões condenatórias, deverá entender-se que se compreendem nas suas competências os poderes que, em processo de impugnação judicial, são atribuídos aos tribunais tributários, sendo essa a interpretação que se sintoniza com o sentido da autorização legislativa em que o Governo se baseou para aprovar o RJAT, em que se proclama, como primeira directriz, que «o processo arbitral tributário deve constituir um meio processual alternativo ao processo de impugnação judicial e à acção para o reconhecimento de um direito ou interesse legítimo em matéria tributária».

O processo de impugnação judicial, apesar de ser essencialmente um processo de anulação de actos tributários, admite a condenação da Administração Tributária no pagamento de juros indemnizatórios, como se depreende do art. 43.º, n.º 1, da LGT, em que se estabelece que «são devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido» e do art. 61.º, n.º 4 do CPPT (na redacção dada pela Lei n.º 55-A/2010, de 31 de Dezembro, a que corresponde o n.º 2 na redacção inicial), que «se a decisão que reconheceu o direito a juros indemnizatórios for judicial, o prazo de pagamento conta-se a partir do início do prazo da sua execução espontânea».

Assim, o n.º 5 do art. 24.º do RJAT, ao dizer que «é devido o pagamento de juros, independentemente da sua natureza, nos termos previsto na lei geral tributária e no Código de Procedimento e de Processo Tributário», deve ser entendido como permitindo o reconhecimento do direito a juros indemnizatórios no processo arbitral.

O regime substantivo do direito a juros indemnizatórios é regulado no artigo 43.º da LGT, que estabelece, no que aqui interessa, o seguinte:

 

Artigo 43.º

Pagamento indevido da prestação tributária

                1 – São devidos juros indemnizatórios quando se determine, em reclamação graciosa ou impugnação judicial, que houve erro imputável aos serviços de que resulte pagamento da dívida tributária em montante superior ao legalmente devido.

 

Os erros que afectam a liquidação são imputáveis à Autoridade Tributária e Aduaneira, pois foi elaborada por sua iniciativa.

Assim, sendo de anular a liquidação, o imposto respectivo foi indevidamente pago, pelo que a Requerente tem direito a juros indemnizatórios.

Os juros indemnizatórios são devidos, nos termos dos artigos 43.º, n.ºs 1 e 4, e 35.º, n.º 10, da LGT, 61.º, n.º 5, do CPPT, 559.º do Código Civil e Portaria n.º 291/2003, de 8 de Abril, à taxa legal supletiva, e contados desde 20-07-2018 (data do pagamento) até à data do processamento da respectiva nota de crédito.

 

5. Decisão

 De harmonia com o exposto, acordam neste Tribunal Arbitral em

a)            Julgar procedente o pedido de pronúncia arbitral;

b)           Anular a liquidação de IRC n.º 2018...;

c)            Julgar procedente o pedido de juros indemnizatórios formulado pela Requerente e condenar a Autoridade Tributária e Aduaneira a pagá-los nos termos referidos no ponto 4 deste acórdão.

 

6. Valor do processo

 De harmonia com o disposto no art. 305.º, n.º 2, do CPC e 97.º-A, n.º 1, alínea a), do CPPT e 3.º, n.º 2, do Regulamento de Custas nos Processos de Arbitragem Tributária fixa-se ao processo o valor de € 5.131,79.

 

Lisboa, 08-01-2020

Os Árbitros

 

(Jorge Lopes de Sousa)

(Francisco Carvalho Furtado)

(Carla Castelo Trindade)